Redução da maioridade penal como fator incapaz de gerar a diminuição da violência

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Resumo: No presente estudo trataremos de forma ampla os diversos aspectos que envolvem a redução da maioridade penal, dando maior ênfase nas duas grandes correntes que se dividem na busca de solucionar o impasse da maioridade no Brasil.

Palavras–chave: Redução – Maioridade penal – Inimputabilidade – Estatuto da Criança e do Adolescente – Código Penal – Direito individual – Cláusula pétrea – Medidas socioeducativas.

Sumário: I – Introdução. II – Da Redução da Imputabilidade penal. III – Considerações Finais.

I – Introdução

As controvérsias em torno da redução da maioridade penal não são recentes na história brasileira. Ao longo do tempo, é possível constatar uma tendência a enxergá-la como um instrumento suficiente e necessário no combate à violência, o que não é verdade. Tal providência além de não ser capaz de suprimir a criminalidade, tampouco se apresentaria de acordo com os modernos ideais de justiça.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 228,definiu a idade limite para a maioridade penal, classificando como penalmente inimputáveis os menores de 18 anos. O Estatuto da Criança e do Adolescente afirma a inimputabilidade penal dos adolescentes com idade inferior a dezoito anos (artigo 104 da Lei nº 8.069/90).

Desse modo, ao menor de 18 anos, não é atribuída a responsabilidade criminal pelos atos que praticou, tal como se impõe a um adulto. Isso não significa que o adolescente a quem se atribua a autoria de ato infracional não seja responsabilizado, até porque inimputabilidade não implica em impunidade, que é falta de punição ou de aplicação de sanção penal. O ECA instituiu a responsabilização do adolescente (12 a 18 anos), autor de ato infracional, aludindo desse modo que, contrariamente ao que se presume acerca do ECA, o mesmo não propõe impunidade, mas sim, dispositivos legais punitivos aos menores infratores, mas dando um tratamento diferenciado daqueles imputáveis, pelo fato de estarem em processo de formação tendo assim suas peculiaridades.

Há imputabilidade quando o agente é capaz de compreender a ilicitude de sua conduta e de agir de acordo com este entendimento. Uma conduta só é reprovável se o agente tiver certo grau de capacidade psíquica que lhe permita compreender a antijuridicidade do fato e adequar sua consciência a essa conduta. Inexistindo tal capacidade, considera-se o agente inimputável, eliminando-se a culpabilidade.

De acordo com tal entendimento, tem-se como causas de exclusão da imputabilidade:

– Inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art. 26, caput, CP);

– Inimputabilidade por menoridade penal (art. 27 do CP, sendo que a mesma está contida no desenvolvimento mental incompleto);

– Inimputabilidade por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior (art. 28,§1º, CP).

De acordo com o art. 27 do Código Penal Brasileiro: “Os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”.

Adotando o melhor e mais aceito critério, o CP estabelece, neste art. 27, a presunção absoluta de inimputabilidade para os menores de dezoito anos. Tal presunção obedece a critério puramente biológico, nele não interferindo o maior ou menor grau de discernimento. Ela se justifica pois o menor de 18 anos não tem personalidade já formada, ainda não alcançou a maturidade de caráter.

O artigo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente vem distinguir o entendimento socioeducativo, pela definição dos conceitos de criança e de adolescente. A separação está fundada tão somente no aspecto da idade, não levando em consideração o psicológico e o social.

Necessário que se compreenda então que crianças, adolescentes e adultos têm diferenças substanciais, logo não podem ser tratadas de maneira igual.

Criado em decorrência de exigência prevista na Constituição Federal de 1988 e em substituição ao Código de Menores, o ECA tem como objetivos, de um lado, garantir direitos fundamentais – vida, saúde, educação, recreação, trabalho, assistência social – reconhecendo os direitos dos jovens, e de outro, estabelecer responsabilidade estatutária juvenil (enquanto os maiores de 18 anos tem responsabilidade penal), sujeitando estes adolescentes a medidas socioeducativas.

