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Reforma da parte especial do Código Penal: tipificação da homofobia

Resumo: A crescente necessidade de reforma do Código Penal brasileiro implica no estudo de várias condutas que têm se tornado cada vez mais frequentes no país, dentre elas, a homofobia. Apesar do avanço jurisprudencial sobre o tema, a tipificação do crime mostra-se imperiosa, tendo em vista o desrespeito aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, que hoje incluem o direito à orientação sexual. De acordo com os estudiosos sobre o tema, a orientação sexual define o grupo de pessoas em que é provável encontrar a satisfação e realização relacionamentos românticos, que são um componente essencial da identidade pessoal para muitas pessoas. Logo, não estando tipificada como crime a prática de discriminação baseada em orientação sexual, e considerados os princípios do Direito Penal, que consideram impossível a utilização da analogia para prejudicar o réu, desprotegidos estão alguns direitos dos cidadãos.

Palavras-chave: Homofobia. Inexistência de tipificação. Dignidade da pessoa humana. Impossibilidade de analogia prejudicial ao réu.

Abstract: The increasing need to reform the Brazilian Penal Code involves the study of various behaviours that have become common in the country, as homophobia. Despite the jurisprudential advances on the subject, the definition of the crime became imperative in order to obey the principles of equality, human dignity, which today include the right to sexual orientation. According to the researchers on the subject, sexual orientation defines the group of people in which one is likely to find satisfying and fulfilling romantic relationships, that are an essential component of personal identity for many people. If it is impossible to use the analogy to against the defendant and the practice of discrimination based on sexual orientation is not criminalized, some rights of citizens end up unprotected.

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Keywords: Homophobia. Gap in the law. Human dignity. Impossibility of using analogy against the defendant.

Sumário: Introdução. 1. Dignidade da pessoa humana. 2. Orientação sexual, homossexualidade e outras formas de relacionamento humano. 3. Preconceito e discriminação. 3.1. Discriminação baseada na orientação sexual. 4. Regulamentação atual (inexistência de tipo penal). 4.1. Princípio da legalidade ou da reserva legal no direito penal. 4.2. Analogia no direito penal. Conclusão. Referências bibliográficas.

Introdução

Trata-se de estudo cujos objetivos são a escolha e a apresentação de sugestões para a reforma da Parte Especial do Código Penal brasileiro.

Como tema para este estudo foi escolhida a homofobia, prática que tem se tornado cada vez mais frequente no Brasil, mas que se encontra, ainda, sem regulamentação adequada.

Não obstante tenha a jurisprudência se esforçado na tentativa de suprir as falhas legais, tendo em vista o princípio da legalidade, adotado pelo Direito Penal pátrio, faz-se imperativa a regulamentação do instituto como crime, para que sejam propriamente punidos os seus praticantes.

1. Dignidade da pessoa humana

O art. 5o, da Constituição da República assegura a todos em território nacional o tratamento igualitário, sem distinção de qualquer natureza, garantindo os direitos à vida, à igualdade e à liberdade.

Ao interpretar nossa ordem constitucional, os doutrinadores brasileiros dão ainda maior relevância a esse artigo quando levam em consideração o princípio da dignidade da pessoa humana, considerado por alguns o mais precioso valor de nossa ordem constitucional.

Segundo esse princípio, o ser humano seria o centro de todo o sistema jurídico, sendo as normas feitas para sua realização existencial, garantindo um mínimo de direitos fundamentais e a vida com dignidade[1].

Importante aspecto desse princípio é o de que sua adoção torna desnecessária a previsão expressa de todos os direitos a serem tutelados. Nenhum direito seria excluído, ainda que não estivesse expresso. Seria, assim, conforme Gustavo Tepedino, uma cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana[2].

Paulo Bonavides cita o jurista alemão Konrad Hesse ao afirmar que são os direitos fundamentais os institutos que almejam criar e manter os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana[3].

No mesmo sentido, Inocêncio Mártires Coelho recorre aos ensinamentos de Miguel Reale para afirmar[4]:

"(…) pessoa é dizer singularidade, intencionalidade, liberdade, inovação e transcendência, o que é impossível em qualquer concepção transpersonalista, a cuja luz a pessoa perde seus atributos como valor-fonte da experiência ética para ser vista como simples “momento transpessoal” ou peça de um gigantesco mecanismo, que, sob várias denominações pode ocultar sempre o mesmo “monstro frio”: “coletividade”, “espécie”, “nação”, “classe”, “raça”, “ideia”, “espírito universal”, ou “consciência coletiva”.

