Giovanna Bianca Trevizani
RESUMO: O “Direito ao Esquecimento” ou como conhecido pelos norte-americanos o “direito de ser deixado em paz” pode ser extraído do princípio da dignidade da pessoa humana e das garantias fundamentais à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem. Originariamente, o direito ao esquecimento foi criado para beneficiar aqueles que já pagaram por crimes de fato cometidos e, com mais razão, por aqueles que foram considerados inocentes, mas que tiveram suas vidas pessoais envolvidas em eventos muitas vezes com efeitos nefastos e, por tal motivo, não convém serem relembrados, trazendo à tona todos os malefícios superados. Importando este fundamento do Direito Penal para o Direito Civil e, mais especificamente, para o Direito do Consumidor, surge a tese aqui apresentada do Direito ao esquecimento do consumidor. Não se pretende com este trabalho exaltar a inadimplência do consumidor, mas sim a ilegalidade e as arbitrariedades utilizadas pelos credores ao realizarem as cobranças especialmente quando tais dívidas já se encontram prescritas. As instituições credoras, mesmo após a prescrição das dívidas, numa atitude flagrante de coação, mantém, em bancos de dados internos, a negativação do consumidor inadimplente, mesmo após o prazo legal (cinco anos) ter expirado. Esta conduta fere frontalmente os direitos constitucionais e traz consequências pessoais e perpétuas para o consumidor. Insta salientar que o credor tem sim todo o direito de cobrar sua dívida, porém que o faça dentro dos limites da lei. Desta forma fica evidente que o direito ao esquecimento precisa ser aplicado de maneira mais contundente na esfera cível, especialmente no direito do consumidor, para que o consumerista não seja vítima eterna e possa reescrever sua história financeira.
Palavras-chave: Direito ao esquecimento; Princípio da dignidade da pessoa humana e das garantias fundamentais à intimidade, à privacidade; à honra e à imagem; Consumidor; Prescrição.
ABSTRACT: The “Right to Forgetfulness” or, as it is commonly known by North-Americans, the “rights to be left alone” can be extracted from the principle of human dignity and the fundamental guarantees of intimacy, privacy, honor, and image. Originally, the Right to Forgetfulness was created to benefit those who have already paid for crimes committed, and even more so, for those considered innocent, yet had their personal lives involved in events, most of the times with nefarious effects and, for such reason, are not convenient enough to be remembered, bringing to surface all the overcome malfunctions. Importing this fundament of the Criminal Law to the Civil Rights and, more specifically, to the Consumer Protection, comes to light the thesis here presented as Consumer Rights to Forgetfulness. This paper has no intention of praising consumer defaults, but the illegality and the arbitrarity utilized by creditors when performing collections especially when said debts have already become prescribed debt. The credit institutions, even after the debts have already become prescribed, in a flagrantly coercive action, still keep, in an internal database, the default consumer negativation, even after the legal deadline (of five years) has expired. This conduct hurts the constitutional rights and brings personal and perpetual consequences to the consumer. It must be emphasized that the creditor has the right to collect their debts, however, it must be done within the limits of the law. This way it is evident that the Rights to Forgetfulness needs to be applied in the most scathing way in the civil sphere, especially in the consumer protection, so the consumer does not become an eternal victim and can rewrite their financial history.
Passwords: Rights to Forgetfulness; Principles of Human Dignity and Fundamental Guarantees to Intimacy, Privacy, Honor, and Image; Consumer; Prescription.
Introdução. 1. O direito ao esquecimento. 1.1 O direito ao esquecimento e sua aplicabilidade no direito do consumidor. 2. Prescrição. 2.1 A Ocorrência da prescricão invalida a pretenção do credor. 3. Quem deve há de pagar a qualquer custo – quanto vale o medo? 4. As limitações de tempo para manter o nome/cpf do consumidor no banco de cadastros negativos. 5. A manutenção de restrição interna. 5.1.O dano moral versus “mero aborrecimento” no direito ao esquecimento do consumidor. 5.2 O cadastro restritivo X inscrição indevida. 6.” Score”. Conclusão. Referências.
Este estudo pretende elucidar a aplicabilidade do Direito ao Esquecimento sob a luz do Direito do Consumidor, abarcando os seus pilares e quando será passível pleiteá-los.
Ter o nome incluído em cadastros de restrição ao crédito é motivo de preocupação, constrangimento e pode causar muitos problemas. Dadas as características da economia brasileira, somos todos passíveis de viver este problema em algum momento. Não ter crédito implica, na maioria das vezes, em não ter condições de manter uma vida digna, segura e menos sofrida. No entanto, para tudo existe um limite e há um tempo determinado legalmente até para este tipo de sofrimento.
Tudo na macroeconomia no Brasil flui em direção as empresas e instituições financeiras que, de certa forma, acabam por comandar este cenário e, obviamente, sempre em seu próprio benefício. O consumidor, apesar de ter o papel fundamental na vida econômica do país desde a cadeia de produção, acaba sendo o mais prejudicado nesta relação. Seja porque as leis que o protegem são frágeis, seja porque estas leis não são respeitadas e seguidas como seria o ideal. Nesta esteira de raciocínio, onde o consumidor é o maior sacrificado, se enquadram as práticas abusivas utilizadas para cobrá-lo mesmo que a dívida esteja prescrita. Importa salientar que o credor pode cobrar uma dívida já prescrita por carta ou telefonemas, mas não pode mais cobrá-la judicialmente nem manter uma inscrição negativa nos órgãos de proteção ao crédito além do limite de cinco anos determinado em lei. No entanto, é exatamente esta a prática adotada e, mais que isto, além do registro negativo ser mantido após o prazo legal, ele é compartilhado entre as instituições e mantido indefinidamente em bancos de dados internos, flagrando ilegalidade em ambas as condutas.
