Diz o art. 332 do Código de Processo Civil Brasileiro que todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, são hábeis a provar a verdade dos fatos. Assim, importante identificar a origem e conceito da prova, bem como sua finalidade, destinatário, objeto, salientando-se que os meios e tipos de prova não serão objeto de análise[1].
Nas origens do Direito (sociedades primitivas), inexistia a figura da prova, inicialmente pelo fato de que o mais forte era o vencedor do conflito, depois pela autocomposição, para a qual não se tinha uma decisão sobre quem possuía razão, mas abdicação de todo ou de parte do Direito. Somente com a evolução social e fortalecimento do Estado, quando do surgimento dos árbitros, é que os primeiros mecanismos de provas surgiram.
Como nas sociedades antigas as civilizações atribuíam origem divina ao Direito (uma vez que a religião era a base da sociedade) os meios de provas utilizados para a demonstração dos fatos possuíam ligação direta com a religião, como, por exemplo, os ordálios, o juramento[2], os conspurgadores[3] e combates judiciários[4].
Campo diz que os ordálios eram provas de caráter eminentemente religioso, usadas principalmente pelos primitivos povos germanos e os semibárbaros da família indo-européia, e tinham por escopo submeter alguém a um determinado procedimento probatório inculcado na esperança de que Deus não o deixaria sair com vida ou sem um sinal evidente se não dissesse a verdade ou se fosse culpado. Difundidas, predominaram durante muito tempo através de diversas modalidades: pela sorte, pelo fogo, pela água fria, da cruz, do pão e queijo, da eucaristia pela caldeira pendente, do pão bento, das serpentes, etc.[5], chegando até a Europa na Idade Média, com a predominância do cristianismo, sob o pálio de que Deus participava do processo e do julgamento dos homens[6].
À medida que a sociedade desenvolvia-se, o Estado se fortalecia, surgindo mecanismos de estruturação e administração social. Dentro das relações de conflito, surgiu a arbitragem obrigatória, havendo, a partir de então, a predominância da justiça pública sobre a privada, sendo a religião deixada fora do processo de solução dos conflitos.
Assim, necessária passou a ser a demonstração dos argumentos trazidos para que a parte fosse vitoriosa em sua pretensão, abrindo-se, dessa forma, o campo para a produção de provas dos acontecimentos e fatos. Na atualidade, há mecanismos muito mais céleres para a busca do que se convencionou chamar de verdade real[7], sendo que tal busca evoluiu consideravelmente em termos de logicidade e cientificidade na formação da prova.
Provar[8], na acepção comum, significa demonstrar (comprovar) a veracidade de uma afirmação. O conceito de prova não se restringe a essa concepção, pelo contrário. Desde os primórdios das civilizações até a época atual, muita discussão e definições foram feitas em relação à prova. Santos salienta que, no sentido comum, prova significa verificação, inspeção, exame, confirmação, reconhecimento por experiência, experimentação, revisão, comprovação, confronto – o vocábulo é usado para indicar tudo que nos pode convencer de um fato, das qualidades boas ou más de uma coisa, da exatidão de uma coisa[9]. Já, no sentido jurídico, o autor diz que:
“o vocábulo é empregado em várias acepções: Significa a produção dos atos ou dos meios com os quais as partes ou o juiz entendem afirmar a verdade dos fatos alegados (actus probandi); significa ação de provar, de fazer a prova. Nessa acepção se diz: a quem alega cabe fazer a prova do alegado, isto é, cabe fornecer os meios afirmativos de sua alegação. Significa o meio de provar considerado em si mesmo. Nessa acepção se diz: prova testemunhal, prova documental, prova indiciária, presunção. Significa o resultado dos atos ou dos meios produzidos na apuração da verdade. Nessa acepção se diz: o autor fez a prova da sua intenção, o réu fez a prova da exceção”[10].
Carnelutti assevera que prova em sentido jurídico é demonstrar a verdade formal dos fatos discutidos, mediante procedimentos determinados, ou seja, através de meios legais (legítimos)[11]. Provar, então, é evidenciar, fazer ver a exatidão e autenticidade (fidelidade) dos fatos que estão sob debate. Essa verdade que se busca comprovar é, segundo Malatesta, “a conformidade da noção ideológica com a realidade”[12]. Considerando, aqui, o caráter legal (permitido no ordenamento) e moral (não proibido), para a validade da prova produzida.
Para Brum, “não existe a Verdade”, pois ela, como valor absoluto e marco universal para todos os valores, só existe no interior de uma doutrina religiosa, social ou política extremista[13]. Apesar do caráter de contraponto ideológico, o autor trabalha a verdade no sentido de dogma universal.
