Resumo: O presente trabalho monográfico tem por finalidade a realização de uma análise objetiva e analítica da ampliação da competência material da justiça do Trabalho frente à Emenda Constitucional n° 45. Analisa de forma concisa a origem do direito do trabalho, a história das relações trabalhistas e o avanço das mesmas no decorrer do tempo, e, por conseguinte a luta pela tutela jurídica dessas relações. Tutela esta, que tem por cunho dar a lide o tratamento jurídico adequado, através de uma justiça identificada com as dificuldades inerentes ao mundo do trabalho. Relaciona as discussões das lides trabalhistas aos Princípios norteadores do direito material e processual do trabalho, descrevendo o caráter protecionista da norma de forma a equalizar os interesses das partes. O sentido primordial é ressaltar o enquadramento na nova ordem constitucional das questões litigiosas que decorram das relações de trabalho sentido genérico. Deixa a justiça trabalhista de cuidar apenas das relações de emprego, para então, dar tratamento adequado aqueles conflitos que estavam sem o respaldo de uma justiça especializada, que esteja imbuída e identificada com as suas causas. Tal mudança se fazia necessária de forma a manter a função principal da Justiça do Trabalho, que é a da promoção das igualdades sociais com o fim único de propiciar a manutenção da dignidade da pessoa humana. Nesta ótica, também, se mostra a importância de existir uma justiça especializada para tratar de questões que são de grande importância para o desenvolvimento social e econômico nacional.
Palavras-chave: Justiça Trabalhista. Relações de Trabalho. Manutenção da Dignidade Humana.
Sumário: Introdução. 1. Aspectos gerais do direito do trabalho. 1.1. Direito do Trabalho: uma análise conceitual. 1.2. Da Justiça do Trabalho como Justiça Especializada. 1.3. Princípios específicos do Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. 2. Jurisdição e Competência. 3. A discussão do papel da justiça do trabalho no projeto da emenda 45 e as principais inovações. 3.1. A Justiça Trabalhista no projeto da Emenda n° 45. 3.2. Principais Mudanças decorrentes da Emenda Constitucional n° 45. 4. A Nova Competência da Justiça do Trabalho após a Emenda Constitucional N° 45. 4.1. A relação de trabalho no novo contexto. 4.2. As subdivisões da Nova Competência da Justiça Trabalhista. 4.2.1. Ações oriundas das Relações de Trabalho. 4.2.2. Ações que envolvam o exercício do direito de greve. 4.2.3. Ações sobre representação sindical. 4.2.4. Habeas Corpus, Habeas Data e Mandado de Segurança. 4.2.5. Ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho. 4.2.6. Dissídios Coletivos. Conclusão. Referências
INTRODUÇÃO
O presente trabalho monográfico tem por objetivo abordar de forma analítica, a competência da Justiça do Trabalho, em especial a inclusão das relações de trabalho no âmbito das ações que se processam diante da Justiça Trabalhista. Analisando o sentido da mudança na competência desta Justiça de forma a garantir o equilíbrio nas relações trabalhistas. O trabalho terá como base a pesquisa bibliográfica e a jurisprudência acerca do assunto, usando como base a fonte doutrinária, os argumentos e entendimentos dos autores diante do tema.
No primeiro capítulo, com o intuito de dar ao trabalho acadêmico um embasamento das questões que serão desenvolvidas a seguir, tem-se uma análise conceitual do que seja o Direito do Trabalho, perpassando-se pelos conceitos do que seja propriamente o trabalho humano. Mostra a origem da Justiça Trabalhista e os motivos que fazem com que a mesma exista, bem como do porque ela ganhou força nessa alteração que decorreu no Sistema Judiciário Nacional. E, por fim há a análise de forma concisa dos Princípios que norteiam o ordenamento jurídico no que diz respeito às relações trabalhistas.
No segundo capítulo, há os conceitos do que significa a figura da jurisdição e da competência para o mundo jurídico. Buscando a origem das mesmas na formação do Estado Democrático de Direito, indo do fim da auto-tutela ao que se tem hoje como estado constituído e capacitado com o poder dever de dizer o direito. Um estado que tem por fim maior se harmonizar para a manutenção dos direitos, quais se entendem por essenciais para a sociedade, os fundamentais, a fim de que estes estejam devidamente protegidos e garantidos pelas instituições jurídicas estabelecidas, com a devida segurança jurisdicional.
O terceiro capítulo foi incluído como forma de fazer uma ligação entre os primeiros, que são na essência conceituais, e o último. Mostra o papel desempenhado pela Justiça do Trabalho ao longo dos tempos, e de como sua importância se fez notória no projeto da Emenda Constitucional, o qual culminaria posteriormente numa alteração significativa do sistema judiciário nacional. Indicando a vitória conquistada pela Justiça trabalhista nessa nova ordem constitucional, resultando numa ampliação de forma significativa da sua competência, para que continuasse desenvolvendo de forma substancial seu papel de manutenção da dignidade da pessoa humana.
Dessa forma, por último se chega ao que ficou como sendo a competência material da Justiça Trabalhista, analisando-a de forma prática, com os devidos ramos que se subdivide esse microssistema, com suas respectivas lides e entendimentos específicos, típicos de uma Justiça que tem por escopo a promoção da igualdade. Igualdade entre pessoas que, via de regra, possuem interesses tão antagônicos. Necessidades de que essas relações sejam estáveis, fazendo com que haja um tratamento, com regras de direito público capazes de harmonizar os conflitos resultantes desses interesses.
1. ASPECTOS GERAIS DA JUSTIÇA DO TRABALHO
Analisando-se, através deste trabalho acadêmico, as mudanças decorrentes da Emenda Constitucional de número 45 no que diga respeito ao tema da ampliação da competência material da justiça do trabalho, iniciam-se os estudos com este capítulo que tem por cunho dar uma noção geral da origem e da história das relações trabalhistas. Conceituando o Direito do Trabalho e situando a origem dessas relações, analisando os motivos de existir uma justiça na forma especializada para tratar dessas questões; bem como fazendo uma breve análise dos institutos principiológicos, que por sua vez dão o norte das normas trabalhistas, e que, por conseguinte são a base para o tratamento especializado nos julgamentos das lides decorrentes das relações trabalhistas.
1.1. Direito do Trabalho: uma análise conceitual
Ao se estudar o Direito, mesmo que seja apenas uma pequena parcela dele, analisando-se o conteúdo normativo ao qual estamos submetidos, direitos e garantias legais, sejam elas, constitucionais ou infraconstitucionais, normas essas que tenham total interferência nas regulamentações e discussões das relações cotidianas, devemos como em todo o Direito recordar a sua gênese, a sua formação originária. Esse estudo deve perpassar pelo desenvolvimento do problema no transcorrer do tempo, visto ser a lei e principalmente, podemos assim falar com propriedade das leis trabalhistas, derivadas de necessidades sociais que surgiram e que, necessitaram da intervenção estatal a fim de que essas desarmonias se desfaçam, ficando sobre o controle adequado, com o intuito de que tenhamos a estabilidade social necessária à que precisamos enquanto sociedade organizada.
Sem esse estudo dinâmico através da história, passando pela origem e formação dos problemas que derivaram nas atuais regras legais, e assim se entender como chegou a este momento jurídico, visto que precisamos pensar o direito como ciência, estabelecendo suas causas e por fim ao resultado decorrente delas, impossível seria a compreensão temporal desse desencadeamento jurídico. Podemos dizer que o Direito tem uma realidade histórica cultural, na qual a necessidade social é a principal desencadeadora de projetos de leis e de normas, que por fim passam a regular as relações sociais quais estamos diariamente submetidos.
E, falando do Direito do Trabalho em específico a história nos remete a época da chamada Revolução Industrial, a qual se dá posteriormente a extinção progressiva das relações servis. Até este momento, apenas escravos e servos eram submetidos ao trabalho, sendo totalmente submissos aos tomadores de serviços. Nesse período não há como sequer se falar em subordinação, visto que esta encarada sob os moldes atuais pressupõe a existência de uma liberdade da pessoa do trabalhador, e também não há como se falar em uma relação empregatícia, visto que ela pressupõe a existência da subordinação como um de seus elementos formadores.
Com o advento da Revolução Industrial o servo, que antes fora expulso de seu feudo, é reintroduzido ao sistema produtivo, surgindo assim uma relação de produção nova, mesmo que ainda rudimentar capaz de separar os meios de produção e o seu titular. Surge então neste momento a figura da subordinação, fazendo com que aliado a outros elementos surgisse então uma relação empregatícia, mesmo que ainda arcaica, em prol dessa produção que surgia de forma acelerada.
