Resumo: O presente artigo tem por objetivo provocar a reflexão sobre alguns aspectos do exame jurisdicional de políticas públicas, discorrendo sobre elementos relacionados as suas possibilidades e limites. A análise traz considerações não apenas sob o prisma jurídico, mas busca aproximações com o campo da ciência política e sua interface com o direito. O estudo compreende um suscinto debate sobre os desafios e problematizações sobre o controle jurisdicional de políticas públicas de direitos sociais, analisando questões relacionadas a eficácia dos direitos sociais e o papel do Poder Judiciário na promoção dos referidos direitos.*
Palavras chave: Direitos sociais; controle jurisdicional; políticas públicas.
Abstract: This article is intended to provoke reflection on some aspects of judicial review of public policies, focusing on elements related to their possibilities and limits. The analysis brings considerations not only from the legal prism, but search approaches with the field of political science and its interface with the right. The study comprises a succinct debate about the challenges and concerns about the jurisdictional control of public policies for social rights, examining issues related to the effectiveness of social rights and the role of the judiciary in the promotion of those rights.
Keywords: social rights; judicial control; public policies.
Sumário: 1- Introdução; 2- Conceito de política pública; 3- Direito e políticas públicas: o complexo enquadramento jurídico-institucional; 4- Desafios e problematizações em torno do exame jurisdicional de políticas públicas de direitos sociais; 5- O papel dos órgãos julgadores no exame jurisdicional de políticas públicas como forma de promoção da eficácia dos direitos sociais; Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
Os direitos sociais são tratados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 em seu artigo 6º e grande parte do seu conteúdo desenvolve-se no Título VIII dedicado à ordem social. A doutrina jurídico constitucional há bem pouco tempo explora os desdobramentos dessas normas na estruturação de um Estado Democrático de Direito. Percebe-se, aos poucos, certo aumento do espaço destinado ao debate sobre a relevância dos ditos direitos, de onde resulta uma ruptura inicial com o tradicional vazio na abordagem sobre o seu papel na construção da cidadania e da democracia brasileira em andamento.
Os direitos sociais são autênticos direitos fundamentais expressos na Constituição e, por este motivo, possuem todas as prerrogativas inerentes à condição ou ao status decorrente de sua natureza fundamental, sempre que o enunciado da norma constitucional permitir tal consideração em toda sua amplitude. Contudo, não são poucas as vezes em que os mesmos são tratados com descaso e/ou todo tipo de entraves são postos para comprometer sua eficácia e aplicabilidade, mesmo tratando-se de direitos constitucionais que integram o catálogo de direitos fundamentais, o que torna vulverável a garantia de condições dignas para a pessoa humana.
Diante de uma conformação constitucional tão rica no que tange ao reconhecimento de direitos fundamentais, o Poder Público se vale das chamadas Políticas Públicas, que, muito resumidamente, consistem em um conjunto de ações e programas dos mais diferentes tipos destinados a concretizar aqueles comandos gerais contidos na ordem jurídica constitucional.
Entretanto, a realidade da sociedade brasileira revela que muitas vezes as políticas públicas ou existem, mas são insuficientes para atenderem a demanda social, ou sequer chegam a existir. Isso porque, a criação de políticas públicas vai desde o debate da extensão do núcleo dos direitos sociais, até a disponibilidade de recursos financeiros para implementá-las. Enfim, há uma série de obstáculos políticos e jurídicos a dificultar o desenvolvimento das políticas públicas.
Devido a carência social em termos de prestações estatais, ou mesmo pela sua omissão, o Poder Judiciário cada vez mais se vê frente à necessidade de decidir sobre questões relacionadas aos direitos sociais. A expectativa social é que juízes e tribunais garantam a fruição de direitos fundamentais, especialmente os de cunho prestacional, mas por outro lado, a ausência de critérios claros e objetivos geralmente oferecem dúvidas na decisão e abrem margem para que alguns sejam contemplados com decisões favoráveis nas suas demandas e outros, em razão de interpretações diferenciadas, não alcancem resultado semelhante.
Assim, o presente trabalho visa investigar o tema da eficácia dos direitos sociais e o debate em torno do exame jurisdicional das políticas públicas, considerando suas possibilidades e limites.
2. CONCEITO DE POLÍTICA PÚBLICA
Há tempos produz-se na ciência política literatura sobre política pública envolvendo conceituação, elementos, fases, modelos de análise, proporcionando a compreensão do fenômeno. Essa análise faz-se necessária para o presente estudo, dado que não se pode falar em controle jurisdicional sem uma adequada visualização daquilo que se propõe controlar.
