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Reflexões acerca do progresso moral, da ética e a vida

Primeiramente, há que se ressaltar a relevância da abordagem da moral e perquirir o seu caminho e seu espaço em nossas vidas.


Em Ética (Civilização Brasileira, 1999) o filósofo e professor espanhol Adolfo Sánchez Vázquez.nos mostra que abordar a moral significa atingir a nossa consciência e realizar os devidos e necessários juízos acerca de nossos atos. Dúvidas não restam de que a disciplina da ética nos faz refletir acerca da nossa moral pessoal, profissional e educacional, exaltam e nos estimulam a repensar em nossas atitudes e implicam sempre em uma melhora significativa de nosso caráter.


Essa meditação torna-se assaz relevante no momento em que irá gerar reflexos em todos os nossos atos, contribuindo para melhorar o nosso juízo e nos aproximar do que é bom e nos afastar do que não é.


Há que se trabalhar e demonstrar o caminho, ou o possível caminho que a moral trilha, devendo percorrer necessariamente, como veremos, um progresso histórico-social, ou seja, deve haver, primeiramente um progresso histórico-social que crie condições e que possa acolher e possibilitar o progresso moral.


Outro aspecto deste trabalho, buscado na obra Ética Geral e Profissional (Revista dos Tribunais, 2001), do professor José Renato Nalini, ocupa-se com o pressuposto de que já se tem uma moral e, assim, aborda-a de uma forma que nos possibilite a compreensão, o seu papel e seu espaço em nossas vidas pessoais e profissionais. Ou seja, trata-se de compreender o lugar, o espaço e o tempo que deve ser destinado à moral em nossas vidas.


Para isto, devemos primeiramente traçar um caminho e abordar os temas que influem e impõe obstáculos à consecução da ética e da moral plena em nossas vidas.


Analisando historicamente nosso passado, conseguimos identificar as diversas e principais morais que foram surgindo ao longo da história. Esta sucessão de morais diferentes corresponde às diversas sociedades que se sucederam no tempo, cada qual com a sua peculiaridade.


Nestas diversas sociedades sucederam e sofreram mutações os princípios e valores, as normas morais e, consequentemente, a ideia do que é bom ou ruim ou o que é ou não obrigatório.


Excetuando-se o progresso moral que ocorre à margem das mudanças radicais de caráter social – estas desenvolvem o progresso moral em pequenos âmbitos na comunidade – pode-se afirmar que o progresso moral não se separa da passagem de uma sociedade para outra. Este tem sido o caminho trilhado pelo progresso moral, porém, com outros elementos que veremos adiante.


Disso, conclui-se que o progresso moral significativo – aquele idôneo a acarretar significativas mudanças na concepção da moral – não se pode conceber independentemente do progresso histórico social.


Trata-se de questão que pode ser sintetizada da seguinte forma: para termos progresso moral, devemos necessariamente ter um progresso histórico-social, porém, o inverso não é verdadeiro, ou seja, o progresso histórico-social não traz por si só progresso moral. Disso resulta que para ocorrer o progresso moral, há necessidade de se agregar o progresso histórico-social com outros elementos, e conclui-se também que não podemos enxergar um progresso da moralidade em todo e qualquer progresso histórico-social.  


Para que possamos falar em progresso histórico-social, devemos verificar, portanto, a existência e ocorrência de certos elementos. Estes elementos dizem respeito a progresso em estruturas como a econômica, social e espiritual, que devem ser conjugadas e articuladas simultaneamente para consubstanciar o progresso histórico-social e para, somente depois, poder se falar em progresso moral. Trata-se de uma fórmula que, sem a qual, teremos apenas um progresso histórico-social, sem a evolução da moral.


O desenvolvimento das atividades produtivas, o racionalismo no uso e consumo das forças de produção, a consciência da sociedade acerca da finidade, dos riscos e reflexos que a escassez das matérias primas e dos materiais essenciais à nossa sobrevivência, podem ser considerados como índice ou critério de progresso histórico-social humano.