Porém, nesta época ainda as relações de trabalho eram precárias e não se afastavam muito das condições de outrora de servidão e escravidão. Portanto, apesar de serem do ponto de vista jurídico da época, livres, estes trabalhadores estavam obrigados a desempenhar longas jornadas de trabalho e se sustentar com salários medíocres.
O crescimento da industrialização na Europa, aliado com o crescimento populacional, fez com que a grande maioria dos habitantes fosse formada por empregados, que passaram então a constituir a principal categoria socioeconômica das nações.
Nesse período já existiam institutos jurídicos civis e comerciais com cláusulas estabelecidas. Entretanto, com o advento do capitalismo e a explosão das relações decorrentes dele, evidenciou-se que tais institutos quando se referiam a grande massa trabalhadora não eram suficientes para fazer justiça aos contratos estabelecidos. As regras protetivas que existiam eram insuficientes para que pudesse amparar de forma adequada aqueles indivíduos, quais possuíam apenas a força de trabalho como forma de obter seu sustento, aliando essa força conforme o valor de mercado existente, ficando a mercê da boa vontade de seus empregadores para usufruírem de certa dignidade laboral.
Essa desproporção existente entre o tomador dos serviços e o prestador desses serviços, fazendo com que tais institutos não fossem o bastante suficiente para equilibrar a relação, fez com que surgisse uma modalidade jurídica própria separada do direito civil. E, foi com a busca de promover essa consciência da necessidade de garantia de normas públicas e imperativas que empregados europeus, especialmente os ingleses, se uniram para promover manifestações sociais que tinham como escopo legalizar direitos básicos de trabalhadores, conseguindo em meados do século XIX fazer com que suas reivindicações ecoassem pelo mundo todo.
Ao tratar da evolução do direito do trabalho Pedro Fauth Miranda em seu artigo Relação de Trabalho e Consumo, relembra as palavras de Maurício Godinho Delgado, o qual nos trás a idéia de quatro fases históricas evolutivas desse Direito, a saber:
“a) Fase das Manifestações Incipientes ou Esparsas (1802-1848): caracteriza-se pela formação do Direito do Trabalho, com a adoção de medidas reguladoras do trabalho. Tem no Peel´s Act, diploma legal inglês que proibia trabalho noturno de menores e fixava em 12 horas sua duração máxima, seu marco inicial. A desigualdade entre as partes da relação de trabalho era tão visível que Antônio Lamarca ironiza: “nessa primeira fase, o trabalhador dispunha do direito líquido e certo de morrer de fome…[Antonio Lamarca. Curso Normativo de Direito do Trabalho. 2 ed. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 1993. P22]. Em 1824, também na Inglaterra, se reconhece o direito de associação, nascendo o Direito Coletivo do Trabalho.
b) Fase da Sistematização e Consolidação (1848-1919): aqui ocorre a intensificação do Direito Trabalhista com a publicação do Manifesto Comunista e a Revolução Francesa, ambos de 1848. Nasce uma consciência de classe e na França são reconhecidos os direitos de associação e greve, enquanto que a jornada é fixada em 10 horas. Na Inglaterra, delimitação viria a ocorrer em 1849. Em 1890, ocorre a Conferência de Berlim, que perfilha vários direitos trabalhistas. Em 1891, o Papa Leão XIII publica a Rerum Novarum, chamado a Humanidade para a necessidade de resolução de problemas sociais, inclusive trabalhistas. O Princípio Protetivo do Trabalho já começa a ser moldado em face da hipossuficiência do trabalhador perante o tomador de seus seviços (tópico 4.2 4.6.).
c) Fase da Instucionalização (1919-1979/1980): se dá a constitucionalização do Direito do Trabalho com a Constituição de Weimar e a criação da Organização Internacional do Trabalho – OIT, ambos acontecimentos de 1919. As Constituições mexicana e alemã (década de 1910), francesa e italiana (década de 40), bem como as portuguesa e espanhola (década de 70) também são elementos importantes, por terem em seu bojo princípios valorizadores do trabalho e do empregado como ser humano digno. Com elas, passa-se à universalização das ideologias trabalhistas, chegando inclusive ao Brasil. Em 09 de agosto de 1943 é publicado p Decreto-lei 5.452, de 1° de maio, documento da consolidação das Leis do Trabalho, por Getulio Vargas.
d) Fase da Crise e Transição (1979/1980 – atualmente): as vitórias políticas de Margaret Thatcher, na Inglaterra, em 1979 e Ronaldo Regan, nos Estados Unidos da América, 1980, iniciam esta fase, como tentativas de desregulamentação do Estado do Bem-Estar Social e, consequentemente, do Direito do Trabalho.” (PEDRO MIRANDA, 2009 apud MAURICIO DELGADO, 2007, p. 94-99)
Aliado a todas essas lutas houve a crescente globalização e a revolução tecnológica que surgiram no século XX, o que culminou num natural aumento do consumo, em praticamente todo o mundo. Tais fatos trouxeram ao Direito do Trabalho inúmeras conseqüências, pois com essas novas situações sociais vieram novas formas de trabalho, excluíram e trouxeram novos elementos formadores das relações empregatícias.
Dessa forma, o estado foi aos poucos criando normas públicas capazes de garantir a proteção mínima necessária aos trabalhadores sem, contudo, fazer com que tais proteções engessem demais essas relações de forma que prejudique o desenrolar desenvolvimento das economias nacionais.
1.2. Da Justiça do Trabalho como Justiça Especializada.
Com a intensificação da diversificação das relações trabalhistas que surgiram no final do século XIX surge então a necessidade de se ter um Direito novo no que se refere à abordagem jurídica das relações trabalhistas, um direito na forma de justiça especializada que teria como escopo o de garantir a efetiva proteção jurídica dos trabalhadores pensando o Processo do Trabalho de um ângulo diferente do que o do Direito Civil. E, é com esse intuito que surge então a Justiça do Trabalho, com uma visão diferente da individualística liberal do Direito Civil, justamente para tutelar esses direitos que passaram a surgir através de leis esparsas, e aos poucos foram sendo incorporados aos textos constitucionais.
E, em virtude dessa especificidade das leis que tratam dessas relações, com peculiaridades tão distintas, é que o estado se sentiu na obrigação de trazer ao Poder Judiciário um ramo que tenha também um caráter especifico para atender de forma mais justa e adequada essas novas relações que começam em ritmo acelerado a fazer parte de toda sociedade moderna.
No Brasil, a primeira previsão de uma Justiça do Trabalho na Carta Constitucional surgiu na Constituição de 1934 e, seguindo o mesmo caminho, por conseguinte a Constituição de 1937 também trouxe tal previsão. Mas, é necessário falar que essa Justiça não possuía a autonomia necessária, o que apenas veio a acontecer a partir da Lei 1.237/39. Porém, ainda continuava sem ter o caráter de órgão do Poder Judiciário o que só lhe foi garantido na Carta de 1946, quando seu artigo 94, inciso V, assim passou a definir; entendimento este que já vinha sendo consolidado através das decisões do Supremo Tribunal Federal.
Nasce então no Brasil uma Justiça de forma autônoma, pertencente ao Poder Judiciário como forma de Justiça Especializada, a Justiça do Trabalho. Passando a assumir funções Jurisdicionais e Competência próprias a sua função.
Dessa forma, com uma Justiça criada para desenvolver um papel específico, passou-se a dar ao processo do trabalho um procedimento específico, mais acessível, mais célere, com maior economia e sem as manipulações protelatórias de partes e procuradores, as quais representam um impedimento ao desenvolvimento das instituições processuais. Sendo na busca de tais condições, fazendo com que se tenha um processo com procedimentos dessas naturezas, o que nos trouxe a necessidade de ter essa justiça com tal caráter, com o intuito único de garantir aos trabalhadores a efetiva e adequada prestação jurisdicional.
Essa nova visão traz para a instrumentalidade do processo uma técnica que tem por escopo a adequação e a adaptação da norma com a natureza particular de seu objeto e de seu fim, mesclando dessa forma a natureza do direito substancial com a finalidade única de tutelar os institutos desse novo direito. Esse balanceamento entre a norma sistemática processualística será tanto mais eficaz e perfeita quanto seja capaz de se adaptar a sua finalidade de existir.