De acordo com o ordenamento jurídico, o artigo 101 do ECA (Lei nº 8.069/90), considera como criança a pessoa com idade entre zero e doze anos incompletos. Sendo assim, quando cometerem alguma infração, ou quando se encontrarem em situação de risco, são passíveis apenas da aplicação de medidas protetoras.

Por sua vez, os adolescentes estão abrangidos na fase dos doze aos dezoito anos de idade, encontrando-se sujeitos à aplicação tanto das medidas protetoras, como também, das medidas socioeducativas.

Dessa maneira, insta salientar que o ECA concede o caráter pedagógico às medidas socioeducativas impostas aos infratores, a fim de reverter o quadro patológico revelado pelo menor em fase do seu desenvolvimento psicossocial.

No entanto, o tratamento diferenciado que é conferido aos adolescentes em virtude de suas particularidades nem sempre é compreendido da maneira que deveria.

O clamor social em relação ao jovem infrator – menor de dezoito anos – surge da equivocada sensação de que nada lhe acontece quando autor de infração penal. Seguramente, a noção errônea da impunidade tem se revelado no maior obstáculo à plena efetivação do ECA, principalmente diante da crescente onda de violência, em níveis alarmantes.

Trata-se de uma norma protetiva, mas também responsabilizadora, sendo que o ECA atribui aos jovens em conflito com a lei responsabilidade estatutária, através de medidas específicas, científicas e jurídicas. Fica, por conseguinte, desmitificada essa falácia de que o menor de 18 anos permanece impune e não responde por seus atos considerados criminosos pela legislação penal. Esta não ampara a delinquência, tampouco a impunidade.

O art. 103 do ECA, no Título III, Capítulo I normatiza “Considera ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal”[1].Significa dizer que o ato atribuído à criança ou ao adolescente, embora enquadrável como crime ou contravenção, só pela circunstância de sua idade, não constitui crime ou contravenção, mas, na linguagem do legislador, simples ato infracional.

Nesse diapasão, há algum tempo tem-se discutido a respeito da redução da maioridade penal para 16 anos ou até mesmo para 14 anos como solução para a problemática da segurança pública, capaz de devolver a paz social almejada por todos.

A linha principal do argumento é de que cada vez mais adultos se servem de adolescentes para a prática de ações criminosas e que isso impede a efetiva e eficaz ação policial. Outros retomam o argumento do discernimento que o jovem pode votar aos 16 anos ou trabalhar como menor aprendiz aos 14 anos e que hoje tem acesso a um sem – número de informações que precipitam seu precoce amadurecimento e discernimento, permitindo que esses jovens sejam capazes de compreender a natureza ilícita de certos atos. Porém, essas justificativas não levam a conclusão que o adolescente, nestas idades mencionadas, devam ser submetidos a outro tratamento que não aquele que o Estatuto lhe reserva em caso de crime.

II- Da Redução da imputabilidade penal

Observa-se que antes de levantar a discussão em torno da redução da idade penal, é necessário combater as causas que levam o jovem a delinquir. Em primeiro lugar, é primordial que sejam revistas as políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes. Se não for combatida a violência, em sua essência, não adiantará de nada reduzir a idade penal, pois muitos jovens na maioria das vezes são vítimas da própria violência que rodeia o meio onde vivem.

A adolescência demarca uma etapa da vida de início e término variável, na qual se opera a transição da infância para o mundo adulto. Transformações biológicas e psicológicas velozes dão-se em meio a intensas demandas de ajustamento às expectativas sociais mais diversas, gerando inevitável tensão.

Infelizmente, atualmente a ideia de redução da maioridade penal conta com o apoio de grande parte da sociedade, seja por desconhecimento da lei e dos mecanismos de recuperação, seja pelo fato de a mídia divulgar sempre a prática da infração e quase não divulgar os índices de recuperação dos adolescentes infratores submetidos às medidas socioeducativas de meio aberto.

