Resumo: O presente escrito tem o objetivo de analisar algumas formas de controle a partir de práticas que guardam o mais profundo interesse econômico ao tornarem a questão criminal mero fator a ser incluído nos cálculos dos múltiplos fenômenos sociais. Igualmente pretende-se apresentar a constituição dos traços mais marcantes do que se denomina racionalidade econômica no controle penal
Palavras-chave: Racionalidade; controle penal; fenômenos sociais.
O presente escrito tem o objetivo de analisar algumas formas de controle a partir de práticas que guardam o mais profundo interesse econômico ao tornarem a questão criminal mero fator a ser incluído nos cálculos dos múltiplos fenômenos sociais. Igualmente, pretende-se apresentar a constituição dos traços mais marcantes do que se denomina racionalidade econômica no controle penal.
No seu “Post-Scriptum sobre as Sociedades de Controle”, Deleuze comenta que Foucault situou as sociedades disciplinares nos séculos XVIII e XIX. Elas atingiriam seu apogeu no início do século XX, para posteriormente entrarem em declínio. Característicos dessa sociedade são seus meios de organização a partir do confinamento e da coordenação de espaços herméticos por processos de moldagem. O indivíduo migraria de um espaço para outro como que de forma gradual: da família para a escola, da escola para a fábrica, e quiçá da fabrica para a prisão – o confinamento por excelência.
Foucault sabia bem que esse tipo de realidade social teria seu fim bem próximo. Sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial, uma nova rede de forças lentamente se instalaria para erigir outra forma da constituição social, que é a sociedade do controle.
Nesse aspecto, é possível sustentar que algumas práticas na sociedade disciplinar já eram reconhecidamente formas de controle, ao passo que certas práticas disciplinares não deixaram de existir por completo, mas talvez aperfeiçoem sua economia (a exemplo da Lei 12.654/2012 que ressuscitou o velho ímpeto positivista de classificação). Foucault já havia assinalado que as técnicas de segurança, bem como os dispositivos de controle, consistem muitas vezes em reativação de técnicas disciplinares.
A questão é que existe um processo de mudança social e cultural que provoca sérias alterações na questão penal. Pois bem. Em vez de compartimentar espaços, na sociedade do controle, com suas práticas atuariais, eles se interpenetram. Se na sociedade disciplinar o indivíduo tinha sua assinatura como identificação pessoal, a sociedade do controle traz a cifra como senha de inscrição numa dada realidade. Enquanto que as disciplinas focam sobre o corpo e a alma dos indivíduos em instituições isoladas, as práticas atuariais do controle normalmente operam sobre populações que são menos institucionalmente e espacialmente definidas. Igualmente, em vez de procurar trazer indivíduos para mais perto com uma norma estabelecida por meio da aplicação de intervenções corretivas, as práticas atuariais alteram as estruturas físicas e sociais a partir das quais os indivíduos se comportam. Exemplo: a coleira eletrônica, a prevenção situacional do crime, a delação premiada em termos de processo penal, etc. Essa mudança de tratamento que se reconhece mais eficiente pressupõe que modificar as pessoas é mais caro e difícil. Nesse sentido, na sociedade do controle, o atuarialismo continua o trabalho da disciplina, mas com menor custo financeiro.
Por isso que não há um poder centralizado como na opacidade de um panóptico benthamiano. O controle se descentraliza e se informaliza, para tornar o sistema penal ainda mais forte. O poder não tem mais rosto. Há um processo de constante metamorfose na modulação de disseminados fluxos sociais, desde o controle de fluxos financeiros, até o fluxo de informação e comunicação (basta pensar na criminalização do insider trader).
Trata-se de um estilo governamental essencialmente neoliberal. Uma forma econômica de raciocínio. Próprio dessa racionalidade é o emprego de uma linguagem analítica do risco, da probabilidade, de ocasiões, é o cálculo que invade esse cenário sem dar explicação. O cálculo traz a crescente estipulação de metas, controle de custos, redução de danos; emprego de tecnologias como: auditorias, controle fiscal, formas de prevenção e minimização dos riscos, recorrência a contratos de seguro, etc. Assim, os velhos e desgastados discursos das ciências sociais ligados às correções são substituídos por análises de sistemas.
