Reflexões acerca da superproteção dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro

Resumo: O presente estudo tem por objetivo abordar a superproteção dos direitos fundamentais à luz da experiência constitucional brasileira. A centralidade deste trabalho reside no fato de que na Carta Magna de 1988 os direitos fundamentais são tutelados através de cláusulas pétreas. Todavia, em se tratando de direitos fundamentais, tal restrição aponta uma grave incongruência, visto que, os direitos fundamentais são variáveis, modificam-se ao longo do tempo e de acordo com a necessidade de cada sociedade. Dessa forma, o presente estudo pretende tecer reflexões a respeito dessa superproteção tanto como óbice a uma evolução constitucional quanto como mecanismo de proteção e efetivação desses direitos. Metodologicamente, utilizou-se como ferramenta de pesquisa o método hipotético-dedutivo para confrontar opiniões e verificar hipóteses válidas para solidificar conhecimentos ao presente tema, sendo que, o procedimento utilizado foi o bibliográfico, e subsidiariamente, o método documental embasado nas legislações constitucionais e infraconstitucionais do Brasil e do Direito Comparado.

Palavras-chave: Constituição, Cláusulas Pétreas, Direitos Fundamentais.

Abstract: This study aims to address the over-protection of fundamental rights in the light of the Brazilian constitutional experience. The centrality of this work lies in the fact that the Constitution of 1988, fundamental rights are protected by entrenchment clauses. However, when it comes to fundamental rights, such restriction indicates a serious incongruity, since fundamental rights are variables are changeable over time and according to the needs of each company. Thus, the present study aims to weave reflections on this overprotection both as an obstacle to a constitutional evolution as a protection mechanism and enforcement of those rights. Methodologically, was used as a research tool the hypothetical-deductive method to confront opinions and verify hypotheses valid to solidify knowledge to this issue, and that the procedure used was the bibliographical, and secondarily, the documentary grounded method in constitutional law and subconstitutional Brazil and Comparative Law.

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Keywords: Constitution, Supremacy clauses, Fundamental Rights.

Sumário: 1. Introdução; 2. Direitos fundamentais no sistema jurídico brasileiro; 2.1 Conceito de direitos fundamentais; 2.2 Evolução dos direitos fundamentais ; 2.3 Direitos fundamentais nas constituições brasileiras; 3. Cláusulas pétreas; 3.1 Conceito, origem e fundamentação; 3.2 Cláusulas pétreas na Constituição Federal de 1988; 4 A Superproteção dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro; 4.1 Correlações e campo de tensão; 5 Considerações finais; 6 Referências bibliográficas.

1 INTRODUÇÃO

As constituições brasileiras sempre estiveram associadas a momentos cruciais de alteração dos rumos da vida política e dos compromissos que a sociedade brasileira assumira perante si mesma. A Independência, o fim do Império, a democracia da Velha República, o Estado Novo, a implantação da democracia no pós-guerra, a instalação do Regime Militar, e seu recrudescimento, e o retorno à democracia não podem ser tidos como momentos triviais. Cada um desses episódios representou a revisão de compromissos públicos e do projeto de nação que a sociedade brasileira até então se impunha. (AZEVEDO, 2008, p. 34).

A promulgação da Constituição de 1988, vigente, reflete o processo de redemocratização do país. Após vinte e um anos de regime militar ditatorial a transição democrática culminou, juridicamente, na promulgação de uma Carta Política extremamente minuciosa e detalhista, onde todos os segmentos da sociedade procuravam constitucionalizar seus direitos por receio de vê-los novamente subjugados.

Neste contexto, a Carta de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”, traduz uma espécie de novo pacto para a democracia em substituição a extensos períodos de instabilidade institucional e ditaduras militares. Inspirada em preceitos democráticos e de liberdade, incorpora em seu texto o mais amplo rol de direitos e garantias fundamentais já previsto até então, inserindo-o dentro do sistema das cláusulas pétreas.

Não obstante, as cláusulas pétreas impedem que sejam alteradas as normas constitucionais por elas abrangidas mesmo se a vontade da maioria assim desejar. Com isso, as gerações futuras ficam vinculadas, eternamente, por uma escolha imutável, ainda que essa opção se mostre equivocada.

Isto porque a existência de uma constituição escrita e rígida, dotada de supremacia formal e também material, é por si só um mecanismo de tutela dos direitos fundamentais. A simples existência de um mecanismo mais complexo de produção, alteração e supressão do texto formal da constituição é capaz de retirar, do campo decisório de maiorias simplificadas, a disposição sobre esses direitos (SARLET, 2007, p. 417).  Ou seja, eles ficam afastados do âmbito deliberativo de qualquer maioria, criando, assim, um núcleo essencial na constituição. Só uma ruptura institucional, com nova convocação do poder constituinte originário, pode se sobrepor às cláusulas pétreas.

De acordo com Pedra (2005, p. 94):

“As cláusulas pétreas constituem um núcleo intangível que se presta a garantir a estabilidade da Constituição e conservá-la contra alterações que aniquilem o seu núcleo essencial, ou causem ruptura ou eliminação do próprio ordenamento constitucional.”

Em se tratando de direitos fundamentais tal restrição aponta uma grave incongruência, visto que, os direitos fundamentais são variáveis, modificam-se ao longo do tempo e de acordo com a necessidade de cada sociedade.