Sabe-se que a atual sistemática penal é anacrônica, hermética e desastrosa para a sociedade, pois está contaminada por fatores degradantes, impulsionadores de uma maior deformação do indivíduo que a ela é submetido, fomentando sempre o retorno ao crime, à reincidência.

É indispensável, nesse sentido, fazer-se uma reflexão sobre o pensamento externado a esse respeito, pelo desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Antônio Fernando do Amaral e Silva[2]:

“Criminólogos e penalistas são unânimes: o sistema penitenciário está falido. A pena privativa de liberdade não reeduca, muito menos ressocializa. Perverte, deforma. Não recupera, corrompe. No Brasil, o sistema além de ineficaz, constitui um dos maiores fatores de reincidência e de criminalidade violenta. O fato, sendo público e notório, dispensa comentários. Basta ver a superpopulação carcerária, o “tratamento” de presos e condenados e os altos índices de reincidência.

Se a falência pedagógica e recuperadora do sistema carcerário levou penalistas a preconizarem a substituição do cárcere por alternativas mais viáveis, encaminhar jovens a tal sistema seria concorrer para o aumento e não para a diminuição da criminalidade.”

Fazendo essas observações, não se busca reforçar a prática da impunidade: urge, no entanto, que se busquem os mecanismos e instrumentos adequados que possibilitem a efetiva diminuição da criminalidade praticada por adultos e por jovens, estes representando em torno de 10%.

Vale ressaltar, que há juristas defensores da impossibilidade de reforma constitucional neste aspecto, pois entendem tratar-se de cláusula pétrea, somente podendo ser alterada por nova Assembléia Constituinte.

Oportuno se faz salientar que cláusula pétrea é aquela imodificável, irreformável e insuscetível de mudança formal, senão pelos detentores do poder constituinte originário.

Com efeito, tratando-se de tema dotado de status constitucional (artigo 228, CF/88), não falta quem defenda que a matéria teria sido alçada à condição de direito e garantia individual, configurando cláusula pétrea insuscetível de emenda constitucional, a teor do artigo 60, §4°, IV, da Constituição Federal. Isso porque, como se sabe, os direitos fundamentais não são apenas aqueles do artigo 5° da Carta Magna, mas encontram-se difusos em todo o texto constitucional, tese já acolhida pelo Supremo Tribunal Federal.

A tese da inconstitucionalidade da redução da maioridade penal é reforçada pelo argumento de que essa pretensão violaria o artigo 41 da Convenção das Nações Unidas dos Direitos da Criança, segundo o qual os países signatários desse ato (entre eles, o Brasil) não poderiam tornar mais gravosa a lei interna relativa à responsabilização de menores.

Ressalta-se que o insucesso atribuído ao ECA deve ser dimensionado não à falta ou a insuficiência de comandos legais, que são fartos e adequadamente direcionados, mas à seriedade na aplicação das leis. O instituto contém uma série de medidas dirigidas aos jovens que cometem infrações, porém, o que deve ficar claro é que o ECA não foi devidamente implantado em grandes cidades, nas quais se utilizam como estabelecimentos para a internação as instalações e o organismo corrompido e desfigurado da FEBEM (Fundação do Bem Estar do Menor), notoriamente voltado aos velhos e combatidos modelos repressores do Estado.

Merece transcrever o pensamento da advogada Sylvia Helena Terra[3], pela clareza como interpreta a discussão em torno da temática:

“Inaugura-se, pois, a discussão em torno da redução do limite etário da imputabilidade penal, alinhando-se a esta corrente aqueles que, além de pretenderem a manutenção do sistema penal, querem agora incluir e abranger, neste grande fracasso, os adolescentes a partir dos seus 16 (dezesseis) anos.

Como se não bastasse, através de falsos pressupostos, tentam convencer a opinião pública da adequação de tal medida, sob o argumento falacioso de que as leis rigorosas e penas mais severas seriam a solução para os graves problemas da criminalidade.

