Registro histórico: tratamento conferido à recusa da submissão ao exame do bafômetro antes da edição da lei seca e suas alterações posteriores

Resumo: Este estudo faz uma abordagem do tratamento que era dado ao infrator das leis de trânsito antes da edição da Lei Seca no trânsito brasileiro, mormente no que faz menção à recusa na submissão ao exame do etilômetro.

Palavras-Chave: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. BAFÔMETRO. RECUSA. FÉ PÚBLICA.

Abstract: This study is an approach to treatment that was given to the violator of traffic laws before the enactment of Prohibition in the Brazilian traffic, especially when it mentions the refusal to submit to the breathalyzer test.

Keywords: CONSTITUTIONAL. ADMINISTRACTIVE LAW. BREATHALYZER TEST. TRAFFIC LAWS.

Sumário: Introdução. 1. Amparo legal para o teste de alcoolemia. 2. Legitimação da recusa na realização do teste pelo suspeito. 3. Da fé de ofício depositada na autoridade de trânsito. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

Tem sido controversa a questão da obrigatoriedade da realização do teste de alcoolemia pelo suspeito de infringir o art. 165 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Os cidadãos, de forma equivocada, acreditam que se negando a realizar tal procedimento estarão livres das penalidades advindas de tal conduta. Por outro lado alguns juristas entendem que esta seria a melhor postura, haja vista em seus estudos cingirem-se em afirmar que o administrado não é obrigado a realizar o exame sob o amparo dos Direitos e Garantias Individuais dispostos na Carta Magna de 1988, em seu art. 5º., sem abordarem a temática das conseqüências da negativa do procedimento.

É essa dualidade que pretendemos esclarecer com este simples ensejo científico. Com o escopo de evitar que este assunto seja motivo de querelas e que o assunto mal esplanado sirva de encorajamento para alguns desavisados, vem-se aqui para expor quais as atitudes que podem ser tomadas pelos cidadãos e porventura a conseqüência de cada uma delas em um possível processo litigioso entre esses e o Estado.

1 – AMPARO LEGAL PARA O TESTE DE ALCOOLEMIA.

Uma conduta que não tenha eficácia e que não seja legitimada através de uma norma é o mesmo que uma partitura que não gere uma música, ou seja, não tem finalidade de existir, esse era o pensamento do nobre jurista alemão Freich Hiltersfohr em um breve ensaio a respeito da força do espírito da lei. Assim sendo, amparado pelo princípio da legalidade estrita, temos que se não fosse previsto em lei o uso do etilômetro seria inconstitucional e conseqüentemente proibido em nosso País.

Contudo é de fácil constatação que o CTB bem regula o uso deste tipo de aparato tecnológico, assim sendo em seus artigos 269, IX, 276 e 277, expõe ipissis litteris:

“Art. 269. A autoridade de trânsito ou seus agentes, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá adotar as seguintes medidas administrativas:

IX – realização de teste de dosagem de alcoolemia ou perícia de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica;

Art. 276. A concentração de seis decigramas de álcool por litro de sangue comprova que o condutor se acha impedido de dirigir veículo automotor.

Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de haver excedido os limites previstos no artigo anterior, será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia, ou outro exame que por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.”

É de se notar que com as determinações aferidas no conteúdo dos artigos in verbis transcritos o procedimento de realização do teste de alcoolemia em um suspeito de conduzir veículo sob os efeitos do álcool ou substância análoga, está legitimada e encontra respaldo na legislação para que seja utilizada, inclusive na resolução 81/98 do CONTRAN que trata especificamente sobre o uso do etilômetro nos casos em que haja constatação de embriaguez.

Muito se questiona a despeito da constitucionalidade do artigo 277 do CTB. Para desmistificar a pretensa necessidade de se realizar uma ação declaratória de inconstitucionalidade, é de bom alvitre relatar que no caso em comento é necessário que se use da técnica de hermenêutica constitucional denominada de Interpretação Conforme a Constituição. De acordo com este ditame as leis editadas pelo poder público tem presunção de constitucionalidade e com o vetor de que a Constituição é Norma Suprema dá-se ao operador do direito a possibilidade de que ele interprete tal norma em conformidade com as normas constitucionais evitando a sua inconstitucionalidade e conseqüente retirada do ordenamento jurídico, já que isto sobrecarregaria o judiciário e retiraria uma lei que poderia ser eficaz, sendo despendida nova edição para que fosse suprida a lei extirpada do ordenamento.

A obrigatoriedade de que o texto do art. 277 do CTB trata é a determinação de a Autoridade de Trânsito realizar o exame e não a imposição de o condutor se submeter ao teste. Caso esta obrigatoriedade fosse imposta ao suspeito o tipo seria inconstitucional, já que desrespeitaria os Direitos e Garantias legitimados pela CF. Aqui deve-se ter em mente ao se examinar e aplicar o disposto no artigo 277 que esta compulsoriedade é uma garantia dada ao suspeito de que ele não será acusado sem provas, dependendo exclusivamente do livre arbítrio do administrador. Não obstante deve o bafômetro ser utilizado como instrumento de defesa e não de acusação, já que o princípio da inocência presumida assim faz o suspeito, mesmo antes da realização do teste do bafômetro que der positivo.

Destarte, não é cabida a alegação de que o teste de bafômetro não tem legitimidade para que seja utilizado pela Autoridade de Trânsito para atestar a embriaguez ou não do condutor suspeito.

2 – LEGITIMAÇÃO DA RECUSA NA REALIZAÇÃO DO TESTE  PELO SUSPEITO.