Por estas razões surgiu a necessidade de abordar o tema importando da esfera penal o Direito ao Esquecimento e aplicá-lo na esfera cível, especificamente no Direito do Consumidor, porque ninguém tem direito a ter acesso permanente sobre os dados, a vida, a memória e o futuro de uma pessoa. O direito ao esquecimento é um direito exequível e deve ser executado até porque o esquecimento no contexto pretendido é uma medida de segurança jurídica.
O Direito ao esquecimento vem galgando força doutrinária em todo o mundo, referente ao fato da pessoa ter o direito de ser esquecida no que tange a seus atos pretéritos.
Foi reconhecido no Brasil mediante o enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, realizada em março de 2013 onde surgiu a discussão doutrinária, na qual elenca o direito de ser esquecido dentre um dos direitos da personalidade. A questão defendida é que ninguém é obrigado a conviver para sempre com erros pretéritos.
O consumidor é a mola mestra das relações financeiras. Tudo gira em torno dele, logo sua figura é imprescindível ao desenvolvimento da economia. No entanto, ainda assim é o polo hipossuficiente desta relação e é constantemente massacrado pelas ações tingidas de ilegalidade pelas instituições financeiras. Trata-se do constante abuso destas instituições em invadir a privacidade no que tange as informações do consumidor ferindo sua dignidade e burlando suas leis de proteção, haja vista que em solo nacional o direito ao esquecimento possui assento na Carta Magna que em seu artigo 5º, X em consonância com artigo 21 do Código Civil e artigo 43, parágrafo 5º do Código de Defesa do Consumidor.
As ações aqui mencionadas referem-se à manutenção extemporânea do histórico do consumidor em bancos de dados internos das instituições que são livremente compartilhadas, flagrando a tentativa de coagir o consumidor a pagar uma dívida já alcançada pela prescrição.
O direito ao esquecimento surge como um instrumento para salvaguardar o indivíduo que se depara, comumente, com o compartilhamento de fatos pretéritos, com ausência total de contemporaneidade e de interesse público que justifiquem a reiterada comunhão, reacendendo a desconfiança da sociedade quanto à sua índole e pondo em xeque sua idoneidade atual em detrimento a seu direito de ter o passado esquecido.
A metodologia utilizada para realização do trabalho foi à análise aprofundada das práticas adotadas pelas instituições e empresas através de entrevistas cognitivas com consumidores em geral e a atenção aos vários meios de comunicação existentes, flagrantes e explícita conduta destas instituições.
Direito ao esquecimento é um direito que todos possuem de impedir que seu passado seja divulgado para o público em geral, reacendendo momentos traumáticos e embaraçosos já superados na passagem do tempo, gerando transtornos e sofrimentos e atingindo o direito à felicidade, ou seja, o direito de ser livre a ataques realizados a sua intimidade e posição social presente.
A palavra “dignidade” advém do latim dignitas, que significa tudo aquilo que merece respeito, consideração e estima. A dignidade é considerada como uma qualidade intrínseca a todo ser humano independente de origem, sexo, idade, condição social ou qualquer outra condição que tenha a palavra desigualdade.
O Texto Máximo de 1988 prevê que o Estado democrático de direito tem como objeto a dignidade da pessoa humana, estabelecendo a garantia a todo ser humano de não ser afetado em sua vida. Em suma, é o mais precioso da ordem jurídica brasileira.
A dignidade da pessoa humana é considerada como inata, inalienável e absoluta. Segundo AGRA (2014 p. 166):
“Dessa relevância advém suas características: inata, inalienável e absoluta, Inata porque não depende de qualquer tipo de condição para sua realização, seja jurídica ou metajurídica. Inalienável em razão de que não pode ser cedida, nem mesmo por meio de contrato ou por livre vontade. Absoluta, pois não pode ser objeto de mitigação, a não ser em casos específicos, em que haja necessidade de compatibilização, adequando-se ao princípio da proporcionalidade.”
Dessa maneira, compreende-se que inata, diz respeito a uma característica inerente/inseparável a todo ser humano; inalienável, não pode ser cedida, ou seja, inalienável, intransferível e intransmissível e a última refere-se a uma qualidade absoluta, não pode ser reduzida, somente em casos peculiares em que haja harmonização, conformando-se ao princípio da proporcionalidade.
Sendo assim, o princípio constitucional da dignidade humana, tem como intuito tutelar os direitos da personalidade, caracterizando como sendo essenciais a cada pessoa, estendendo-se sobre a vida, saúde e integridade física, honra, liberdade física e psicológica, nome, imagem e reserva sobre a intimidade da vida privada.
Os direitos da personalidade são corolários da dignidade da pessoa humana, tendo como propósito basilar tutelar, bem como, limitar direitos fundamentais que acometem outros direitos. Estabelece Ramos Filho (2014, p. 29-30) que, além de defender os direitos fundamentais, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana atua como limitador e regulador, isto é, restringindo a utilização abusiva de direitos, que lesionam outros direitos essenciais.
O Direito ao esquecimento é uma das espécies do direito da personalidade no ordenamento jurídico brasileiro e reconhecido como decorrente da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, III, da Lei Suprema de 1988, e pela edição do Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal.
De acordo com enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil do CJF/STJ, “a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação, inclui o direito ao esquecimento”. Repara-se que, no enunciado supra, é mencionada a vinculação do princípio constitucional da pessoa humana com o “Direito ao esquecimento”.
O Direito ao esquecimento a priore aplicado na esfera penal defende o mesmo prisma e efeito na esfera do Direito do Consumidor, pois advoga que as pessoas não podem ser punidas ad eternum por atos que cometeram no passado e estes serem usados como instrumento de coações arbitrárias.