Outro critério de progresso neste segmento é o social, essencial a propiciar condições para o progresso moral, é aquele que corresponde à participação do homem no seio social. Aqui o conceito de progresso não se aplica de maneira uniforme, ou seja, cada pessoa que participa e contribui para a sociedade de alguma forma, está inserida em um setor diferente na cultura. Porém, o mais relevante de tudo é propriamente a participação do homem na sociedade, não importando o ramo, pois cada setor tem a sua importância e suas responsabilidades diante da sociedade.


Quando falamos que não se pode enxergar um progresso da moralidade em todo e qualquer progresso histórico-social é porque este, do ponto de vista moral, pode ter consequências positivas ou negativas. E é justamente por este motivo que afirmamos que nem todo progresso histórico traz consigo um progresso moral, uma vez que os homens nem sempre progridem sempre na direção moralmente boa, mas também através da direção má, progresso pela violência, pelo crime ou pela degradação moral. E exemplos não faltam, podemos citar o imperialismo do Século XIX, as dominações pelas vias militares, o neo-imperialismo, entre outros.


Para que se possa verificar o progresso moral bom, que influencie positivamente os homens de uma determinada sociedade há que se verificar a ampliação da esfera moral na vida social. Isto significa que, deixar que os sujeitos de uma determinada sociedade se regulem por normas morais, e não por normas externas como o direito ou o costume, significa um índice de progresso na esfera moral. É de se considerar um grande absurdo que o direito venha a ser chamado para regular e determinar, por exemplo, que uma pessoa idosa tenha preferência para se sentar em um banco de ônibus, ou então que seja necessária uma lei que proíba que pessoas sem deficiência estacionem em vagas destinadas a deficientes físicos. Ou seja, o ideal seria que estas relações fossem reguladas e dirimidas pela consciência moral e que não sejam chamadas normas externas. Sendo assim, quando mais se utiliza a moral para regular estas situações, mais estaremos caminhando para o sentido do progresso moral.


Um segundo aspecto que contribui para progresso moral é a elevação do caráter consciente e livre do comportamento dos indivíduos ou dos grupos sociais, e pelo crescimento da responsabilidade destes indivíduos ou grupos no seu comportamento moral. Dessa forma, podemos concluir que quanto maior é o poder de autodeterminação de uma pessoa em seu ambiente de relacionamentos, ou em seu ambiente de trabalho, por exemplo – uma pessoa que possa julgar uma determinada situação e tomar a decisão livremente com base em seus conhecimentos e sua experiência – maior e mais rica será também a sua moral e sua felicidade, influindo para que se caminhe, também, no sentido do progresso moral.


Em terceiro lugar, como índice e critério de progressão moral, está o grau de articulação e de coordenação dos interesses coletivos e pessoais. Nas sociedades primitivas dominou uma moral coletivista, que absorveu totalmente os interesses pessoais/individuais. Em contrapartida, os interesses pessoais se afirmaram nos tempos modernos, porém, transformaram-se numa forma exacerbada de individualismo na sociedade burguesa. Neste sentido é que visa o progresso moral a articulação e coordenação dos interesses coletivos e pessoais, devendo buscar uma harmonia entre os dois conceitos, que suponha necessariamente a liberdade de desenvolvimento de cada indivíduo, e acarretando, consequentemente, no livre desenvolvimento de toda a sociedade.


Apenas com a conjugação do progresso histórico-social nos parâmetros abordados, no sentido positivo, respeitando-se sempre os direitos humanos, as relações interpessoais e sociais é que se pode ter um terreno fértil para o nascimento e para o progresso da moral.


A satisfação dos interesses humanos deve se basear no uso espontâneo da liberdade e autonomia individual. Esta liberdade deve estar sempre acompanhada com a responsabilidade, consciência dos atos bons a serem praticados. Diz-se que o homem consciente de suas responsabilidades é o homem ético.


Como vimos anteriormente, ter-se-á um progresso moral na medida em que se tornar menor a aplicação de normas externas para regular a convivência em sociedade. Ou seja, devemos agir mais em conformidade com os ditames da moral, daquilo que achamos ser o certo e o bom para nós e para os outros.