A adaptação a que se faz referência da Justiça do Trabalho é a de que seja possível ao aplicador desses procedimentos processuais, quando do litígio estabelecido, a atenção adequada das pessoas em litígio em função do desnível social e econômico, que geralmente está presente nessas relações, tendo como base para tanto os princípios formadores e diferenciadores da justiça trabalhista.
Através do estudo da nossa Consolidação das Leis Trabalhistas e demais leis que regulamentam situações de trabalho se vêem características específicas inerentes à Justiça do Trabalho. Nota-se a singularidade principiológica de suas regras, em função da particularidade de buscar através da aplicação dessas normas a promoção da justiça social e a realização das garantias sociais ali previstas. Constituindo assim um microssistema Processual que tem por eixo central o Código de Processo Civil, mas que possui específica tutela jurisdicional, traduzindo-se em institutos próprios para sua efetivação.
1.3. Princípios específicos do Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.
Com a evolução do direito enquanto ciência processual se nota que cada vez mais há o afastamento da visão inicial de um instrumento técnico, apenas positivado, fazendo com que prevaleça no sistema e ordenamento jurídico a idéia de um instrumento político, que consiga dessa forma espelhar o momento histórico e social qual vive o Estado nesse determinado período, refletindo-se os ideais desse meio social nas normas legais. Ficando por norte da construção dessas normas jurídicas apenas os princípios e os valores constitucionalmente constituídos e consagrados.
Diante dessa orientação constitucional o Direito Processual tem como seus mais importantes Princípios, o da Igualdade e o do Contraditório, que são a base do nosso ordenamento jurídico. Porém, além dos princípios que são comuns aos demais ramos do direito, temos aqueles específicos do direito do trabalho, tema este que tem trazido inúmeras controvérsias acerca da enumeração desses pelos nossos doutrinadores. Um dos doutrinadores trabalhistas que mais se ateve a trabalhar e delimitar os princípios do direito do trabalho foi o Uruguaio Américo Plá Rodriguez. Sérgio Pinto Martins ao tratar do tema enumera seis princípios citados por Américo, a saber:
“[…] seis princípios como do direito do trabalho: (a) princípio da proteção; (b) princípio da irrenunciabilidade de direitos; (c) princípios da continuidade da relação de emprego; (d) princípio da primazia da realidade; (e) princípio da razoabilidade; (f) princípio da boa-fé. O princípio da boa-fé nos contratos não se aplica apenas ao direito do trabalho, mas também a qualquer contrato.” (SERGIO PINTO MARTINS, 2009, p 60).
O primeiro princípio descrito na classificação de Américo Plá aborda a figura da proteção. Concorda-se que esse seja o princípio mais específico da Justiça do Trabalho, dada a sua importância frente a trazer a igualdade nos contratos e nas relações trabalhistas, tendo esse princípio o cunho de proporcionar ao trabalhador, por meio das leis formais, a entrega de regras que o protejam da natural e rotineira superioridade econômica do empregador.
O trabalhador enquanto figura individualizada, sujeito desse vínculo jurídico estabelecido entre seu empregador, não é capaz de isoladamente produzir regras e ações concretas que produzam um impacto geral e comunitário. E, isso acaba por trazer para o Direito individual do trabalho uma realidade normativa jurídica de proteção, tendo por fim o equilíbrio da relação ora estabelecida.
Também acerca da figura protetiva, Sérgio Pinto Martins desmembra-a em três partes[1]: o do in dúbio pro operário; o da aplicação da norma que seja mais favorável ao trabalhador e o da aplicação da condição mais benéfica ao trabalhador.
A primeira parte desse princípio, conforme Sérgio Martins, a do in dúbio pro proprietário não pode se dizer que seja aplicada fielmente a justiça trabalhista, visto que há a necessidade de quando haver dúvida entre quem está com a razão, não se poder simplesmente decidir em prol do trabalhador, havendo a necessidade da verificação de quem tem o ônus da prova no caso concreto, conforme as regras do artigo 333 do CPC, e o artigo 818 da CLT.
A segunda parte, a da aplicação da norma mais favorável, está inserida no artigo 7° da Constituição Federal, quando afirma que são direito dos trabalhadores aqueles elencados nos incisos além de todos os que contribuam para a melhoria de sua condição social. Esta aplicação conforme entendimento doutrinário não faz referência apenas à aplicação em concreto da norma, mas também deve estar presente na construção da norma, quando da elaboração da mesma por parte do legislador tais bases tem de ser observadas. Porém, a dificuldade está no sentido de que a norma legal deve atender também aos anseios sociais, então acaba por existir uma luta entre a manutenção da proteção da classe trabalhadora sem abalar/prejudicar o desenvolvimento econômico nacional. Neste ponto notamos a importância do contexto político para a formação da norma jurídica, que regule as relações de trabalho.
Já na terceira parte dessa divisão está a busca pela aplicação da regra mais benéfica ao trabalhador. Portanto, sempre que houver discrepâncias entre normas que regem relações de trabalho deverá prevalecer a mais benéfica ao trabalhador, é o que se vê, por exemplo, no artigo 620 da CLT, que trata das diferenças entre aplicações de acordos coletivos e convenções coletivas.
Nota-se nesse Princípio protetivo uma das principais armas que o estado possui para combater a desigualdade econômica existente na sociedade. É através dele que se dá de forma concreta a condição para que o menos beneficiado do ponto de vista econômico, e, até por que não dizer processual, possa litigar de forma mais igualitária quando em conflito nas relações de trabalho para com o seu empregador.
Não menos importante para a concretização de uma justiça adequada está o Princípio da Irrenunciabilidade, visto que é através dele que temos a total garantia de que o trabalhador estará protegido, enquanto parte de uma relação trabalhista, pelas normas legais impostas e inerentes a essa relação estabelecida. Ao contrário do que se vê no direito privado em geral onde regras podem ser pactuadas entre as partes, no direito do trabalho essas cláusulas são vistas como irrenunciáveis, não sendo passíveis de serem modificadas apenas de comum acordo entre o trabalhador e o seu empregador, o que significa que o trabalhador não poderá abrir mão de um direito que lhe é pertinente. Nota-se então a preocupação jurídica para se dar força imperativa as normas trabalhistas, dando lhes o cunho de servirem de parâmetro, independente das vontades das partes.
Tal parâmetro aqui estabelecido não tem por cunho delimitar ou eliminar a autonomia da vontade, mas sim evitar que aconteçam abusos usando ela como base justificativa. Não haveria como se falar em igualdade de condições, se houvesse a possibilidade de se ter o livre estabelecimento de regras nas relações oriundas de trabalho, em virtude da natural e intercorrente diferença entre o Capital (empregador) e o Trabalho (trabalhador), que faz com que os interesses entre essas duas partes sejam de certa forma antagônicos, podendo se dizer impossíveis de serem pactuados de forma igualitária sob o enfoque individual da relação de trabalho. Dessa forma se mitigou a autonomia da vontade no campo individual, podendo dar-se certa eficácia a mesma quando esteja presente a vontade coletiva.
Já o princípio da Continuidade da Relação de Emprego é aquele no qual se faz com que a regra seja a manutenção do contrato de trabalho por prazo indeterminado, mantendo-se dessa forma o zelo pelo presente e futuro do trabalhador. Nota-se a posição favorável em prol do trabalhador, por exemplo, quando a Súmula 212[2] do Superior Tribunal do Trabalho vem estabelecer que o ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, seja do empregador.
O Princípio da Primazia da Realidade por sua vez também traz sua carga de especificidade a Justiça do Trabalho, pois através dele são aos fatos que se dará maior importância, se sobrepondo inclusive aos documentos escritos. Como exemplo, temos a situação de que há um maior peso de um depoimento testemunhal, como meio de prova de certa situação laboral, se sobrepondo inclusive aos documentos assinados pelo empregado. Isso se deve em virtude da possibilidade de que esses os documentos tenham sido, porventura, pactuados no calor de uma assinatura de um contrato de trabalho, pesando, portanto a necessidade da anuência do empregado por depender dele para manter seu posto de trabalho, e o patrão por se valer de um maior superioridade impõe tal condição para a mantença da relação.
Diante disso houve a preocupação da legislação em se resguardar no direito da busca pela realidade a fim de garantir uma maior harmonia quando do julgamento de uma relação trabalhista, não se bastando apenas nas evidências documentais, necessitando dessa forma uma maior busca nos meios existentes de prova da verdadeira realidade na qual estava sendo submetido o trabalhador. Ao contrário do Direito Civil em Geral em que normalmente o pactuado, através da autonomia da vontade, se reflete através de um contrato celebrado entre as partes, no direito laboral tal situação muitas vezes não condiz com a realidade de trabalho na qual está submetido o trabalhador, fincando este à mercê mais uma vez das condições que o mercado de trabalho lhe propicia.
