A cibernética, ciência que tem como objeto a automação e o controle, contando com branches mais do que populares – a informática e a telemática, revolucionou, completamente, a vida em sociedade, principalmente para os cidadãos que estão incluídos na sociedade digital, haja vista que existem, no mundo, aproximadamente, 250 milhões de conexões de banda larga de telefonia, mas não se pode olvidar, é claro, que há bilhões de pessoas que não têm qualquer contato com essas novas tecnologias, no mais das vezes em áreas rurais da China e da Índia, e, até mesmo, em cidades do interior dos Estados Unidos da América.
A informação e, também, o produto intelectual, isto é, as obras do espírito humano, passaram a ser fácil e rapidamente localizadas e utilizadas por essas pessoas, incluídas digitalmente.
Nesse novo modelo de sociedade, inserido na Risikogesellschaft global, mais, precisamente, em uma “sociedade global do risco informático e da informação”, qualquer usuário de computador, de posse de instrumental adequado (banda larga de telefonia e um software aplicativo como o BitTorrent™), pode obter uma quantidade impressionante de informações (“knowledge, itself, is power” disse Francis Bacon) e de produtos intelectuais, logicamente, pertencentes a terceiros, sem observar os ditames da legislação de cada país e dos tratados e convenções internacionais pertinentes à proteção desse novo bem jurídico, que é a propriedade imaterial.
Isso leva, necessariamente, a um debate (profícuo) acerca dos modelos de negócios implementados pelos titulares de tais direitos autorais, principalmente.
Não obstante, os modelos de negócios que estão presentes, em todo mundo, têm proteção nos diplomas legais em vigor – isso faz com que a resposta aos ilícitos seja necessária e inafastável.
Por uma questão de política criminal, procura-se implementar a opção pela informação e conscientização do usuário de computador que obtém tais produtos, ilicitamente, eis que, notadamente, pelo nível de instrução formal desses cidadãos (usuários de ambientes computacionais), a maioria absoluta dos usuários sabe que está praticando um ilícito penal, pelo menos: violação de direitos de autor e aqueles que lhe são conexos, bem assim, eventualmente, receptação, haja vista que sabe (ou deveria saber) que adquiriu, quando compra pela Internet ou em bancas e lojas clandestinas, produtos de crime.
O tratamento a ser dispensado aos distribuidores e produtores em escala comercial e industrial desse verdadeiro flagelo que é a “pirataria”, já considerado o crime do século pela INTERPOL, é, sim, a vertente repressiva da atuação estatal. Nisso, ressalte-se, há papel fundamental para as agências de law enforcement, tais como as Polícias da União (Departamento de Polícia Federal) e dos Estados da Federação (Polícias Civis).
O tripé da atuação do Departamento de Polícia Federal (DPF) está consolidado tanto na repressão à entrada ilegal de insumos e equipamentos pelas fronteiras, portos e aeroportos, bem assim na atuação integrada, por meio de operações policiais conjuntas com a Polícia Rodoviária Federal e com a Secretaria de Receita Federal (aduana) e, por fim, com a repressão severa a servidores públicos corruptos, eis que o crime organizado sempre busca infiltrar-se nas fileiras do Estado, para que suas atividades ilícitas sejam mais efetivas e duradouras.
Discutir-se-á muito, imagina-se, a questão do usuário de computador pessoal que, similarmente ao que fazia, em muitíssima menor escala, o cidadão que copiava suas músicas preferidas em um gravador de fitas cassete, busca fazer cópias de músicas e vídeos que, em tese, não lhe pertencem, mas que estão disponíveis na Internet por conta dos avanços tecnológicos, para ouvi-las em seu veículo automotor, em seu Ipod™ ou assistir aos vídeos em equipamento eletrônico similar, diferentemente do caso de dispor de cópias backup de suas mídias legitimamente adquiridas.
A finalidade de lucro aqui não está presente, razão pela qual a pena de reclusão sequer se aplica, bem assim a ação penal é de iniciativa do titular do direito autoral lesado – é uma ação penal privada.
