A Lei 11.672/08, a viger a partir de 8 de agosto próximo, acresceu o art. 543-C ao Código de Processo Civil dispondo sobre a reunião e sobrestamento de recursos especiais na origem, quando conexos em relação à matéria, subindo ao STJ apenas um ou alguns representativos da controvérsia que ensejarão julgamento com efeito vinculante ou parâmetro ao julgamento dos sobrestados. Vejam-se os efeitos que o acórdão paradigmal produzirá nos recursos sobrestados, segundo o disposto no § 7º:
“I – terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou
II – serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça.”
Portanto, em verdade, os recursos especiais e os acórdãos que os ensejaram serão revistos no próprio tribunal em que foram retidos: os recursos que atacaram acórdão proferido na linha agora reconhecida no acórdão paradigmal terão seguimento denegado por falta superveniente de interesse de agir (inciso I); os acórdãos que estavam em linha diversa daquela agora firmada pelo STJ serão revistos na origem (inciso II), em juízo de retratação, com a expectativa de camaleonicamente serem ajustados àquela orientação vinculativa, gerando acórdãos retratativos, embora e felizmente, sem impedir que o juízo de origem mantenha-os, circunstância que passa a qualificá-los pela divergência.
Os recursos especiais repetitivos divergentes subirão ao STJ, mas, ficarão sujeitos ao exame de admissibilidade, segundo preceito do § 8o do art. 543-C no sentido de que na hipótese do inciso II § 7º, “mantida a decisão divergente pelo tribunal de origem, far-se-á o exame de admissibilidade do recurso especial”. É claro que este exame não será o mesmo a que está sujeito qualquer recurso, e que ele visará, também, verificar se a matéria recursal é conexa àquela da controvérsia julgada no acórdão paradigmal. Nesta hipótese estará impedido o seguimento do recurso, mas se em algum aspecto a matéria não for a mesma, por certo terá ensejado agravo de instrumento quando do sobrestamento (embora o § 3º do art. 1º possa lhe ferir a recorribilidade), ou de declaração quando da publicação do acórdão paradigmal.
O encargo legislativo de instrumentalizar os procedimentos relativos ao processamento e julgamento dos recursos especiais enquadrados no conceito de repetitivos é do Superior Tribunal de Justiça e dos tribunais de segunda instância no âmbito de suas competências, como prevê um dos parágrafos do art. 543-C do Código de Processo Civil:
“§ 9o O Superior Tribunal de Justiça e os tribunais de segunda instância regulamentarão, no âmbito de suas competências, os procedimentos relativos ao processamento e julgamento do recurso especial nos casos previstos neste artigo.”
Nos comentários anteriores sobre o projeto da lei e sobre ela argumentou-se que além da possibilidade prevista no § 3º do art. 543-C autorizando o relator a solicitar informações aos tribunais federais ou estaduais a respeito da controvérsia, o § 4º autorizava-o, considerando a relevância da matéria, a admitir a manifestação de terceiros interessados na controvérsia, conforme dispusesse o Regimento Interno do Tribunal; e apontou-se que poderia ensejar tumulto à instrução e afetar a pretendida celeridade da tutela recursal se o Regimento não fosse de pronto e convenientemente adequado à hipótese.
A presidência do STJ, ontem, dia 17, invocando o art. 21, XX do Regimento Interno, ad referendum do Conselho de Administração, publicou no Diário Oficial Eletrônico do órgão a Resolução 7, de 14 de julho de 2008, estabelecendo os procedimentos relativos ao processamento e julgamento dos recursos especiais repetitivos, disposto em quatorze artigos. A situação é peculiar, pois a Lei nº 11.672/08 atribuiu regulamentação ao Regimento do STJ, enquanto ela é editada para viger sujeita ao referendo do Conselho de Administração.