O Princípio da Razoabilidade tem como fim o de conduzir as partes para uma situação em que elas encontrem, quando em conflitos, soluções que sejam razoáveis para resolução desses problemas. Tal princípio é encarado por muitos doutrinadores apenas como um critério, no que é discordante da visão de Américo Plá Rodrigues que o entende ser um Princípio especificamente trabalhista.
Ligado ao Princípio da Razoabilidade está o da Boa fé, ao qual Américo separa em duas partes, o da boa fé crença e o da boa fé lealdade, sendo o primeiro ligado ao que determinada pessoa pensa e ignora de determinados fatos, o fazendo por crer que não está causando lesão a direito algum; já o segundo é aquele que está presente quando a pessoa exerce seu poder sabendo, tendo plena consciência, de que não está a enganar alguém, tendo total ciência de que tais ações as quais está praticando estão em conformidade com o legal e as está desempenhando de forma lícita, sem abusos e devaneios, gerando, dessa forma, uma situação de respeito para com aqueles com quem está tratando.
Diante dos Princípios antes expostos, temos já a idéia da importância da Justiça Trabalhista para a manutenção da harmonia nas relações econômicas e sociais no estado Democrático de Direito. Sendo que este trabalho não tem como escopo o de esgotar o tema da análise principiológica do Direito do Trabalho, mas apenas o de passar o entendimento das peculiaridades existentes na Justiça do Trabalho para com os demais ramos do direito, principalmente quando está presente o julgamento de conflitos de relações tão importantes para a manutenção da ordem social e da dignidade da pessoa humana.
2. JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA
Para que se possa dirimir o instituto da Jurisdição é necessário, ainda que de uma forma rápida, fazer referência a alguns conceitos quais se mostram inexoravelmente ligados a esse instituto. Indo desde o fim da auto-tutela (busca da justiça pelos próprios meios) por parte do homem, até o que temos hoje como forma de estado organizado, dentro de um sistema de Estado Democrático de Direito, com o poder dever de dizer o direito. Necessário, também, falar do Princípio da Separação dos poderes e das relações que se formam entre o estado e o indivíduo.
Sendo assim, podemos começar dizendo que o estado reserva para si, com total exclusividade, o exercício das funções Legislativa, Executiva e Jurisdicional, o que se faz necessário, por ser o estado um ente desprovido de vontade, que essas funções sejam desempenhadas por pessoas físicas, quais vem a serem os componentes necessários aos órgãos públicos que desempenham tais atividades. São essas pessoas que vem a personificar o estado, sendo através deles que o estado se dirige e interage com a sociedade civil como um todo.
Através dessa aliança de estado e indivíduo e, conforme se dá essa interatividade é que se terá um Estado Autoritário ou Democrático. Carolina Tupinambá ao citar Godoffrego da Silva Telles acerca do Estado Democrático de Direito, relembra que:
“por ser obediente ao Direito, por ser o guardião dos direitos, e por ser aberto para as conquistas da cultura jurídica. É obediente ao Direito porque suas funções são as que a Constituição lhe atribui, e porque, ao exercê-las, o Governo não ultrapassa os limites de sua competência. É Guardião dos Direitos porque o Estado de Direito é o Estado-Meio, organizado para servir o ser humano, ou seja, assegurar o exercício das liberdades e dos direitos subjetivos das pessoas. E é aberto para as conquistas da cultura jurídica, porque o Estado de Direito é uma Democracia, caracterizado pelo regime de representação popular nos órgãos legislativos e, portanto, é um Estado sensível às necessidades de incorporar à legislação as normas tendentes a realizar o ideal de uma justiça cada vez mais perfeita” (CAROLINA TUPINAMBÁ, 2006, p. 4 apud GOFFREDO TELLES, 1977)
Sendo então, o Estado Democrático de Direito, principalmente no que se refere a sua atividade jurisdicional, tem como seu princípio maior o da Legalidade, pois é sob seu enfoque que serão tomadas e baseadas as decisões dos magistrados, sob pena de essas decisões serem passíveis de nulidade. Tal fato se deve também a imparcialidade que está presente nas relações estabelecidas entre as partes e o juiz, sempre com base no dispositivo de que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”[3]. Cabendo ao juiz enquanto administrador da justiça, aplicar ao caso concreto, segundo a sua interpretação, o direito já posto no ordenamento jurídico pelo poder Legislativo.
Portanto, não tem o juiz o poder de criar direitos e obrigações, pois esta faculdade está privativa ao Poder Legislativo, sendo que o juiz deve se limitar as Leis estabelecidas, com a exceção única de quando não houver leis a respeito de certas relações, terá as de decidir de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.
Tal obediência ao Princípio da Legalidade vem a corroborar com a segurança jurídica necessária do Estado de Direito, para a qual podemos afirmar que sem essas obediências as leis, enquanto forma de decidir conflitos, trará uma total falta de confiança ao Estado, enquanto no exercício do poder jurisdicional, ou seja, uma falta de segurança jurídica. Portanto, apenas quando a lei for omissa é que se poderá aplicar as fontes subsidiárias de Direito.
Mas, ainda que a Legalidade seja uma condição essencial para se caracterizar o Estado de Direito, ela por si só, não o é suficiente. É necessário ainda que essa Legalidade deve nascer do seio da sociedade, sendo o reflexo do que o seu povo almeja para a constituição das regras que serão instituídas e nortearão o cotidiano desse grupo de indivíduos. Não deve ser uma ordem imposta, sob pena de se ter o inverso, um estado autoritário de onde as regras crescem de forma inversa, de cima para baixo, onde o detentor do poder será o que ditará as regras que assim melhor lhe aprouver, demonstrando assim o interesse de apenas um pequeno grupo de indivíduos e não o espelho dos ideais pensados por todos.
No Estado Democrático de Direito, as regras devem brotar do seio da sociedade, sendo que será através dela que estarão florescidos os anseios aos qual a sociedade almeja como justiça. É o que se pode chamar da Legalidade Legítima, que vem a ser o segundo elemento essencial para caracterizarmos o Estado de Direito.
Porém, ainda somente o respeito as leis e a origem das mesmas não é o bastante suficiente para se caracterizar tal estado se isso tudo fosse colocado nas mãos de somente um órgão político gestor. E, com base na fórmula de Montesquieu, chegamos ao que temos como terceiro elemento essencial a constituição desse estado, o da Separação do Poderes.
Desta fórmula, temos que cada órgão do poder teria como correspondência uma função, a qual lhe daria o nome. Como de conhecimento geral, o Poder Legislativo, a função de Legislar, o Poder executivo, o de executar as leis e o Poder Judiciário a incumbência de dirimir os conflitos surgidos entre os cidadãos. Mas, em virtude do alargamento das atividades do estado contemporâneo surgiram novas facetas de relacionamento entre esses poderes estatais, sendo então, se acabou por formar o que se chama de independência orgânica e harmônica desses poderes. Toda vez que um órgão do poder político invadir o campo de competência de outro órgão, dar-se-á o que se denomina violação ao princípio constitucional da separação dos poderes, artigo 60, § 4°, III, da CF e, portanto, estará ameaçada a Democracia. Nesse caso, cabe ao Supremo Tribunal Federal, como Corte guardiã da Constituição, declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, cujo preceito venha a violar a separação do poderes.
Analisada de forma rápida a Constituição das leis e a separação dos poderes, passa-se ao que temos como último elemento do Estado Democrático de Direito, os Direito Fundamentais. Esses direitos constituem o objetivo fim da democracia; e, é para a existência e manutenção deles que o estado se mantém constituído, com base na legalidade, na legitimidade das leis e na separação dos poderes.
Os Direitos Fundamentais compreendem não somente os direitos individuais, mas também os direitos sociais, culturais, políticos, econômicos, coletivos e difusos.
Dessa forma podemos concluir que o Estado Democrático de Direito está constituído, quando temos o conjunto de instrumentos jurídicos que venham a disponibilizar aos seus indivíduos a efetivação de seus direitos fundamentais, e como conseqüência, a garantia da liberdade, através de ações estatais, sejam elas positivas, afirmativas ou ainda negativas.