O legislador acompanha, com suas curtas pernas, a evolução da sociedade e, no âmbito da “sociedade global do risco informático e da informação”, as mudanças ocorrem com incrível velocidade – poder-se-ia, facilmente, constatar que o projeto de lei acerca da criminalidade cibernética já está tramitando há dez anos no Congresso Nacional e, em uma década, muita coisa mudou. Fala-se, hoje em dia em computação quântica(!), afastando-se até mesmo o paradigma de computação embasada em ausência e em presença de energia elétrica (base de funcionamento de um transistor), ou em ausência e em presença de energia luminosa (base de funcionamento de leitores ópticos, por exemplo).
Há 15 anos, para se utilizar a rede mundial de computadores (no nosso País, isso era possível apenas no ambiente acadêmico – universidades de ponta, é claro –, bem assim nos centros militares), havia necessidade de se marcar horário, e a navegação na Internet só podia ser feita pelo Mosaic™,, depois rebatizado Netscape Navigator™, que sequer existe hoje em dia. A popularização desse fantástico e revolucionário meio de comunicação multimídia que é a Internet gerou um grande impacto nos atuais modelos de negócios dos titulares de direitos autorais e a questão, é claro, ainda está em aberto.
Vêem-se, inclusive, alguns Membros do Parquet questionando ações repressivas, mormente aqueles lotados em Núcleos de Tutela Coletiva, tendo por fito garantir aos cidadãos o direito à informação e o direito ao lazer – os chamados direitos de quarta geração (que seriam subjacentes a esses produtos intelectuais, pertencentes a terceiros). Isso é discutível – pois tais produtos são, sim, frutos de trabalho e algo que tanto dignifica o ser humano, como o trabalho, deve ser remunerado ou recompensado.
Eis aqui o novo mundo, resultado de uma sociedade global do risco – os detentores dos direitos autorais terão que se adaptar ao “risco” do negócio (pirataria) ou a resposta virá da atuação do Estado?
Há, como dito acima, uma proteção efetiva aos novéis bens jurídicos que surgem no devir histórico. No passado, a propriedade material (física) era protegida. Hoje, protege-se, também, a propriedade intelectual, a propriedade imaterial – a despeito de ela se apresentar ao consumidor em meios físicos, como a mídia magnética, verdadeiro suporte material que pouco vale em face do trabalho intelectual ali gravado.
Há convenções internacionais, tais como: Convenção de Berna, Convenção de Roma, Convenção de Paris – e a República Federativa do Brasil é signatária de todas elas. Logicamente, se o Brasil se comprometeu por tratado ou convenção internacional a reprimir determinados crimes e se a realização do ilícito tangenciou o solo nacional a partir do estrangeiro (ou vice-versa), a competência para tal processamento e julgamento é da Justiça Federal – e a atribuição para investigar tais ilícitos é da Polícia Judiciária da União – o Departamento de Polícia Federal (DPF), que, com pessoal altamente gabaritado e com recursos tecnológicos de ponta, vem dando uma resposta efetiva à sociedade nesse importante aspecto que é o repressivo, com natural efeito preventivo geral – nos moldes preconizados pela moderna Política Criminal.
No que tange à legislação nacional, há, ainda, dispositivos legais no Código Penal Brasileiro e na legislação extravagante – como a Lei de Proteção aos Direitos de Autor de Programa de Computador – Lei n.º 9.609/98 e outras de igual relevância.
O problema da proteção dos direitos de autor, a par de revelar questões sociais importantíssimas, tem, sim, um aspecto criminológico que aponta o relacionamento direto entre a “pirataria” e o cometimento dos chamados serious crimes, como o terrorismo, o tráfico de entorpecentes e de armas, a lavagem de dinheiro, além de outros ilícitos – haja vista que a atividade comercial ilegal levanta fundos para o cometimento dessas outras modalidades – principalmente, por conta da tolerância da sociedade, mesmo a parte mais ilustrada da comunidade – por meio de um cálculo canhestro de custo/benefício. O barato, contudo, sai muito caro para todos os membros dessa mesma sociedade consumista, que não reflete sobre seus atos, haja vista, por exemplo, a existência, em toda metrópole, de feiras, centros comerciais e até shoppings abastecidos por redes criminosas de comércio de produtos contrafeitos.