Nas palavras de Silva (2007, p. 183):

“Direitos Fundamentais são situações jurídicas, objetivas e subjetivas, definidas no direito positivo, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana. (…) São direitos constitucionais na medida em que se inserem no texto de uma constituição. São direitos que nascem e se fundamentam, portanto, da soberania popular.”

Dessa forma, o presente estudo pretende tecer reflexões a respeito dessa superproteção tanto como óbice a uma evolução constitucional quanto como mecanismo de proteção e efetivação desses direitos.

Tendo em vista fins didáticos, o presente trabalho foi estruturado em três capítulos, além de uma introdução e de considerações finais. No primeiro capítulo, intitulado “Direitos Fundamentais no Sistema Jurídico Brasileiro” evidencia-se a evolução histórica dos direitos fundamentais, bem como suas implicações no ordenamento jurídico brasileiro. No segundo capítulo, intitulado “Cláusulas Pétreas”, retrata-se a origem e a fundamentação das cláusulas pétreas, bem como a evolução das mesmas no ordenamento pátrio. No terceiro capítulo, intitulado “A Superproteção dos Direitos Fundamentais no Ordenamento Jurídico Brasileiro”, problematiza-se os conflitos que permeiam a questão, apontando implicações que envolvem a realidade brasileira.

Não obstante, o presente estudo não pretende esgotar os questionamentos acerca do tema, até porque, dada a complexidade e extensão da matéria, seria impossível fazê-lo em tão pouco tempo. Pretende apenas, suscitar o problema e tecer reflexões a respeito.

2 DIREITOS FUNDAMENTAIS NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

2.1 CONCEITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

A concepção de direitos fundamentais traduz a ideia de direitos imprescindíveis, essenciais e está ligada à evolução filosófica dos chamados direitos humanos, visto que, a noção de direitos fundamentais varia de época para época e de lugar para lugar.

Diante disto, verifica-se uma vasta gama de terminologias empregadas ao se referir a tais direitos, o que dificulta sua delimitação conceitual.

Silva (2007, p. 175) explicita bem essa ideia ao afirmar que: “a ampliação e a transformação desses direitos, no decorrer da história, dificulta a definição de um conceito sintético e preciso, o que é agravado pela diversidade de expressões para designá-los”.

As expressões direitos fundamentais, “direitos humanos”, “direitos humanos fundamentais”, “direitos do homem”, “direitos individuais”, “direitos públicos subjetivos”, “direitos e garantias fundamentais”, dentre outras, são comumente utilizadas pela doutrina e pelo direito positivo no mesmo sentido terminológico. Isso pode ser identificado na própria Constituição Federal de 1988 (CF/88), por exemplo, no art. 4º, II (direitos humanos), art. 5º, §1º (direitos e garantias fundamentais) e no art. 60, §4º, IV (direitos e garantias individuais) (SARLET, 2007, p. 27).

Em que pese a celeuma doutrinária a respeito da nomenclatura, utilizaremos a expressão Direitos Fundamentais para nos referirmos aos direitos positivados em um ordenamento jurídico.

Neste sentido, Canotilho (1998, p. 259) elucida:

“As expressões direitos do homem e direitos fundamentais são frequentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos; direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intertemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.”

De fato, nota-se que a evolução das sociedades acarretou a modificação das tutelas requeridas e abriu espaço para o surgimento de novos direitos. Passamos dos direitos fundamentais clássicos, que exigiam uma mera omissão do Estado, para os direitos fundamentais de liberdade e poder que exigem uma atitude positiva por parte do Estado e, hodiernamente, já aceita por grande parte da doutrina, para os direitos fundamentais à globalização política, que envolve: democracia, informação e globalização, e ainda, por último, direito à paz mundial.

2.2 EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Historicamente, os direitos fundamentais são produtos da associação desde tradições arraigadas de diversas civilizações, até o desenvolvimento do pensamento filosófico jurídico e das ideias do cristianismo, do direito natural e do jusnaturalismo.

O surgimento dos direitos fundamentais remonta vários entendimentos. Numa concepção jusnaturalista que pugna pela existência de um direito natural alheio à vontade estatal, tido como absoluto, perfeito e imutável, alguns autores como Ingo Sarlet apontam a doutrina do cristianismo, inspirada na escolástica e na filosofia de Santo Tomas de Aquino, na qual, sendo o homem criado a imagem e semelhança de Deus, possui alto valor intrínseco e uma liberdade inerente a sua natureza e, por isso, dispõe de direitos que devem ser respeitados por todos e pela sociedade política (MARCHINHACKI, 2012, p. 167).

No decorrer da evolução dos direitos fundamentais, vários antecedentes das declarações de direitos foram elaborados, como, por exemplo, o veto do tribuno da plebe contra ações injustas dos patrícios em Roma, assim como a lei de Valério Publícola, proibindo penas corporais contra cidadãos em certas situações, até culminar com um antecedente remoto do Habeas corpus, que é o Interdicto de Homine Libera Exhibiendo. (CARVALHO, 2006, p. 23).

Outro documento não menos importante foi a Magna Carta Libertatum outorgada por João Sem Terra, em 1215, que assegurou direitos em relação a impostos, pôs “freios” ao poder absoluto, bem como outros documentos, tais como: Bills of Rights, Petitions of Rights, etc.