O art. 1º da Resolução trás a salutar providência de fixar o prazo de 180 dias para o sobrestamento dos recursos especiais, e isto, ao que se deduz, autoriza a hipótese de que os recursos especiais repetitivos pilotos devam ser julgados neste prazo, e que em contrapartida os interessados exijam a subida dos sobrestados para julgamento independente se aquele prazo não for observado. Situação igual decorre quando o recurso afetado não é julgado pelo STJ no prazo de 60 dias, em homenagem à celeridade prevista na Constituição Federal, como prevê o art. 6º:
“Art. 6º O julgamento do recurso especial afetado deverá se encerrar no prazo de 60 (sessenta) dias, contados da afetação, nos termos do inciso LXXVIII do artigo 5º, da Constituição Federal.”
“Parágrafo único. Não se encerrando o julgamento no prazo indicado, os Presidentes dos Tribunais de segundo grau de jurisdição poderão autorizar o prosseguimento dos recursos especiais suspensos, remetendo ao Superior Tribunal de Justiça os que sejam admissíveis.”
No mesmo art. 1º percebe-se que a Resolução extrapola a atribuição regulatória ao dispor que havendo multiplicidade de recursos especiais com fundamento em idêntica questão de direito, “tanto na jurisdição cível quanto na criminal”, o presidente do tribunal admitirá um ou mais recursos representativos da controvérsia. No entanto, o recurso em questão é instrumento do sistema processual civil. Veja-se o texto disponibilizado nesta data:
“Art. 1º Nos Tribunais Regionais Federais e nos Tribunais de Justiça, havendo multiplicidade de recursos especiais com fundamento em idêntica questão de direito, tanto na jurisdição cível quanto na criminal, caberá ao presidente, admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, suspendendo por 180 dias a tramitação dos demais.”
O equívoco presume-se decorra de simples erro material pelo hábito de conjugar as espécies de jurisdições; ou de indução pelo fato da Lei 11.672/08 ter feito referência ao réu preso e ao habeas corpus, ao ditar o § 6º do art. 543-C, disciplinando a preferência de pauta ao recurso especial repetitivo. Verifique-se:
“§ 6o Transcorrido o prazo para o Ministério Público e remetida cópia do relatório aos demais Ministros, o processo será incluído em pauta na seção ou na Corte Especial, devendo ser julgado com preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.”
A Resolução, sob outro aspecto, embora se reconheça o propósito de dar utilidade à atividade jurisdicional – diante do caráter vinculante que pretende consolidar aos acórdãos paradigmais – avança na atribuição regulatória que a Lei 11.672/08 deu ao Regimento do STJ. O art. 4º da Resolução prevê que os presidentes dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça podem, “em decisão irrecorrível, estender a suspensão aos demais recursos, julgados ou não, mesmo antes da distribuição” (§ 3º); e que “esta alcançará os processos em andamento no primeiro grau de jurisdição que apresentem igual matéria controvertida, independentemente da fase processual em que se encontrem” (§ 4º), em flagrante inconstitucionalidade.
Por outro lado, em conseqüência do que regulamenta aquele dispositivo, coube ao art. 12 sacramentar o caráter sumular vinculante que a Resolução pretende estender ao acórdão paradigmal lavrado no recurso piloto, limitando a função jurisdicional de primeiro grau, em questionável constitucionalidade. Veja-se o texto:
“Art. 12 Os processos suspensos em primeiro grau de jurisdição serão decididos de acordo com a orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, incidindo, quando cabível, o disposto nos artigos 285-A e 518, § 1º, do Código de Processo Civil.”
No art. 13, em eufemismo jurídico, a Resolução culmina por estabelecer censura à conduta e livre convicção de relator, em tribunal de segundo grau. Interprete-se:
“Art. 13 Será considerada juridicamente inexistente manifestação prévia do relator, no tribunal de segundo grau de jurisdição, a respeito da manutenção do acórdão recorrido desafiado por recurso especial sujeito ao procedimento estabelecido na Lei n.11.672/2008 e nesta Resolução.”
A Resolução, por certo, provocará alvoroço no meio jurídico, nos aspectos ora analisados e em outros que se voltará a analisar, e mesmo que venha a ser referendada pelo Conselho de Administração do STJ, não estará imune ao enfrentamento de sua regularidade e constitucionalidade.
Advogado – OAB/RS nº 7.497; Professor de Direito Processual Civil da Fundação Universidade Federal de Rio Grande; Doutor em Direito Processual pela Universidad de Buenos Aires.
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