Reengenharia Jurídica

Mais Varas e Promotorias ou reestruturar as existentes ?

O sistema jurídico brasileiro vem sendo fortemente questionado nos últimos anos em face do anseio popular de ter os seus direitos respeitados, contudo, quase todas as fórmulas apresentadas tentam fazer uma estrutura arcaica e artesanal de administração ser eficiente em pleno mundo digital.

De início, parabenizamos as iniciativas de alguns órgãos voltadas para o fim de buscar uma solução, mas acreditamos que não é simplesmente aumentando o número de soldados que se torna um exército eficaz, é preciso de instrumentos, estratégia  e treinamento permanente.

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Na justiça atualmente não há instrumentos (informatização efetiva, inclusive com utilização da internet), falta uma estratégia moderna de solução dos problemas administrativos (como  assessores formados  em Direito, com custo menor para fazer tarefas menos complexas), e não há treinamento (alguns  poucos profissionais realizam cursos, mas um número expressivo permanece com conceitos e conhecimentos ultrapassados, o que é facilmente constatado até pelo fato de não raramente encontrar juízes e promotores que não utilizam computadores, e um número, ainda maior, que não sabe trabalhar com a Internet).

Querer trabalhar de forma rápida com a atual estrutura administrativa é um desafio insuperável, basta observar que  para realizar cursos de aprimoramentos não há subsídios, estímulos, nem gratificações; ademais nas carreiras jurídicas públicas prevalece a isonomia total, o improdutivo e o produtivo têm o mesmo valor.

Não se ouve falar em justiça preventiva ou de massa, a própria lei orgânica judicial mineira prevê índices de riqueza da cidade para se criar uma Comarca, como se a pobreza não fosse um fator muito mais preponderante de necessidade da tutela jurídica.

Normalmente, mede-se o volume de serviço pelo número de processos acumulados e parados, e não pela quantidade de feitos resolvidos, um estímulo a não se produzir. Mas, esquecem-se que a partir de 1985 com a criação da ação civil pública e a partir de 1988 com o fortalecimento do Ministério Público, uma única ação pode resolver o problemas de milhares de cidadãos, pois anteriormente era, na prática, necessário ajuizar milhares de ações individuais contratando-se  centenas de advogados, e com esta nova função do Ministério Público torna-se claro que ocorreu uma redução do mercado de trabalho para os profissionais filiados à OAB, mas isto se deu em prol da sociedade, o que  em alguns momentos causa algum conflito não ostensivo, mas perceptível, e que se tornou claro no discurso de um dos candidatos à presidência da OAB do estado de São Paulo.  E também se faz detectável  quando se almejam criação de varas criminais sem a necessária criação do cargo de promotores, sendo que, na prática, uma vara criminal sem promotor não funciona e os delitos acabam prescrevendo, apesar de  as pessoas contratarem advogados para se defenderem, pois cometeram delitos.

Porém, voltando à questão da morosidade dos feitos, muito se dá em razão da lei processual (mas a classe jurídica poderia atuar politicamente com maior intensidade para modificá-las, pois muitas vezes o legislador não a corrige porque não é técnico no assunto) e, um outro, aspecto que torna a justiça lenta é a estrutura administrativa que não coaduna com a modernidade.

Não há dúvidas de que simplesmente aumentar o número de profissionais, é o mesmo que colocar barquinhos de papel para navegar no rio,  afinal como todo projeto é preciso apresentar resultados eficientes, e todos os  que foram levados ao Executivo, eram apenas para manter a atual estrutura. Na verdade, é como negar a existência da energia elétrica e querer iluminar as ruas com lampião, e pedir para sociedade custear, pois é bom para a mesma andar nas vias com iluminação.

Pode-se dobrar, e até triplicar,  o número de varas judiciais, que não irá resolver o problema, talvez  minimize temporariamente. Quantas varas estão informatizadas ? Porque há Varas com o serviço em dia e outras não, na mesma cidade ? Qual o estímulo a se produzir ? Qual a política centralizada e uniforme de recursos humanos, materiais e intercâmbio de informações via internet ?

Acreditamos que o único critério justo e objetivo para se determinar necessidade de varas seja o do número de habitantes, assim, seria fixado um número mínimo necessário para criação de cada varas, ou seja, uma vara e promotoria para cada 15 a 20.000 habitantes.

