As teorias da ação e a sua classificação tendo em vista a carga de eficácia do provimento pretendido é matéria de apaixonante estudo acadêmico, ainda mais quando não se limita à fronteira tripartida das sentenças – declaratórias, constitutivas e condenatórias – e avança nas articulações de Pontes de Miranda que além de valorar outros dois comandos – o executivo e o mandamental – agregou ao conjunto de eficácias a idéia de coexistência múltipla que pode dar à sentença um ou outro efeito preponderante. Não obstante as divergências e as respeitáveis resistências doutrinárias à classificação quinária, as recentes reformas do nosso diploma processual civil revigoram as discussões.
O comando declaratório da existência ou não de um direito – ainda que presumida no reconhecimento da validade de um documento – é presente em qualquer provimento, mesmo quando se diz que constitui, modifica ou extingue uma relação jurídica; enquanto que o condenatório amplia-se e soluciona a lide impondo – sempre ao vencido – um comando oneroso ou sanção que decorre do direito declarado. É a forma de seu cumprimento, entretanto, com a vênia devida, que revela os outros efeitos: pelo vencido, espontaneamente, sob pena de novo processo que retoma a lide antes qualificada pela pretensão resistida e, depois, pela insatisfeita; pelo vencido sob imediata coerção executiva, no mesmo processo; ou pela conduta de outra autoridade por ordem de caráter estatal (no parâmetro da doutrina alemã) ou a qualquer pessoa (na construção de Pontes de Miranda), também no mesmo processo. Nesta linha de raciocínio, portanto, a eficácia condenatória será simples, executiva e mandamental, sem prejuízo à multiplicidade.
O Código de Processo Civil, no texto de 1973, sustentado pelo então Ministro da Justiça Alfredo Buzaid – que optou por um novo diploma ao invés de remendo naquele de 1939 – além de unificar os ritos de execuções fundadas em títulos judiciais e extrajudiciais procurou, nos passos de Liebman, aclarar a questão da eficácia da sentença que se controvertia no código vigente pelo confronto da regra do art. 196 que dizia esgotar-se a instância com a execução e a dos arts. 917 e 918 que exigiam nova citação na fase executória; assim, preceituou no art. 463 que ao publicar a sentença o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional, e estruturou no Livro II uma nova relação jurídica processual para ser instaurada quando a obrigação não é satisfeita no lapso do trânsito em julgado ou de interposição de recurso sob efeito meramente devolutivo.
A nova codificação generalizando a eficácia condenatória simples deixou a executiva e a mandamental restritas a alguns procedimentos especiais (e aos acautelares) sob a lógica de que as relações jurídicas – que se resolvem em regra pela submissão ao ordenamento jurídico – quando qualificadas pela pretensão resistida se resolveriam pela submissão espontânea das partes ao comando sentencial. Mas, a realidade é que, estabelecida a lide e inviável a conciliação ou a transação, o réu-vencido raramente aceita o veredicto ou a ele submete-se sem nova resistência.
A ansiedade dos jurisdicionados diante da demora da atividade judiciária – reflexo do crescimento populacional, da complexidade das relações jurídicas modernas e da resistência às decisões condenatórias, entre outros fatores – instou juristas e legisladores a promoverem verdadeira alquimia processual, vg, Juizados Especiais, Tribunais Leigos de Conciliação e Arbitragem, e reforma do Código de Processo Civil. Na revisão do diploma processual, entre enfoques como a generalização da antecipação de tutela de direito material e as emendas e remendos do agravo e da liquidação de sentença, as execuções de obrigação de dar, de fazer e de pagar quantia foram modificadas em diversos aspectos e momentos da reforma.
Nas diversas fases da reforma a Lei nº 8.962/94, além de estabelecer mecanismos para execução específica da obrigação de dar – como a pena cominatória que já era aplicável às obrigações comportamentais – aclarou a possibilidade de executar-se o título extrajudicial para entrega de coisa certa; a Lei nº 10.444/02, por seu turno, trouxe ao corpo do Livro I a disciplina da execução das sentenças condenatórias por obrigações de dar e de fazer, deixando ao livro II aquelas fundadas em títulos extrajudiciais, e de ambos os títulos quanto à obrigação por quantia certa; e finalmente, a Lei nº 11.232/05 agregou ao Livro I a execução das obrigações pecuniárias em geral, deixando ao Livro II a execução de alimentos, a execução contra a Fazenda Pública e a execução de títulos extrajudiciais, estes em qualquer modalidade de obrigação. Corrobora com a idéia a circunstância do Capítulo VI, Título I, Livro II que trata Da Liquidação de Sentença ter sido inteiramente revogado pela última lei, passando a matéria a ser regulada no Capítulo IX, Título VIII, do Livro I, com a mesma denominação.
A realização do direito reconhecido em sentença, entretanto, passou a encontrar, dentro do Livro I, tratamento diferenciado conforme verse sobre obrigação de dar, de fazer ou de pagar. A Lei nº 11.232/05, ao inserir no Título VIII o Capítulo X, Do Cumprimento da Sentença (art. 475-I a 475-R), deixou no Capítulo VIII, Da Sentença e da Coisa Julgada, os arts. 461 e 461-A que tratam do cumprimento da sentença de obrigação de fazer e de dar, deixando ao novel e sobre aquele título apenas a execução de pecúnia certa. Diz o art. 475-I: “O cumprimento da sentença far-se-á conforme os arts. 461 e 461-A desta Lei ou, tratando-se de obrigação por quantia certa, por execução, nos termos dos demais artigos deste Capítulo”. O artigo, em que pese a alocação da matéria em capítulos distintos, equipara cumprimento de sentença e execução de sentença, primeiro ao dizer que o cumprimento da obrigação de dar e fazer se fará de acordo com os arts 461 e 461, segundo por referir que a execução por quantia se fará pelo Capítulo X, e terceiro capitulando esta última execução sob o título “Do Cumprimento da Sentença”.