Partindo desse entendimento, o Direito do Consumidor assume a garantia de proteção embasada no Direito ao esquecimento, para que os consumeristas não se tornem reféns de dívidas prescritas, conforme nos atesta o art. 191 do Código Civil. É sabido que a responsabilidade civil existe mediante as dívidas contraídas, contudo se estas estão prescritas, não há obrigação jurídica de quitá-las, embora permaneça a obrigação moral. Destarte enfatizar, que o “Direito ao esquecimento” é consagrado no Código de Defesa do Consumidor precisamente no artigo 43, § 1º, evidenciando que os cadastros e dados de consumidores devem ser diretivos, verdadeiros, com desenvolvimento e compreensão claros, não podendo conter informações negativas referentes ao período superior a cinco anos. Conforme os ensinamentos do Ilustre Ministro Salomão:
Também no direito do consumidor, o prazo máximo de cinco anos para que constem em bancos de dados informações negativas acerca de inadimplência (art. 43, § 1º), revela nítida acolhida à tese do esquecimento, porquanto, paga ou não a dívida que ensejou a negativação, escoado esse prazo, a opção legislativa pendeu para a proteção da pessoa do consumidor – que deve ser esquecida – em detrimento dos interesses do mercado, quanto à ciência de que determinada pessoa, um dia, foi um mau pagador (RECURSO ESPECIAL Nº 1.334.097 – RJ 2012/0144910-7).[1]
Diante do exposto, o “Direito ao esquecimento” é tutelado no Direito do Consumidor, art. 43, § 1º, citado alhures, estabelecendo a lei o prazo de cinco anos para que constem em bancos de dados as informações negativas a respeito da inadimplência, isto é, a informação de inadimplência do consumidor não poderá ser eternizada no rol dos maus pagadores, independentemente do efetivo pagamento da dívida. Em consonância ao exposto, o Enunciado n. 531 do CJF/STJ nos afirma embasado na orientação doutrinária fundamentada na interpretação do Código Civil, enquadrando o Direito ao esquecimento entre um dos direitos da personalidade, porém, não impondo ao jurisconsulto em aplicá-lo (PIRES; FREITAS, 2013, p. 168-169).
Nessa corrente, o Direito ao esquecimento está fundamentado no art. 1º, III, da Constituição Federal (o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana), bem como nos artigos 5º, X, da Constituição Federal e art. 21 do Código Civil, que protegem o direito à privacidade, à intimidade e à honra.
No artigo 21 do Código Civil está previsto que a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar o ato contrário a esta norma.
É relevante salientar que não é uma prerrogativa presenteada ao consumidor para que possa desaparecer ou reescrever outra história. Se até mesmo o homicida tem seu registro apagado depois de um determinado tempo, sendo “esquecido” porque não o consumidor? Além disso, há de haver um equilíbrio jurídico e social nas relações de consumo e é exatamente o que se almeja com esse direito, impedir a exploração imoderada, privando o consumidor de reestruturar a sua saúde financeira.
Cachapuz e Carello (2014, p.113) ensinam, que o “Direito ao esquecimento não procura extinguir o passado do alcance da sociedade, mas sim, interpor limites no que tange a exploração ilícita que pode servir como fonte de curiosidade pública, causando prejuízo à dignidade.”
No Direito Civil Romano primitivo as ações eram perpétuas, ou seja, o interessado podia, a qualquer tempo, exercer esta faculdade. A ideia de uma benesse ao devedor surgiu no Direito Pretoriano, quando os juízes podiam atribuir à parte cobrada determinadas ações capazes de contornar a rigidez dos princípios. Daí surgiu a prescrição como é conhecida hoje.
A Prescrição é um instituto do Direito segundo o qual a partir do nascimento de um direito, a morte deste terá, entre outras causas, a prescrição. Assim, se uma dívida nasceu e pode ser cobrada a partir de hoje, caso a cobrança não seja feita em cinco anos, ela prescreve, ou seja, o credor não poderá mais cobra-la e a dívida então se considera extinta.
Já a anotação do débito de um consumidor nos cadastros restritivos de crédito, só poderá ser mantida por 5 (cinco) anos a partir do seu vencimento, findo os quais ela deve ser baixada. Isto não significa necessariamente que a dívida está apagada, mas que a negativação ficará sem efeito e não pode ser divulgada.
Os artigos 205 e 206 do Código Civil Brasileiro de 2002 preveem de forma taxativa os prazos prescricionais e, nas questões ora levantadas, aplicar-se-á o inciso I do parágrafo 5º do artigo 206.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 43, § 5º prevê especificamente esta situação determinando que uma vez consumada a prescrição relativa a cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas pelos órgãos de proteção ao crédito quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito.
2.1 A OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO INVALIDA A PRETENSÃO DO CREDOR
A ocorrência da prescrição invalida a pretensão do credor, pois o crédito não permanece exigível em face do devedor. A prescrição propicia o nascimento de um direito potestativo para o devedor que possuirá a discricionariedade de invocar um contra direito, pela via da exceção da prescrição.
Se o credor não exerce o direito e faculdade de cobrar seus créditos nos prazos que as leis determinam, este direito deixa de ser factível. Perde sua eficácia, pois é pulverizado pela prescrição.
Os credores dispõem da prerrogativa de cobrarem pelas dívidas no lapso temporal legal conforme determina o artigo 206, § 5º, I do Código Civil Brasileiro combinado com o artigo 43, parágrafo 5º do Código de Defesa do Consumidor. No entanto, não exercida esta prerrogativa, perde-se a força normativa, tornando-se ilegal a cobrança. O acessório segue o principal. Sendo a cobrança ilegal após o decurso do tempo, tudo o que advier desta cobrança também se cobre de ilegalidade. Ademais, segundo, Tartuce (2016, p. 140) a elucidação dos cinco relevantes ícones colocados em favor da pessoa humana pelo Código Civil destaca basilarmente: a vida e a integridade físico-psíquica; o nome da pessoa natural ou jurídica; a imagem, classificada em imagem retrato; honra, subclassificada em honra objetiva e subjetiva e a intimidade.