O critério por riqueza da cidade é desumano, pois valoriza o capital, em lugar do social.  O fator por número de processo em acervo permite que se idolatre o profissional que deixou de produzir o suficiente. Basta que se constate que nas Comarcas onde existe mais de uma vara há algumas com até cinco vezes mais feitos do que a outra, não significa necessariamente improdutividade consciente, mas é algo que deve ser analisado antes de tomar qualquer decisão de ser criar nova vara.

Qualquer elemento subjetivo, sem regras pré-definidas para verificar a necessidade de varas ou promotorias, possibilita a hipótese de meios meramente políticos ou politiqueiros, como ser local de votos de determinado deputado, governador, ou por ser a cidade natal de algum desembargador ou procurador de justiça, (não significa que isto já ocorreu).

Esta necessidade de autoridade jurídica a cada até 20.000 habitantes poderia ser aumentada para até  40.000 habitantes, por exemplo, se na área estadual fosse adotado o sistema de assessoria por bacharéis em Direito que realizariam tarefas menos complexas e receberiam um salário de até R$ 1500 ou 2000,00, pagariam imposto de renda de 15%, férias de 30 dias,  cumpririam um carga horária de 40 horas semanais, não teriam poder de decisão e isto permitiria distribuição de renda (maior número de pessoas trabalhando com um salário médio), assim poderiam ser até três assessores formados em Direito por autoridade jurídica, e a justiça produziria no mínimo cinco vezes do que produz atualmente a um custo menor. Pois é fato que Instituição que tem muita autoridade, não funciona muito bem, existe excesso de confronto entre as mesmas, muita vaidade livre para se manifestar e muito problema psicológico ressaltado pelo poder, sendo que em Minas Gerais há psicotécnico para promotor, mas para juiz não existe este exame.

Aproveitando a oportunidade, entendemos ser importante informar à comunidade alguns assuntos que quase todos sempre indagam, por exemplo, juiz e promotor são carreiras diferentes e independentes, em Minas Gerais, nem sempre trabalham no mesmo local (fórum), e recebem a mesma remuneração. Quando o Promotor discorda da decisão do juiz recorre para a capital. O juiz não pode iniciar o processo, para que possa permanecer com maior imparcialidade, pois quem inicia alguma tese costuma se envolver com a mesma (na verdade, a imparcialidade absoluta é uma utopia), quanto ao promotor, na prática, escolhe quais os fatos serão julgados e produz a prova, se esta for robusta, certamente ocorrerá a condenação. O fortalecimento do Ministério Público começou em 1988 com a nova Constituição. O Promotor não está subordinado a nenhum dos três poderes e possui verba independente no orçamento. Este trabalho apesar de ainda não divulgado oficialmente, é facilmente constatado quando se vê o número de políticos e grandes empresários atualmente processados e condenados, sendo que antes de 1988 não se observava tais acontecimentos. Além disto, o Ministério Público tem o poder de iniciativa e pode atuar nos três poderes, do qual se inclui o judiciário. É claro, que como antigamente atuava apenas perante o Judiciário, são poucos os profissionais que atuam na defesa da ordem jurídica como um todo, o que implica atuar perante o Executivo e Legislativo. Na verdade, é comum um jargão de que o promotor pede e juiz manda, trata-se de um conceito que o tempo mostrará não ser o real, primeiramente, porque o Ministério Público tem mobilidade (se não conseguir a condenação judicial de algum político, pode conseguí-la junto ao legislativo (impeachment) ou junto ao executivo ( demissão ou exoneração), em segundo lugar dentro do processo judicial pouquíssimos requerimentos são indeferidos, e podem ser requisitados pelo promotor diretamente ao órgão em questão, desde que não seja acomodado (o Ministério Público não é um Instituição perfeita).

Com este novo perfil do Ministério Público (ainda não exercido por alguns promotores) o Brasil mudou, e o Código Penal passou a valer também para os ricos e poderosos.  Apesar do promotor no Brasil não ser apenas órgão de acusação, pode inclusive pedir absolvição, ainda prevalece a imagem de mero acusador. Mas hoje atua na defesa do patrimônio público, do meio ambiente, do deficiente físico, do consumidor, fiscaliza os demais poderes,  aplicação da verbas do FUNDEF (educação), do SUS (saúde) e várias outras atividades, em sua maioria funções extrajudiciais, fora do processo judicial (área que ainda não se estuda nas faculdades de Direito). Em suma, defende a sociedade.