A política pública se apresenta como objeto e ramo de conhecimento: o objeto de conhecimento (fenômeno) possui variadas definições. Em artigo, Celina Souza[1] traz as definições de Lynn (1980): “conjunto de ações de governo que irão produzir objetivos específicos”, de Peters (1986): “política pública é a soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos” e de Dye (1984): “o que o governo escolhe fazer ou não fazer”.
Gianfranco Pasquino, em seu Curso de Ciência Política[2], problematiza algumas definições como a de Meny e Thomas ( 1991, p.5) apud Pasquino (2002), segundo a qual “uma política [pública] apresenta-se sob a forma de conjuntos e práticas e directrizes que promanam de um ou mais actores públicos”. Esta visão é contestada por Pasquino sob o argumento de ser imprecisa, redutora e desviante:
“É imprecisa porque não explicita quais são, efectivamente, os actores públicos; redutora, porque elimina outros intervenientes que, não sendo públicos, não podem tomar parte na produção de uma ou mais políticas públicas; e enfim, desviante porque canaliza as atenções para um determinado grupo de actores, deixando para trás muitos outros que desempenham papéis igualmente relevantes”.
Enquanto ramo do conhecimento, é a parte da ciência política que tem por escopo analisar seu já referido homônimo. Nesse sentido a definição de Mead apud Souza (2006), ou seja, é “campo dentro do estudo da política que analisa o governo à luz de grandes questões públicas”.
O termo “política” pode receber diversos sentidos: policy: conteúdo material, politics: processo através do qual a policy é construída; polity: a estrutura política. No processo de produção da política pública: algumas abordagens destacam o ponto dos interesses influindo nos processos:[3]
– O tipo de política pública – quatro tipos: distributivas (caracterizadas por um menor grau de conflito em sua formulação), redistributivas (grande grau de conflito, impõe perdas e ganhos), regulatórias (os graus de conflito são variáveis) e constitutivas (mudam as regras e estruturas, a polity);
– O ciclo da política pública apresenta modelo de análise que decompõe a política pública em fases: formulação, aplicação e controle de impactos. Klaus Frey propõe a seguinte divisão, a saber: percepção e definição de problemas, agenda-settin., elaboração de programas e decisão, implementação de políticas e, finalmente, a avaliação de políticas e a eventual correção da ação. Tal modelo enfoca a pergunta: Como o problema entra na agenda pública? Numa aproximação com o direito poderíamos perguntar: Como interagem agenda política e Constituição? Em quais etapas podem ocorrer controle jurisdicional? ;
– Coalizão de defesa que pensa a política pública como um conjunto de subsistemas relativamente estáveis que se articulam com acontecimentos externos. Para essa abordagem, as crenças e valores formariam coalizões de defesa dentro de cada subsistema;
– Modelo do contentor de lixo no qual as políticas públicas seriam produzidas num processo de tentativa e erro, em que seriam retiradas ao acaso problemas e soluções. Os defensores dessa abordagem se utilizam da seguinte alegoria: os problemas e políticas públicas estariam dispostos numa lata de lixo e seriam retiradas de forma aleatória. Esse modelo vai de encontro às definições jurídicas de política pública, dado que estas a entendem como tendo por meta a efetivação dos direitos fundamentais.
Existem outros enfoques, influenciados pelas políticas de ajuste fiscal e gerencialismo público, procurando despolitizar a política: o foco é na eficiência da policy e não na politic, uso de estruturas “independentes” – agências reguladoras, por exemplo – ênfase na segurança e credibilidade e continuidade da política pública, independência da correlação de forças, muito embora, perceba-se que a independência figura mais em termos teóricos do que práticos..
Por fim, identifica-se o (neo)institucionalismo, modelo que destaca o papel das instituições na análise da política pública; tal posição defende que as estruturas sociais seriam fator de influência nas ações de governo. Essas instituições seriam os valores comuns, modelos e processos reconhecidos por todos, bem como as estruturas estatais.
Quanto ao direito, essas definições foram encontradas: “de um modo geral, a expressão [política pública] pretende significar um conjunto ou uma medida isolada praticada pelo Estado como o desiderato de dar efetividade aos direitos fundamentais ou ao Estado Democrático de Direito" e "Interessante frisar que, em regra, as políticas públicas são os meios necessários para a efetivação dos direitos fundamentais”.[4]
Dimitri Dimoulis[5] define-a como: "Instrumento de ação do Estado, em especial do Executivo e Legislativo, de caráter vinculativo e obrigatório, que deve permitir divisar as etapas de concreção dos problemas políticos constitucionais voltados à realização dos fins do Estado Democrático de Direito, passíveis de exame de mérito pelo Poder Judiciário".