Essa forma de atuação permite a utilização de mecanismos de controle como o compliance, um mecanismo complexo de prevenção de: descumprimento de normas, fraudes, corrupção, lavagem de dinheiro, etc., dentro de organizações. Eis um mecanismo que procura trabalhar na diminuição ou na prevenção de riscos.
Confrontamo-nos aqui com uma particular compreensão do poder político moderno, o que Foucault chamou de governamentalidade. Com essa expressão Foucault se refere aos cálculos e aos modos de pensar e agir que procuram formar, regular, ou gerir a conduta de indivíduos ou grupos em direção a um fim específico. De fato, para Foucault, governar não é meramente uma questão de governo e suas instituições, mas envolve múltiplas entidades variáveis, todos aqueles atores, organizações, e agências preocupadas em exercer autoridade sobre a conduta dos seres humanos. O aspecto importante é simplesmente que a governamentalidade tem lugar dentro e fora dos contextos do Estado, e a este não se reduz.
Um importante sistema de investigação adotado pelos Estados Unidos é o conhecido sistema de vigilância planetária chamado Echelon, criado em 1947 pela NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA), e que hoje dispõe da maior captura virtual das chamadas telefônicas e mensagens de fax enviadas por qualquer lugar do planeta. Nos anos 40, o sistema Echelon visava controlar operações militares. Nos anos 60, sob o crescimento do comércio internacional, seu foco eram os campos econômico e científico. Recentemente, ele está voltado para o controle do crime organizado, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e “terrorismo”.
Mas logicamente esse tipo de sistema como o Echelon se torna ultrapassado pelo advento da era da informática, que dispõe de um sistema de controle não só entre pessoas, mas entre pessoas e empresas, sistemas financeiros, serviços online, etc. Ocorre que a grande mudança nisso tudo é que a preocupação não está mais vinculada ao conteúdo controlado (por exemplo, o conteúdo de uma conversa), mas com os campos desses objetos informacionais pelos quais o sujeito transita. O exemplo é o projeto TIA (Total “Terrorism” Information Awareness) cujo objetivo é identificar assinaturas ou rastrear potenciais terroristas com a coleta de informações a partir de softwares em construção capazes acumular uma quantidade gigantesca de informações. Seu alvo são registros financeiros, uso cartões de crédito, ligações telefônicas, e por aí vai, cruzando todos eles para formar finalmente um determinado perfil, prever certa ação e evitar um crime futuro. Eis mais uma das facetas do controle.
O que é marcadamente paradoxal nos tempos atuais é que essa regulamentação em processo de expansão torna o próprio sistema penal um objeto de controle e, igualmente, um componente maximizador de regulamentação, não apenas em relação aos clientes preferenciais, mas também formando uma teia que não permite que os poderosos economicamente escapem. A questão é que existem maneiras mais eficientes de fazer detentores de maior capital cumprir com suas obrigações fiscais, a saber: com tecnologias situacionais, compliance, gestão de risco, negociações de protocolos de auditorias com corporações endinheiradas, etc. A razão da relevância dos paradigmas de negócios de regulação para os problemas da justiça penal é que hoje vivemos em um mundo onde a ação criminal é cada vez mais incorporada na ação organizacional de empresas.
Mas é óbvio que criminalizar condutas dos economicamente poderosos opera muito mais a partir da lógica cínica do simbolismo da lei penal do que de uma pretensa igualdade social.
Quanto a isso, aliás, existe verdadeira imposição internacional para que os países adotem políticas de controle cada vez mais intrusivas, pois do contrário seus nomes poderão fazer parte da lista de High-risk jurisdictions and non-cooperative jurisdictions.