Não se pretende defender a obrigatoriedade da realização do teste de alcoolemia no suspeito abordado pelo agente de trânsito. Se aspira sim esclarecer o que cada posição tomada pelo suspeito pode acarretar nos moldes do ordenamento jurídico atual.

Indubitável que a nossa Legislação Mestra preza pelos Direitos e Garantias Individuais, tendo até os elevado à categoria de Cláusulas Pétreas, seria uma afronta a esta estima se a posição destes escritos fossem contra quaisquer dos preceitos constitucionais, já que estes são inatingíveis. Em seu art. 5º, incisos LIV e LVI a CF tutela a liberdade individual que seria quebrada caso o suspeito fosse obrigado a realizar tal procedimento, senão vejamos:

“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”

Consoante nos ensina o Mestre da Universidade Mackenzie, Alexandre de Morais, “por ampla defesa, entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer ao processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário.” Destarte ao se negar a realizar o teste de bafômetro o suspeito está tão somente resguardando o seu direito à ampla defesa e está constitucionalmente amparado, sendo sua conduta lícita e aceitável.

Da negativa do suspeito pode surgir uma indagação: E se ele for obrigado a submeter-se ao exame de forma coerciva pelos agentes administrativos? Aqui apega-se ao inciso LVI do artigo ante citado na nossa Constituição Federal que diz que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. Se o acusado provar que foi realmente coagido a produzir tal prova e que não foi de sua livre e espontânea vontade que realizou o exame, a mesma automaticamente será declarada como ilícita e será inexistente nos autos do processo, não podendo mais ela servir como base para a aplicação de qualquer tipo de penalidade, seja ela administrativa ou penal.

É indiscutível que se o suspeito recusar-se a realizar o teste a Autoridade de Trânsito não ficará de mãos atadas e o suspeito simplesmente será penalizado, contrariando o que muitos pretendem transparecer.

3 – DA FÉ DE OFÍCIO DEPOSITADA NA AUTORIDADE DE TRÂNSITO.

Seria injusto e até ilógico que se o suspeito negar a submeter-se ao procedimento de exame pelo etilômetro, se visse livre da acusação e conseqüente penalidade que pesariam contra ele. Se assim fosse não existiria razão para que o etilômetro existisse, já que não teria uma finalidade útil e prática.

Aqui a administração faz uso de uma de suas prerrogativas mais especiais que é a  Fé de Ofício. Segundo esse vetor as condutas realizadas pelo agente administrativo foram tomadas em observância aos preceitos legais e às normas vigentes, dando aos seus atos presunção de veracidade, podendo ser desconsiderado o que foi por ele afirmado somente por provas contundentes em contrário.

O princípio da moralidade administrativa também ampara o agente autuador já que este princípio, segundo Helly Lopes “constitui, hoje em dia, pressuposto de validade de todo ato da Administração Pública”. A moralidade pública não se confunde com a moral comum, ela quer dizer que a administração deve fazer o que é certo, não tem a faculdade de se omitir, não pode ir de encontro a sua moral, deve se pronunciar mesmo que isto não seja proveitoso para ela, e sendo assim o agente administrativo não poderia autuar o suspeito sem ter realmente esta conjetura.

Assim sendo, na impossibilidade de o agente realizar o exame de bafômetro, por recusa do suspeito, deve ele autuar o acusado, sendo considerada como prova da autuação sua fé pública e a sua moral, que neste momento passa a ser a da administração. Para que o acusado se livre das acusações que pesam contra ele deverá, através de provas, convencer o julgador de que não realizou a conduta infrativa, o que seria dispêndio de tempo para o acusado inocente, já que o principal interessado em demonstrar a sua inculpabilidade é o próprio injustiçado.

CONCLUSÃO

Depois de expostas as idéias e possibilidades que o administrado pode escolher ao ser suspeito de estar dirigindo sob a influência de álcool entendemos que ele tem o direito de negar-se a realizar o teste de bafômetro, contudo, neste caso, ele terá que arcar com as conseqüências de o agente de trânsito ter usado de sua prerrogativa de fé de ofício. Caso realize o bafômetro coagido a prova será ilícita e não servirá como base para aplicação de qualquer tipo de penalidade. Em se realizando o teste de bafômetro com resultado negativo este servirá como prova de sua inocência, ficando impossibilitada à imputação de penalidades ao condutor.

Como o art. 165 do CTB trata de punir condutores que dirijam sob o efeito de álcool, procura-se tutelar não só a integridade física do condutor mas também a dos outros administrados que podem vir a sofrer danos por causa da irresponsabilidade de alguns. Como a vida é um bem indisponível e é este o bem precípuo tutelado pelo Código de Trânsito, a Administração não pode facultar em coibir a embriaguez ao volante. Ela tem a obrigação de combater os infratores para que possa zelar pela incolumidade física de seus tutelados.

Nesse diapasão, não pode o teste de alcoolemia ser encarado como um ponto negativo, deve sim ser considerado como um avanço legislativo que tem como finalidade maior proteger os administrados.

 

Referências
CRETELLA, José Júnior. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro. Editora Forense. 1992.
LAZZARI, Carlos Flores & WITTER, Ilton Roberto da Rosa. Nova Coletânea de Legislação de Trânsito. Porto Alegre. Editora Sagra Luzzatto. 1999.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo. Malheiros Editores. 2001.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo. Editora Atlas S/A. 2001.

Informações Sobre o Autor

Fábio Gustavo Alves de Sá

Membro da Advocacia-geral da União. Procurador Federal. Atualmente exerce o cargo de procurador regional na procuradoria federal junto à ANTAQ


Equipe Âmbito Jurídico

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