É importante frisar que, se os direitos da personalidade forem lesionados, gerará responsabilidade civil, ressarcimento do dano moral e material para o ofensor/causador.
Este é um ponto que se deve esclarecer, pois todos os dias milhares de brasileiros são coagidos, ofendidos, eis que os credores tratam os devedores com absoluta falta de respeito à sua dignidade, estendendo, inclusive para os seus familiares. Dever não é crime! Crime é fraudar, sonegar, mas o simples fato de ser inadimplente é uma situação que pode ocorrer a qualquer um, em qualquer tempo de maneira inesperada. O art. 42 do CDC é cristalino ao expor que “Na cobrança de débitos, o consumidor não será exposto ao ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.”
Tudo que ultrapassar o princípio da razoabilidade, o bom senso, o princípio da harmonização dos interesses de modo a ser compatibilizados com a proteção do consumidor, enfim, o necessário para que o consumidor seja lembrado de sua dívida poderá ser considerado abusivo. Vale ressaltar, que a previsão do parágrafo único do art. 42 citado ulteriormente garante o direito do consumidor à devolução em dobro daquilo que pagou em bis in idem, com correção monetária e juros de mora do que pagou a mais, salvo se o credor provar que a cobrança excessiva tratou-se de um erro meramente justificável, dessa maneira a devolução será feita de forma simples, isto é sem a dobra referida.
4 AS LIMITAÇÕES DE TEMPO PARA MANTER O NOME/CPF DO CONSUMIDOR NO BANCO DE CADASTROS NEGATIVOS
Os cadastros informativos sobre o consumidor não podem manter seu nome por mais de cinco anos nos bancos de dados, e há obrigatoriedade de aviso prévio do devedor quanto a inscrição. A inserção indevida em cadastro de inadimplentes gera direito a indenização por danos morais. Entretanto, convém evidenciar que a configuração de danos morais é imensurável, a lei não define limites mínimos ou máximos, cabendo ao juiz analisar o caso em concreto para melhor dosar o valor mais justo.
Importa esclarecer que a concessão de crédito ao consumidor constitui faculdade do fornecedor de bens e serviços e/ou da instituição financeira, cuja conduta, num ou noutro sentido (concedendo-o ou negando-o), situa-se no âmbito da autonomia privada. Entretanto, ao exercer tal faculdade o fornecedor não pode ferir direitos da personalidade do consumidor ou violar normas vetoras do Código de Defesa do Consumidor.
Quanto à utilização de informações pessoais do consumidor para a análise de risco visando à concessão de crédito o artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor e seus artigos preceitua o tempo de validade destas informações, conforme já dito alhures.
O Direito ao esquecimento está relacionado à ilegalidade do armazenamento de informações relativas ao consumidor por tempo indeterminado, de forma a impedir que uma dívida continue a gerar efeitos extrajudiciais depois de quitada ou prescrita.
Conforme os ensinamentos de Cachapuz “et alii” (“in” Informática e proteção de dados. Os freios necessários à automação. Revista da Ajuris, ano XXIV, vol. 70, jul. 1997, p. 389):
“(…) a disciplina decorre da compreensão de que informações desfavoráveis sobre determinada pessoa não podem permanecer armazenadas em caráter perpétuo, a ponto de prejudicarem outras relações de convívio da pessoa atingida – principalmente relações de consumo -, tendo em vista dados antigos, até mesmo coletados de forma equivocada e sobre os quais não foi exercitado o direito de retificação. A Lei brasileira de Defesa do Consumidor, neste ponto, é específica, prevendo duração máxima de cinco anos para as informações negativas cadastradas em bancos de dados sobre consumo”.[2]
Sobre o mesmo tema discorrem em sede doutrinária HERMAN BENJAMIN “et alii” (“in” Código brasileiro de defesa do consumidor, 10ª ed. rev. atual. E reform. Ed. Forense, RJ, 2011, vol. I, p. 469-471):
“A proibição de manutenção de ‘informações negativas referentes a período superior a cinco anos’ (art. 43, § 1º) e a garantia de que não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores” (art. 43, § 5º), quando conjugadas, levam à conclusão de que, exaurido o quinquênio ou o prazo prescricional da ação de cobrança, devem ser excluídas as informações depreciativas, mas não todas aquelas constantes do arquivo de consumo, especialmente as que tenham fisionomia positiva, exceto se esta fisionomia aparentemente positiva carrear um juízo negativo implícito.
Informação negativa é “aquela que, de qualquer modo, influi ou pode influir depreciativamente na formação da imagem do consumidor perante o fornecedor”, ou seja, “as que desabonam o interessado, ainda que verdadeiras. Correspondem, em essência, a obstáculos a novas relações de consumo ou a circunstâncias que acarretam dificuldades de crédito”. Verdadeiras ou não, simplesmente “não recomendam o consumidor conquanto bom cumpridor de contratos”. Aqui, cuidamos de informação direta ou explicitamente negativa.
Como o conceito de negativo e positivo pode dar ensejo a dúvidas (e litígios), é recomendável o expurgo de qualquer informação com mais de cinco anos. (…).
Importa recordar que há hipóteses em que o caráter depreciativo independe da natureza da informação arquivada, mas é decorrência natural ou lógica da só existência do registro. Assim, se o fornecedor é cientificado de que o consumidor consta de banco de dados de inadimplentes, como o SPC ou a SERASA, mesmo que essas instituições transmitam somente seus assentos pessoais, já há nisso um juízo de valor implícito.