Sobre esse aspecto, em recente revisão das suas recomendações, o GAFI visou oferecer ferramentas mais fortes e eficientes no combate e prevenção dos crimes que ponham em risco o sistema financeiro internacional. Pretendeu-se aumentar as exigências em situações de riscos elevados, pois a expansão dos padrões de controle pressupõe o aumento de novas ameaças. Assim, requer-se que os países façam uma análise de riscos da lavagem de dinheiro que lhes afetam, para que direcionem com maior eficiência recursos e medidas preventivas que correspondam aos riscos de cada setor específico. Eis a consequente modificação da Lei de Lavagem de dinheiro. Isso tudo só demonstra que a realidade do sistema criminal no Brasil se curva ao jogo de uma coercitiva relação com as políticas de mercado.
Em vista de todas essas questões, deparamo-nos com uma radical conseqüência de nosso tempo: a constituição de um razão econômica, a que denominamos como o aprimoramento da razão cínica. É o triunfo da ordem instrumentalmente racional desenvolvida segundo a avaliação do risco e da exigência de intensificar a eficiência do controle financeiro em todas as iterações sociais, não mais pretendendo mascarar sua única e exclusiva preocupação econômica.
Com sua linguagem numérica e probabilística, a razão econômica enxuga a realidade (pressupomos que, segundo o saber psicanalítico lacaniano, a realidade é construída pelo sistema simbólico), tornando-a ainda mais real ao castrar os excessos das antigas tarefas interpretativas. Com o mundo visto pela lente dos números e das projeções de futuro na expansão imaginário-imagética que quer fundar uma organização do pensamento calcado no “como se”, desenvolve-se uma realidade paralela, virtual. É desta forma que todo fenômeno pode ser controlado, extraindo da realidade sua síntese em forma de número. Ninguém mais fica à margem. A inserção social consuma-se pelo seu anverso, por uma compleição objetivante.
O número é a imagem da realidade! Consequentemente, a linguagem numérica apaga a separação entre coisa e palavra, semelhante à famosa definição de Lacan de que para o esquizofrênico o simbólico é o real. Com certeza, essa virtualidade do controle é o que há de mais Real (o que escapa à simbolização), ou melhor: a realidade do virtual. Temos aqui o produto da razão econômica no controle penal que nos impele a uma submissão irreversível. Nós todos nos tornamos prestadores de contas.
De fato, defrontamo-nos com uma realidade sufocante tal como no filme The Number 23, estrelado por Jim Carrey, como personagem Walter Sparrow. Nessa película, tudo o que o personagem vê está obsessivamente relacionado ao número 23. Algo como uma maldição paterna que não o deixa livre de preocupações. A propósito, ironicamente, o pai de Sparrow era um contador.
No dia do seu aniversário, Sparrow ganha um livro de sua mulher, cujo título é Número 23. Na medida em que desvendava a aventura livresca, mais ele descobre a similaridade da narrativa consigo mesmo. Uma amarga decepção na lógica de que: “quanto mais se sabe, mais poder detém sobre si, no entanto, mais culpado se torna”. Esse saber o leva à consequente condenação voluntária. Algo como uma tragédia edipiana em que ao fim e ao cabo o herói é condenado por uma dura sentença escrita por sua própria pena.
De certo modo, na sociedade do controle total a todo o momento somos perseguidos e registrados pelos números que frenética e violentamente nos contabilizam. Qualquer passo que possamos dar lá estará o número (cifras) para nos quantificar e nos transferir para uma realidade paralela do controle (por exemplo: compra com cartões de crédito, acesso à TV por assinatura, acesso ao Facebook ou à internet, transações bancárias e empresariais, etc.
A questão é: encaminhamo-nos para um universo desértico de final trágico semelhante ao The Number 23 em que a virtualidade se tornou o real, ao nos depararmos com a voracidade especulativa dos saberes totais-atuariais da sociedade do controle que implicam numa condenação a priori. Sem exceção de ricos ou pobres, na sociedade do controle a opressão é tão radical que já não se pode mais falar em impunidade em termos de incidência controladora. Das presas desse novo monstro ninguém pode escapar. Eis a maldição do controle!
Advogado. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Metodista IPA. Pesquisador nas áreas de direito e processo penal criminologia filosofia e psicanálise. Especializando em Ciências Penais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
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