E Eduardo Appio[6] defende que "as políticas públicas podem ser conceituadas, portanto, como instrumentos de execução de programas políticos baseados na intervenção estatal na sociedade com a finalidade de assegurar igualdade de oportunidades aos cidadãos, tendo por escopo assegurar as condições materiais de uma existência digna a todos os cidadãos".
Todas essas definições de política pública articulam a ação de governo à realização dos mandamentos constitucionais e à plena efetivação dos direitos fundamentais. Tal entendimento constrange o poder discricionário das variáveis de formulação da agenda política, obrigando os agentes públicos, grupos de interesse e demais atores envolvidos a terem como fator limitador de suas disputas a Constituição. Esta é, em si, fruto de disputa política e da correlação de forças e grupos de interesses presentes em 1988 e, a priori, seu papel está na limitação do poder do Estado e suas ações-políticas públicas.
A crítica que pode ser feita é a de que, não necessariamente, uma política pública se propõe a dar efetividade aos direitos fundamentais. Ela pode ser meramente simbólica, sem qualquer eficácia para solucionar o problema ao qual se propôs resolver, tendo em vista apenas dar satisfação à sociedade.
3. DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS: O COMPLEXO ENQUADRAMENTO JURÍDICO-INSTITUCIONAL
Já a par de que as políticas públicas, em resumo, dentre outros propósitos, visam concretizar direitos fundamentais, através da elaboração de programas sociais e, portanto, consolidam o próprio Estado Democrático de Direito, torna-se necessário analisar a eficácia de tais direitos fundamentais à luz da ordem constitucional, uma vez que esta eficácia vincula os Poderes Públicos a desenvolvê-los ao máximo.
Os direitos fundamentais estão previstos na constituição em dois sentidos, quais sejam, (i) sentido material, devido ao conteúdo e importância, e (ii) sentido formal, em razão de estarem presentes no corpo da Constituição escrita. A relevância desses direitos os torna verdadeiros condutores da Constituição.[7]
Como se trata de direitos fundamentais, todos possuem eficácia plena e, via de regra, são imediatamente aplicáveis. No entanto, sempre há de se verificar nessas normas de direitos fundamentais a necessidade da potencialização da eficácia (possibilidade da norma gerar efeitos jurídicos).
No caso dos direitos fundamentais que se encontram subdivididos no direito de defesa, onde o Estado ou particular devem se omitir, gerando prestações de não fazer, protegendo a dignidade da pessoa humana, há mais facilidade de aplicação imediata prevista no mencionado art. 5º, §1º, da Constituição. O grande problema se encontra na outra parte da subdivisão, nos direitos fundamentais prestacionais, pois, nesse caso, há uma prestação de fazer por parte do Estado, que se trata de uma prestação de cunho econômico, esbarrando na questão da reserva do possível, gerando, muitas vezes, problemas para a aplicabilidade imediata do direito fundamental.
Segundo o princípio da separação dos Poderes previsto na Carta Constitucional, o Poder Judiciário não deve interferir na esfera do Executivo e Legislativo, pois é o primeiro quem é responsável pela definição de valores destinados a concretização dos direitos fundamentais, através da lei orçamentária anual, e cabe ao segundo aprová-la ou não. Nas circunstâncias em que o Judiciário tenha de promover a aplicabilidade do provimento de uma política pública, ele deve indicar as fontes dessas novas despesas o que acaba por esbarrar na problematização da reserva do possível. Prejudica-se, dessa forma, a aplicabilidade imediata do direito fundamental, quando há uma prestação positiva de um direito fundamental.
Segundo Eduardo Appio, a Constituição de 1988, em seu art. 84, II, dispõe que compete ao Presidente da República, junto aos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal; sendo assim, o juiz, em regra, só poderá adentrar nesta seara nos casos em que o Executivo se omitir na concretização das políticas públicas, sob pena de ferir o princípio da separação de Poderes ou interferir impropriamente na discricionariedade administrativa. Em suas palavras:
“Somente naqueles casos em que não existe uma prerrogativa constitucional erigida em favor do Poder Executivo é que se pode conceber a intervenção judicial positiva. Bem por isto, a atividade de revisão judicial deve estar assentada nos seguintes pressupostos: 1º) a política social já se encontra prevista na lei ou na Constituição e corresponde à outorga de direitos coletivos; 2º) o Poder Executivo ainda não implementou a política social prevista na constituição; 3º) o poder Executivo, ao implementar a política social, rompeu com o princípio da isonomia. O autor coletivo deverá, ainda, preencher os seguintes requisitos específicos: 1º) deverá indicar a fonte de financiamento da implantação ou extensão de um programa social; e 2º) terá de respeitar a lei orçamentária anual (princípio da reserva legislativa).”