O Ministério Público é a Instituição que mais está ligada à sociedade, pois tem força política e jurídica, mas não é um Poder Constituído, é um Poder Social, de fato,  não é superior aos demais, e nem deve almejar isto, pois distanciará do povo. É possível que, se os membros do Ministérios Públicos não se dividirem em disputas internas e pelo poder pessoal,  tenhamos no Brasil a primeira revolução do mundo legalizada,  legitimada e sem violência. Pois foi a única Instituição jurídica e política que teve a sua função e estrutura substancialmente modificadas na Constituição de 1988. Não há no mundo um Ministério Público com as funções que possuem o existente em nosso país.

Em Minas Gerais, enquanto o concurso para juizes possui um índice de aproximadamente de 8%  e realizado em quatro fases ( no último passou para cinco fases), o para o Ministério Público é quase sempre inferior a 1%, não ultrapassando a 2%,  realizado em sete fases. Estes dados referem-se aos três últimos concursos. Apesar disso, os concursos jurídicos públicos precisam ser remodelados, pois não basta ser difícil, é preciso ser seletivo. Não serve para a sociedade um promotor com excelente conhecimento jurídico, mas sem iniciativa, coragem e formação ética. Acreditamos que aprovação em concurso ao cargo de juiz e promotor deveria ser para entrar em uma escola de formação para verificar a capacidade do candidato, antes de se tornar autoridade. Atualmente,  ocupa o cargo (da noite para o dia), e ainda que em estágio probatório, poucos cidadãos terão coragem e ousaram a questionar a  capacidade da autoridade. O processo seletivo deve ter critérios mais profissionais para avaliação do provável futuro desempenho.  Os poderes jurídicos cresceram muito de 1988 para cá, e não se pode dar o poder a quem está despreparado, principalmente, pelo fato de que serão vitalícios e estarão decidindo os destinos de toda uma comunidade.

Quanto ao índice de aprovação para o quadro da OAB, advogados, varia de 50% a 80%, realizado em duas fases. Ressaltando, que para ser juiz e promotor não precisa ser aprovado no exame de ordem, e estes, não são juridicamente considerados servidores públicos, e sim, agentes políticos. Nos Estados Unidos, promotores federais e juízes são eleitos pelo povo, no Brasil são agentes políticos sem eleição. Em Minas Gerais são aproximadamente 700 promotores e 700 juízes e ainda se alega carência de pessoal, apesar de serem pouco mais de setenta deputados estaduais, juridicamente juízes e promotores são isonômicos aos deputados estaduais, mas a própria quantidade (dez vezes maior), bem como os freqüentes  pedidos de aumento de quadro é um fator impeditivo para a efetivação da isonomia.

Inclusive é preciso analisar do ponto de vista econômico, administrativo e social, se Belo Horizonte necessita de apenas  um único fórum enorme, ou se seria mais justo, construir  fóruns menores e distribuídos por pontos estratégicos, o que não pode ser entendido como o quarteirão vizinho ao primeiro prédio.

Portanto, insistimos que  urge implementar a informatização com base na internet; fixar critérios para definir produtividade; popularização da justiça (mídia); exigir aperfeiçoamento de juízes e promotores para serem promovidos ou receberem gratificações como tempo de serviço (esta última precisa ser repensada, deveria ser extinta e criadas outras apenas para quem realizar cursos), criação de cargos técnicos e de assessoria; aumentar o horário de atendimento ao público (podendo ser feito através de lei com o equivalente  aumento do salário, o que é menos oneroso do que pagar horas extras); criação de gratificações por realizações de cursos úteis para o desempenho da função; descentralização de vários atos  como audiências de conciliação, confecção de relatórios das peças processuais, coleta de jurisprudências e doutrinas, atendimento ao público, despachos mecânicos ou ordinatórios, gerenciamento direto dos serviços de secretaria; fixação por lei da necessidade de varas e promotorias em face do número de habitantes (dado objetivo), agravar financeiramente a situação de quem é derrotado judicialmente (multa de até 20 ou 30 %, salvo se provar que não podia fazer ou tentou fazer acordo e não foi possível por motivo justo), para estimular às partes a realizarem acordos extrajudiciais; possibilitar ao réu que concordar com a denúncia criminal e confessar o delito desistindo da instrução (provas), uma redução de um quarto a um meio ao final do cálculo da pena. É fato ser mais recomendável aumentar a estrutura de pessoal e equipamentos das varas judiciais e promotorias já existentes, do que criar novas baseadas em critério antigo de forma de trabalho. Hoje não adianta mais trabalhar muito,  o útil é produzir muito. Na área jurídica pública tem se trabalhado muito, mas se não modernizar a estrutura, os pensamentos e as ações efetivas, será sempre lenta. Por mais moderna que seja a máquina de escrever será mais lenta e com menos funções do que um computador. È preciso  parar de pensar como máquina de escrever, jurista não é necessariamente administrador, é preciso contratar empresas especializadas para apresentar um projeto eficiente, não se transforma máquina de escrever em computadores, nem se inventou a energia elétrica estudando as velas.