Em uma sociedade capitalista, e tal modo de produção tende a se perpetuar no tempo, reformulando-se, sempre, não se pode imaginar que uma atividade ilícita venha a servir de justificativa ou panacéia para problemas sociais que agora se agudizam, no mundo globalizado, mas, certamente, com reformas sociais profundas, embasadas em educação formal dos cidadãos, com reformas trabalhistas e tributárias efetuadas a contento, mesmo sabendo que aqui nunca se viveu um Estado Social de Bem-Estar (Welfare State), talvez seja possível se equacionar tais problemas no devir histórico.
O que não se pode aceitar é a argumentação de prática de crimes, a partir de discursos de adequação social e de sustento de famílias de desempregados, pois isso não retrata, perfeitamente, a realidade.
Claro que as pontas dos tentáculos do crime organizado são formadas por pessoas desempregadas, mas há muitos desses cidadãos que optaram, claramente, pela prática de ilícitos penais, a despeito de existir outras oportunidades. Não convence, portanto, essa alegação de que o comerciante “pirata” é um produto de uma sociedade desigual e injusta. Inconcebível que seja dessa forma, apesar de ser crível que existam pais de família que escolheram esse caminho, mas como já decidiu magistrado paulista, em caso de condenação de sujeito que comercializava produtos contrafeitos pela Internet, não se trata, certamente, de estado de necessidade, pois há investimento (e não é baixo) para se adquirir o instrumental para a prática de tal ilícito.
A pirataria é, sabidamente, dominada por organizações criminosas. O PCC, por exemplo, em São Paulo, é detentor de postos de gasolina que vende produtos adulterados, bem assim de pontos comerciais que vendem produtos intelectuais contrafeitos, como audiovisuais; na Espanha, os terroristas da Estação Atocha sustentavam-se com as rendas obtidas pela venda aos espanhóis de produtos piratas etc.
A pretensa equação de que a informalidade é causadora de pirataria não é justificativa em uma sociedade consumista como a nossa, eis que só há mercado para produtos contrafeitos por conta da atuação do consumidor, ávido por marcas e produtos, mas apenas àqueles que estejam adequados ao patamar de renda de cada país – vale então a equação simplória do custo/benefício. Os impostos e taxas sonegados, que seriam utilizados para melhoria dessa mesma sociedade desigual vão parar nas mãos sujas do crime organizado – por uma opção da própria sociedade de consumo. Exemplificando, os adquirentes de produtos contrafeitos acreditam que economizam ao comprar softwares “piratas”, contudo, eles não sabem ou eles se esquecem que, mais tarde, acabam se tornando vítimas de crimes, principalmente o phishing scam, porque adquiriram softwares piratas que não podem ser atualizados – os famosos patches de segurança não podem ser instalados e as máquinas ficam muito fragilizadas diante da atuação, até mesmo, de script kiddies.
Educando-se e conscientizando-se o consumidor de tais produtos ilícitos, certamente, a médio e a longo prazos, a resposta virá: não havendo demanda, não haverá mais oferta. Utópico? Nem tanto, o que é certo é que a batalha vencida hoje não é sinal de que a verdadeira guerra esteja perto de acabar.
Ao lado dessa repressão aos verdadeiros criminosos e da educação e conscientização de consumidores e usuários, há, ainda, uma vertente econômica – que é a que mais está a cargo dos detentores dos direitos violados e o exemplo claro disso é a oferta a preços populares de produtos de mesma qualidade dos caros produtos ofertados atualmente (e são caros porque envolvem muitos custos e muita logística – e o que é engraçado é que não se indaga acerca do preço de um automóvel de luxo, por exemplo, que, obviamente, é muito mais caro que o preço de um carro popular. Se o consumidor não pode ter um automóvel de luxo, ele há de adquirir um automóvel popular – isso é algo que deveria ser visto como natural, mas não é facilmente assimilado para produtos intelectuais, produtos do espírito humano). E o modelo de negócios, portanto, tem que se adaptar – e traz-se à tona o exemplo perspicaz de Steve Jobs, dono da Apple Computers™, que, percebendo que as músicas ofertadas pela Internet e “de graça” não tinham lá grande qualidade, que esses arquivos poderiam ser, em verdade, vírus de computador ou outras modalidade de malware, enfim, que o que era ofertado ao usuário de computadores era de questionável qualidade e segurança, passou a oferecer serviços similares de transferências de arquivos, cada música a 99 centavos de dólar americano, por meio da Internet – no famoso Itunes™. Eis aí a chamada revolução no modelo de negócios.