Quando há programas sociais que não se encontram previstos em lei, o Judiciário não pode, por si só, promover ações coletivas para garantir a prestação dos direitos fundamentais e sociais. Somente através de uma democracia participativa, em que já tenha se deliberado a respeito de uma política pública, é que poderão ser promovidas pelos legitimados as ações coletivas, para fim de vincular o Executivo.
Quando se encontram previstos em lei, cabe ao Judiciário exercer um controle através das ações civis públicas. Por isso, o Executivo tem de ter muito cuidado com o que promete em suas políticas públicas, reservando, desse modo, na lei orçamentária anual crédito para cumprimento do que fora prometido. Apesar desse crédito não ser ilimitado, podendo haver uma necessidade de suplementação orçamentária para atender as novas necessidades (Lei de Responsabilidade Fiscal, art. 5º, § 4º).
O conteúdo da ação civil pública representa sempre um direito coletivo, não podendo ser objeto de uma ação individual, pois versa sobre uma universalização, como, por exemplo, o direito à educação fundamental no Brasil (art. 208, I). No entanto, há direitos individuais que possuem eficácia jurídica exigível enquanto direito subjetivo, como é o caso do §1º do citado artigo, podendo ser exigido enquanto direito individual.
Segundo Eduardo Appio, “o exercício de um direito fundamental individual, através de uma prestação social positiva ainda não implementada e que vise atender a toda população, estará afrontando o principio da isonomia dos cidadãos”. Olhando sob uma ótica universalista está totalmente correto o pensamento do autor. No entanto, em se tratando de políticas públicas de cunho social, muitas vezes é preciso focalizar em determinadas áreas e grupos sociais; conforme já foi dito por Aristóteles, “devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades”.
De fato, a advertência feita pelo autor acima referido deve ser tomada em consideração, o Poder Judiciário não possui suficientes elementos de preparação técnica para analisar aspectos relacionados tomada de decisões e construções complexas que originam as políticas públicas. Contudo, este argumento não pode ser traduzido numa apreciação meramente jurídico-dogmática, porque, conforme relatado acima, a ciência política discute aspectos de construção de políticas públicas geradas muito mais para satisfazer dimensões simbólicas, sem compromisso com realização dos preceitos constitucionais e sem pretensões de efetivamente cumprir os prognósticos orçamentários, deixando a sociedade refém de decisões impróprias, quando não arbitrárias, desprezando a força normativa da Constituição.
4. DESAFIOS E PROBLEMATIZAÇÕES EM TORNO DO EXAME JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE DIREITOS SOCIAIS
4.1. A clássica discussão das normas programáticas e os Direitos Sociais
De acordo com a divisão tricotômica proposta por José Afonso da Silva, a eficácia e a aplicabilidade das normas constitucionais estariam compreendidas sob três ângulos: (i) normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade imediata, (ii) normas constitucionais de eficácia contida e aplicabilidade imediata e (iii) normas constitucionais de eficácia limitada e aplicabilidade mediata.[8]
Em razão à proposta deste trabalho, iremos nos ater às reflexões jurídicas da terceira classificação. As normas de eficácia limitada e aplicabilidade mediata são aquelas que não produzem todos os seus efeitos jurídicos logo quando entram em vigor, ou seja, para que elas possam exalar todos os efeitos jurídicos pensados pelo legislador constitucional ao redigi-las, é necessário que haja uma integração legislativa posterior. Estas normas já nasceriam impondo ao legislador infraconstitucional o dever de regulamentá-las, justamente para que produzam seus plenos efeitos.
Todavia, é necessário atentar para o fato de que embora as normas de eficácia limitada não produzam seus efeitos principais de imediato, dependendo de regulamentação posterior, elas são dotadas de eficácia jurídica.
As normas de eficácia limitada se subdividem em dois grupos, quais sejam: normas constitucionais de princípio institutivo – segundo as quais o legislador constitucional estabelece comandos gerais sobre a estruturação e atribuições de órgãos, entidades e institutos – e normas constitucionais de princípio programático.
As normas programáticas são aquelas que não regulam questões específicas, e sim trazem valores e princípios a serem implementados pelo legislador infraconstitucional e observados também pelos Poderes Executivo e Judiciário nas três esferas federativas e pela Administração Pública como um todo. Em resumo, as normas programáticas traçam os fins públicos e sociais a serem alcançados pelo Estado, os objetivos sociais do Poder Público.