Neste ponto chegamos à relevância do instituto da Jurisdição para a manutenção das garantias legais ao cidadão. Tal afirmação se coaduna com o que está descrito no artigo 5° da Constituição Federal, inciso XXXV, que diz que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a Direito”, é o que temos como Princípio da Inafastabilidade da tutela Jurisdicional. O que culmina com a competência e dever, do Poder Judiciário, através de seus órgãos, de solucionar, de forma célere e justa, os conflitos intersubjetivos dos cidadãos, mas não somente estes, como também os excessos que se processam entre quaisquer das esferas governamentais.
Essa atividade jurisdicional se dá em função do poder dever de agir sempre, e desde que solicitado, que houver a omissão ou resistência de alguém em cumprir obrigações decorrentes de lei, contratos ou até mesmo de decisões judiciais. Nesses casos entra o estado com o seu poder de dizer o direito e dar a decisão a quem possa estar tendo seu direito lesionado por terceiro, afim de que sejam respeitados esses direitos e se estabeleça a segurança jurídica adequada. Essa atividade se dá de forma pública, imparcial e inerte.
O Poder Judiciário atua desde que provocado, é um órgão inerte, cabendo a parte que entende estar seu direito lesionado buscar junto ao órgão competente a sua devida proteção, garantindo dessa forma o ressarcimento ou evitando que seu direito se perca, sem ter que usar de autotutela, princípio este que não se faz presente no estado democrático de direito, em virtude do repasse de tal poder ao estado sob as formas pactuadas. Tal troca de mão de luta pelo direito lesado se deve ao fato de o estado, enquanto atuante de forma desinteressada, poder agir de forma a manter a imparcialidade a que se faz necessária para a solução do conflito estabelecido, assim dizendo com quem está a razão em discutir o direito, visto que a matéria que está sendo discutida já está consubstanciada de forma material na norma jurídica.
Seguindo a linha ainda do inciso XXXV artigo 5° da Constituição Federal, vê-se a indeclinabilidade da jurisdição, visto que a prestação jurisdicional não é uma faculdade, mas sim um dever do órgão estatal, que não pode se escusar de prestá-la a quem for que seja. Sendo, que a tutela jurisdicional não é passível de ser delegada, tendo que ser desempenhada a quem a Constituição Federal deu previamente competência.
Acerca do instituto da Jurisdição Humberto Teodoro Júnior escreve que:
“[…] estabeleceu-se a jurisdição, como o poder que toca ao Estado, entre as suas atividades soberanas, de formular e fazer atuar praticamente a regra jurídica concreta que, por força do direito vigente, disciplina determinada situação jurídica” (HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, 2002, p.30)
Por fim, é conveniente lembrar as palavras de Cintra, Grinover e Dinamarco, in Teoria Geral do Processo, 13ª ed., Malheiros, p 60:
“[…] a jurisdição é poder, função e atividade: como poder manifesta o poder estatal, como capacidade de decidir imperativamente e impor decisões; como função, expressa o encargo de promover a pacificação de conflitos interindividuais, mediante a realização do direito justo, através do processo; como atividade, é o complexo de atos do juiz no processo, exercendo o poder e cumprindo a função cometida pela lei”
De acordo com o que foi já escrito podemos dizer que a jurisdição em sentido amplo se estende a todo o território nacional, enquanto há soberania nacional há o chamado poder jurisdicional, ficando impossível sua prorrogação a outras nações, as quais naturalmente não se podem estender a eficácia plena de nossas decisões, seja por questões práticas e até mesmo por razões políticas. Isto significa dizer que todos os órgãos do poder judiciário possuem jurisdição, sendo assim, todo o juiz investido no cargo, tem o poder de dizer o direito.
Porém, por questões de ordem práticas e de afinidades este poder jurisdicional, o poder de dizer o direito, está distribuído e dessa forma distribuído entre os vários órgãos que compõem o poder Judiciário enquanto sistema nacional individualizado. Tem se então uma fração de poder para cada respectivo órgão judiciário que exercerá a sua função jurisdicional de forma particular. E, essa distribuição da jurisdição de forma particular é o que se chama de Competência.
Portanto, quando temos um conflito posto não podemos buscar a tutela de nosso direito lesado em qualquer órgão do sistema judiciário, é necessário se fazer uma análise para saber qual será o órgão competente. E, só depois fazer a provocação do órgão a fim de que ele possa por sua vez dizer quem está com a razão no direito discutido.
A primeira análise que se faz para a determinação da competência é a de que seja competência nacional ou não, ou seja, se a matéria pode ser discutida perante o Poder Judiciário Brasileiro.
Passado esse primeiro passo, isto é, classificada a justiça brasileira como competente, tem-se o âmbito interno, ao qual o legislador estabeleceu um sistema para a definição de competência, que passa por uma aplicação de critérios para até se chegar à definição do juízo competente. Primeiro vamos identificar se é caso das hipóteses de competência originária do Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça, após se é caso das Justiças Especializadas: Justiça Trabalhista, Militar ou Eleitoral, e por último se é caso de competência da Justiça Federal. Senão se enquadrar em nenhum dos casos anteriores, por exclusão se chegará as Justiças dos Estados. Portando, Justiça Estadual é o que se pode chamar de competência residual.
O que nos interessa no trabalho desenvolvido são os casos de competência da Justiça Especializada, a Justiça do Trabalho, com suas características e princípios peculiares, uma Justiça que tem por escopo promover de forma acentuada a manutenção dos direitos sociais, mais precisamente a manutenção digna das relações de trabalho.
O estudo da competência material da justiça do trabalho deve ser buscado conjuntamente com a função de existir da Justiça Trabalhista na forma de justiça especializada. Tendo como por escopo o deixar de lado a tradição individualística liberal do Direito Civil, para dessa forma buscar um Direito Social, com normas de caráter público, que possam garantir a efetiva e adequada proteção jurídica aos trabalhadores que por sua vez formam a grande massa economicamente ativa nacional.
E, foi com esse sentido que a Emenda Constitucional de número 45 trouxe para o artigo 114 da Constituição Federal a modificação e ampliação da competência da Justiça do Trabalho. Passando esta por uma ampliação significativa, para tratar de questões, além daquelas oriundas apenas das relações de emprego, discussões que antes eram tratadas na justiça comum, mas que continham na sua essência o caráter laboral ou se desenvolviam sobremaneira em ambientes de trabalho, necessitando do atendimento adequado pelo Poder Judiciário.
3 A DISCUSSÃO DO PAPEL DA JUSTIÇA DO TRABALHO NO PROJETO DA EMENDA 45 E AS PRINCIPAIS INOVAÇÕES
3.1 A Justiça Trabalhista no projeto da Emenda n° 45
A proposta da Emenda Constitucional n°45 trouxe inúmeras discussões acerca do tema o Poder Judiciário. Surgiu a proposta num momento caloroso da história política nacional, o ano de 1992, levemente após o impeachment de um presidente da república. Precisamente em Março, dia 26, é apresentada, pelo Deputado Hélio Bicudo, a proposta que futuramente modificaria a estrutura do Poder Judiciário Nacional. As discussões se seguiram por mais alguns meses e a proposta foi deixada de lado.
No ano seguinte com duras críticas ao Poder Judiciário por parte de alguns parlamentares volta à questão da reforma, o que culminou com a constituição de uma comissão para dar parecer sobre a proposta. Ao decorrer dos meses foram várias as propostas que foram apresentadas e apensadas à idéia original.
O embate que era feito era de que o Sistema Judiciário era moroso e ineficaz. Questionava-se uma forma de dar maior agilidade ao sistema, fazendo com que o processo se tornasse mais rápido, simples e democrático. Inseriu-se o Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) na reforma do Poder Judiciário como interlocutor qualificado, principalmente para dar sugestões em razão de seu conhecimento prático.
Com as discussões acerca do tema, pela parcial ineficácia do Poder Judiciário de dar a devida prestação jurisdicional, principalmente, devido ao inchaço do sistema judiciário decorrente da proliferação de direitos e da conscientização populacional resultante de um processo de democratização, fazendo com que o Poder Judiciário ficasse sendo o centro das atenções e alvo de certas autoridades legislativas. Surgiram as críticas, os questionamentos da responsabilidade dos juízes, e conseqüente o sentimento da necessidade de uma reforma total. Uma necessidade que precisava ser superada com as adequações necessárias e possíveis para se manter o controle, principalmente, dos direitos fundamentais dentro do saudável.
