Após a extinção da CPMF por pressão legítima da sociedade tentou-se a sua recriação sob nova roupagem: a Contribuição Social para Saúde – CSS. Sepultada a idéia, ela foi retomada recentemente causando nova mobilização de importantes setores da sociedade sob a liderança da FIESP.
O que, na verdade, está atrás dessa teimosia governamental de recriar a CPMF é o desejo de, simplesmente, aumentar a arrecadação tributária em nível que permita a realização de despesas públicas de forma desordenada e sem limites. O setor de saúde tem sido utilizado como mero instrumento para atingir esse fim ilegítimo.
O setor de saúde, como todos os demais, deve ser atendido pela destinação de recursos financeiros arrecadados a título de impostos em geral, por via de fixação de dotações orçamentárias que possibilitem a execução do plano governamental. Isso requer trabalho de estadista: compatibilizar as necessidades da sociedade com as reais possibilidades financeiras do Estado consideradas as fontes de receitas regulares permitidas pela Constituição Federal.
De nada adianta criar um tributo vinculado ao setor de saúde sem planejamento adequado desse setor. Não é a falta de CPMF que está deixando o setor de saúde em situação precária.
O legislador constituinte, sabedor da costumeira omissão do Executivo em dotar esse setor com verbas necessárias, fixou no § 2°, do art. 198 da CF os recursos mínimos a serem alocados, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde, nos moldes do que fez para o setor de educação por meio do art. 212.
Outrossim, o setor de saúde integra, juntamente com o setor previdenciário e o setor de assistência social, a seguridade social (art. 193, da CF) sendo, portanto, destinatário das contribuições sociais do art. 195, da CF.
Por que mais uma contribuição social, na verdade, imposto inominado com destinação específica vedado pelo art. 167, VI, da CF?
A criação de um imposto específico para financiar cada setor da atividade estatal sob a roupagem jurídica de contribuição social àquilo que não o é, acaba por desmontar o Sistema Constitucional Tributário.
Essa CSS que se pretende criar não é para custear o setor de saúde, que deve, repita-se, ser custeado pelo produto de arrecadação de impostos em geral, por meio da Lei Orçamentária Anual, instrumento do exercício de cidadania.
Assim como a arrecadação tributária há de ser previamente consentida pela sociedade (princípio da legalidade tributária) as despesas públicas, dentre as quais aquelas destinadas à saúde, devem se submeter à prévia aprovação da mesma sociedade (princípios da legalidade e da fixação de despesas).
A criação de tributo específico dispensa esse trabalho de submissão da despesa pública anual à prévia aprovação da sociedade. Pode-se ir gastando a olho o recurso proveniente de tributo vinculado ao setor de saúde até mesmo sem qualquer planejamento para o setor, o que, aliás, vem acontecendo na prática de forma generalizada.
Se a execução orçamentária fica distanciada daquilo que está previsto na Lei Orçamentária Anual, de duas uma: o orçamento não reflete o plano de ação governamental, porque elaborado no plano abstrato, ou, não existe o plano de ação governamental previamente elaborado, e o governo vem pautando a sua ação para solução improvisada dos problemas à medida que eles vão surgindo. Por isso, quando surgem problemas demais logo pensam em criar novos tributos, nunca em planejar a ação do governo a curto, médio e longo prazos.
A falta de recurso da saúde é fruto do desvio de verbas, a exemplo dos precatórios “impagáveis”, cujas verbas são objetos de desvios planejados e programados.
Ademais, as contribuições específicas nunca cumpriram as finalidades para as quais foram criadas. Veja-se a COSIP, a CPMF então vigente e a CIDE, esta última instituída para a preservação ambiental e construção e manutenção de estradas. Não só, não houve melhoria na preservação ambiental, como também inúmeras estradas antes em boas condições ficaram intransitáveis. Os recursos da CIDE, em grande parte, foram destinados ao pagamento da dívida externa.
Portanto, tributos específicos não resolvem os problemas que ensejam sua criação. Só servem para aumentar a pressão tributária que a todos prejudica, beneficiando apenas os integrantes do governo contemplados com benesses de toda ordem.
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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