Sob o prisma das normas constitucionais programáticas, a doutrina clássica insere nessa classificação o rol de direitos sociais. Isso significa, em um primeiro momento, que o catálogo de direitos sociais previsto na Constituição Federal careceria de normatividade suficiente para refletir, logo a partir do primeiro dia de vigência, todos os seus principais efeitos. Os direitos sociais seriam, portanto, objetivos do Estado a serem implementados com o tempo e de acordo com a necessidade da população, cabendo ao legislador infraconstitucional determinar o momento adequado para regulamentar cada um deles.
Esse posicionamento dificultaria ou até mesmo impossibilitaria a implementação de Políticas Públicas, visto que seria necessário esperar, primeiramente, que o legislador infraconstitucional fizesse seu papel de dar os contornos práticos aos direitos sociais para que os mesmos pudessem externar todos os seus efeitos jurídicos e, assim, pudessem ser objeto de políticas públicas e passíveis de controle judicial. Antes disso, os direitos sociais seriam apenas programas, fins, objetivos do poder público.
Faz-se mister analisar que esse entendimento acerca das normas programáticas não condiz com a realidade e a importância dos direitos sociais, já que entendê-los como tal significa destituí-los de grande parte de sua efetividade. Isso gerou o seguinte questionamento de Norberto Bobbio[9]:
“Será que já não nos perguntamos alguma vez que gênero de normas são essas que não ordenam, proíbem, ou permitem hic et nunc, mas ordenam, proíbem e permitem num futuro indefinido e sem um prazo de carência claramente delimitado?”
A autora Ivanilda Figueiredo dispõe que a Constituição de 1988 caminha em sentido oposto à clássica discussão dos direitos sociais como normas programáticas, uma vez que ela consagra, através de seus princípios fundamentais, a Justiça Social como um fim do Estado e, em consequência, torna-se uma Carta voltada para a transformação da realidade brasileira inviabilizando uma visão limitada dos direitos sociais.[10]
Seguindo a linha de pensamento acima descrita, o Ministro Celso de Mello expôs que o próprio STF já ratificou que as normas de caráter programático presentes na Constituição Federal não podem consubstanciar-se em promessas constitucionais inconsequentes, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.[11]
Felipe de Melo Fonte sustenta que sendo as políticas públicas o conjunto de ações e programas para dar efetividade aos comandos gerais impostos pela ordem jurídica que necessitam da ação estatal. Dentre outras finalidades, as políticas públicas se prestam a dar concretude aos direitos fundamentais de cunho prestacional, como os são os direitos sociais.[12]
Américo Bedê Freire Júnior afirma que a atuação do juiz deve ser na efetivação das normas constitucionais, especialmente dos direitos fundamentais.[13] Aliás, Paulo Costa já ratificava o entendimento quando explicou que o controle jurisdicional-constitucional da administração pública no Estado Social de Direito não pode ser simplesmente uma investigação do cumprimento de formalidades extrínsecas da lei, senão, e principalmente, um controle substancial da não violação e da implantação, pela administração, dos grandes vetores constitucionais.[14]
Portanto, cabe ao Poder Judiciário, diante da omissão total ou parcial do Estado em adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, formular e implementar políticas públicas, de modo a resguardar a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático.[15]
4.2. Reserva do Possível
O Ministro Celso de Melo, na emblemática decisão proferida na ADPF nº 45/2004 afirmou, quanto ao tema relativo à reserva do possível, que “a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.
Cumpre advertir, desse modo, que o princípio da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocado pelo Estado com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.
Os condicionamentos impostos pela “reserva do possível” ao processo de concretização dos direitos de segunda geração – de implantação sempre onerosa –, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas.
Desnecessário acentuar-se, considerado o encargo governamental de tornar efetiva a aplicação dos direitos sociais, que os elementos componentes do mencionado binômio devem configurar-se de modo afirmativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois, ausente qualquer desses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade estatal de realização prática de tais direitos.
Ana Paula de Barcellos[16] entende que a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado.
Para a mencionada autora, o objetivo da Constituição de 1988 pode ser resumido na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir quais os outros projetos a se investir.
Segundo Eduardo Mendonça[17], inúmeras decisões políticas majoritárias materializadas na lei orçamentária anual relacionadas à promoção de direitos sociais deixam de ser concretizadas, ano após ano. Isso decorre do sistema orçamentário autorizativo – adotado pelo Brasil – no qual é conferida ao Executivo a faculdade de não gastar as verbas referentes à determinada dotação orçamentária, ou seja, as execuções das previsões de gastos no orçamento não são obrigatórias.
Em razão disso, tornou-se normal, ao longo dos anos, a inexecução ampla e imotivada do orçamento, embora sua elaboração envolva os três Poderes – com destaque para o Executivo e o Legislativo – em complexo processo decisório.
