Sumário:
Introdução; Conceito de sigilo bancário; Previsão constitucional do sigilo
bancário; Garantias fundamentrais absolutas ou relativas?;
Inconstitucionalidade da Lei Complementar 105/2001; Conclusão.
Introdução:
Visa o presente
trabalho, analisar o que seja sigilo bancário, explorando sua previsão
constitucional, interpretado pela jurisprudência e doutrina, a fim de obtermos
uma conclusão à luz da Lei Constitucional Brasileira.
Para tanto, vamos
analisar desde o conceito de sigilo bancário até a constitucionalidade da Lei
Complementar 105 de 2001, passando por considerações sobre a utilização
absoluta ou não das garantias individuais frente ao interesse público.
Também convém ressaltar
a participação do Poder Judiciário, no controle das normas constitucionais,
visto que há tendência legislativa com o fim de transferir a competência desse
exame, no que toca a quebra de sigilo bancário, para o Poder executivo o que
comprovaremos que fere os preceitos constitucionais e vai de encontro a função
do Estado, qual seja proteger os cidadãos, que são vulneráveis, frente ao poder
das elites e do próprio Estado.
Conceito de sigilo bancário
Para JUAN CARLOS MALAGARRIGA, “O sigilo bancário é
obrigação de não revelar a terceiros, sem causa justificada, os dados referentes
a seus clientes que cheguem a seu conhecimento como conseqüência das relações
jurídicas que os vinculam”.
Assim, entende-se sigilo bancário como sendo um
direito erigido constitucionalmente, no ordenamento jurídico brasileiro, que
visa proteger a individualidade dos cidadãos no que diz respeito a sua
intimidade, vez que protege os dados financeiros da pessoa, bem como as
relações destes com a sociedade, obrigação esta que fica a cargo das
instituições financeiras, apenas podendo ser quebrada a partir de determinação
judiciária.
O homem é carente de sua individualidade, da
querida restrição de seus pensamentos e valores. A intimidade guarda relação
com a vontade individual, com a necessidade de se expor e, igualmente, de se
retrair frente aos demais homens, guardando para si, assim necessitando, seus
pensamentos, seus desejos, suas informações pessoais.
Sendo assim, o sigilo às informações financeiras
consta daqueles direitos inerentes à intimidade do homem, do livre arbítrio de
dispor daquilo que é inerente à sua personalidade.
Previsão constitucional do sigilo bancário
A Constituição da República Federativa do Brasil
tutela a intimidade em seu artigo 5º, X, a seguir:
“Art.5º. Todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X – são invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito
a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”.
Acreditam, alguns doutrinadores, que o sigilo tem
fundamento não na intimidade preconizada no inciso X, mas sim com relação ao
sigilo de “dados” apontado no inciso XII do artigo 5º da
Constituição, a seguir:
“XII
– é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de
dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem
judicial, nas hipóteses e na forma que a Lei estabelecer para fins de investigação
criminal ou instrução processual penal”.
Tércio Sampaio Ferraz Jr. (Paulo Quezado e Rogério
Lima, Sigilo Bancário, pág.31), ensina “que a privacidade se funda
no princípio da exclusividade, o qual tem como característica a solidão
(“desejo de estar só”), o segredo (“exigência de sigilo”) e
a autonomia (“liberdade de decidir sobre si mesmo emanador de
informações”).
Já numa segunda visão, brilhantemente defendida por
Ives Gandra da Silva Martins, aponta-se que o sigilo de dados abarca o conceito
de sigilo bancário.
Paulo Quezado e Rogério Lima (op. cit. pág.36),
preceituam que o sigilo bancário encontra respaldo no inciso X por tratar-se de
característica da intimidade, porquanto há o direito de exercer a liberdade de
negação, e, igualmente, no inciso XII, conquanto a interpretação de dados
não pode ser feita de maneira restritiva, o que nos obriga a firmar que dados
faz referência ao sigilo bancário. Essa nos parece ser a maneira mais
plausível para entendermos o objetivo da Constituição Federal.
Garantias fundamentrais absolutas ou
relativas?
Quebrando o sigilo bancário, podemos dizer que se
está violando uma garantia constitucional garantido por uma clausula pétrea, a
qual não pode ser mudada nem mesmo por uma emenda constitucional, sob pena de desestabilizar
toda a ordem legal do Estado. Por isso, cabe uma reflexão profunda acerca das
hipóteses em que se pode admitir a violação referida, por um prisma
predominantemente constitucional. Assim, imprescindível é distinguir qual o
caráter dessas garantias: absolutas ou relativas.
Doutrinadores há que emprestam caráter absoluto ás
garantias fundamentais. Por tal raciocínio não há que se falar em quebra de
sigilo bancário, visto que, por se tratar de garantia fundamental, esta não
pode ser tolhida em virtude de outro direito que se posiciona em conflito.