Há que se considerar, ainda, diante da nova estrutura da codificação, que assim como ao processo de execução aplicam-se as disposições do Livro I, haverá que se aplicar ao cumprimento da sentença os preceitos do Livro II, por preceito do art. 475-R, ainda que não houvesse disposição expressa, notadamente aquelas relativas ao depósito, arrematação, pagamento, suspensão e remissão, posto que o procedimento do novo Capítulo X esgota-se com a penhora, avaliação e decisão sobre incidente impugnatório ao cumprimento da sentença.
As modificações introduzidas nos Capítulos VIII, IX e X do Título VIII do Livro I do Código, levaram à revisão dos artigos 269 e 463; no primeiro para substituir o preceito de que “extingue-se o processo com julgamento de mérito” para constar que “haverá resolução de mérito” nos casos previstos nos seus incisos; e no segundo para suprimir a regra de que ao publicar a sentença “de mérito o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional”. O conjunto das alterações, somado à mudança do caput do art. 14 e da respectiva inserção do inciso V e do parágrafo único pela Lei nº 10.358/01, atribuindo não apenas às partes, mas a “todos aqueles que de qualquer forma participam do processo” o dever de “cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final” sob pena de “multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a 20% (vinte por cento) do valor da causa”, realimentam a discussão a cerca da eficácia das sentenças, agora à luz do código reformado (o PLS 132 de 13/5/2004, em trâmite na CCJ, propõe, ainda, a prisão civil por descumprimento de provimento mandamental).
O Código reformado não segue o pragmatismo classificatório das ações – trinária e quinária – mas consagra a multiplicidade de efeitos coexistentes na sentença, independente do pedido, por política de administração da justiça, com o propósito de dar efetividade ao provimento jurisdicional. Assim, faz preponderar às sentenças condenatórias de obrigação de dar e de fazer o caráter mandamental e às de obrigação de pagar o mandamental e o executivo, todas realizáveis na mesma ação (linearmente), independente de quem as satisfaça e sob cominação. E, ainda, a elas nivela, equipara ou assemelha, usando a expressão títulos judiciais – até então reservada à execução autônoma – e atribuindo pelo art. 475-N o procedimento do Capítulo X à sentença penal condenatória, à sentença arbitral e às sentenças homologatórias. Assim se deduz, em que pese o emprego de terminologia como “a sentença estrangeira” (inciso VI), “o formal e a certidão de partilha” (inciso VII) e “o acordo extrajudicial, de qualquer natureza, homologado judicialmente” (inciso V), ao invés de referir-se ao ato jurisdicional que os constitui ou reveste de força executiva com o mesmo efeito da sentença que extingue o processo com julgamento ou resolução de mérito – conforme a antiga ou a nova redação do art. 269, mas sempre produzindo os efeitos de coisa julgada ao negócio jurídico.
O acordo previsto no art. 475-N, inciso V – que não se confunde com a conciliação ou a transação previstas no inciso III – pode receber interpretações diversas, primeiro porque o art. 584 não foi revogado e, segundo, porque o documento a ser homologado já constitui título extrajudicial pelo art. 585, inciso II que conta com nova redação desde a Lei nº 8.953/94 (a menos que lhe falte a intervenção de mais um advogado ou testemunha). Deduz-se, como interpretação, que a nova lei esteja pretendendo contemplar os acordos que os patronos levem aos autos para por fim à lide, mas, se assim fosse, não haveria razão para um inciso específico, mas a simples referência no inciso III, juntamente com a conciliação e a transação, que prevê a homologação, também, sobre matéria não posta em juízo; ou então que o novo inciso V passa a admitir, agora, a invocação do órgão jurisdicional – por Ação Homologatória de Acordo Extrajudicial – com a finalidade única de constituir crédito sujeito às regras do cumprimento de sentença. Mas, a admitir-se esta última interpretação, melhoria seria que tais providências (pena cominatória; penhora e avaliação simplificadas; e defesa direta e regra particular sobre os efeitos desta) fossem estendidas a toda execução do Livro II, pois a homologação do “acordo extrajudicial, de qualquer natureza” implicará, por certo, em dispêndio da atividade judiciária, formação de autos, pagamento de custas e decurso de prazo recursal, embora a consensualidade – ainda que se teste a hipótese de jurisdição voluntária.
Por fim, limitando a extensão desta crônica, considera-se que o processo de conhecimento, agora, passa a efetivar a sentença condenatória de obrigação de dar, de fazer e de pagar – assim como de seus equiparados – como etapa final da mesma ação (processo sincrético), dispensando a instauração da relação jurídica processual executiva (processo autônomo), ainda que para exija o requerimento executivo e assegure nova resistência mediante incidente impugnatório nos mesmos autos. E, com igual relevância, que em sentido prático a reforma pode ser resumida, sob o aspecto procedimental, na idéia de que a execução é que se desenvolverá em sentido amplo, como fase da ação cognitiva; ou em sentido estrito, mediante a instauração de nova relação jurídica processual. No primeiro caso, como regra para a execução de sentenças de obrigações de dar, fazer e pagar e não mais apenas para os procedimentos especiais do código ou de legislação extravagante; e no segundo, como procedimento especial para aquelas fundadas em sentenças de obrigações alimentares ou de dívidas da Fazenda Pública, assim como em títulos extrajudiciais de qualquer natureza.
Advogado – OAB/RS nº 7.497; Professor de Direito Processual Civil da Fundação Universidade Federal de Rio Grande; Doutor em Direito Processual pela Universidad de Buenos Aires.
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