Na prática, ser arrolado por um desses organismos, mesmo que isento de ‘negativação’, simbolicamente denota que, em algum momento do passado, o consumidor foi devedor; ou, pior, ainda é devedor, só que ao arquivista, por razões várias (o transcurso do quinquênio, por exemplo) está vedado transmitir tal notícia.
Trata-se de informação indireta ou implicitamente negativa. Procedendo dessa maneira, o banco de dados divulga, por via sutil e indireta, informação capaz de ‘impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores’ (art. 43, § 5º). Há aí uma maneira sofisticada de informar que o registro que havia foi cancelado. Esta conduta alcança os mesmos prejuízos que a lei quer evitar, e é tentativa de driblar o mandamento legal. A consequência de tal conduta pode gerar o direito à indenização do consumidor prejudicado, seja a título de dano material, seja a título de dano moral.
Consequentemente, nesses organismos que cadastram devedores (SPCs, SERASA e congêneres), onde qualquer registro, mesmo os mais inofensivos, transmuda-se de imediato em informação capaz de ‘impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores’, a regra é a da destruição total do assento, uma vez pago o débito ou verificado um dos impedimentos temporais.
5 A MANUTENÇÃO DE RESTRIÇÃO INTERNA
Existe, de forma mal camuflada, uma lista negra em todas as instituições bancárias (nacionais ou não) que determina o destino financeiro de toda gente. O conhecido banco de dados interno, que se perpetua no tempo e cria a restrição interna, independente das inscrições nos órgãos de proteção ao crédito, deixando o consumidor, na maioria das vezes, ignorante do fato, sendo certo que somente quando este busca obter algum produto e tem sua pretensão negada é que toma consciência desta lista e, ainda assim, sem maiores informações e sem nenhuma explicação. A restrição interna não considera os dados arquivados nos órgãos de proteção ao crédito e, na prática, pune o consumidor indefinidamente. No entanto, instituições financeiras são concessionárias de serviço público e deveriam se sujeitar às normas e regras previstas em lei. Mas não o fazem. O consumidor é adjetivado unilateralmente e por critérios que fogem ao controle da sociedade, como indigno de confiança. De fato, a restrição cadastral interna ao mesmo tempo em que desobedece a legislação em vigor implementa discriminação e restringe acessos ao consumidor configurando prática abusiva e desproporcional condenada pelo Código de defesa do Consumidor. Mas o consumidor fica totalmente à mercê da vontade destas instituições que se negam a fornecer bens e serviços.
Ocorre que esta restrição cadastral interna encontra óbice no ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo nos artigos 39 e 51, inciso IV ambos do Código de Defesa do Consumidor e também no artigo 2º, letra a da Resolução BACEN nº 1.631/89 alterada pela Resolução BACEN nº 1.682/90.
O Código de Defesa do Consumidor assevera expressamente em seu artigo 39, incisos II e IX que é “vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas possibilidades e estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes (…) recusar a venda ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento”.
No artigo 51, inciso IV, dispõe o Código de Defesa do Consumidor que “serão nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que (…) estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.
A par de tais comandos e à luz do princípio da função social do contrato, pelo qual este não deve ser utilizado como instrumento de opressão, mas de realização, verifica-se que a negativa ou restrição na prestação de serviços, pela chamada restrição interna, afigura-se desproporcional em flagrante ofensa ao sinalagma obrigacional.
Note-se então, que não cabe às instituições eleger seus clientes, por critério subjetivo ou discriminatório, haja vista que a licitude de obtenção de crédito no comércio é quanto à inexistência de anotação negativa nos órgãos de proteção ao crédito (SPC, SERASA). A empresa que nega crédito ou serviço, ao argumento de restrição interna, abala a moral do consumidor, age com discriminação e lhe atribui o perfil de mal pagador, de pessoa não confiável.
A injúria contida na expressão “restrição cadastral interna” atinge a honra subjetiva da pessoa, sentimento que cada um tem a respeito de seu decoro, sua dignidade e causa sofrimento e sentimento depreciativo sobre si mesmo. A dignidade e a honra são bens protegido pela Constituição Federal além das outras legislações já mencionadas, sendo passíveis de reparação aqueles que atentam contra estes direitos.
Desta forma, o consumidor que tem sido vítima destas condutas de forma reiterada, encontra amparo, mas este amparo precisa ser colocado em prática pelo Poder Judiciário repelir a prática e punir os responsáveis, pois tal conduta gera para o consumidor mais um dano, um entrave em sua saúde financeira. Muitas vezes o consumidor que em algum tempo foi inadimplente, já pagou sua dívida (ás vezes extremamente aumentada pelos juros enormes praticados no Brasil) e ainda assim, faz parte deste cadastro interno, o que torna impossível de recuperar seu crédito e, repita-se, no modelo social e econômico atual quem não tem crédito, não tem nada.
5.1 O DANO MORAL VERSUS “MERO ABORRECIMENTO” NO DIREITO AO ESQUECIMENTO DO CONSUMIDOR
Não existe no presente momento uma doutrina que responda com total segurança sobre essa contraposição. Entretanto, a sentença proferida pelo magistrado, consolidando o direito à indenização por dano moral, face à violação da cláusula constitucional do “esquecimento” adentrando a esfera do direito do consumidor, não pode eximir de considerar que numa sociedade “democrática” na qual funda a iniciativa privada, os meios adotados pelos credores em desfavor dos consumidores afrontam o Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil, o Novo Código de Processo Civil e, sobretudo, o Texto Máximo. São incorporados assédios morais advindos das instituições financeiras, violação dos dados, da vida financeira do consumidor sem a sua permissão e ainda a permanência do nome do consumerista no serviço de proteção ao crédito mesmo com a dívida prescrita, ou seja, não devendo juridicamente.