As políticas públicas, por sua vez, são definidas concretamente na lei orçamentária, em função das possibilidades financeiras do Estado. A prática brasileira tem ignorado um conjunto expressivo de decisões, sintetizadas na opção de não gastar. Os cortes são corriqueiros e têm atingido programas relacionados a áreas em que a atuação do Estado tem sido insatisfatória ou insuficiente, como segurança pública, saúde, saneamento, dentre outros.[18] Para o autor, essa competência reconhecida ao Presidente da República chega a ser irracional, porque não se funda em uma reavaliação das previsões de gasto, mas sim na desconsideração de opções de investimento contidas no orçamento, substituídas por uma pauta própria de prioridades.
A crítica de Eduardo Mendonça[19] se funda na total ausência de motivação na realização de cortes/retenção de verbas pela Administração, defendendo que o dever de motivar é fundamental em qualquer sistema orçamentário, mesmo naqueles em que a execução seja vinculada. A motivação serve para que o administrador demonstre que sua conduta guarda relação com a realidade fática e está inserida no espaço de liberdade deixado pela ordem jurídica.
A exigência de motivação é ainda mais importante diante de decisões administrativas que deixem de dar execução a dotações orçamentárias, total ou parcialmente, ou remanejem recursos. Isso porque a lei orçamentária registra decisões democráticas, destinadas a serem concretizadas na realidade.
Desta forma, defende que a combinação de dois elementos, quais sejam – a existência de dotação, que significa que já houve uma decisão majoritária valorando um interesse, separando recursos em determinado montante e a ausência de redistribuição de tais recursos, não podendo ser utilizados para outra finalidade – evidencia uma inércia ilegal. Visto que uma decisão orçamentária está sendo ignorada e, ainda, é inconstitucional, caso se verifique que direitos ou interesses protegidos pela Constituição estejam sendo esvaziados ou subconcretizados. Em muitos casos, a dotação está relacionada com a realização de objetivos protegidos pelo constituinte, assim, a inércia dos agentes políticos caracterizar-se-ia como ato inconstitucional, deixando de ser um simples não atuar, qualificando-se como uma inação incompatível com a ordem constitucional. O administrador, ao não se valer da alocação de recursos constantes do orçamento, deixa de agir quando teria condições para fazê-lo.
Assim, para o autor, a omissão das instâncias políticas parece funcionar como um fator a legitimar atuação judicial mais intensa. A inexecução de uma dotação orçamentária pode ser utilizada pelo juiz como argumento para maior interferência no domínio das políticas públicas. Nesse caso, o juiz ocupa um espaço deixado pela inércia do administrador na execução de uma decisão legislativa. O juiz não estaria interferindo na distribuição de recursos entre as diferentes opções de política pública, mas concretizando escolhas dentro de uma política já aprovada em caráter geral.[20]
4.3. Mínimo existencial
As formulações em torno do mínimo existencial expressam que este apresenta uma vertente garantística e uma vertente prestacional. A feição garantística impede agressão do direito, isto é, requer cedência de outros direitos ou de deveres (pagar imposto, p. ex.) perante a garantia de meios que satisfaçam as mínimas condições de vivência digna da pessoa ou da sua família. Neste aspecto, o mínimo existencial vincula o Estado e o particular.
A feição prestacional tem caráter de direito social, exigível frente ao Estado. Neste caso, não se pode deixar de equacionar se esse mínimo é suficiente para cumprir os desideratos do Estado Democrático de Direito.
Um dos problemas em relação ao aspecto prestacional do mínimo existencial consiste em determinar quais prestações de direitos sociais conformam o seu núcleo. Caso seja vencida esta etapa, ainda assim perdurará a dificuldade de saber em relação a cada direito particular qual a extensão da obrigação do Estado de prover ou satisfazer a necessidade ou interesse social ou econômico tutelados pelo direito. Quando um determinado direito social é reconhecido a certas pessoas ou grupos em uma determinada medida, fica a dúvida sobre a possibilidade de estabelecer juízos de comparação entre a situação dos beneficiários, controlando a legalidade e razoabilidade do fator de diferenciação utilizado pelo Estado ao prover, garantir ou promover seletivamente os interesses tutelados pelo direito.
A questão do mínimo existencial dentro de uma modalidade prestacional convive com a complexidade de definição de quais direitos e em que amplitude podem ser caracterizados como fundamentais dentre os direitos sociais estipulados na Constituição. Tanto a doutrina interna como externa esbarra no problema da subjetividade do estabelecimento do padrão de referência ideal para consecução de condições mínimas indispensáveis para a manutenção digna da vida.