Embora grande parte da doutrina considere a Teoria do Direito Natural como a origem dos direitos fundamentais, tal aparecimento tornou-se insuficiente, pois era necessário o seu reconhecimento mediante documentos ou normas jurídicas de Direito Positivo. Dessa forma, os direitos fundamentais foram em primeiro lugar reconhecidos em enunciados explícitos nas declarações de direitos e posteriormente positivados, mediante sua constitucionalização.

De fato, desde a Revolução de 1789, as declarações de direitos são um dos traços do Constitucionalismo, como observa Ferreira Filho (2008, p. 289):

“A opressão absolutista foi a causa próxima do surgimento das Declarações. Destas a primeira foi a do Estado da Virgínia, votada em junho de 1776, que procurava estabelecer os direitos fundamentais do povo norte-americano, tais como a liberdade, a igualdade, eleição de representantes etc., servindo de modelo para as demais na América do Norte embora a mais conhecida e influente seja a dos "Direitos do Homem e do Cidadão", editada em 1789 pela Revolução Francesa.”

De todo modo, somente após o reconhecimento desses direitos por normas jurídicas positivas é que passaram a ter força normativa. Nesse sentido, Bobbio (2004, p. 51) elucida que:

“[…] quando os direitos do homem eram considerados unicamente como direitos naturais, a única defesa possível contra a sua violação pelo Estado era um direito igualmente natural, o chamado direito de resistência”. 

Dessa forma, os direitos fundamentais são vistos como frutos de uma construção de origem histórico-cultural, baseando-se nos valores expressos através dos princípios.

Para Bobbio (2004, p. 52) “o problema não é filosófico e sim político; a grande questão não é justificar um direito fundamental, mas sim protegê-lo”. Destarte, Bobbio classifica que os direitos do homem podem ser divididos em três gerações assim entendidas:

“1ª Geração de direitos: afirma os direitos de liberdade, que limitam o poder do Estado e reservam para o indivíduo uma esfera de liberdade com relação ao Estado;

2ª Geração de direitos: proclama os direitos políticos, de modo que os membros da sociedade passam a interagir no poder político;

3ª Geração de direitos: é composta pelos direitos sociais como os do bem-estar social e prega a igualdade de forma plena e efetiva e não apenas a igualdade meramente formal.”

Bonavides (2010, p. 571; p. 583) em sua notável obra Curso de Direito Constitucional leciona acerca de duas novas Gerações de direitos, já aceitas por muitos autores, afirmando que:

“A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social. […] São direitos da quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta ao futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência. […] A dignidade jurídica da paz deriva do reconhecimento universal que se lhe deve enquanto pressuposto qualitativo da convivência humana, elemento de conservação da espécie, reino de segurança dos direitos. Tal dignidade unicamente se logra, em termos constitucionais, mediante a elevação autônoma e paradigmática da paz a direito da quinta geração”.

Neste contexto, cumpre ressaltar que os direitos fundamentais só podem ser divididos em gerações ou dimensões para fins acadêmicos, retratando apenas a valorização de determinados direitos em momentos históricos distintos, visto que, os direitos dos seres humanos não são estanques.

Para Silva (2007, p. 183):

“Direitos Fundamentais são situações jurídicas, objetivas e subjetivas, definidas no direito positivo, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana. (…) São direitos constitucionais na medida em que se inserem no texto de uma constituição. São direitos que nascem e se fundamentam, portanto, da soberania popular”.

Nota-se, portanto, que os direitos fundamentais são variáveis, modificam-se ao longo do tempo e de acordo com a necessidade de cada sociedade. Não restam dúvidas acerca da justificação desses direitos. Os maiores desafios dizem respeito à implementação e efetivação desses direitos.

No Brasil, essa concepção de constitucionalização dos Direitos Fundamentais foi incorporada em nosso ordenamento jurídico, de modo que, dentro do direito constitucional positivo, todas as Constituições Brasileiras sempre trouxeram direitos fundamentais em seus textos.

2.3 DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

Desde a sua primeira Constituição, o Brasil já se preocupava com a defesa dos Direitos Fundamentais. A Carta de 1924 previa, em seu artigo 179, um rol de 35 (trinta e cinco) direitos destinados aos cidadãos brasileiros. Entretanto, a verdadeira garantia dos Direitos Fundamentais foi instituída com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, na qual estão previstos, além do vasto rol de direitos e garantias individuais contidos em seu artigo 5º, uma enorme gama de Direitos Fundamentais espalhados pelo texto constitucional. É em decorrência dessa imensidão de direitos que a Carta de 1988 é hoje denominada “Constituição Cidadã” (PFAFFENSELLER, 2007, p. 104).

De fato, a Constituição do Império, outorgada em 1824, inspirou-se no liberalismo e no constitucionalismo, passando a reconhecer expressamente os direitos à liberdade, à segurança, à propriedade, à saúde, à educação e à igualdade. Além do mais, aboliu os açoites, castigos como a marca de ferro, entre outras torturas até então impostas e reconheceu como brasileiros os portugueses, que na época da proclamação da Independência, residiam no Brasil, bem como os filhos libertados de escravos e os filhos de brasileiros nascidos no exterior.