Como pode ser visto, para que seja efetivada a dignidade humana, valor fundamental de nosso sistema constitucional, e assim, de nosso ordenamento jurídico, deve ser garantido às pessoas por ele regidos, entre outros, o direito à liberdade.

Todavia, a liberdade não pode ser aqui vista como um direito absoluto, e sim como um direito de um indivíduo que convive com outros também possuidores de liberdade. A liberdade deve ser aqui vista como aquela descrita por Rousseau, em Do Contrato Social[5]. Segundo ele, ao por meio do contrato social, o homem perderia sua liberdade natural, ou seja, seu direito limitado apenas por suas forças, mas ganharia a liberdade civil, limitada pela liberdade geral.

Tal liberdade seria interpretada por David Held[6] como obtida por meio da participação na geração e na promulgação da vontade geral, que estabelece igualdade entre os cidadãos na medida em que todos eles podem gozar dos mesmos direitos.

Destarte, dentre os direitos por ela tutelados estaria o direito à livre orientação sexual.

De acordo com as Nações Unidas, apesar a Declaração Universal dos Direitos Humanos e os tratados de direitos humanos não mencionarem explicitamente "orientação sexual" ou "identidade de gênero", eles estabelecem uma obrigação por parte dos Estados de proteger as pessoas contra a discriminação, incluindo a sexual[7].

2. Orientação sexual, homossexualidade e outras formas de relacionamento humano

Para a Associação Americana de Psicologia, a orientação sexual refere-se a um padrão persistente de emoções, atrações românticas, e/ou sexuais para homens, mulheres, ou ambos os sexos. Ela também se refere ao senso de identidade que uma pessoa tem, com base nessas atrações, comportamentos, e forma de participação em uma comunidade de pessoas que compartilham essas atrações[8]. Ou seja,  a orientação sexual de uma pessoa vai depender, também, da forma como ela se identifica diante de certos padrões da sociedade em que vive.

Nesse sentido, a mesma Associação explica[9]:

"Orientação sexual é comumente discutida como se fosse apenas uma característica de um indivíduo, como sexo biológico, identidade de gênero ou idade. Esta perspectiva é incompleta porque a orientação sexual é definida em termos de relações com os outros. (…)

Além de comportamentos sexuais, esses títulos incluem afeto físico não-sexual entre os parceiros, objetivos e valores comuns, apoio mútuo e compromisso permanente. Portanto, a orientação sexual não é apenas uma característica pessoal de um indivíduo. Pelo contrário, a orientação sexual define o grupo de pessoas em que é provável encontrar a satisfação e realização relacionamentos românticos que são um componente essencial da identidade pessoal para muitas pessoas."  (sem grifos no original)

Diante desta noção de orientação sexual, muitas sociedades tendem a rotular as pessoas em três grupos principais: heterossexuais (os considerados normais, homens atraídos por mulheres e vice-versa); homossexuais (aqueles que se sentem atraídos por pessoas do mesmo sexo) e bissexuais (indivíduos que são atraídos por outros de ambos os sexos). E, com esses rótulos tende a vir o preconceito. Ressalte-se, porém, que como explica a Associação Americana de Psicologia, algumas pessoas podem usar diferentes rótulos ou nenhum.

3. Preconceito e discriminação

De acordo com estudos de Psicologia Social, para se compreender o conceito de preconceito, precisa-se entender o conceito de atitude. E esta seria um sistema relativamente estável de organização de experiências e comportamentos relacionados com um objeto ou evento particular. Cada atitude seria composta pelos elementos cognitivo, afetivo e comportamental. O primeiro diz respeito à referência a um objeto. O segundo seria um valor que geraria sentimentos positivos ou negativos, que cominariam em uma atitude do mesmo gênero. E o terceiro, o comportamento ou a predisposição seriam os sentimentos positivos, que levariam à aproximação e os negativos, ao esquivamento. O preconceito, assim como a atitude, teria três componentes: crenças; sentimentos e tendências comportamentais[10].