Ingo Wolfgang Sarlet, em estudo sobre a eficácia dos direitos fundamentais, aponta para a necessidade de reconhecimento de certos direitos subjetivos a prestações ligados aos recursos materiais mínimos para a existência de qualquer indivíduo. A existência digna, segundo ele, estaria intimamente ligada à prestação de recursos materiais essenciais, devendo ser analisada a problemática do salário mínimo, da assistência social, da educação, do direito à previdência social e do direito à saúde.[21]
Na concepção de Ricardo Lobo Torres os direitos referentes ao mínimo existencial incidiriam sobre um conjunto de condições que seriam pressupostos para o exercício da liberdade.[22] Inclusive o autor sustenta a idéia de metamorfose dos direitos sociais em mínimo existencial.[23]
Tal posicionamento reduz o caráter fundamental dos direitos sociais fora do âmbito do mínimo existencial, extraindo sua plenitude colocando-os em patamares inferiores, mínimos de eficácia. O conjunto dos direitos sociais praticamente na sua integralidade forma o bloco constitucional dos direitos fundamentais e a identificação com níveis mínimos, em que pese à contribuição para buscar um nível de garantia mais adequado aos referidos direitos, acaba por menosprezar seu impacto deixando a cargo do Estado a cômoda condição de oferecer apenas o mínimo, ainda que este grau seja insatisfatório. Uma verdadeira ótica de implementação dos direitos sociais prestacionais não se coaduna com nivelamentos que excluem determinados direitos ou diminuem as dimensões dos mesmos, até porque esta postura acentua as desigualdades sócio-econômicas.
O mínimo existencial também é objeto de análise por Ana Paula de Barcellos, que o identifica como o núcleo sindicável da dignidade da pessoa humana, inclui como proposta para sua concretização os direitos à educação fundamental, à saúde básica, à assistência no caso de necessidade e ao acesso à Justiça, todos exigíveis judicialmente de forma direta.[24]
Embora a proposta referida tenha por objetivo evitar a total ineficácia jurídica de vários dispositivos sobre direitos sociais, cabe aclarar que não se deve confundir a materialidade do princípio da dignidade da pessoa humana com o mínimo existencial, nem se pode reduzir o mínimo existencial ao direito de subsistir. Apesar da vasta extensão dos direitos sociais gerarem problemas relacionados à amplitude de sua eficácia e comprometer a credibilidade da construção do Estado Democrático de Direito, não se justifica partir para versões minimalistas abandonando de vez uma visão mais global.
As restrições de direitos fundamentais se justificam quando não violam o núcleo essencial de um determinado direito e são previstas ou autorizadas na Lei Maior, portanto, ainda que sejam direitos sociais, apenas podem ocorrer limitações se fundadas na própria Constituição e não as baseadas no alvedrio do intérprete, bem como devem respeitar o núcleo essencial do direito caso sejam objeto de desdobramentos legislativos.
É preciso uma ação e padrão mais uniformizada de atuação dos poderes estatais na realização dos direitos sociais com o intuito de assegurar o mínimo existencial, para evitar que a falta de vontade política e medidas e decisões parciais sejam adotadas produzindo categorias variadas de oferecimento de prestações de conteúdo universal. Contudo, com isso não se pretende partir para a defesa de um mínimo próprio a cada direito, porque seria o mesmo que nivelar por baixo direitos que não foram hierarquizados na Constituição.
Uma seara um pouco menos controvertida diz respeito ao mínimo existencial enquanto objeto de dimensão negativa por parte do Estado, neste campo mais especificamente é possível sustentar a adoção de medidas protetoras das mínimas condições de vida digna para as pessoas, principalmente se tais medidas pretendem evitar ações predatórias relacionadas ao poder de tributar exercido pelo Estado garantindo as condições iniciais de liberdade e a intributabilidade do mínimo vital.
5. O PAPEL DOS ÓRGÃOS JULGADORES NO EXAME JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS COMO FORMA DE PROMOÇÃO DA EFICÁCIA DOS DIREITOS SOCIAIS
O julgamento da ArgUição de Descumprimento de Preceito Fundamental número 45/2004 tornou-se um caso icônico de posicionamento do Supremo Tribunal Federal quanto à possibilidade de controle judicial de políticas públicas, especificamente em relação à efetivação de direitos sociais, havendo tal julgado repercutido tanto na jurisprudência da própria Corte Suprema quanto na de outros tribunais, como veremos. Relatada pelo Ministro Celso de Mello, a ADPF 45/2004 tem a seguinte ementa:
“ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA "RESERVA DO POSSÍVEL". NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO "MÍNIMO EXISTENCIAL". VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).”