A Justiça do Trabalho na reforma passou por um momento em que oscilava entre o auge e sua extinção. Era um momento em que inúmeros países seguiam a tendência de extinção da Justiça do Trabalho como forma de justiça especializada, como por exemplo, a Nova Zelândia e a Espanha, as quais a haviam extinguido. Diante do contexto, essa situação era plausível, e era rebatida com críticas pelos doutrinadores trabalhistas que viam com certo perigo essa possível modificação.
Após inúmeros debates e propostas, surge então em 30 de dezembro de 2004 a Emenda Constitucional de número 45 trazendo inúmeras modificações a estrutura judiciária brasileira, e ao invés do que se cogitava uma ampliação significativa da competência da justiça trabalhista.
Essa ampliação que deu novo fôlego a Justiça do Trabalho não foi conquistada por nada. A Justiça do Trabalho, por sua vez vinha conquistando cada vez mais seu espaço no contexto atual de Poder Judiciário. Ela, pode se dizer, no início vinha de uma ação enfraquecida, os direitos trabalhistas que outrora foram concebidos, anteriores a CLT eram direitos que mais serviam para dar poder ao autor estatal, do que para garantir direitos propriamente ditos. O trabalhador brasileiro recebia direitos a conta-gotas, os sindicatos se encontravam domesticados e enfraquecidos, e essas pequenas esmolas faziam com que os trabalhadores sequer sentissem falta de garantias coletivas.
Nessa situação a Justiça trabalhista acabava por atuar longe dos locais de trabalho, dando interpretações que mais mantinham a situação econômica nacional sob controle do que garantiam direitos propriamente ditos. Essas conquistas individuais muitas vezes sequer viriam a se tornar direitos coletivos, pois não chegavam a ser questionados de forma coletiva, seja através de sindicatos ou outras classes obreiras. Os trabalhadores classistas sempre foram representados por sindicatos ou enfraquecidos ou comprometidos com o governo.
Mas, no decorrer disso tudo havia por que não dizer uma forma romântica e natural de se enxergar o papel da justiça do trabalho, onde todos próximos a ela criam que seria capaz de ser a “grande mãe” dos que trabalham. E, essa ideologia foi aos poucos, através de pessoas bem-intencionadas, capaz de inverter um quadro que vislumbrava ao desastre, e aos poucos foi ganhando outros ares e que culminou no fato de que a Justiça do Trabalho passou a criar soluções com muita propriedade
E, essa evolução contribui para que se mantivesse em pé como uma grande máquina a serviço de uma grande massa de trabalhadores, facultando-lhes o direito de luta por seus direitos básicos, passando a ser um instrumento presente no seio social de forma eficaz para a manutenção de dignidade da pessoa humana.
Toda essa história construída ao longo do tempo pelos juristas trabalhistas foi que culminou na crença da devida importância fazendo com que a Justiça do Trabalho fosse capaz de sair vitoriosa quando da proposta da mudança do Poder Judiciário, e por conseguinte, a aprovação da Emenda 45.
A certeza de que mundo certamente mudou, pois até as relações de compra e venda, não são mais como outrora, sequer se precisa mais de um vendedor batendo a porta para oferecer produtos, pois se pode comprá-los através de meios eletrônicos; a inserção da mulher no mercado de trabalho; o aumento na diversidade e demanda do trabalho autônomo; e, tantas outras mudanças advindas com o novo século. Tudo isso fez com que as relações de trabalho também fossem amplamente afetadas, necessitando dessa nova visão da busca por mudanças para com o Poder Judiciário.
Tudo isso somado: as mudanças sociais, o bom papel desempenhado pela Justiça do Trabalho no decorrer do tempo e o almejo de um Poder Judiciário mais eficaz fez com que a Justiça do Trabalho continuasse e ainda ampliasse sua atuação pela simples possibilidade de trazer a igualdade de lutas entre patrões e empregados.
3.2 Principais Mudanças decorrentes da Emenda Constitucional n° 45
A reforma trazida pela Emenda Constitucional de número 45 trouxe no que tange à Justiça Trabalhista significativa mudanças, dando dessa forma maior proeminência a essa Justiça de cunho especializado. Buscou-se com a reforma uma mudança na visão existente de uma Justiça Especializada, a qual tem por caráter e missão o de promover com o devido zelo a dignidade da pessoa humana, bem como manutenção da ordem econômica em função da relevância das relações de trabalho no mundo sócio econômico.
Mas essa reforma precisa ser feita com afinco, pois tratava de questões referentes à competência de um determinado órgão do Sistema Judiciário Nacional, portanto, necessária era a adequação do texto constitucional, o qual tem o poder de ditar as regras de competência dos órgãos judiciários, portanto a necessidade de se ter a Emenda Constitucional. E, foi com o advento da Emenda que foi possível a alteração do Artigo 114 da Constituição Federal de 1988, dando-se a tão sonhada mudança, passando para a justiça do Trabalho praticamente todas as relações decorrentes da natureza laboral, o que antes era exclusivo das relações de conflito obreiro-patronal, relações de emprego.
Dessa forma passou a dar tratamento especializado nas relações trabalhistas de uma forma geral e não apenas nas relações decorrentes entre empregado e empregador, sendo agora o foco as relações de trabalho em sentido amplo. Traz-se então para o campo da competência material a figura das relações de trabalho, as quais são mais abrangentes e que necessitavam do amparo adequado pela justiça processual visto que parte dessas relações estavam caindo na vala da justiça comum, a qual sem desmerecer, tem outro escopo e outra visão, em virtude da natural vivência com o direito civil que trata mais de relações de caráter individualista, longe das relações que surgem no direito laboral de cunho amplo e de direitos públicos, por isso a necessidade do tratamento adequado e da visão protetiva da Justiça do Trabalho.
Como se pode ver ao se confrontar o artigo 114 da Constituição de 1988 no seu texto anterior e no novo texto, as mudanças foram significativas. Para melhor visualização tem-se a redação anterior do artigo:
“Art. 114 da CF. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.
§ 1° Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.
§ 2° Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho.
§ 3° Compete ainda a Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais decorrentes das sentenças que proferir”
Após a promulgação da Emenda Constitucional número 45, a redação do artigo ficou com o seguinte texto:
“Art. 114 da CF. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
II – as ações que envolvam exercício do direito de greve;
III – as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;
IV – os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data , quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;
V – os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;
VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;
VII – as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;
VIII – a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;
IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.
§ 1º – Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.
§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
§ 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.”
Pode se notar na análise, ainda que de forma rápida, do texto constitucional que a mudança trouxe o suprimento de lacunas que outrora existiam, pelo não enquadramento naquela justiça especializada de determinadas relações decorrentes do ambiente de trabalho que não estavam abrangidas pela norma no seu texto original. Via se anteriormente que apenas as discussões, fossem elas individuais ou coletivas, entre trabalhadores e empregados estavam na competência da Justiça do Trabalho e seriam por ela recebidos e discutidos.
A alteração trouxe a possibilidade de serem enquadradas e discutidas na respectiva Justiça as relações de trabalho em sentido amplo, sejam elas decorrentes ou não da relação empregatícia, mas sim todas as que se desenvolvem em um ambiente que venha a configurar uma situação laboral. Dessa forma houve a alteração substancial da competência material da Justiça do Trabalho, o que lhe deu maior fôlego para dar continuidade a sua função de uma justiça com especificidade capaz de ver esses litígios de forma diferente, dando o devido tratamento, adequando a vontade material da norma com o devido desenvolvimento social a que essas decisões repercutem.
4. A NOVA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO APÓS A EMENDA CONSTITUCIONAL N° 45
Neste Capítulo, dando-se continuidade ao desenvolvimento do tema proposto se analisará como a mudança na estrutura do Poder Judiciário alcançou a competência material da Justiça do Trabalho. Refletindo-se como ficaram as matérias discutidas por ora na atual Justiça, estabelecendo-se uma divisão de ordem prática a fim de se situar as relações que porventura venham a ser discutidas no âmbito da Justiça especializada e que fazem parte dessa nova competência dada a este ramo do Poder Judiciário pátrio.
4.1 A relação de trabalho no novo contexto
Ao serem incluídas na redação do artigo 114 da Constituição Federal as ações decorrentes da relação de trabalho como competência da Justiça do Trabalho houve a ampliação significativa da competência material para além daquelas que anteriormente se restringiam as demandas oriundas apenas das relações de emprego, o que fez com que essas relações ficassem sendo o eixo central da ampliação de competência da nova Justiça do Trabalho, portanto o centro da extensão do poder jurisdicional conferido aos magistrados trabalhistas. Isto significa que dentro dessa nova visão a competência se ampliou para todas aquelas ações nas quais haja um litígio decorrente de uma situação em que alguém presta serviços a outrem.