Já a discriminação pode ter um sentido mais amplo. Não obstante seja o objetivo do art. I, da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Social, a conceituação do ato de discriminação racial, podemos retirar deste o conceito de discriminação:

"1. Nesta Convenção, a expressão "discriminação racial" significará qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anula ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano, (em igualdade de condição), de direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio de sua vida.

2.  Esta Convenção não se aplicará às distinções, exclusões, restrições e preferências feitas por um Estado Parte nesta Convenção entre cidadãos."

Destarte, conclui-se que discriminar significa distinguir, excluir, restringir ou preferir com o objetivo ou o efeito de anular ou restringir ou reconhecimento, o gozo ou o exercício em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais.

3.1. Discriminação baseada na orientação sexual

Estabelecidos os conceitos de discriminação e de orientação sexual, cumpre delimitar o significado de discriminação baseada na orientação sexual, que seria: a distinção, a exclusão, a restrição ou a preferência baseada em orientação sexual, com o objetivo ou o efeito de anular ou restringir ou reconhecimento, o gozo ou o exercício em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais.

A discriminação com base na orientação sexual foi formalmente discutida, pela primeira vez, durante a Conferência Mundial de Beijing (ONU, 1995), pela Delegação da Suécia. O tema foi levado pelo Brasil para a Conferência Regional das Américas (Santiago do Chile, 2000. Criou-se, assim, em 2001, o Conselho Nacional de Combate à Discriminação. Durante a Conferência Mundial de Durban, o Brasil introduziu o tema em plenária, com um diagnóstico sobre a situação nacional e uma lista de propostas, dentre elas a que inclui a discriminação contra a o orientação sexual como forma de agravar o racismo. A segunda versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH II, 2002) contém fala do assunto, com ações a serem adotadas pelo Governo Brasileiro. Em 2003, foi criado um Grupo de Trabalho destinado a elaborar o Programa Brasileiro de Combate à Violência e à Discriminação a Gays, Lésbicas, Travestis, Transgêneros e Bissexuais (GLTB) e de Promoção da Cidadania Homossexual, Brasil sem Homofobia, que tem como objetivo prevenir e reprimir a discriminação com base na orientação sexual, garantindo ao segmento GLTB o pleno exercício de seus direitos humanos fundamentais[11].

O Sistema Judiciário brasileiro tem avançado bastante neste tema. Nessa linha de pensamento, contrária à discriminação em razão da orientação sexual, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a legitimidade das uniões homoafetivas, no RE 477554 AgR / MG – MINAS GERAIS:

"E M E N T A: UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO – ALTA RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA QUESTÃO PERTINENTE ÀS UNIÕES HOMOAFETIVAS – LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR: POSIÇÃO CONSAGRADA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ADPF 132/RJ E ADI 4.277/DF) – O AFETO COMO VALOR JURÍDICO IMPREGNADO DE NATUREZA CONSTITUCIONAL: A VALORIZAÇÃO DESSE NOVO PARADIGMA COMO NÚCLEO CONFORMADOR DO CONCEITO DE FAMÍLIA – O DIREITO À BUSCA DA FELICIDADE, VERDADEIRO POSTULADO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO E EXPRESSÃO DE UMA IDÉIA-FORÇA QUE DERIVA DO PRINCÍPIO DA ESSENCIAL DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – ALGUNS PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DA SUPREMA CORTE AMERICANA SOBRE O DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA FELICIDADE – PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA (2006): DIREITO DE QUALQUER PESSOA DE CONSTITUIR FAMÍLIA, INDEPENDENTEMENTE DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL OU IDENTIDADE DE GÊNERO – DIREITO DO COMPANHEIRO, NA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA, À PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO DA PENSÃO POR MORTE DE SEU PARCEIRO, DESDE QUE OBSERVADOS OS REQUISITOS DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL – O ART. 226, § 3º, DA LEI FUNDAMENTAL CONSTITUI TÍPICA NORMA DE INCLUSÃO – A FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO – A PROTEÇÃO DAS MINORIAS ANALISADA NA PERSPECTIVA DE UMA CONCEPÇÃO MATERIAL DE DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL – O DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO DE IMPEDIR (E, ATÉ MESMO, DE PUNIR) “QUALQUER DISCRIMINAÇÃO ATENTATÓRIA DOS DIREITOS E LIBERDADES FUNDAMENTAIS” (CF, ART. 5º, XLI) – A FORÇA NORMATIVA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E O FORTALECIMENTO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL: ELEMENTOS QUE COMPÕEM O MARCO DOUTRINÁRIO QUE CONFERE SUPORTE TEÓRICO AO NEOCONSTITUCIONALISMO – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. NINGUÉM PODE SER PRIVADO DE SEUS DIREITOS EM RAZÃO DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL. – Ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual. Os homossexuais, por tal razão, têm direito de receber a igual proteção tanto das leis quanto do sistema político-jurídico instituído pela Constituição da República, mostrando-se arbitrário e inaceitável qualquer estatuto que puna, que exclua, que discrimine, que fomente a intolerância, que estimule o desrespeito e que desiguale as pessoas em razão de sua orientação sexual."