Proclamada a República em 1889, foi convocada uma Assembleia Constituinte que elaborou a nova Constituição, que passou a vigorar em 1891. A Constituição de 1891 inspirou-se nas ideias republicanas e no liberalismo, deu importância aos direitos individuais, estendeu sua efetividade aos estrangeiros, algo antes não concebido, e aboliu os foros de nobreza, desconhecendo e extinguindo ordens honorificas (SILVA NETO, 2010, p. 05).

A Constituição de 1934, fruto do Movimento Constitucionalista de 1932, disciplinou de forma mais adequada e sistemática os direitos fundamentais, na medida em que entregou a essa tarefa um Título inteiro de seu Texto, denominado Da Declaração de Direitos. Os capítulos que compunham sua estrutura trataram separadamente dos direitos individuais, de nacionalidade e cidadania.

Zambone e Teixeira (2012, p. 62) elucidam que:

“Novamente foi ampliada a possibilidade de exercício do direito à liberdade, pois foram somados aos direitos protegidos pela Constituição anterior a liberdade de consciência, o direito a assistência religiosa nas repartições militares e hospitalares e também nos presídios. O direito à vida foi indiretamente protegido pelas disposições proibitivas das penas de banimento, caráter perpétuo e morte, feita ressalva, no último caso, à legislação militar.”

  Em 1937, foi outorgada nova Constituição, oriunda do totalitarismo adotado por Getúlio Vargas, na qual os direitos e garantias individuais foram restringidos, sendo a concentração do poder estabelecida nas mãos do Presidente.

 Com a Constituição de 1946, restabeleceu-se no país o Estado Democrático de Direito, os direitos fundamentais voltam a ser garantidos, o direito à vida foi expressamente incorporado aos direitos individuais protegidos, as penas perpétuas e de morte foram abolidas, excepcionadas as disposições da legislação militar, em tempo de guerra. Ademais, restauram-se o habeas corpus e entre os direitos sociais foi incluído o direito do trabalhador à participação nos lucros da empresa.

Oriunda do autoritarismo iniciado com o Golpe Militar de 1964, a Constituição de 1967, embora tenha garantido expressamente os direitos à vida, liberdade, segurança, igualdade e propriedade, marca um período em que os direitos individuais sofreram significativa limitação.

De acordo com Araújo e Nunes Júnior (2008, p. 95):

“O novo Texto Constitucional teve como principal característica a centralização do poder político, por meio da redução de competências estaduais e municipais e dos Poderes Legislativo e Judiciário. […] Seu texto foi fundamentado na teoria da segurança nacional.”

Por fim a Constituição de 1988, vigente, novamente inspirada em preceitos democráticos e de liberdade, oriunda de um período de total repressão, garante em seu texto um Título destinado às garantias e direitos fundamentais do homem, denominado “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, além de uma vasta gama de Direitos Fundamentais espalhados ao longo do Texto Constitucional, expressando também tendência internacional, visto que, valida a existência de Direitos Fundamentais derivados de Tratados Internacionais.

Não obstante, a Carta de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”, traduz uma espécie de novo pacto para a democracia em substituição a extensos períodos de instabilidade institucional e ditaduras militares. Nesse sentido, além de documento jurídico, a Constituição de 1988 incorpora a promessa política da construção e manutenção de uma democracia sustentável após um período longo em que o Brasil foi marcado mais por governos autoritários do que por regimes democráticos.

Nas palavras do ministro Peluso (2011, p. 02):

“A Carta de 1988, no entanto, foi além da promessa da democracia como regime de governo. Aos direitos de participação política e às liberdades individuais, nossa Constituição somou extenso elenco dos chamados direitos econômicos e sociais. A democracia brasileira é marcada pela garantia de direitos sociais próprios a um Estado que tem objetivos declarados de transformação social, redução das desigualdades de renda e de oportunidades, bem como a eliminação das assimetrias regionais que ainda distanciam as unidades da federação. (…) A Constituição brasileira de 1988 constitui, portanto, materialização do conceito, elaborado pelo professor português José Gomes Canotilho, da chamada “Constituição-dirigente”. Trata-se, como se sabe, daquele tipo particular de texto constitucional que, além de constituir estrutura organizatória definidora de competências e reguladora de processos no âmbito de determinado Estado Nacional, atua também como espécie de estatuto político, estabelecendo o que, como e quando os legisladores e os governantes devem fazer para concretizar as diretrizes programáticas e os princípios constitucionais.”

Nota-se, portanto, que as Constituições Brasileiras têm avançado quanto à sua previsão de modo a relacionar os Direitos Fundamentais com os princípios e objetivos do Estado. Constata-se, ainda, que os Direitos Fundamentais integram o núcleo central de nossa Carta Magna de 1988. De fato, os Direitos Fundamentais, não raro, são apontados como integrantes do núcleo principal das atuais constituições, que teriam se desenvolvido exatamente como instrumentos de proteção desses direitos.

Neste contexto, uma das normas mais importantes da Constituição de 1988, dentro da temática dos direitos fundamentais, é a que inseriu os Direitos e Garantias Individuais dentro do sistema das cláusulas pétreas, fixadas no art. 60, § 4º, que consistem em limites expressamente materiais ao poder reformador do Estado.