Lendo-se o caput do artigo 114 da Constituição Federal, juntamente com seu inciso primeiro, temos a idéia de que todas as ações decorrentes da relação de trabalho estão dentro do contexto de competência material da Justiça do Trabalho, sem sequer haver exceções. O mesmo se evidencia quando lemos o inciso IX do mesmo artigo.
Necessário é que haja uma delimitação desse conceito de relação de trabalho para que não se venha pecar e cair equivocadamente em colocar tudo que for similar a relação de trabalho dentro desse contexto. E, não é para menos que a matéria mesmo após seis anos de debate ainda traz algumas discussões acerca do que pode ser entendido como Relação de Trabalho dentro dessa nova ótica, sendo isto o que será exposto nos próximos capítulos.
Começando a análise deste assunto é necessário deixar claro que a relação de trabalho é o gênero, é a relação em sentido amplo, enquanto a relação de emprego é uma espécie desse gênero, sendo que esta relação de emprego é a que está presente nos conceitos que podem ser vistos nos artigos 2° e 3° da CLT. Mas, o mais importante é estabelecer quais os limites que configuram essa relação de trabalho no seu sentido amplo, pois dessa forma definindo a sua extensão poder-se-á chegar ao que temos atualmente como a nova competência material, com as suas respectivas lides, e assim o objeto alvo de discussão na Justiça Trabalhista. Sérgio Pinto Martins ao conceituar Relação de Trabalho escreve:
“Relação de trabalho é a situação jurídica entre duas pessoas visando à prestação de serviço. Contrato de Trabalho é o negócio firmado entre empregado e empregador sobre condições de trabalho […] a relação de emprego está compreendida na competência da Justiça do Trabalho, pois é uma relação de trabalho” (SERGIO MARTINS, 2006, p. 104)
O limite dessa relação passa por delimitar os conceitos de trabalho, e como tal temos a idéia atual de que a necessidade de trabalhar se faz uma condição inerente do ser humano, tanto do ponto de vista da superação das circunstâncias naturais, bem como das artificiais, as quais lhes são impostas pelos meios sociais ao quais ele esta inserido. Essa realidade de trabalho é uma construção típica da modernidade, e se reflete ao que entendemos hoje como um elemento essencial da dignidade humana, tanto que o direito ao trabalho foi incluído na Constituição de 1988 como um direito fundamental, dentro do capítulo Dos Direitos Sociais, indispensável ao fortalecimento do Estado Democrático de Direito. O artigo 6° descreve, entre outros, o direito ao Trabalho como um Direito Social inerente ao indivíduo.
Daí termos o sentido de trabalho humano encravado nesse conceito lato sensu de relação de trabalho. Portanto, o primeiro passo é verificar uma característica essencial presente na relação de trabalho, a pessoalidade. A relação de trabalho é estabelecida com intuitu personae, sendo então essa pessoalidade se torna o elemento nuclear próprio da relação, sem o qual ela não subsiste nesse contexto. Carolina Tupinambá ao tratar do assunto, fazendo citação à Francisco Rossal,descreve:
“se a definição do objeto da relação de trabalho é pressuposto, ou seja, parte da limitação arbitrária das premissas a serem estudadas, excluindo outras formas de trabalho que não o trabalho humano, poder-se-ia afirmar que as relações de trabalho realizadas por pessoas jurídicas, por serem entes abstratos criados como investigação das relações de trabalho. Dito de outro modo, apenas o trabalho humano direto, manual ou intelectual, autônomo ou subordinado, é que seria objeto da relação de trabalho. Esforços realizados por animais, máquinas ou entes abstratos (pessoas jurídicas) não seriam objeto das relações jurídicas se estivessem relacionados ou administrados por seres humanos. No caso dos entes abstratos – pessoas jurídicas – seriam objeto de estudo nas relações de direito comercial oiu mercantil. A separação do objeto seria uma questão de método e classificação.
A conseqüência dessa afirmativa é o pressuposto de que a pessoalidade é requisito essencial da relação de trabalho (elemento pressuposto). No que diz respeito à matéria de competência da Justiça do Trabalho (art.114, I, Constituição Federal), o corolário é que os litígios decorrentes das relações de trabalho somente serão resolvidos pela Justiça do Trabalho quando as relações de trabalho forem intuitu personae. A expressão prestação de serviços ficaria reservada para as relações entre pessoas jurídicas e teria natureza civil ou mercantil. Apenas caberia a ressalva de que, no caso concreto, uma pessoa jurídica pode ser desviada de sua finalidade com o intuito de mascarar uma relação de trabalho (gênero) ou uma relação de emprego (espécie). Isso ocorre nos casos em que o tomador do trabalho, com a intenção de afastar um possível vínculo de emprego, obriga o trabalhador a constituir uma pessoa jurídica com algum sócio (parente ou amigo), A pessoa Jurídica, nesse caso, é fictícia, pois, na realidade, o trabalho é prestado pessoalmente e o sócio fictício nunca presta serviços. Esse caso de simulação u fraude resolve-se com a declaração de nulidade e o reconhecimento do real contrato existente […] A relação de trabalho envolve trabalho humano, pessoal, manual ou intelectual, excluindo o trabalho de animais, máquinas e entes abstratos (pessoas jurídicas)” (CAROLINA TUPINAMBÁ, 2006, p. 114 apud FRANCISCO DE ARAUJO)
Como vemos as relações de trabalho devem exclusivamente possuir um caráter de pessoalidade, excluindo-se qualquer outra, devendo se realizada estritamente com a força ou intelecto humano, para que assim possamos caracterizar tais situações como típicas relações de trabalho. Tem-se então a necessidade de uma atividade humana na sua forma individualizada.
Indo-se conforme a perspectiva positivista de Kelsen, aqueles atos praticados por pessoas jurídicas também estariam inseridos dentro do contexto de relação de trabalho, visto produzirem no mundo do direito os mesmos efeitos que os praticados pelo trabalhador pessoa física. Porém, ao analisar a idéia de trabalho presente no texto constitucional, do ponto de vista pragmático, devemos ter como base a idéia dos diversos contextos de uso através do ângulo da conduta humana, um sentido que esteja ligado ao de atividade humana enquanto trabalho individualizado. Fábio Rodrigues Gomes ao tratar do assunto escreve:
“Assim, considerando as dimensões axiológica, formal e substancial (teleológica e ontológica), indispensáveis a configuração pragmática da noção de trabalho, tal como ela se apresenta na Constituição de 1988, temos que a “relação de trabalho” só existirá para a pessoa jurídica quando prestada em seu favor por um indivíduo, seja ele um membro de sua organização produtiva (órgão), sela ele alguma pessoa física externa à sua estrutura orgânica (administrador/mandatário). O que importa salientar é que, mesmo sendo a pessoa jurídica uma realidade para o direito, a palavra “trabalho” a ela não se aplica, pois possui sentido arraigado ao de atividade humana” (FÁBIO RODRIGUES, 2006, p.31).
Outro fato é que essas relações não possuem quaisquer diferenciações no que diga respeito à economicidade do trabalho desenvolvido, o que significa que havendo a pessoalidade, a individualidade, os trabalhos decorrentes de natureza gratuita como, por exemplo, os trabalhos voluntários, também estarão inseridos como parte formadora dessa relação.
A expressão relação de trabalho presente no texto nos remete a idéia de relação de trabalho em sentido lato, ou seja, o gênero sejam relações inseridas num contexto de auto-organização do trabalho, sob a forma de trabalho autônomo, ou ainda num contexto de subordinação, onde o empregado cumpre ordens, configurando o emprego propriamente dito. O primeiro se constitui por um vínculo jurídico no qual há a pré-determinação da prestação, que por sua vez não sofre a intervenção total do empregador, o que ocorre no trabalho subordinado.
Essas relações de trabalho subordinado são aquelas que podem ser encontradas nos artigos 2°, 3° e 442 da CLT, relembrando:
“Art. 2º – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
§ 1º – Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.
§ 2º – Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.
Art. 3º – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Parágrafo único – Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.
Art. 442 – Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”
Como se vê ao ler os artigos a relação de emprego mantém como característica a chamada subordinação, sendo que pode ser vista de dois modos distintos, um que é aspecto subjetivo da mesma, onde o empregado vê-se na condição de natural e consciente de cumpre ordens de seu empregador. E, o outro aspecto é aquele no qual o empregador tem seus poderes amparados no ordenamento jurídico, poderes de direção, disciplinariedade e hierarquia, que por sua vez, não são ilimitados, tendo suas devidas restrições descritas nas normas jurídicas que regulam os direitos dos trabalhadores.