Neste cenário, a ética pode tornar dispensável a juridicização[1] da vida.[2] Percebe-se que o grande ponto que gravita em torno da moral consiste no princípio da solidariedade. A moral pode conduzir o ser humano à vida solidária. Nada mais forte do que o vínculo entre o homem e a sua espiritualidade, a espiritualidade que vincula, é mais forte que a autoridade de um Estado soberano que faz cair do alto seus comandos e suas sanções. A comunidade, quando se organiza racionalmente e moralmente disciplinada, rege-se pelo princípio da solidariedade e dispensa as normas externas para reger a vida.


Para desfrutar de sua liberdade, para esta liberdade ser considerada absoluta e legítima, deve ser aceito pelo o homem como um valor inerente ao seu espírito. Nenhuma pessoa pode se sentir absolutamente livre a ponto de aceitar um valor se ela não vier a aceitá-la espiritualmente.


O caminho para a verdadeira liberdade não se conquista através da via revolucionária e sangrenta. A vida idônea para a conquista da verdadeira liberdade deve levar em conta o exercício daquilo que se acha ser o certo e bom num determinado momento, de forma livre e consciente. Essa vontade de agir de acordo com a moral de forma consciente e deliberada é a que leva o homem ao caminho da liberdade espiritual. Deve o homem agir com reta consciência, ou seja, agir exemplarmente, constituir-se modelo para os demais, esta ação em conformidade com a reta consciência deve ser tomada de forma livre e o mais importante, deve ser consciente.


Para agir o homem pautando-se na moral deve ele, por questão de lógica, conhecer esta moral. Neste determinado momento, ou seja, no momento em que o homem descobre, conhece e sabe qual é qual deve ser ação a ser tomada num determinado momento, esta ação exemplar, pautada na moral transforma-se num imperativo espiritual de conduta.


Dessa forma, para o homem sustentar esta retidão moral, não cedendo às pressões externas negativas, deve sempre recusar coisa outra que não seja a verdade. É o que se chama de firmeza moral, esse desejo pelo qual cada um se esforça por conservar seu ser sob o exclusivo ditame da razão.


No Brasil, a moral é tratada de forma peculiar. As pessoas cotidianas sustentam que em nosso país a moral sempre esta desviada do seu sentido positivo, dizem as línguas populares que o Brasil é o país do jeitinho ou do levar vantagem em tudo.  Porém, devemos procurar e criticar acerca da moral num sentido mais amplo e concreto do que estes ditados populares que muitas vezes são ditos de forma inconsciente. Neste contexto, há de se contemplar algo mais objetivo e palpável, como a miséria, a exclusão social e a injusta repartição de rendas, dados incontornáveis da realidade brasileira.


De fato, as pessoas em nosso país que dispõe de possibilidades materiais suficientes para garantir uma vida tranquila e abundante de riquezas tem uma dívida a ser paga para com a sociedade. Esta dívida pode ser paga de diversas formas: pode-se contribuir de qualquer modo para a diminuição da pobreza e das desigualdades sociais, contribuindo não apenas com o que tem, mas principalmente com o que é, ou seja, ajudar com nossas habilidades profissionais, com outros dons que se tem e que a sociedade ajudou a construir. Sinteticamente, pode contribuir com tudo aquilo que leve ao bem-estar do necessitado.


De certa forma, todos devem à sociedade. Não crescemos e aprendemos tudo que sabemos por conta própria. Não inventamos o nosso conhecimento, mas sim apenas o usamos para nos construir e nos formar. Devemos sempre converter o conhecimento que extraímos da sociedade e devolvê-lo em prol da própria sociedade, devolver algo ainda melhor, mais digno e mais humano.


É neste contexto que nasce a chamada responsabilidade moral, o ser humano responsável deve-se comover com a situação de quem não teve as oportunidades[3] dignas para se tornar alguém melhor, de quem não está em uma situação cômoda perante a sociedade, pois sofre com a pobreza extrema e com o preconceito brutal que advém da mesma.