Tem-se, então, que a busca da verdade é realizada através da prova judicial, como objetivo do processo em solucionar o litígio existente, pois, estabelecendo-se quem demonstrou a co-relação do seu direito com os fatos ocorridos, ter-se-ia o vitorioso da demanda. Lembrando-se, ainda, da legalidade e moralidade da produção probatória. O objeto da prova, portanto, são os fatos.
Como se objetiva a solução pacífica do conflito, buscando-se esta através de uma decisão justa, é essencial o caráter verídico da situação, já que somente com a base verdadeira a sentença aproximar-se-ia do justo. Mas, por mais que o processo busque a verdade, essa verdade deve ser perseguida, segundo Cambi, dentro de critérios objetivos e limites razoáveis[14].
Poder-se-ia dividir a verdade em verdade material e verdade formal, eis que não se poderia obter um consenso em relação a uma definição de verdade e, para o processo, é essencial sua busca. Para Teixeira Filho, a verdade real (material) é a que se pode denominar de verdade em si, ou seja, aquilo que efetivamente aconteceu no mundo sensível; enquanto que a verdade formal é a que se estabelece nos autos, como resultado das provas produzidas pelas partes[15].
Pelas próprias limitações físicas, científicas, materiais, temporais e processuais, a busca da verdade não é ilimitada, formando, no processo, a chamada verdade formal (dentro daquilo que foi produzido ou possível de ser produzido), ainda que a verdade material (real) seja sempre buscada como ideal da justiça almejada.
Constata Teixeira Filho que, por mais que o processo vise, fundamentalmente, a verdade real, é a formal que vincula a formação do convencimento do julgador, na medida em que a lei o compele a respeitá-la. Encerra dizendo que “o processo somente atinge, com plenitude, a sua verdadeira razão teleológica quando a verdade formal coincide com a real”[16].
Burgarelli conceitua verdade formal como sendo as verdades formais. Fatos do processo, diferentemente dos fatos materiais, são acontecimentos registrados “dentro do processo”; são verdades formais, que se apresentam ritualisticamente na fluência sucessiva de atos, também denominados atos procedimentais (atos das partes, do juiz, de seus auxiliares e de órgãos e pessoas que, até desinteressadamente – peritos, p. ex., atuam no processo)[17].
O juiz, em face do dever de solucionar a lide, utilizará as provas para formar seu convencimento, declarando o direito com a verdade encontrada (ainda que não seja a verdade real, que deve ser buscada), eis que as partes não podem restar à mercê do tempo, nem mesmo o Judiciário pode omitir-se de decidir e solucionar o conflito.
Há de se perceber que a busca da verdade real com a prova é objetivo das partes e do Estado (na figura do magistrado), mas a verdade formal será suficiente para que o processo alcance seus fins maiores, quais sejam, a pacificação social, a efetivação do direito materialmente constituído, a efetividade e a justiça. Santos diz que
“O direito processual busca a verdade real, mas contenta-se com a verdade formal principalmente nas causas patrimoniais. Diversamente quando se trata de processo em que se discutem direitos indisponíveis. Nestes, a busca da verdade real é mais acentuada, mas, não obstante isso, não se pode dizer que seja encontrada em todos os efeitos, pela própria limitação humana dos litigantes, dos seus patronos, do julgador, diríamos melhor, da prova”[18].
Isso não significa que a busca pela verdade real não seja uma constante, pelo contrário, ocorre que o juiz não poderá eternizar essa busca, devendo contentar-se com a verdade processual na prestação da tutela jurisdicional, como frisa Theodoro Júnior[19], sob pena de inutilizar o processo e de sonegar a justiça postulada pelas partes, pois, como disse Ruy Barbosa, “justiça tardia não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”.
Têm-se, outrossim, os fatos como objeto da prova no processo, havendo, entretanto, a necessidade de comprovação apenas dos mesmos quando controversos (ou contestados) forem, eis que os fatos incontroversos, notórios, confessados, determinados, etc., não carecem de prova.
Voltando à questão do conceito de prova, diz Milhomens que a prova pode ser empírica, científica ou filosófica, e, quando relativa a fato que está ou entra no mundo do direito, diz-se jurídica[20].
Juridicamente falando, Campo estabelece que prova consiste em um somatório de meios probatórios realizados por um conjunto de atos praticados por, pelo menos, uma das partes litigantes (ou requerentes em juízo), cujo objetivo é operar no espírito do julgador a certeza de suas afirmações, para, assim, obter êxito na demanda, através da comprovação das alegações feitas[21].