Quanto às leis arcaicas, entendemos que as associações jurídicas e as de classe podem muito bem participar com maior ênfase dessa atividade através de contatos com o Legislativo e Executivo, principalmente as associações oriundas da Magistratura e do Ministério Público, atualmente a OAB tem tido um papel mais presente nesta atuação. Muitos problemas processuais e materiais permanecem por falta de iniciativa junto ao legislativo para mostrar a necessidade e a solução. Também não há uma lei perfeita, é preciso modificar em lugar de ficar divagando por anos em discussões sem resultado algum.

O momento atual exige um novo posicionamento dos juristas, é preciso parar de preocupar com as margens da petição e preocupar com as pessoas que estão à margem da sociedade, é necessário atentar mais com as pessoas que não têm um alimento para sentir o paladar na língua do que com os aspectos formais da língua pátria registrada em nossos textos.

Por fim, entendemos que  agente político acima de tudo tem que ser administrador público e saber exercer a direção dos órgãos, quem tem um excelente conhecimento jurídico ou de leis apenas, deve ocupar funções técnicas ou de assessoria, e não de direção ou de decisão, portanto, não podem serem juízes ou promotores. É fato que nos Estados Unidos os juízes julgam menos menor número de processos, mas é porque lá existem formas alternativas de solução de litígios, bem como níveis de resolução dos conflitos antes de chegar ao juiz. No Brasil, ocorre uma canalização para a solução judicial. É inquestionável que aplicar a lei é muito simples, o difícil é resolver os conflitos sociais e individuais com justiça, dando a cada um o que é seu. É possível fazer justiça sem Poder, e possuir Poder sem  fazer justiça alguma. De nada adianta saber muito e fazer pouco, é preferível saber pouco e fazer muito em prol do povo. Justiça que atua só no papel, em processo,  é brincar de fazer justiça.

Assim conclui-se que é preciso renovar, e por isto acreditamos que a a aposentadoria compulsória deveria ser reduzida para 65 anos na área jurídica, apesar de alguns defenderem o fim da compulsória pois não existe este fator para os políticos eleitos, no caso deles, passam por uma avaliação, em regra,  a cada quatro anos (eleição), o que não ocorre na área jurídica, e que vê qualquer forma de avaliação como meio de impor uma forma antiga de trabalho. Portanto, na área jurídica o fim da compulsória permitirá a perpetuação das idéias e a criação de uma “monarquia jurídica”, cujos nobres por estarem nos cargos de direção serão imunes em face do poder dos cargos. Somente seria possível pensar em acabar com a aposentadoria compulsória se permitir que juízes e promotores concorressem, em eleição pelos membros da carreira, aos cargos de Presidente do Tribunal e Procurador Geral, acabando-se com as formas escalonadas de promoção, pois assim evitaria-se o travamento da abertura dos cargos de direção na cúpula que implantam as políticas de trabalho. Aliás, não vislumbramos necessidade de ser Promotor ou Juiz na Capital para ocupar cargos na administração, isto parece mais ser forma de controle do que meio de medir capacidade, talvez o critério mais recomendável seja apenas exigir  tempo de serviço, como dez anos de efetivo serviço, pois o nível da entrância não é um dado seguro, até porque despretigia os profissionais que preferem permanecer no interior do Estado e como as votações para promoção são secretas e sem fundamentação, não se sabe quais os fatores influenciaram na promoção, portanto, não significa necessariamente uma capacidade de trabalho e que o Promotor ou Juiz que está na Capital é mais produtivo que o do  Interior.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

André Luís Alves de Melo

 

Mestre em Direito Público pela Unifran e Promotor de Justiça em Estrela do Sul MG, pesquisador jurídico

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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