A ótica canhestra da relação custo/benefício é um dos fatores que levou à explosão da pirataria no mundo, mas não é a única e, é óbvio, não a justifica.
Há, também, uma cultura mundial de apropriação de produtos intelectuais por meio da Internet, eis que não há, de fato, como se controlar, com eficácia, os uploads e os downloads de músicas e audiovisuais que superaram o quantitativo anual estimado de 1 bilhão de arquivos apenas no Brasil.
Por outro lado, há uma verdadeira espiral que se expande e contribui para esse estado de coisas, a saber, os detentores das marcas e produtos, por meio da divulgação maciça desses bens (propaganda), criam desejos consumistas na sociedade, de um modo geral e global. Muitos dos que desejam tais marcas e produtos estão impedidos, financeiramente, de consumi-los. Surge, então, o mercado ilícito da contrafação, apto a saciar essa sanha consumista, oferecendo cópias ilícitas a preços muito atraentes. A espiral, portanto, é tendente ao infinito.
Outro fato, facilmente detectável no caso de audiovisuais e músicas, é que, sob a ótica capitalista, a remuneração de todos os envolvidos em providenciar ao consumidor os DVDs e os CDs só pode advir do modelo de negócios que aí está – com a disseminação da “pirataria”, não há qualquer incentivo aos criadores das obras do espírito humano – nem todos têm estrutura para viver de turnês e shows, por exemplo.
A remuneração justa do trabalho é a base de um Estado Democrático de Direito, como é o caso de nosso País – não se justifica a prática da “pirataria” sob a alegação de preços inacessíveis.
A despeito de haver apontado que alguns Membros do Ministério Público, principalmente os que atuam em Tutela Coletiva, alardearam que os direitos à informação e ao lazer restariam cerceados em um Estado Democrático de Direito, com os preços proibitivos praticados pelos proprietários de direitos autorais, é possível que medidas políticas (como foi o caso da criação de um fórum nacional que é o CONSELHO NACIONAL DE COMBATE À PIRATARIA – CNCP, que atua em diversas vertentes, não apenas sob a ótica repressiva, por exemplo) e jurídicas (leis que prevejam incentivos àqueles que fomentam a cultura, exempli gratia) sejam, algum dia, tomadas para igualar mais os preços praticados entre os que oferecem tais produtos contrafeitos àqueles que são praticados pelos titulares das marcas e produtos, mas, atualmente, da mesma forma que livros, CDs e DVDs são caros para a grande maioria da população, também o são os ingressos para teatros, cinemas, espetáculos diversos, e tudo isso é resultado da mercantilização das obras do espírito humanos, fruto de um processo histórico – o mundo ideal, é claro, não existe e o que realmente se vê é a comercialização e a industrialização das criações do intelecto. E isso engendra os riscos, ainda mais com os avanços tecnológicos (e há avanços tecnológicos ao alcance dos criminosos, também).
A “pirataria” é um dos riscos desse modelo de negócios, que, em seu cerne, traz um embate econômico entre titulares de direitos e criminosos, e a sociedade sofre, é claro, os reflexos dessa guerra de titãs – frise-se, por oportuno, que a estimativa de movimentação financeira da “pirataria” no mundo, para o ano de 2005, foi de 522 bilhões de dólares americanos. A questão é, claramente, de fundo econômico. Não se pode afirmar, simploriamente, que o Direito Penal seja eficaz para debelar o mal que daí advém, mas o que é certo que uma atuação transdisciplinar já está em prática e os resultados já se entremostram alvissareiros.
Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB)
Mestrando em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
Delegado de Polícia Federal, 2.ª Classe, Núcleo de Combate a Crimes Cibernéticos, Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários da Superintendência Regional de Polícia Federal no Estado de São Paulo (CYBER/DELEFAZ/DREX/SR/DPF/SP)
Membro Associado do Sindicato dos Delegados de Polícia Federal do Estado de São Paulo (SINDPF/SP)
Membro Associado da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF)
Membro Associado do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM)
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