Todos os argumentos sócio-jurídicos já foram exaustivamente consignados por ilustres e eminentes juristas, contrapondo-se a proposição em questão, que além de inconstitucional e contrária aos princípios democráticos e de direito, é sobretudo perversa, própria dos Estados totalitários.”

Outro argumento, de que se vale a corrente a favor da redução da idade penal, está centrada na questão do voto. Seus opositores defendem que se o jovem com 16 anos pode votar, ainda que facultativamente, também deve ter maturidade suficiente para determinar-se diante do caráter ilícito de praticar crimes e, portanto, deveria responder penalmente a partir dos 16 anos.

É de má-fé ou desinformação o que se prega quanto ao fato do direito de voto do adolescente ser justificativa para a responsabilidade penal. Trata-se apenas e tão-somente de uma prática incentivadora e aceleradora da cidadania ativa, jamais demonstração de maturidade suficiente para a imputabilidade penal.

Refuta-se a redução também, uma vez que, o menor infrator não poderia ser igualado ao adulto delinquente, porquanto aquele, com uma personalidade ainda em construção e com o senso de discernimento parcialmente formado, encontra-se em desigualdade de condições com os criminosos adultos.

Neste prisma, devemos entender que a privação de liberdade do adolescente e sua internação em presídios destinados aos criminosos adultos não são expedientes adequados para reeducá-los. Essa incapacidade se acentua sobremaneira ao termos em vista as condições nas quais é gerido o sistema prisional brasileiro. Assim, se é certo afirmar que a FEBEM não é uma instituição apta a cumprir seus objetivos, não é menos correto afirmar que as prisões também se afiguram como meio reprodutor da prática criminosa e da desumanização do indivíduo.

Por isso, não é sem razão que Luiz Flávio Gomes pondera: “Se os presídios são reconhecidamente faculdades do crime, a colocação dos adolescentes neles só teria um significado: iríamos mais cedo prepara-los para integrarem o crime organizado”. Também Mirabete não se posiciona pela redução da maioridade penal, chegando a afirmar que ela “representaria um retrocesso na política penal e penitenciária brasileira e criaria a promiscuidade dos jovens com delinquentes contumazes”.

Nesse sentido, é de se notar que as medidas socioeducativas apresentam-se mais eficazes que as penas privativas de liberdade, em razão da sua finalidade pedagógica e ressocializadora.

III- Considerações Finais

Conforme o apresentado no presente trabalho, conclui-se que, a diminuição da idade penal para 16 ou 14 anos não irá solucionar o problema da criminalidade e violência que assola o país, muito pelo contrário, produziríamos um efeito inverso: em vez de reduzir os índices de infrações, teríamos uma precocidade significativa daqueles que ingressam no mundo do crime.

Ante o exposto, a ilimitada transgressão normativa perpetrada por menores necessita de providências urgentes, com o escopo de obstar a delinquência que se aflora na juventude. Todavia, ainda que se pese tamanha criminalidade, os procedimentos a serem tomados nunca poderão violar os princípios previstos na Carta Magna. Em virtude disso, sempre será resguardada a dignidade da pessoa humana, ainda mais quando nos referimos aos adolescentes, os quais são indivíduos que se encontram na fase de desenvolvimento biopisicossocial.

 

Notas:
[1] Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069 de 13 de junho de 1990.
[2] SILVA, Antônio Fernando Amaral e. Mandar jovens de 16 anos para o sistema carcerário vai resolver o problema da criminalidade? In: Âmbito Jurídico, set/98. Disponível na Internet http://ambito-juridico.com.br/aj/eca0002.htm. Acessado em 25/02/2005.
[3] TERRA, Sylvia Helena. Sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e a inimputabilidade penal. São Paulo: ABONG. Adolescência – Ato Infracional & Cidadania. (s.d)

Informações Sobre o Autor

Juliana de Assis Aires Gonçalves

Procuradora Federal. Gerência Regional da Procuradoria Federal Especializada da Anatel


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Equipe Âmbito Jurídico

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