O individualismo exacerbado, o egoísmo, este desprovimento de responsabilidade moral que reina em nosso país gera consequências terríveis, tais como o desrespeito e o desprestígio às pessoas que se preocupam com bem estar coletivo. Não há equilíbrio entre os interesses individuais e coletivos, ou seja, não está presente o terceiro fator determinante para caracterizar e efetivar o progresso moral.


Neste contexto, as pessoas em geral e principalmente os profissionais, questionam-se se há alguma forma de se aprimorar moral e eticamente e qual o caminho a ser trilhado para alcançar o crescimento moral.


Pois bem. Quando pensamos em pessoas e profissionais bem sucedidos, ou seja, pessoas que progrediram e cresceram em suas carreiras e suas vidas a priori estaremos imaginando que estas mesmas pessoas tem um grau de civilização elevado. Mas não é sempre assim, não há que se confundir progresso com civilização. Pode-se atingir o progresso profissional de várias formas, utilizando-se do progresso social, seja ele no seu sentido positivo ou negativo, mas a civilização pressupõe progresso moral.


Desta forma, o ideal é que se faça o uso da civilização, ou seja, do progresso moral para se alcançar o progresso profissional. Trata-se de, como já vimos anteriormente, fazer o uso das ações exemplares, ser uma pessoa exemplar e com responsabilidade moral.


Para auxilia-nos no sentido de caminhar em direção ao crescimento moral, recomenda-se uma anotação diária ou semanal das falhas e das vitórias, por pequenas possam elas parecer. Neste sentido, duplicamos o nosso grau de juízo acerca de nossos atos. Além da consciência moral prévia ou preliminar, aquele juízo de valor realizada acerca de cada ato praticado, devemos também anotar os erros e acertos destas decisões, haja vista que nos farão refletir novamente sobre as decisões que tomamos, faz parte também do estado de vigília em que devemos deixar nossa consciência. Deve-se, sempre, exercitar a moral.


Para concluir, ressalta-se que um momento em que os valores de nossa sociedade estão em crise, consequentemente a moral se abala, seu significado torna-se fruto de incertezas por parte da sociedade. Além disso, o egoísmo nos conduz àquela felicidade que se identifica apenas com o êxito material. Estas questões contribuem para o enfraquecimento da moral no seio social.


Devemos recuperar os valores e partir para uma reformulação. Esta recuperação dos valores deve ter início já no seio familiar, pois é na família que o indivíduo tem seus primeiros relacionamentos é nela que o sujeito irá construir seus valores.


Uma base familiar sólida, bem estruturada, com educação e um forte sentimento de solidariedade pode nos conduzir à felicidade. Fazer o bem para o próximo, ajudar, contribuir com toda a sociedade, dividir o conhecimento e os dons adquiridos graças a ela própria, para torná-la um lugar de pessoas melhores, com sentimentos mais fraternos, aonde a liberdade e a autodeterminação conduzirão para a felicidade do indivíduo, e, por conseguinte, de toda a sociedade.


 


Referências

VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética.. 19ª. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

NALINI, José Renato. Ética profissional e geral. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.


Notas:

[1] Juridicização é a  fenômeno de aumento da interferência ou incidência do direito em nossas vidas, ocupando espaço que antes era da moral e da ética.

[2] Em verdade, é a moral (e não a ética)que pode tornar dispensável a juridicização da vida, visto a moral ser um conjunto de regras aceitáveis e exaltadas em uma dada sociedade e que vigoram num determinado período. A ética, por sua vez, é um ramo da filosofia, é teoria e é ciência, sua finalidade é explicar, definir e investigar a cerca da moral, porém, o “agir em conformidade com o que se considera como certo e bom” é agir conforme a moral (é comportamento prático e não teórico) e não conforme a ética.   

[3] Fala-se em oportunidades dignas e iguais, e não em resultados iguais.

Informações Sobre o Autor

Reshad Tawfeiq

Acadêmico de Direito na Universidade Estadual de Ponta Grossa.


Equipe Âmbito Jurídico

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