Ives Gandra da Silva Martins acentua que sequer a
decisão judicial tem o condão de violar tal garantia, o que entendemos que não
pode ser entendido como o correto, visto que, em relação ao sigilo bancário,
vemos em contraposição um interesse público relevante, qual seja, apuração de
crimes e investigações acerca de sonegação fiscal.
A doutrina e a jurisprudência pátria têm entendido
que nenhuma liberdade pública é absoluta, razão pela qual existirão casos em
que entrarão em conflito dois ou mais direitos fundamentais, oportunidade pela
qual, o Poder Judiciário, que é quem tem competência para apreciar estes
conflitos, deverá por em prática o tão conhecido principio da
proporcionalidade, sopesando o interesse particular em relação ao público, numa
interpretação que puramente deve atender aos objetivos constitucionais.
Por conseguinte, entendemos que as garantias
fundamentais podem e devem, em determinados casos, ser relativisadas, com fins
a um correto emprego do direito, na mais honesta prática de justiça,
entretanto, esta relatividade deve ser entendida com o máximo de cuidado
possível para que não se cometa atitudes ditatoriais ao se invadir a intimidade
da pessoa, valendo-se dessa freta jurídica para atender interesses pessoais de
chefes do Poder Executivo, ou mesmo interesses estatais com o fito de aumentar
a arrecadação fiscal. Em virtude disso, deve essa interpretação acerca da
relativisação dos interesses fundamentais, frente ao interesse público, ser feita
pelo judiciário e analisando-se cada caso concreto, à luz da Constituição
Federal.
Inconstitucionalidade da Lei Complementar 105/2001.
Para intensificar o combate à evasão fiscal,
criou-se a possibilidade de quebra do sigilo bancário do contribuinte pelas
autoridades e agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, sem prévia autorização do Poder Judiciário.
Esse poder foi outorgado à autoridade tributária
por meio da Lei Complementar n.° 105, de 10 de janeiro de 2001, regulamentada,
na mesma data, pelo Decreto n° 3.724.
Segundo o art. 6° da citada Lei Complementar, desde
que haja processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em
curso, a autoridade administrativa e os agentes fiscais tributários poderão
solicitar informações referentes ao contribuinte, constante dos documentos,
livros e registros das instituições financeiras, inclusive sobre contas de
depósito e aplicações financeiras do contribuinte.
Tal atribuição fere a intenção que emana de todo o
ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que até mesmo a interpretação do
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL sempre foi no sentido de que a quebra de sigilo
bancário só pode ser feita mediante ordem judicial ou de órgãos a este poder
equiparado como as COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO, as famosas CPIs.
Ainda, a possibilidade de as autoridades
tributárias terem acesso a dados referentes a movimentações financeiras
anteriores à promulgação da Lei Complementar n° 105/01, contraria de morte o
princípio geral de direito da irretroatividade da lei. Esse princípio está
consagrado no art. 5° , XXXVI, da Constituição :
“a Lei
não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada “.
Ademais, mesmo que a Lei Complementar nº 105/2001
estabelecesse a quebra de sigilo bancário mediante autorização judicial, ainda
assim, tal regra somente valeria no caso de apuração de crimes fiscais e não em
caso de processos administrativos visando apurar créditos tributários em favor
da Fazenda Pública.
Isto porque, aplicando-se o princípio da PROPORCIONALIDADE, e colocando tais
direitos em observação, significa afirmar que o sigilo bancário somente deve
ser aniquilado para a apuração de crimes, pois este último se trata de
interesse público relevante maior que o direito de privacidade da pessoa física
ou jurídica.
Além disso, como se não bastasse a imoral
inconstitucionalidade desta Lei Complementar, editou-se um Decreto (3.724/01)
para regulamentar a referida lei, que em seu artigo segundo individualiza as
onze hipóteses em que a verificação bancária é indispensável pela autoridade
competente da administração fazendária, que transcreveremos a seguir:
“a) sub
– avaliação de valores de operações (inclusive de comércio exterior); de
aquisição e/ou alienação de bens ou direitos, tendo por base os correspondentes
valores de mercado;
b) obtenção
de empréstimos de pessoas jurídicas não financeiras ou de pessoas físicas,
quando o sujeito passivo deixar de comprovar o efetivo recebimento dos
recursos;
c) prática
de qualquer operação com pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada em
país enquadrado nas condições previstas no artigo 24, da Lei n.º 9.430, de 27
de dezembro de 1996;
d) omissão
de rendimentos ou ganhos líquidos, decorrentes de aplicações financeiras de
renda fixa ou variável;
e) realização
de gastos ou investimentos em valor superior à renda disponível;
f) remessa
a qualquer título, para o exterior, por intermédio de conta de não residente,
de valores incompatíveis com as disponibilidades declaradas;
g) nos casos
previstos no artigo 33, da Lei n.º 9.430/96;
h) as
pessoas jurídicas enquadradas no CNPJ, quando a situação cadastral estiver
cancelada, ou inapta nos casos previstos no artigo 81, da Lei n.º 9.430/96;
i) pessoa
física sem inscrição no CPF ou com inscrição cancelada;
j) de
negativa pelo titular da conta, da titularidade de fato ou da responsabilidade
pela movimentação financeira;
k) presença
de indício de que o titular de direito, é interposto pessoa titular de fato.”