De acordo com Pedra (2005, p. 94):

“As cláusulas pétreas constituem um núcleo intangível que se presta a garantir a estabilidade da Constituição e conservá-la contra alterações que aniquilem o seu núcleo essencial, ou causem ruptura ou eliminação do próprio ordenamento constitucional, sendo a garantia da permanência da identidade da Constituição e dos seus princípios fundamentais.”

Dessa forma, e para atingirmos os objetivos deste trabalho, cumpre-nos dedicarmos ao estudo um pouco mais pormenorizado dessas cláusulas.

3 CLÁUSULAS PÉTREAS

3.1 CONCEITO, ORIGEM E FUNDAMENTAÇÃO

A palavra pétrea deriva “de pedra”, significando “muito resistente”. Em termos Constitucionais, cláusulas pétreas são aquelas imodificáveis e que consistem em limitações materiais explícitas. Podem ser definidas como limites concernentes à matéria, de forma que se constituem como cerne imodificável da estrutura basilar da Constituição. Constituem limites expressamente materiais ao poder reformador do Estado. Asseguram integridade da Constituição e das características essenciais na efetivação do paradigma adotado.

Segundo Pedra (2005, p. 94):

“As cláusulas pétreas constituem um núcleo intangível que se presta a garantir a estabilidade da Constituição e conservá-la contra alterações que aniquilem o seu núcleo essencial, ou causem ruptura ou eliminação do próprio ordenamento constitucional, sendo a garantia da permanência da identidade da Constituição e dos seus princípios fundamentais.”

Destarte, desde o século XVIII, Constituições diversas têm trazido restrições expressas ao poder de reforma constitucional. O art. 2º, II, da Constituição helvética de 1789 fazia intocável a democracia representativa e ainda no século XX há exemplos recentes de Constituições que se valem da mesma técnica restritiva de intangibilidade absoluta de um aparte do texto constitucional, a exemplo do art. 79, III, da Lei Fundamental de Bonn, que interdita a supressão da estrutura federal do país ou a abolição do Conselho Federal, equivalente ao nosso Senado ou a uma Câmara dos Estados (BONAVIDES, 2010, p. 201).

Todavia, até a II Guerra Mundial, não era frequente a previsão de cláusulas pétreas nas constituições. Contribuía para isso o fato de que, até então, o pensamento constitucional dominante não distinguia claramente o poder constituinte originário do poder reformador. (SOUZA NETO; SARMENTO, 2012, p. 291).

De fato, verifica-se que as cláusulas pétreas expressam a limitação do poder constituinte derivado perante aquele que o instituiu, qual seja, o poder constituinte originário, devendo ser respeitadas quando de sua atuação, na produção de uma emenda constitucional.

No Brasil, todas as nossas constituições republicanas, com exceção da Carta de 1937, sempre tiveram um núcleo imodificável, não sujeito a tentativas de abolição por parte do legislador reformador.

Notadamente, constata-se que as cláusulas de imutabilidade são mais comuns em países que saíram de ditaduras e tentam se resguardar de uma volta ao passado recente por meio da proibição de mudança em certos pontos da Carta Magna.

De todo modo, não há dúvida de que o tema das cláusulas pétreas é extremamente complexo. Do ponto de vista prático, há quem argumente que os limites materiais só têm alguma serventia em momentos de normalidade, quando podem representar “uma luz vermelha útil frente a maiorias parlamentares desejosas de emendas constitucionais”, mas que, em cenários de crise, não seriam mais que “pedaços de papel varridos pelo vento da realidade política”. Sob uma perspectiva mais filosófica, a questão envolve diretamente o debate sobre a democracia intergeracional. Trata-se da discussão sobre a legitimidade do ato da geração presente no momento constituinte, de tomar decisões irreversíveis pelas gerações futuras, a não ser por meio de ruptura institucional. Os adversários das cláusulas pétreas argumentam que não seria legítimo permitir que a geração constituinte “governasse do túmulo” a vida futura da Nação. (SOUZA NETO; SARMENTO, 2012, p. 293).

3.2 CLÁUSULAS PÉTREAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988    

Conforme, já visto anteriormente, todas as constituições republicanas brasileiras, com exceção da Carta de 1937, sempre tiveram um núcleo imodificável, não sujeito a tentativas de abolição por parte do legislador reformador.

A Constituição de 1824 não previa cláusulas pétreas. Contudo, estipulava no preâmbulo e nos artigos 4º, 99 e 116, que Dom Pedro era o Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil e que imperaria para sempre no país. Portanto, o Reinado de Dom Pedro I pode ser considerado uma cláusula pétrea da Carta de 1824. Em 1891, surgem as primeiras cláusulas pétreas explícitas, quais sejam, o regime republicano, a forma federativa de estado e a igualdade de representação dos Estados no Senado (art. 90, §4º). Situação similar persistiu na Constituição de 1934 (art. 178, §5º), mas sem referência à igualdade de representação dos Estados no Senado. A Constituição de 1937 aparece como a única em nossa história que não previu cláusulas pétreas. A Carta Magna de 1946, por sua vez, retomou a tradição das duas primeiras Constituições republicanas e também prescreveu que não seriam admitidos como objeto de deliberação projetos tendentes a abolir a Federação ou a República, o que foi mantido com praticamente a mesma redação nas Constituições de 1967 e 1969. (NOGUEIRA, 2005, p. 84).