Ora, tudo aquilo relacionado com a dignidade humana interage com os direitos da personalidade, portanto tais posturas advindas dos credores além de invasivas e arbitárias, acarretam lesões, desestrutura emocional e rachaduras na dignidade do consumerista.
Desse modo, o julgador reconhecendo a existência do dano moral, seja qual for o grau da violação, o desenlace jurídico mais acertado decerto é o reconhecimento da concessão de indenização, o que não acontece atualmente. Corroborando com este entendimento:
É fato que tudo que se refere às inclinações e necessidades gerais do homem tem um preço de mercadoria; o que, embora não pressuponha uma necessidade, é conforme a um certo gosto, isto é, à satisfação que nos advém de um simples jogo, mesmo destituído de finalidade, de nossas faculdades intelectuais, tem um preço de sentimento; mas o que constitui a só condição capaz de fazer que alguma coisa seja um fim em si, isso não tem apenas simples valor relativo, isto é, um preço, mas sim um valor intrínseco, uma dignidade (KANT, 2014, p. 435).
Nesta baila, com o embasamento em Kant, compreende-se que os bens tangíveis podem ser substituídos na medida em que estes possuem um preço. O que estabelece a diferença na analogia com o ser humano, pois este não possui um preço, mas sim a sua dignidade. Portanto, a dignidade, sendo ela um dos princípios da Carta Maior, possui o valor supremo da ordem jurídica. Logo, impossibilita a coisificação do ser humano.
No que tange a avaliação do quantum indenizatório inevitavelmente passa por uma análise do caso concreto para a fixação por dano moral, tanto pela lente da doutrina quanto pela Jurisprudência. Estas são consecutivas em afirmar que o magistrado deverá fundamentar com prudência o que lhe parecer equitativo e justo, ouvindo as razões das partes, verificando os elementos probatórios, fixando moderadamente uma indenização.
É notório que o valor do dano moral deve obedecer os parâmetros preceituados no princípio da razoabilidade, não podendo ensejar uma fonte de enriquecimento ilícito nem mesmo irrisório ou simbólico. A reparação deve ser justa e digna, conforme explanado ulteriormente.
No Tribunal de Justiça-RJ, o relator desembargador Alcides da Fonseca Neto, ratificou que a súmula 75 do “mero aborrecimento” não pode sobrepor ao direito à indenização por dano moral, resguardado pela Constituição Federal, afastando assim a referida súmula e a sua suposta “legitimidade”.
“O Direito das Obrigações, o Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil e, principalmente, a Constituição da República, não podem deixar de ter vigência em razão de uma súmula estadual, que trata de um assunto que não é de sua competência e que é utilizada para negar — como se pretendia negar no caso em apreço— um direito que vem previsto em lei. Resumindo: a Súmula 75 do TJ-RJ não pode suprimir um direito que foi criado pela Constituição da República Federativa do Brasil, qual seja, o dano moral”, afirmou.
De fato, é um grande desafio para o direito do consumidor esclarecer a distinção entre o dano moral e o “mero aborrecimento”, pois o dano moral configura a lesão subjetiva causada a pessoa, ora consumidora e não um simples dissabor rotineiro conforme defendido em corrente adversa.
A consideração do “mero aborrecimento” distancia do objetivo maior do Direito, sendo ele a paz social. Tratar a lesão moral como uma não lesão, a banalizando por ser algo contumaz na vida do consumidor apenas engessa qualquer possibilidade de progresso em seu quadro social. Afinal, “O homem tanto pode ser lesado no que é, como no que tem”. Lesado no que é – diz respeito aos bens intangíveis, aos bens morais (nome, fama, dignidade, honradez). Lesado no que tem – relaciona-se aos bens tangíveis, materiais.
Este entendimento representa a perpetuação da conduta danosa no corpo da sociedade sem qualquer perspectiva de correção da atitude lesiva, pois esta naturaliza o dano, esquece o lesado, ora consumidor, sendo ele a parte hipossuficiente desta relação. No que tange a indenização do dano moral, Diniz focaliza o prisma:
O dano moral, no sentido jurídico não é apenas a dor, a angústia, ou qualquer outro sentimento negativo experimentado por uma pessoa, mas sim uma lesão que legitima a vítima e os interessados reclamarem uma indenização pecuniária, no sentido de atenuar, em parte, as consequências da lesão jurídica por eles sofrido (DINIZ, 1998, p. 81-82).
Nesta mesma ótica, concluí-se que alguns julgadores cometem equívocos, na jurisprudência atual, ao definirem certas situações apenas como “mero aborrecimento”, pois em determinados casos práticos, atos que desrespeitam as leis do consumidor, mesmo vistos como simplórios ou inerentes ao serviço, geram lesões dignas de indenização. Pelo pressuposto que tais atos não só violam a dignidade dos consumeristas, como também maculam direitos da personalidade e estes devem e precisam ser reparados. Haja vista que o consumidor no curso de sua vida financeira não é esquecido pelos credores por conta de suas dívidas adquiridas no préterito, mesmo estas atingindo a prescrição.
A posteriori reconhecendo a ocorrência do dano moral, segue-se a competência do julgador de quantificar o suficiente para compensar a vítima, sobretudo diante dos critérios para o arbitramento de valores.
Um meio de definir o montante das indenizações por danos morais que vem sendo agasalhado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) é o método bifásico. Nesse modelo, um valor básico para a reparação é analisado considerando o interesse jurídico lesado e um grupo de precedentes. Somente assim verificam-se as circunstâncias do caso para fixar em definitivo a indenização.
