Resumo: Abordar de uma forma generalizada o contexto jurídico da criação e desenvolvimento da antecipação de tutela como uma das espécies de tutelas de urgência previstas no nosso Código de Processo Civil.
O instituto da antecipação da tutela teve sua origem, como já foi explicado anteriormente, no poder geral de cautela previsto no art. 798 do Código de Processo Civil, pelo qual os juízes concediam medidas cautelares inominadas para antecipar os efeitos da tutela pretendida pela parte.
Assim, a cautelar cujo propósito era o de apenas assegurar o resultado útil do processo principal, passou também a ter cunho satisfativo. Diante desse quadro, a doutrina começou a se debater quanto a este uso distorcido da cautelar. Várias correntes de opinião se formaram, uns sendo favoráveis e outros totalmente contrários. Há também aqueles que se situavam na posição intermediária.
Esta dessintonia doutrinária refletiu-se, como era de se esperar, na jurisprudência. Todavia, o que ocorreu nos tribunais, de um modo geral, foi a gradual passagem de uma linha de orientação nitidamente radical, de rejeitar medidas cautelares satisfativas, para outra exatamente oposta. As cautelares passaram a ser entendidas como forma não só de conservar o resultado útil do processo, mas também para alcançar tutela de mérito relativa a pretensões que reclamassem fruição urgente.[1]
Nesse contexto histórico, foi de extrema importância a reforma ocorrida no Código de Processo Civil ocorrida no ano de 1994, através da Lei nº 8.952, de 13 de dezembro do referido ano que veio a instituir a antecipação da tutela no nosso ordenamento jurídico.
A antecipação da tutela pode ser dividida em: genérica, cuja previsão se reporta o art.273; e de outro lado, a específica, prevista no art.461 e 461- A.
Quanto à terminologia empregada pelo legislador, é comum encontrarmos em várias obras os seus autores utilizando a expressão tutela antecipatória. Barbosa Moreira, atentando para essa questão terminológica, nos ensina que o legislador agiu corretamente na expressão por ele adotada. Nas suas palavras, temos a seguinte lição:
“Andou bem o legislador em expressar-se como se expressou. Se por tutela se entende a proteção dispensada ao litigante, é intuitivo que ela não pode constituir o sujeito, mas apenas o objeto da antecipação. A tutela não antecipa seja o que for: pode, isso sim, ser antecipada pelo juiz, ou por decisão que este profira. Falar-se-á com propriedade, portanto, em decisão antecipatória, ou em providência antecipatória, no sentido de decisão ou de providência que antecipa a tutela. Quanto a esta última, ou será antecipada ou não o será: antecipatória é que jamais se concebe que seja”.[2]
Diferentemente da tutela cautelar, na antecipação da tutela deve ser observado o princípio do dispositivo de forma que o juiz somente poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial mediante requerimento da parte, não podendo ser concedida de ofício.
É bem verdade que nem sempre serão antecipados de forma total os efeitos da tutela pretendida pelo autor. Para explicar melhor, essa parte inicial, cumpre observar o ensinamento de Zavascki. Para ele, há efeitos que por sua natureza não são suscetíveis de antecipação. Dessa forma, o juiz não é livre para estabelecer os limites da antecipação, nem isso depende de seu juízo discricionário.[3] Assim, o autor entende que para determinar a extensão da antecipação, deve o juiz observância fiel ao princípio da menor restrição possível: porque importa limitação ao direito fundamental à segurança jurídica, a antecipação de efeitos da tutela somente será legítima no limite estritamente necessário à salvaguarda do outro direito fundamental, considerado, no caso, o mais prevalente. [4]
Quanto à questão da legitimidade para requerimento dessa providência antecipatória, poderia se pensar numa análise mais rápida que somente o autor é que possui tal condição. Esse assunto concernente à legitimidade foi bem enfrentado por Marinoni, para quem não há dúvida de que o autor ou o réu reconvinte podem requerer a tutela antecipatória. É sabido que a reconvenção nada mais é do que uma ação proposta pelo réu contra o autor no mesmo processo por esse instaurado. O reconvinte faz pedido e requer tutela jurisdicional. Ora, se é assim, conclui o autor, se a reconvenção é a ação do réu, está o reconvinte autorizado a requerer a antecipação da tutela.[5]
Para Marinoni o réu também é legitimado a requerer a antecipação da providência pleiteada quando se tratar de ações dúplices, no qual o demandado pode formular pedido na própria contestação, sem necessidade de reconvenção.[6]
Embora o momento para o requerimento dessa medida seja na petição inicial, nada impede que a parte postule a antecipação da tutela em outros estágios do curso processual. Acrescenta Humberto Theodoro Júnior que até mesmo em grau de recurso é possível a formulação do pedido de antecipação da tutela.[7]
O legislador condicionou a concessão da antecipação da tutela ao preenchimento de alguns pressupostos. Zavascki entende que existem os pressupostos genéricos (prova inequívoca e verossimilhança da alegação), e que, concorrendo com eles deve estar agregado pelo menos um dos pressupostos alternativos (receio de dano irreparável ou de difícil reparação e abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu).[8] Vale ressaltar que o perigo de irreversibilidade, embora não tenha sido expresso pelo autor supramencionado, configura também requisito indispensável para a antecipação dos efeitos da tutela pretendida.
Ocorre que se torna imprescindível para uma melhor compreensão desse instituto, o exame minucioso de cada um desses requisitos, discorrendo desde os seus conceitos até as controvérsias existentes na doutrina e jurisprudência.