Já nosso atual Texto Constitucional contém o rol mais extenso de limites materiais expressos no âmbito de nossa evolução constitucional.

De fato, a Constituição de 1988 não trata da questão da república – o que possibilitou, por exemplo, o plebiscito de 1993 sobre monarquia ou república -, mas, por outro lado, ampliou a quantidade de cláusulas pétreas para resguardar, conforme mencionado acima, a forma federativa do Estado, o voto (direto, secreto, universal e periódico), a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais. (GUERZONI FILHO, 2008, p. 03).

Cumpre esclarecer, entretanto, a imprecisão terminológica do legislador, ao prever no art. 60, § 4º, IV que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir “os direitos e garantias individuais”. Ora, é equivocado apegar-se à literalidade do dispositivo, deixando à margem da proteção outros direitos e garantias que não sejam os individuais.

Martins (1995, p. 371) aduz que:

“Os direitos e garantias individuais conformam uma norma pétrea e não são eles apenas os que estão no art. 5º, mas, como determina o § 2º, do mesmo artigo, incluem outros que se espalham pelo Texto Constitucional e outros que decorrem de implicitude inequívoca.”

Nesse ínterim, tem-se que os direitos e garantias individuais são espécie do gênero direitos e garantias fundamentais (Título II), e fazem parte do rol não taxativo do artigo 5º, da Constituição. Assim, pode-se dizer de modo inequívoco que há direitos constitucionais de “caráter individual dispersos no texto da Carta Magna,” que não apenas aqueles restritos ao Capítulo I, do Título II. Em que pese a denominação dada àquele Título, não há que se falar em exclusividade, não se restringindo o artigo 60, § 4º, IV, ao artigo 5º, todos da Constituição Federal. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 258).

Corroborando essa ideia, posicionou-se o Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI 939-07/DF, na qual restou decidido pela Corte que o princípio da anterioridade no Direito Tributário, previsto no artigo 150, III, “b”15, da Constituição, constitui garantia individual para o contribuinte e, por consectário, cláusula pétrea, estando abrangida pela limitação do artigo 60, § 4º, IV, da Carta Magna16. Indo além, o STF considerou que a mera inaplicabilidade da imunidade tributária recíproca (artigo 150, VI, “a”), por emenda à Constituição, constitui ofensa à cláusula pétrea do artigo 60, § 4º, I, que protege a forma federativa de Estado.

Portanto, há que se empreender interpretação sistemática e teleológica na palavra individuais, contemplada no art. 60, §4º, IV da CF/1988, para compreender como cláusula pétrea, direitos e garantias fundamentais, incluindo nesse rol os direitos metaindividuais e todas as demais dimensões dos direitos fundamentais. (BOLDRINI; FONSECA; LEITE, 2011, p. 163-164).

4 A SUPERPROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

4.1 CORRELAÇÕES E CAMPO DE TENSÃO

As constituições brasileiras sempre estiveram associadas a momentos cruciais de alteração dos rumos da vida política e dos compromissos que a sociedade brasileira assumira perante si mesma. A Independência, o fim do Império, a democracia da Velha República, o Estado Novo, a implantação da democracia no pós-guerra, a instalação do Regime Militar, e seu recrudescimento, e o retorno à democracia não podem ser tidos como momentos triviais. Cada um desses episódios representou a revisão de compromissos públicos e do projeto de nação que a sociedade brasileira até então se impunha. (AZEVEDO, 2008, p. 34).

A promulgação da Constituição de 1988, vigente, reflete o processo de redemocratização do país. Após vinte e um anos de regime militar ditatorial a transição democrática culminou, juridicamente, na promulgação de uma Carta Política extremamente minuciosa e detalhista, onde todos os segmentos da sociedade procuravam constitucionalizar seus direitos por receio de vê-los novamente subjugados.

Neste contexto, a Carta de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”, traduz uma espécie de novo pacto para a democracia em substituição a extensos períodos de instabilidade institucional e ditaduras militares. Inspirada em preceitos democráticos e de liberdade, incorpora em seu texto o mais amplo rol de direitos e garantias fundamentais já previsto até então, inserindo-o dentro do sistema das cláusulas pétreas.

Destarte, é comum no Brasil os movimentos sociais buscarem reconhecimento no Congresso Nacional, canalizando suas demandas e mobilizações à produção de uma nova lei que reconheça novos direitos. Uma vez promulgada a nova lei, verifica-se um breve período de êxtase pela conquista e um longo período de perplexidade pela constatação de que os direitos consagrados na lei não estão sendo reconhecidos na prática cotidiana nem mesmo pelos órgãos públicos que deveriam dar-lhes cumprimento. (AZEVEDO, 2008, p. 36).

A todo instante surgem novos projetos de alteração do Texto Constitucional. Todos os anos diversas emendas constitucionais são promulgadas, traduzindo a sensação de uma profunda instabilidade social e governamental. Diversas normas constitucionais são criadas, enquanto outras sequer tiveram sua regulamentação concretizada. A tônica contemporânea são as constantes reformas que a todo o momento emergem do Congresso Nacional.