“Realmente, o método bifásico parece ser o que melhor atende às exigências de um arbitramento equitativo da indenização por danos extrapatrimoniais, uma vez que minimiza eventual arbitrariedade de critérios unicamente subjetivos do julgador, além de afastar eventual tarifação do dano”, argumentou o ministro Luis Felipe Salomão.
Convém recobrar que o dano extrapatrimonial tem, em si, natureza in re ipsa, e desse modo prescinde de demonstração, como sabido. No âmbito consumerista, aliás, independentemente de culpa.
Assim sendo, não resta nenhuma dúvida que em face das instituições financeiras estas no abuso do seu direito, no descumprimento do rol taxativo das leis que regulam a matéria precisam ser penalizadas mediante a repercussão do fato vexatório ao longo das cobranças exaustivas e arbitrárias destinadas ao consumidor, mesmo com as dívidas prescritas e com isso não permitindo que este reescreva a sua história financeira, dessa maneira, por certo o efeito educativo ou “corregedor” da decisão, desestimula as condutas assemelhadas dos credores a cometerem tais erros no futuro.
5.2 CADASTRO RESTRITIVO X INSCRIÇÃO INDEVIDA
Recentemente a Terceira Turma do Supremo Tribunal de Justiça/ SC na data de 09 de outubro de 2018, ordenou a retirada do nome do devedor dos cadastros negativos, ou seja excluindo a dívida do consumidor quando esta completar cinco anos, conforme explanado no corpo do artigo, precisamente no título 5. Contudo, convém elucidar que a pacificação do STJ também adentra as dívidas cobradas em cartório. Em caso de ações judiciais, o prazo cessa de contar assim que o consumidor é acionado pelo tribunal. O STJ condenou a Serasa Experian a indenizar, por danos morais e materiais, todos os consumidores que tiverem seus dados divulgados contrariando o novo entendimento O ministro Paulo de Tarso Sanseverino, defendeu a corrente que considerar a data do registro como termo inicial seria o mesmo que possibilitar a permanência ad eternum dessas anotações negativas, uma vez que bastaria que essas informações fossem repassadas a um novo banco de dados para que a contagem do prazo fosse novamente iniciada.
Na mesma órbita de Sanseverino, esse entendimento é o que melhor protege e dialoga com os princípios de proteção ao consumidor. “Parece-me que a interpretação que mais se coaduna com o espírito do Código, e, sobretudo, com os fundamentos para a tutela temporal do devedor, aí incluído o direito ao esquecimento, é aquela que considera como termo a quo do quinquênio a data do fato gerador da informação arquivada”. Esta notícia refere-se ao (s) processo (s): REsp 1316117[3].
Diante do exposto fica evidente que não é despercebida a atitutide da entidade que mantinha e não porventura ainda mantêm o nome dos consumidores inadimplentes por prazo superior a cinco anos, contrariando o Código Cívil, no qual regulamenta no dispositivo legal previsto no art. 191 do referido diploma coadunando com o art. 43, § 1º combinado com o § 5º do mesmo objeto do Código de defesa do Consumidor, os quais resguardam os direitos dos consumeristas. Logo, fica aclarado o tamanho descontrole da data prescricional adotada pelas instituições financeiras as quais confrontam e desobedecem os preditos dispositivos legais. Importa dizer que esse prazo só é válido se o credor não tiver cobrado a dívida judicialmente. Se houver alguma ação, a prescrição é interrompida até a decisão judicial. Isso também confere para acordo de pagamento feito diretamente com a instituição financeira. Essa renegociação é vista como uma nova pendência, uma dívida ativada, pelo fato do consumidor não dever mais juridicamente, tão somente prevalecendo a obrigação moral.
No mesmo julgamento, o colegiado outrossim, proibiu que a Serasa utilize em sua base de dados as informações colhidas em cartórios que não cumpram com a nova ordem. Recobra-se que antes dessa decisão, os cartórios cadastravam a negativação com a data do momento em que foram acionados e não na data que a dívida começou a existir, configurando o ato na forma ilegal. Haja vista que a manutenção e compartilhamento de dados infinitamente de um consumidor que em algum tempo foi inadimplente, mas não foi cobrado no lapso temporal legal, fere o direito constitucional do consumidor quanto à sua privacidade e sua dignidade uma vez que esta manutenção abusiva impede que a saúde financeira do consumidor seja ajustada. E nesse contexto, querer indenizar somente pela metade configura-se em responsabilizar o consumidor/vítima por todo o resto (Daniel Pizzaro, Daños, 1991).
6 “SCORE”
“Score” é a pontuação atribuída ao consumidor pelos arquivistas mediante seu histórico financeiro. Ou seja, a saúde financeira determina a pontuação do consumidor e está pontuação é utilizada pelas instituições financeiras para conceder ou negar crédito.
Embora entendemos que o score é um instrumento que fomenta o ramo da economia, compreendemos também que este impossibilita o consumidor de sair da lista de risco pertinentes às linhas de crédito dos bancos, por conta de sua vida financeira pretérita. Deste modo, o consumidor não é esquecido, mesmo que suas dívidas já estejam prescritas, conforme dispõe o dispositivo legal previsto no art. 191 do Código Civil.
Entretanto, em que pesem as legislações que impedem esta conduta, conforme já mencionado, tanto os arquivistas quanto as instituições financeiras, insistem em sua prática acarretando sérias consequências ao consumerista.
A proibição de manutenção de informações negativas referentes a período superior a cinco anos (art. 43, § 1º) e a garantia de que não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores (art. 43, § 5º), quando conjugadas, levam à conclusão de que, exaurido o quinquênio ou o prazo prescricional da ação de cobrança, devem ser excluídas as informações depreciativas, mas não todas aquelas constantes do arquivo de consumo, especialmente as que tenham fisionomia positiva, exceto se esta fisionomia aparentemente positiva carrear um juízo negativo implícito.