Retornando ao disposto no art. 273 do código processual civil constatamos que o legislador causou uma certa confusão entre os operadores do direito ao relacionar de forma conjunta a prova inequívoca com a verossimilhança da alegação. Trata-se de conceitos opostos, uma vez que por verossimilhança se entende algo que é semelhante à verdade, ou seja, algo provável. Ao passo que prova inequívoca nos transmite a idéia de algo certo, claro. A dúvida é saber, portanto, como é que uma prova inequívoca pode gerar somente verossimilhança.
Um dos doutrinadores que expôs o seu entendimento sobre essa controvérsia foi o mestre José Carlos Barbosa Moreira. O professor explicou sua proposta partindo da distinção entre a prova inequívoca e a prova equívoca. Esta poderia ser entendida como a prova a que se possa atribuir mais de um sentido, enquanto a inequívoca em apenas um sentido.[9] Partindo dessa distinção, conclui o autor, alegando que a atividade do juiz deveria ser dividida em duas etapas: a primeira é a confirmação de que a prova é inequívoca, no sentido de que só comporta um entendimento; a segunda é verificar se esse entendimento tem suficiente força persuasiva para fazer verossímil a alegação do requerente.[10] Essa seria, para Barbosa Moreira, a proposta para eliminar os rangidos que inevitavelmente advém da conjugação desses dois requisitos.[11]
Adotando posição oposta ao autor supramencionado, temos Luiz Guilherme Marinoni, cujas palavras merecem transcrição:
“A tese de Barbosa Moreira faz uma interpretação gramatical do significado de prova inequívoca, lembrando, inclusive, o significado que os dicionários atribuem a equívoco; mas não se preocupa com a finalidade da norma que encampa tal locução – e, aí, esquece o mais importante, isto é, que o art. 273 expressamente autoriza o juiz a decidir com base em convicção de verossimilhança. Ou, melhor, a interpretação de Barbosa Moreira não relaciona de modo adequado o significado que retirou da locução prova inequívoca com a autorização para o juiz decidir com base em convicção de verossimilhança. É que uma prova que aponta em dois sentidos também pode formar convicção de verossimilhança, bastando apontar para o direito do autor de forma mais convincente. Por fim, afirma que o juiz pode extrair convicção de qualquer prova, mesmo daquela que aponta em dois sentidos”. [12]
Assim, resta claro que a prova inequívoca pode ser entendida como a prova robusta capaz de influir no convencimento do juiz quanto à verossimilhança da alegação da parte.
É mister abordar agora os pressupostos alternativos da antecipação da tutela. Por risco de dano irreparável ou de difícil reparação entende-se aquele risco concreto, atual e grave. Se o risco, mesmo grave, não é eminente, não se justifica a antecipação da tutela.[13]
No tocante ao abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, é inadmissível que se beneficie o demandado que pauta sua conduta na litigância de má-fé, usando de todos os meios e mecanismos indispensáveis para o retardamento do processo, devendo nesse caso a parte pedir a antecipação da tutela. Convém ainda mencionar o perigo da irreversibilidade como também um requisito a ser observado no momento da concessão do provimento antecipado.
A antecipação da tutela, segundo um dos parágrafos do art. 273 do Código Buzaid, poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, desde que o juiz fundamente a sua decisão. Tendo em vista essa situação de provisoriedade, o magistrado deve ser prudente quando conceder a medida, pois se a mesma for irreversível não há mais qualquer possibilidade de se voltar à situação anterior que se encontravam as partes antes do deferimento da medida. Diante da situação, pode o magistrado condicionar a antecipação do provimento à prestação da caução, como forma de ressarcimento dos prejuízos que possam advir com a concessão da respectiva medida.
Em outros termos, a proibição de concessão da tutela, diante do perigo da irreversibilidade do provimento antecipado, poderá significar, para o autor, o perecimento do seu próprio direito, ou seja, a perda do objeto da demanda. O que se deve fazer é não tratar com muito rigor essa exigência legal da irreversibilidade do provimento, cabendo ao juiz aplicar o princípio da proporcionalidade na solução do caso levado a sua apreciação, sob pena de inviabilizar-se a utilização da antecipação da tutela.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já se inclinou quanto a essa questão da irreversibilidade, a qual nos reportamos a seguir:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTARIO.TUTELA ANTECIPATORIA. DIREITOS PATRIMONIAIS. CONCESSÃO: POSSIBILIDADE. INTELIGENCI DO ART. 273 DO CPC. RECURSO NÃO CONHECIDO.I – A tutela antecipatória prevista no art. 273 do CPC pode ser concedida em causas envolvendo direitos patrimoniais ou não-patrimoniais, pois o aludido dispositivo não restringiu o alcance do novel instituto, pelo que é vedado ao intérprete fazê-lo. Nada obsta, por outro lado, que a tutela antecipatória seja concedida nas ações movidas contra as pessoas jurídicas de direito público interno.II – A exigência da irreversibilidade inserta no par. 2. do art.273 do CPC não pode ser levada ao extremo, sob pena de o novel instituto da tutela antecipatória não cumprir a excelsa missão a que se destina.[14]
Importante, foi sem sombra de dúvidas, a introdução da antecipação da tutela no nosso ordenamento, tendo em vista que naquele contexto se fazia o uso distorcido da cautelar para antecipar os efeitos da tutela pretendida. O que se sucedeu então no nosso ordenamento jurídico foi a preocupação de se distinguir entre essas duas espécies de tutelas de urgência, de forma que possibilitasse o seu correto manejo por aqueles que necessitassem fazer uso dessas medidas.
Advogado em Recife(PE) e Pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Instituto dos Magistrados de Pernambuco-IMP/UCAM.
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