Evidentemente, tais disposições tornam os
contribuintes extremamente vulneráveis diante da condição assegurada em lei,
que outorga aos agentes públicos, sob a forma de procedimento fiscalizatório, a
possibilidade de examinar os registros de movimentações financeiras.
Assim sendo, não admitimos a retroatividade de uma
norma que colide diretamente com um direito individual.
Enfim, percebe-se que a Lei Complementar 105/01 é
inconstitucional, tanto do ponto de vista da quebra do sigilo bancário em si,
como do procedimento fiscal nela previsto, qual seja, investigação sem
contraditório.
Lamentavelmente as leis em nosso país muitas vezes
são feitas por interesses políticos em detrimento das reais necessidades que
deveriam fundamentá-las.
Certo é que a finalidade arrecadatória do Estado é
relevante, posto que o interesse público deve ser resguardado. Todavia, os
direitos e garantias individuais também são sobremaneira importantes, prova
disso é a localização dos mesmos no início da Constituição Federal.
Não podemos e não estamos aqui a defender interesses
particulares, nem tampouco sonegadores, e sim sustentamos a inviolabilidade do
direito ao sigilo, a não ser que por autorização judicial fundamentada seja
permitida sua quebra.
Parece-nos que a Constituição sopesou os princípios
do interesse público, dever de solidariedade, capacidade contributiva,
igualdade, privacidade, reserva jurisdicional e segurança jurídica de maneira
extremamente ponderada. Daí defendermos a inconstitucionalidade da Lei
Complementar 105/2001 que fere cabalmente o artigo 5º.
Conclusão
Concluímos, pois que o sigilo bancário é uma
garantia fundamental que está inserida no artigo quinto da Constituição
Federal. Também que a publicação da Lei Complementar nº 105 de 2001 e do
Decreto 3.721 de 2001, que dão às autoridades fazendárias pleno direito ao
acesso de contas bancárias dos contribuintes, sem prévia autorização judicial e
sem direito ao contraditório, uma vez que basta um procedimento fiscalizatório
para ensejar a devassa na vida econômica de qualquer pessoa.
Percebemos, ainda, que a referida Lei Complementar
configura-se como um abuso de poder, ao desrespeitar a separação dos poderes,
quando despersonifica a necessidade de ordem judicial para a quebra de sigilo
bancário, prerrogativa que cabe exclusivamente àquele poder responsável pela
aplicação e fiscalização do ordenamento jurídico, através do exercício
jurisdicional, qual seja o Poder Judiciário.
Também, acreditamos ser posicionamento correto, a
utilização do princípio da irretroatividade da lei, que foi completamente desmoralizado
pela referida Lei Complementar, haja vista que permitiu-se que autoridades
fazendárias praticassem a devassa nas movimentações financeiras dos
contribuintes, mesmo para fiscalizações anteriores àquela lei.
Por fim, cabe ressaltar que o combate à sonegação é
necessário para o desenvolvimento econômico e social do nosso país, entretanto,
esse combate deve ser realizado dentro dos amplos meios de que já dispõe a
administração fazendária, mas tudo isso corroborando com os demais interesses
constitucionais que visam as garantias e direitos individuais, sendo incorreta
a quebra de sigilo bancário fora do Poder Judiciário.
Deve o legislador desenvolver meios que coíbam a
sonegação fiscal, mas sem consagrar o desejo de aumentar a arrecadação fiscal
vilipendiando os direitos do povo e sim através de métodos democráticos que não
desmoralizem a Constituição em vários de seus princípios como: irretroatividade
da lei, separação de poderes, proteção da intimidade, presunção de inocência,
principio da proporcionalidade, principio da reserva de jurisdição, dentre
outros.
Por isso, acreditamos que o SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL ainda virá a dar a verdadeira e correta interpretação para esta Lei
Complementar, no sentido de declarar sua inconstitucionalidade, por ser de direito
e justiça.
Bibliografia
QUEZADO, Paulo, LIMA,
Rogério. Sigilo
Bancário.
São Paulo: Dialética, 2002.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional.
5ª edição. São Paulo: editora Atlas, 1999.
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