Informação negativa é aquela que, de qualquer modo, influi ou pode influir depreciativamente na formação da imagem do consumidor perante o fornecedor, ou seja, as que desabonam o interessado, ainda que verdadeiras. Correspondem, em essência, a obstáculos a novas relações de consumo ou a circunstâncias que acarretam dificuldades de crédito. Verdadeiras ou não, simplesmente não recomendam o consumidor conquanto bom cumpridor de contratos. Trata-se de informação direta ou explicitamente negativa.
Como o conceito de negativo e positivo pode dar ensejo a dúvidas, o ideal seria o expurgo de qualquer informação com mais de cinco anos. Há hipóteses em que o caráter depreciativo independe da natureza da informação arquivada, mas é decorrência natural ou lógica da só existência do registro. Assim, se o fornecedor é cientificado de que o consumidor consta de banco de dados de inadimplentes, como o SPC ou a SERASA, mesmo que essas instituições transmitam somente seus assentos pessoais, já há nisso um juízo de valor implícito.
Na prática, ser arrolado por um desses organismos, mesmo que isento de ‘negativação’, simbolicamente denota que, em algum momento do passado, o consumidor foi devedor; ou, pior, ainda é devedor, só que ao arquivista, por razões várias está vedado transmitir tal notícia. Trata-se de informação indireta ou implicitamente negativa.
Procedendo dessa maneira, o banco de dados divulga, por via sutil e indireta, informação capaz de ‘impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores’ (art. 43, § 5º). Esta é uma maneira sub-reptícia de informar que o registro que havia foi cancelado. Esta conduta alcança os mesmos prejuízos, que a lei quer evitar, e é tentativa de driblar o mandamento legal.
Convém ainda esclarecer que os dados utilizados e os critérios aplicados no modelo de score conferem a objetividade à análise da concessão do crétido, mas estes não são disponilizados para o consumidor de forma compreensível. Isso deve e precisa ser mudado! Pois, é fato que os consumidores não têm a ciência sobre a sua pontuação referente ao score, tampouco como esta pontuação é obtida, como já dito configura ofensa ao direito à informação conforme dispõe o art. 6ºdo CDC e, de maneira contumaz, ocorre a recusa imotivada, portanto caracterizando a prática abusiva na prestação de serviços financeiros.
CONCLUSÃO
Na conjuntura econômica atual os consumidores, já massacrados pelas dificuldades inerentes, encontram-se cada vez mais reféns de práticas abusivas pelas instituições e que, amparadas pela benevolência histórica, já ultrapassada, encontram formas de impor o medo e usam este medo para realizar cobranças não mais protegidas pela lei. Dentre estes medos está: o de não ser esquecido e ter sua vida econômica comprometida por fatos já alcançados por institutos como a prescrição.
Vale dizer: os credores cobram, de forma vexatória e intimidante, dívidas que não podem mais cobrar judicialmente. Abusam do pseudo-poder para coagir e, no fim, recebem. O consumidor, seja pela ignorância sobre seus direitos, seja pelo medo que lhe foi imposto, seja pela omissão da lei em lhe amparar de forma específica, acaba sendo vítima. E, não bastasse ser cobrado e pagar uma dívida que já não existia formalmente, ainda tem seus dados, sua história e sua memória fixados de forma permanente e pública, o que lhe impossibilita de usar seu crédito eficazmente. É o chamado “score” que perpetua seu histórico indefinida e negativamente.
Por estas razões surgiu a necessidade de abordar o tema importando da esfera penal o Direito ao Esquecimento e aplicá-lo na esfera cível, especificamente no Direito do Consumidor, porque ninguém tem direito a ter acesso permanente sobre os dados, a vida, a memória e o futuro do outro. O direito ao esquecimento e um direito exequível e deve ser executado sempre a fim de que a segurança jurídica não seja somente um ideal.
O credor tem o direito de receber e o devedor tem o dever de pagar. Porém, o inverso também é verdadeiro: o pagamento é um direito para o devedor tanto quanto o recebimento é um dever para o credor. Deixar de pagar significa entrar em mora, acarretando juros sobre o valor devido e a inscrição do nome nas listas do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), do Serasa e do Banco Central, que são as referências para o mercado na hora de avaliar a idoneidade do cliente. E o bom pagador quer fugir dessas situações. No entanto, também é um direito do devedor/consumidor ser esquecido, ter suas informações arquivadas. A dívida não deixa de existir, mas sua cobrança sim. A manutenção e compartilhamento de dados infinitamente de um consumidor que em algum tempo foi inadimplente, mas não foi cobrado no lapso temporal legal, fere o direito constitucional do consumidor quanto à sua privacidade e sua dignidade uma vez que esta manutenção abusiva impede que a saúde financeira do consumidor seja remediada. Haja vista que este dispositivo também assegura a intangibilidade dos direitos da personalidade. Além disso, o direito ao esquecimento tem uma abordagem social relevante posto que sem a presença do consumidor a economia fica estagnada e não se sustenta e é um contrassenso tirar o crédito de quem fomenta o mercado.
AGRA, Walber de Moura. Curso de direito constitucional. 8º ed., Rio de Janeiro, 2014, pág.166.
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[2] CACHAPUZ, Maria Cláudia. Informática e proteção de dados. Os freios necessários à automação. Revista da Ajuris, ano XXIV, vol. 70, jul. 1997, pág. 389.
[3] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão. REsp nº 1316117/SC. 3ª Turma. Disponível em: <https://correio-forense.jusbrasil.com.br/noticias/343942674/stj-o-prazo-de-5-anos-para-manter-nome-no-spc-serasa-conta-da-data-do-vencimento-e-nao-da-inscricao>. Acesso em: 09 out. 2018.
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