4. Regulamentação atual (inexistência de tipo penal)

Embora venha o governo brasileiro, há mais de 10 anos, lutando e criando campanhas contra a homofobia ou qualquer discriminação por orientação sexual, tal prática ainda não foi formalmente tipificada, ou seja, ainda não é considerada crime.

O art. 1o, da Lei 7.716/89, considerava crime os preconceitos de raça ou de cor. Não obstante tenha sido alterado pela Lei 9.459/97, para considerar também como crimes os preconceitos em razão da etnia, religião ou procedência nacional, ainda não prevê a criminalização dos atos de discriminação baseados em orientação sexual.

Como citado anteriormente, mesmo ocorre com a legislação internacional sobre direitos humanos, constata a Organização das Nações Unidas[12]:

"Enquanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas e os tratados de direitos humanos não menciona explicitamente a "orientação sexual" ou "identidade de gênero", eles estabelecem uma obrigação por parte dos Estados de proteger as pessoas contra a discriminação, incluindo com base em "sexo … ou qualquer outra condição. "os tratados da ONU, cujo papel é monitorar e apoiar o acordo dos Estados com as obrigações do tratado, emitiram uma série de decisões ou comments1 geral todos confirmando que tal linguagem é suficientemente ampla para abranger como" orientação sexual ", efetivamente estabelecer a orientação sexual como um terreno proibido de discriminação, em virtude dos tratados de direitos humanos. Essa visão também foi endossada por 17 procedimentos especiais (peritos independentes nomeados pelo Conselho de Direitos Humanos para monitorar e informar sobre várias questões de direitos humanos), bem como pelo Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos e do Secretário-Geral."

Diante do exposto pela ONU, poderia ser questionado: seria possível, no Brasil a interpretação conforme aquela das Nações Unidas para garantir a proteção da igualdade entre todas as pessoas e punir o preconceito em razão da orientação sexual como crime?

Sim e não. A pergunta deve ser dividida em duas partes:

a) poderia o Brasil agir como a ONU e garantir a igualdade entre as pessoas, inclusive quanto à orientação sexual?

b) poderia a Justiça brasileira, com base na proteção das diferentes orientações sexuais punir os praticantes de atos discriminatórios e aplicar-lhes sanção?

A resposta à primeira pergunta é positiva. O Brasil pode e deve garantir a igualdade entre as pessoas, também no que tange o respeito à orientação sexual. E, como dito, já o faz no art. 5o, da CR, e ao proteger a dignidade da pessoa humana como cláusula geral de tutela e proteção da pessoa humana.

Já em relação à segunda pergunta, a resposta deve ser negativa, devendo ser levadas em consideração algumas questões penais.

4.1. Princípio da legalidade ou da reserva legal no direito penal

Em razão da gravidade da sanção que pode ser imposta aos indivíduos pelo direito penal e do princípio da intervenção mínima, convencionou-se que devem ser estabelecidos meios de limitação do poder estatal.

Um desses limites é o princípio da legalidade ou da reserva legal, consagrado por Feuerbach, com a expressão latina nullum crimen, nulla poena sine lege. De acordo com Cezar Roberto Bitencourt, é um imperativo que não admite desvios e nem exceções, segundo o qual a elaboração de normas incriminadoras é função exclusiva da lei. Nenhum fato poderia ser considerado crime sem a existência de uma lei e, assim, nenhuma pena pode ser aplicada[13].