Em seu voto, o Ministro do STF quebrou paradigmas ao reconhecer o Judiciário, como guardião da Constituição (papel, no direito brasileiro, exercido não apenas pelo STF, e sim por qualquer juízo, apto a realizar, em caso concreto, o controle difuso de constitucionalidade, podendo deixar de aplicar norma que considerar inconstitucional) pode, quando os poderes competentes, por ação ou omissão, comprometerem a eficácia de direitos fundamentais, formular e aplicar políticas públicas. Estes direitos, asseverou o ministro, ainda que tenham conteúdo programático, são plenamente exigíveis pelos seus titulares, devendo ser conferido a estes a tutela jurisdicional efetiva quando da violação deles pelo Estado.
O Ministro Relator ressaltou, ainda, que a cláusula da Reserva do Possível não pode ser invocada pelo Poder Público, quando houver indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – para obstar a prestação de condições mínimas de existência do cidadão, o chamado Mínimo Existencial.
Com esta decisão, o Ministro Celso de Mello inaugurou entendimento no STF de que os direitos sociais são imediatamente exigíveis do Estado, sejam positivos (como o são, em regra) sejam negativos, não podendo o Poder Público simplesmente alegar ausência de recursos materiais para a sua concretização, quando tratam de direitos cujo conteúdo compõe o substrato mínimo de que um cidadão necessita para viver e se desenvolver como pessoa. Da mesma forma, foi firmado o entendimento que, ainda que não seja função típica do Poder Judiciário, pode este vir eventualmente a formular políticas públicas na omissão dos órgãos competentes, sem que haja, entretanto, violação ao Princípio da Separação dos Poderes.
Outros julgados da Corte Suprema seguiram a orientação do leading case:
“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRANSPORTE DE ALUNOS DA REDE ESTADUAL DE ENSINO. OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO. EDUCAÇÃO. DIREITO FUNDAMENTAL INDISPONÍVEL. DEVER DO ESTADO. 1. A educação é um direito fundamental e indisponível dos indivíduos. É dever do Estado propiciar meios que viabilizem o seu exercício. Dever a ele imposto pelo preceito veiculado pelo artigo 205 da Constituição do Brasil. A omissão da Administração importa afronta à Constituição. 2. O Supremo fixou entendimento no sentido de que "[a] educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental[…]. Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam essas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão – por importar em descumprimento dos encargos políticos-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório – mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais impregnados de estatura constitucional". Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.” (RE 603575 AgR / SC – SANTA CATARINA AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. EROS GRAU. Julgamento: 20/04/2010. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJe-086 DIVULG 13-05-2010 PUBLIC 14-05-2010 EMENT VOL-02401-05 PP-01127 RT v. 99, n. 898, 2010, p. 146-152)
“DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO A SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROSSEGUIMENTO DE JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE INGERÊNCIA NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PODER EXECUTIVO. ARTIGOS 2º, 6º E 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. O direito a saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. 2. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo. Precedentes. 3. Agravo regimental improvido”. (AI 734487 AgR / PR – PARANÁ . AG.REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator(a): Min. ELLEN GRACIE. Julgamento: 03/08/2010 . Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação DJe-154 DIVULG 19-08-2010 PUBLIC 20-08-2010 EMENT VOL-02411-06 PP-01220 RT v. 99, n. 902, 2010, p. 158-162).
“DIREITO CONSTITUCIONAL. SEGURANÇA PÚBLICA AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROSSEGUIMENTO DE JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE INGERÊNCIA NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PODER EXECUTIVO. ARTIGOS 2º, 6º E 144 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. O direito a segurança é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. 2. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo. Precedentes. 3. Agravo regimental improvido.” (RE 559646 AgR / PR – PARANÁ. AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. ELLEN GRACIE.Julgamento: 07/06/2011. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJe-120 DIVULG 22-06-2011 PUBLIC 24-06-2011 EMENT VOL-02550-01 PP-00144).
O exame jurisdicional de políticas públicas é uma realidade presente. Já não cabe afirmar a ilegitimidade do Poder Judiciário para exercê-lo. Contudo, perdura a advertência sobre os limites e possibilidades de exercício deste controle para que, em nome de um ativismo judicial, não se cometam desvios, excessos que promovam desigualdades e onerem demasiado o Estado. A proporcionalidade e a razoabilidade são exigências inafastáveis no exame das políticas públicas de direitos sociais para promover a eficácia dos ditos direitos.
Pós-Doutora em Ciências Jurídico-Políticas. Doutora em Direito do Estado. Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional. Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais. Pesquisadora em Direito. Professora Adjunta da UFRJ (Direito e Gestão Pública).
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