Dessa forma, o que se tem verificado no Brasil, é que a tutela dos direitos fundamentais mediante o gravame da intangibilidade aparece mais como uma tentativa de afirmação e consolidação da democracia do que como um desafio ao princípio democrático. Expressa, antes, certa e fundada desconfiança em relação aos poderes constituídos. Ademais, razões de ordem política, cultural e social têm justificado o reconhecimento da existência de uma crise de legitimidade do Poder Legislativo, que se expressa através da “crise de representatividade”. (SCHIER, 2009, p. 07).

Não obstante, aceitar as cláusulas pétreas significa aceitar que o Poder Constituinte Reformador terá que respeitar aquelas diretrizes traçadas pelo Poder Constituinte Originário, instituindo-se uma generalizada ditadura constitucional. Assim, o velho autoritarismo governativo se transformaria numa forma ainda mais perversa: a de um autoritarismo normativo, na expressão de Miguel Reale. (MOREIRA NETO, 1999, apud NOGUEIRA, 2005, p. 84).

Bonavides (2010, p. 196-197) elucida que:

“A pretensão à imutabilidade foi o sonho de alguns iluministas do século XVIII. Cegos de confiança no poder da razão, queriam eles a lei como produto lógico e absoluto, válido para todas as sociedades, atualizado para todas as gerações. Dessa fanática esperança comungou um membro da Convenção, conforme nos lembra notável publicista francês, pedindo durante os debates do Ano III a pena de morte para todo aquele que ousasse propor a reforma da Constituição. […]. A imutabilidade constitucional, tese absurda, colide com a vida, que é mudança, movimento, renovação, progresso, rotatividade. Adotá-la equivaleria a cerrar todos os caminhos à reforma pacífica do sistema político, entregando à revolução e ao golpe de estado a solução das crises. A força e a violência, tomadas assim por árbitro das refregas constitucionais, fariam cedo o descrédito da lei fundamental”.

Isso porque, na medida em que as cláusulas pétreas visam a engessar o comportamento político das gerações que se lhes seguem, pela sua imutabilidade, e considerando que os cidadãos poderão, em um determinado momento futuro, não mais se conformar aos valores expressos em normas estabelecidas por gerações anteriores, tendem a conduzir à ruptura constitucional, haja vista que tais cláusulas só poderão ser extintas, modificadas ou substituídas através de uma nova Constituição.( KOEHLER, 2009, p. 02).

Nesse interim, nota-se que o risco de ruptura constitucional eventualmente imposta pela existência das cláusulas pétreas, parece inócuo no caso do Brasil. Isto porque, nos momentos de crise, eventuais objeções às cláusulas pétreas foram levantadas não com fundamento no argumento das gerações, mas, em geral, com base em discursos de governabilidade ou discursos de cunho economicista vinculados à necessidade de relativização de direitos para buscar ampliação da empregabilidade, estabilidade do mercado, equilíbrio financeiro, equilíbrio previdenciário etc. (SCHIER, 2009, p. 07).

Na perspectiva de Barroso (2008, p. 03), a Constituição de 1988 é o símbolo maior do sucesso da transição de um Estado autoritário e intolerante para um Estado Democrático de Direito. Para ele, o mais grave é a “falta de regulamentação de muitos dispositivos previstos em lei e também, o vazio de políticas públicas para aplicar direitos fundamentais garantidos pelo Texto Constitucional”.

De fato, vislumbra-se que o maior desafio da sociedade brasileira é fazer cumprir os princípios e as normas inscritas em sua Carta Magna. É notório que os anseios populares e as reais necessidades dos cidadãos não condizem com os reais interesses das classes políticas, corroídas pelo casuísmo e pela corrupção.

E o pior de tudo é que o Brasil é um país praticamente despolitizado, onde o ato de ir às urnas se constitui, em grande parte, uma mecânica e desinteressada obrigação legal.

Dessa forma, nota-se que o controle de constitucionalidade exercido pelo Poder Judiciário não tem representado grande risco à democracia brasileira. Nas palavras de Brandão (2008, p. 174): “[…] o Supremo Tribunal Federal, tem mais contribuído para a lesão à democracia pela sua inação do que, propriamente, por uma postura ativista”.

É indubitável que para uma efetiva implementação de um Estado Democrático de Direito faz-se necessário que não só os direitos políticos, mas todos os direitos fundamentais se concretizem.

Para Schier (2009, p. 08):

“O Judiciário apenas vem ocupando, no sistema brasileiro, um espaço vazio de decisões que vêm sendo reiteradamente omitidas ou adiadas pelos demais poderes. Antes de representar risco, o ativismo judicial que está se esboçando enquadra-se nos limites aceitáveis de tensão institucional inerente aos estados democráticos.”

Nesta seara, constata-se que a intangibilidade dos direitos fundamentais vem contribuindo para a concretização dos mesmos, sobretudo, através da atuação do Poder Judiciário, visto que, nossa Carta de Direitos não foi acompanhada de uma previsão realista e adequada das fontes de custeio para o desenvolvimento e a manutenção dessa estrutura ampla e sofisticada de direitos (ZAMBONE; TEIXEIRA, 2012, p. 62).

Cumpre ressaltar, que não se trata aqui de uma atuação judicial desenfreada, por meio do qual a Corte Constitucional venha a substituir o Legislativo e o Executivo no estabelecimento e implementação de políticas públicas. Mas, de o Poder Judiciário ser um impulsionador e estimulador de políticas públicas visando a efetivação dos direitos sociais e econômicos.