Burgarelli assim define a palavra prova:
“No direito processual, provar resume-se na realização de uma tarefa necessária e obrigatória, para constituir estado de convencimento no espírito do juiz, este na condição de órgão julgador, a respeito de um fato alegado e sua efetiva ocorrência, tal como foi descrito. Prova, assim, é meio, é instrumento utilizado para a demonstração da realidade material. De modo a criar, no espírito humano, convencimento de adequação. Prova judiciária, por seu turno, é o meio demonstrativo de veracidade entre o fato material (fato constitutivo do direito) e o fundamento jurídico do pedido. Vale dizer é o meio pelo qual se estabelece relação de veracidade e adequação entre a causa próxima e a causa remota, elementos da causa de pedir. Estabelecida a relação, por meio da prova, ao juiz é dada a tarefa de aplicar a lei, a hipótese normativa de incidência fática, em regra, a norma de direito material”[22].
Nas definições trazidas, percebe-se, em sua maioria, a caracterização da prova como meio. Desse modo, a prova seria simplesmente o instrumento (meio) utilizado para demonstrar a existência dos fatos pertinentes e/ou essenciais ao processo. A identificação da prova como meio é rebatida por Silva, para quem a “Prova significa o convencimento que se adquire a respeito da existência de um determinado fato”[23]. Nesse sentido, Carnelutti salienta que o conjunto de regras, relativas à percepção e à dedução dos fatos por parte do juiz, constitui o sistema ou a teoria chamada prova legal. Mas adverte que não se pode concentrar a visão sobre a livre apreciação ou não dos meios de prova[24], já que essa questão transporta-se para verificação da verdade formal e material, analisada em outro momento.
Não basta a mera realização do ato, há de se verificar a validade, moralidade e legalidade dos procedimentos, bem como sua co-relação com os fatos controversos, constituindo-se, pois, como meio e fim ao mesmo tempo.
Pacífico, parafraseando Hernando Devis Echandía, afirma que a noção de prova apresenta-se sob três aspectos: O formal, tocante aos meios utilizados para levar os fatos ao conhecimento do juiz (testemunhas, documentos, etc.); o substancial (ou essencial), relativo às razões ou aos motivos que desses meios se deduzem em favor da existência ou da inexistência dos fatos; e o resultado subjetivo ou o convencimento que se produz na mente do julgador, que conclui estar ou não provado determinado fato[25].
Para Malta, prova seria o conjunto de informações de que o juiz vem a dispor para solucionar um conflito de interesses[26]. Por sua vez, Santos diz que provar é representar fatos passados, é provar a verdade sobre o que se discute, é levar à certeza como um fato aconteceu, é dar ao juiz elementos para que se forme a sua convicção[27].
Percebe-se, portanto, que a finalidade da prova é convencer o juiz de quem merece o provimento judicial favorável, através de uma decisão justa. Corroborando este entendimento, Santos afirma que, do ponto de vista prático e objetivo do processo, a finalidade da prova é formar a convicção do juiz, permitindo-lhe, por meio do convencimento, compor a lide, ou seja, a função da prova é a apuração da verdade para convencê-lo de quem tem razão[28]. Daí concluir-se que o destinatário da prova é o juiz.
Ocorre que tal posicionamento encontra divergências, eis que a prova se destina, também, às partes, ao passo que o autor pretende ver seus argumentos corroborados, e o réu busca a efetivação de sua resistência, sendo que a quem a prova aprouver deixará à outra parte a possibilidade de visualizar a veracidade dos fatos, ligando-os aos direitos pleiteados. Nesse sentido, Santos afirma que as partes são os destinatários indiretos das provas, eis que precisam ficar convencidas e acolherem a decisão como justa, sendo o juiz seu destinatário principal e direto[29].
Algumas questões como ônus das partes em relação à prova, os meios e tipos de prova, etc. são essenciais e não foram abordadas neste artigo, pois estão sendo objetos de outros artigos que darão continuidade ao presente estudo. Uma reflexão é essencial de ser feita: a prova é o instrumento que faz com que o direito pleiteado no caso concreto seja deferido em favor do autor ou do réu, assim, é um instrumento essencial do processo e dos atos das partes. Salienta-se que as modernas tecnologias mudaram e estão modificando substancialmente as relações processuais no que diz respeito a produção de provas e identificação de verdades no processo.
Advogado (1998), Professor Universitário (1999), Mestrado em Direito Constitucional (2001/2004), MBA em Gestão Empresarial (2004/2005), MBA em Liderança e Gestão de Instituições de Ensino Superior (2006/2007). Autor do Livro Inversão do ônus da prova nas relações de consumo: momento processual e autor de diversos textos e artigos científicos.
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