Tal princípio está explícito  no art. 5o, inciso XXXI, da CR: não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

4.2. Analogia no direito penal

Analogia é a aplicação de uma norma a uma hipótese semelhante não prevista por ela. Rogério Greco esclarece que, de acordo com o art. 4o, da Lei de Introdução ao Código Civil, se a lei for omissa, o juiz, como não poderá de deixar de julgar, decidirá o caso, de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito[14].

Todavia, a analogia deve ser vista de forma particular no direito penal, considerando-se o princípio da legalidade ou da reserva legal. É proibido o uso da analogia em direito penal quando prejudicar o réu.

Conclusão

Diante do exposto, podemos concluir que, não estando tipificada como crime, em qualquer norma brasileira, a prática de discriminação baseada em orientação sexual, e impossível a utilização da analogia para prejudicar o réu, desprotegidos estão alguns direitos desses cidadãos, como por exemplo a liberdade, cuja renúncia foi muito bem colocada por Rousseau, em Do Contrato Social, ainda em 1762:

"Renunciar à própria liberdade é o mesmo que renunciar à qualidade de homem, aos direitos da Humanidade, inclusive aos seus deveres. Não há nenhuma compensação possível para quem quer que renuncie a tudo. Tal renúncia é incompatível com a natureza humana, e é arrebatar toda moralidade a suas ações, bem como subtrair toda liberdade à sua vontade."

Por fim, e tendo em vista os princípios da liberdade e da igualdade, e em última análise, o da dignidade da pessoa humana, faz-se imperativa a tipificação da conduta de discriminação ou preconceito baseados em orientação sexual, com cominação de pena proporcional ao delito cometido.

 

Referências
BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal: parte geral, vol. 1. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional.  22. ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil – teoria geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 11. ed. Niterói: Editora Impetus, 2009.
HELD, David. Models of Democracy. Thrid Edition. Standford: Standford University Press, 2006.
http://www.ohchr.org/EN/Issues/Discrimination/Pages/LGBT.aspx. Acesso em 14/11/11.
http://www.apa.org/topics/sexuality/orientation.aspx#. Acesso em 13/11/11.
http://www.apa.org/topics/sexuality/orientation.aspx#. Acesso em 13/11/11.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.
Programa Brasil sem Homofobia, do Ministério da Justiça: http://portal.mj.gov.br/sedh/documentos/004_1_3.pdf. Acesso em 16/11/11.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Tradução: Rolando Roque da Silva. Edição eletrônica: Ed. Ridendo Castigat Mores (www.jahr.org). Versão para e-book: eBooksBrasil.com. Acesso em 13/11/11.
SOUZA, Regina Célia de. Atitude, Preconceito e Estereótipo. Retirado de http://www.brasilescola.com/psicologia/atitude-preconceito-estereotipo.htm. Acesso em 15/11/11.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 48.
Notas:
[1] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil – teoria geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008. p. 98-99.
[2] TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 48.
[3] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 560.
[4] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 172.
[5] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Tradução: Rolando Roque da Silva. Edição eletrônica:
Ed. Ridendo Castigat Mores (www.jahr.org). Versão para e-book: eBooksBrasil.com. Acesso em 13/11/11.
[6] HELD, David. Models of Democracy. Thrid Edition. Standford: Standford University Press, 2006. p. 46.
[7] Retirado do endereço eletrônico: http://www.ohchr.org/EN/Issues/Discrimination/Pages/LGBT.aspx. Acesso em 14/11/11.
[8] Retirado do endereço eletrônico: http://www.apa.org/topics/sexuality/orientation.aspx#. Acesso em 13/11/11.
[9] Retirado do endereço eletrônico: http://www.apa.org/topics/sexuality/orientation.aspx#. Acesso em 13/11/11.
[10] SOUZA, Regina Célia de. Atitude, Preconceito e Estereótipo. Retirado de http://www.brasilescola.com/psicologia/atitude-preconceito-estereotipo.htm. Acesso em 15/11/11.
[11] Retirado do Programa Brasil sem Homofobia, do Ministério da Justiça: http://portal.mj.gov.br/sedh/documentos/004_1_3.pdf. Acesso em 16/11/11,
[12] Retirado
[13] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal: parte geral, vol. 1. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 10.
[14] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 11. ed. Niterói: Editora Impetus, 2009. p. 46

Informações Sobre o Autor

Aline Laia Cardozo

Analista em Direito do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, especialista em Direito Constitucional e Ciências Penais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais


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Equipe Âmbito Jurídico

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