Ademais, a doutrina constitucional, na tentativa de evitar um completo engessamento da Constituição, tem caminhado para uma flexibilização da proteção das cláusulas pétreas.

E, neste campo, o pensamento jurídico brasileiro tem compreendido que a proteção constitucional dos direitos fundamentais mediante cláusulas pétreas não veda toda e qualquer intervenção restritiva ordinária neste sítio. As chamadas restrições de direitos fundamentais são, por certo, admitidas, desde que a limitação respeite o chamado “núcleo essencial do direito restringido”. Assim, esta adequada interpretação do sentido e extensão da tutela dos direitos fundamentais como cláusulas de intangibilidade tem possibilitado – ou pode possibilitar – um calibramento do sistema, evitando o possível engessamento temido pelos opositores das cláusulas pétreas. (SCHIER, 2009, p. 08).

Destarte, não poderão ser o conservadorismo corporativista, o positivismo renitente ou o imobilismo receoso causa da perda da capacidade reflexiva da Constituição e, a pretexto de defender o pétreo, motivo para petrificála. O direito é dinâmico, deve evoluir conforme evolui a sociedade. É dever do Estado atender aos anseios sociais, e, neste intuito, também a constituição deve adequar-se à realidade que a cerca e às necessidades concretas de seus súditos. (NOGUEIRA, 2005, p. 92).

Nos dizeres de Nogueira (2005, p. 92):

“O Estado terá que se readaptar para desafios não previstos nem pelos políticos nem pelos juristas de agora. A teoria do direito constitucional está em plena mudança e essa mudança implicará a desvalorização das normas imodificáveis de espectro amplo, em prol de outras estruturalmente imodificáveis, ou seja, as cláusulas serão pétreas por integrarem o núcleo essencial e imodificável da Constituição, e não por uma disposição formal. A mudança é característica do próprio homem. A humanidade se aproxima novamente das constituições sintéticas, permanentemente adaptáveis às conjunturas, por força de seu conteúdo nitidamente principiológico. O Brasil não ficará à margem do movimento, que pode ser julgado irreversível.”

Nesse sentido, urge, pois, a coadunação entre a Constituição e a realidade objetiva, de maneira que o Direito e o Estado sejam considerados meios e não fins, ou seja, estejam à disposição do homem e não o contrário.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo teve por objetivo abordar a superproteção dos direitos fundamentais à luz da experiência constitucional brasileira, tecendo reflexões a respeito dessa superproteção tanto como óbice a uma evolução constitucional quanto como mecanismo de proteção e efetivação desses direitos.

Inspirada em preceitos democráticos e de liberdade, a Carta de 1988, incorpora em seu texto o mais amplo rol de direitos e garantias fundamentais já previsto até então, inserindo-o dentro do sistema das cláusulas pétreas, de forma que passam a figurar como cerne imodificável da estrutura basilar da Constituição.

Em se tratando de direitos fundamentais, a existência de cláusulas pétreas mostra-se uma experiência profundamente antidemocrática, já que os direitos fundamentais são variáveis, modificam-se ao longo do tempo e de acordo com a necessidade de cada sociedade.

Todavia, a presente pesquisa aponta que a intangibilidade dos direitos fundamentais, no ordenamento jurídico brasileiro, aparece mais como uma tentativa de afirmação e consolidação desses direitos do que como um desafio ao princípio democrático. Vislumbra-se que o regime jurídico brasileiro, marcado pela presença de cláusulas pétreas e pelo exercício do controle de constitucionalidade das leis pelo poder judiciário, tem possibilitado a manutenção da vontade do constituinte sem afetar, por outro lado, o ideário democrático e a evolução da sociedade.

Nota-se que, atualmente, a estabilidade constitucional está mais relacionada com o amadurecimento da sociedade e das instituições estatais do que com o processo legislativo de modificação do texto constitucional. E o que se verifica no Brasil é que a todo instante surgem novos projetos de alteração do Texto Constitucional. Todos os anos diversas emendas constitucionais são promulgadas, traduzindo a sensação de uma profunda instabilidade social e governamental. Diversas normas constitucionais são criadas, enquanto outras sequer tiveram sua regulamentação concretizada. A tônica contemporânea são as constantes reformas que a todo o momento emergem do Congresso Nacional.

Assim sendo, constata-se que o maior desafio da sociedade brasileira é fazer cumprir os princípios e as normas inscritas em sua Carta Magna. Os anseios populares e as reais necessidades dos cidadãos não condizem com os reais interesses das classes políticas, sendo que, o exercício democrático do poder constitui mera formalidade e não condiz com os ideais basilares de uma real democracia, quais sejam: igualdade jurídica, social e econômica.

 

Referências
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BARROSO, Luís Roberto. Vinte anos da Constituição Brasileira de 1988: o estado a que chegamos. Migalhas, 2008, p. 03. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI74424,71043Vinte+anos+da+Constituicao+Brasileira+de+1988+o+estado+a+que+chegamos. Acesso em: 10 jul. 2015.
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Informações Sobre o Autor

Lívia Maria Firmino Leite

Graduada em Direito pela Universidade Federal do Acre – UFAC, Pós–graduanda em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera – Uniderp


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Equipe Âmbito Jurídico

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