Recesso Forense e Férias Coletivas – Em Desarmonia Com Uma Nova Realidade


O Poder Judiciário pára! Suas atividades são exercidas apenas em regime de plantão, nos meses de janeiro, julho e o recesso de dezembro, e somando-se os feriados, às vezes esticados no Judiciário sem explicação muito razoável, totalizam quase três meses de paralisação por ano, o que representa 25% do ano sem produção.


As justificativas para essas paralisações assentam-se em duas vertentes: na primeira, os magistrados têm direito a dois meses de férias por ano, que seria razoável pela grandeza, volume e intensidade de suas atividades; na segunda, é que se assim não fosse, os advogados, especialmente os autônomos, não poderiam parar um pouco também, eis que sem paralisação do Judiciário, as atividades dos advogados não cessam, não oferecendo condições de que os mesmos possam usufruir um período de férias para viajar, descansar ou até mesmo se reciclar.


Essas explicações que sempre foram alardeadas mostram-se, ao que parece, desatualizadas perante uma nova realidade e, se aferidas com precisão, não logram alcançar o objetivo anunciado.


É necessário reavaliar a situação, testando algumas premissas adotadas para conferir se essa providência mostra-se coerente com a realidade em que vivemos.


A principal reclamação, hoje, contra o Poder Judiciário é de que é moroso! Lentidão que faz crescer o acúmulo de processos, cuja saída (conclusão definitiva e final do processo) é sempre em menor número do que a entrada de novos processos. Os tribunais, ao exibirem suas estatísticas, mostram enorme produtividade de decisões, dezenas de milhares de processos por ano, o que representa milhares por mês. Ante a produtividade destacada pelos tribunais, por si só, estaria a razão para não paralisar suas atividades e, assim, ao menos em tese, ampliar a sua produção em mais 25% do que já habitualmente produz, o que representaria milhares de processos julgados, contribuindo para o desacúmulo e para tornar menos verdadeira a acusação de ser morosa a Justiça.


Esse singelo ato poderia simbolizar para a sociedade, para as empresas, inclusive para os investidores estrangeiros, a iniciativa de estruturação de um Judiciário mais eficaz, portanto mais célere, mais produtivo e, assim, mais eficiente, inclusive no coeficiente da utilização dos recursos físicos, materiais e tecnológicos já empregados de modo mais efetivo, reduzindo a relação custo por processo, e também  um dos componentes do denominado Custo Brasil.


Porém, como ficariam aqueles argumentos utilizados, até hoje,  para justificar essa paralisação de quase três meses? Vamos a eles: primeiro, o direito dos magistrados férias de dois meses. Não combateremos esse direito, pois pela vicissitude da profissão reconhecemos essa peculiaridade, não como privilégio, mas como prerrogativa do magistrado. Entretanto, é necessário questionar qual a necessidade de que as férias sejam coletivas, e não escalonadas ao longo do ano, limitando-se em cada órgão jurisdicional quantos poderiam gozar férias em cada mês, de forma a não prejudicar a continuidade dos trabalhos, porquanto essa decisão sempre deve caber ao administrador, respeitando-se a preferência individual do “servidor”, desde que não inviabilize o desenvolvimento da atividade a que se destina a instituição. E se necessário for, por que não realizar a convocação de juízes de instância inferior para atuarem nesses períodos de férias, como já ocorre nas demais licenças dos magistrados?


Nessa proposta, a produção teria continuidade, ampliando em torno de 1/4 o que hoje se produz anualmente.


Vamos ao segundo argumento: sem o recesso e as férias forenses os advogados não teriam como parar por um período para descansarem. A questão deve ser enfrentada dessa forma, a começar pelo combate à própria conclusão de que hoje os advogados podem parar e viajar tranqüilamente. Essa assertiva não é verdadeira. E não é porque não há paralisação total das atividades que ofereça essa tranqüilidade aos advogados. Afinal, alguns processos continuam correndo, como, por exemplo, os processos de falência, os processos dos juizados especiais cíveis e criminais, os processos criminais de réu preso, entre tantos outros processos que possuem regime de prioridade, na forma da lei. E quantos advogados podem se dar ao luxo de não ter processos de natureza específica que continuarão tramitando, e possivelmente exigindo sua atuação, mesmo nos períodos de paralisação do Judiciário?


Por outro lado, a paralisação não é uniforme e simultânea em todo o Judiciário, havendo significativo descompasso na paralisação em primeira e segunda instâncias, por exemplo: entre Justiça do Trabalho e Justiça Comum, entre Justiça Federal e Justiça Estadual. Nessa lógica, se a preocupação são os advogados autônomos que atuam individualmente em seus escritórios, então eles já não estão sendo contemplados com a paralisação no modelo hoje desenvolvido, exigindo a continuidade de seu esforço de qualquer maneira, no máximo reduzindo o volume de atuação, mas tendo que ficar sempre de prontidão, o que suprime a tranqüilidade própria das férias, ou a impossibilidade material de viajar.


Se a segunda instância parou quase completamente, mas a primeira instância não parou, como ele poderá parar, ou vai se admitir a hipótese incomum e pouco provável de que o advogado só atua na segunda instância? Se a Justiça Comum parou, mas a Justiça Federal não, como paralisar suas atividades, se possui processo em ambas, o que ocorre na grande maioria dos escritórios de advocacia, mesmo dos autônomos?


Logo, a preocupação sinalizada nas justificativas empregadas para essas paradas da atividade normal dos tribunais já não satisfaz aquele que seria o destinatário da sua preocupação, porque seja como for, o advogado, para que possa tirar um período de férias, necessita delegar a um outro colega a responsabilidade do acompanhamento de suas causas naquele período. E esta é uma necessidade que o profissional tem para manter o nível de responsabilidade exigido pelo cliente, por um lado, e inserto em seu dever profissional, contratual e ético, por outro.


Ademais, acrescente-se a essa discussão uma nova realidade no universo da advocacia: há muitos profissionais no mercado, ainda com tendência crescente, significando que a oferta está maior que a procura, precisando de novas idéias que possam criar mais trabalho, mais serviço para os advogados. É bem possível que o trabalho ininterrupto do Judiciário possa trazer uma evolução na procura, uma oportunidade de absorver novos advogados em escritórios grandes, médios ou mesmo pequenos, e até para o desenvolvimento de parcerias entre advogados.


Se há a pretensão de se criar mais postos de trabalho, ocupação produtiva para a sociedade, a atuação ininterrupta do Judiciário poderá contribuir para esse objetivo, e também, para serventuários, magistrados, defensores, membros do Ministério Público, advogados e outras atividades indiretas.


O tema deve ser objeto de reflexão e debate com os profissionais do direito, os legisladores e governantes e a própria sociedade, para que em futuro breve, quem sabe, possa representar modificações no sistema atual, tornando a prestação jurisdicional mais célere, eficaz e eficiente, fim precípuo dessa proposição.



Informações Sobre o Autor

Asdrubal Junior

Advogado, sócio da Asdrubal Júnior Advocacia e Consultoria S/C, pós-graduado em Direito Público pelo ICAT/UniDF, Mestre em Direito Privado pela UFPE, Professor Universitário, Presidente do IINAJUR, organizador do Novo Código Civil da Editora Debates, Coordenador do Curso de Direito da UniDF, Diretor da Faculdade de Ciências Jurídicas da UniDF, Consultor das Nações Unidas – PNUD, Editor da Revista Justilex, integrante da BRALAW – Aliança Brasil de Advogados.


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