Estas situações de relações de emprego já estavam devidamente contempladas na competência anterior da Justiça do Trabalho. Portanto, já se encontravam como devido tratamento legal a que necessitam. Porém reafirma-se o fato de que essa proteção as lide resultantes de relações empregatícias se fazem necessárias visto que sem o meio formal e adequado de se buscar a reparação de eventual dano, o empregado dificilmente terá sucesso frente ao seu empregador, pois por uma regra natural possui demasiada condição sócio-econômica de entrar em embate com seu senhor. É o profissional que acaba por ter sua razão de direito deficitária devido a sua natural condição de inferioridade econômica.
Sem o devido tratamento pela Justiça Especializada, o empregado, mesmo tendo seu contrato de trabalho inicialmente dentro das normas e limites legais não teria como perquirir e manter condições reais de garantias de que seus direitos seriam respeitados. Outrossim, ficaria a mercê da boa fé de quem lhe contratasse e garantisse boas condições laborais e do entendimento individualístico da justiça comum que vem do costume de lides estabelecidas num contexto onde as partes possuem geralmente condições mais isonômicas de lutarem por seus interesses, existindo nestas uma maior autonomia de vontade das duas partes envolvidas, o que não é o caso das lides decorrentes da situação laboral que normalmente se estabelece dentro de estruturas nas quais a necessidade pessoal do empregado na hora de assinar contratos de trabalho fala mais alto do que a luta por condições justas de trabalho.
4.2. As subdivisões da Nova Competência da Justiça Trabalhista
Dessa forma a ampliação se deu com a inserção das lides decorrentes das Relações de Trabalho inseridas dentro desse novo contexto, mas que precisam ser vistas com a devida interpretação para não se extrapolar demais tais conceitos. Maurício Lindenmeyer Barbieri ao tratar do assunto enumera as seguintes situações que se enquadram dentro dessa nova competência:
“[…] b) os litígios decorrentes da prestação de serviço autônomo, regulado nos arts. 593 a 599 do Código Civil, tramitando o litígio na Justiça do Trabalho;
c) os litígios decorrentes da empreitada, tanto de labor quanto de trabalho e fornecimento de material, arts. 610 a 626 do Código Civil;
d) os litígios envolvendo o contrato de depósito, art. 628 do Código Civil, ainda que o depósito seja gratuito;
e) litígios envolvendo mandato, desde que o mandatário seja pessoa física e a instituição do mandato tenha ocorrido intuitu personae, arts. 653 e 654 do Código Civil.
f) contrato de agência e distribuição, que ocorre sempre que uma pessoa assume, em caráter não-eventual e sem vínculo d dependência, a obrigação de pormover, à conta de outro, mediante retribuição, a realização de certos negócios em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada, nos termos do art. 710 do Código Civil;
g) corretagem, arts. 722 a 725 do Código Civil, cuidando da relação entre o corretor de seguros e o tomador de seus serviços;
h) contrato de transporte, previsto no art. 730 do Código Civil, no qual alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas. Neste caso, vale a competência da Justiça Comum para empresas transportadoras.
i) cooperativas de trabalho e mão-de-obra, art. 1093 do Código Civil, para divergências de seus associados” (MAURÍCIO BARBIERI, 2009, p. 90).
Essas relações são situações que se estabelecem conforme regras do Direito Civil em geral, presentes e delimitadas no Código Civil, mas por terem conteúdo de relações que incorporam natureza laboral passaram a serem atraídas e tratadas na Justiça Especializada. Mas é necessário um cuidado ao se verificar, presentes tais lides, a presença real de relações laborais. Portanto, o primeiro passo, e que já foi abordado anteriormente, a se fazer para delimitar a competência da Justiça do Trabalho é o de se verificar se a parte que esta prestando o serviço é uma pessoa jurídica ou uma pessoa natural, pessoa física. Em sendo uma pessoa jurídica na há que se falar em enquadramento na nova competência, por que essas relações estarão estranhas aquelas a que a Justiça do Trabalho se limita, visto não possuírem o caráter essencial da pessoalidade.
Nesse mesmo sentido, Adriano Mesquita Dantas, ao fazer referência a Maurício Godinho Delgado, em seu artigo científico “A nova competência da Justiça do Trabalho: considerações sobre as mudanças implementadas pela Emenda Constitucional nº 45”, relembra que:
“[…] todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano. Refere-se, pois, a toda modalidade de contratação de trabalho humano modernamente admissível. A expressão relação de trabalho englobaria, desse modo, a relação de emprego, a relação de trabalho autônomo, a relação de trabalho eventual, de trabalho avulso e outras modalidades de pactuação de prestação de labor […]. Traduz, portanto, o gênero a que se acomodam todas as formas de pactuação de prestação de trabalho existentes o mundo jurídico atual”
Portanto, o que restringe onde será discutida a lide não é em razão da matéria de direito ser ou não tratada na Legislação Trabalhista, ou seja, na CLT, podendo também ser tratadas questões que tenham como base jurídica buscada em outras fontes, como os casos descritos anteriormente serem discriminados no Código de Direito Civil. O Direito Civil servirá como forma de fonte subsidiária do Direito do Trabalho, conforme descrição do artigo 8°, parágrafo único[4], da Consolidação das Leis Trabalhistas, onde a busca pela norma pertinente quando do tratamento de relações do trabalho poderá ocorrer através do direito comum como forma de fonte subsidiária daquele. O enfoque sempre será dado no sentido de se verificar a existência de relações de trabalho nos litígios em questão.
Também o artigo 769 da CLT nos trouxe norma de que determina a aplicação subsidiária do Direito Processual Comum, que servirá de fonte subsidiária ao direito processual do Trabalho. Daí extrairmos que a Competência da Justiça do Trabalho não está restrita às lides que envolvam o Direito Material do Trabalho, ou ainda aos conflitos que sejam exclusivamente submetidos aos Procedimentos específicos do direito Processual do Trabalho, indo além, cabendo a Justiça Trabalhista processar e julgar toda e qualquer ação que esteja dentro de sua destinação dada constitucionalmente pelos motivos extrajurídicos, conforme a manifestação política manifestada através de seu Legislador Extraordinário de acordo com o momento social.
Como já dito, o Direito Material que regula tais relações pode ser encontrado no Direito como um todo, em especial no Direito do Trabalho, no Direito Civil e no Direito Administrativo. No Direito Civil, as relações de trabalho se encontram previstas, de um modo geral, nos artigos 593 e seguintes do Código Civil, são aquelas relações que embora tenham caráter trabalhista não estão incluídas nas relações de emprego.
No Direito administrativo, encontramos as relações de trabalho que consistem nos vínculos, não eventuais e subordinados mantidos entre aqueles servidores públicos com a Administração Pública, seja qual for o regime jurídico estabelecido.
E por fim, no Direito Material do Trabalho estão aquelas relações individuais de trabalho e as relações coletivas de trabalho. Essas relações se diferenciam a partir dos sujeitos, dos interesses e da causa final de ambos. Nas relações coletivas os sujeitos são grupos de trabalhadores e de empregadores e nas individuais os trabalhadores singularmente considerados. Os interesses nas ações coletivas são aqueles que satisfaçam certo grupo ou categoria profissional e a causa final se da na luta pela defesa desses interesses. Já nas relações individuais os interesses são autônomos, isolados e não se comunicam, portanto a causa final está na defesa dos interesses de forma isolada e específica das pessoas.
Diante do que já foi dito, e por razões de caráter metodológico é oportuno se utilizar para o tratamento das diferentes e novas competências materiais da Justiça Especializada, a classificação de Andréa Presas Rocha, que ao tratar do tema em seu Livro Manual de Competências da Justiça do Trabalho, enumerou-as[5] da seguinte forma:
A) Ações oriundas da relação de trabalho;
B) Ações que envolvam o exercício do direito de greve;
C) Ações sobre representação sindical;
D) Mandados de segurança, habeas corpus e habeas data;
E) Ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; e
F) Dissídios coletivos.
Essa classificação não tem por cunho exaurir todas as lides que porventura venham a se enquadrar na nova competência, mas sim o intuito de dar uma idéia de forma mais clara e abrangente de como ficou a nova ordem constitucional. Tal divisão se coaduna com o texto constitucional abrangendo de forma genérica as diferentes facetas a que se distribuem as diferentes lides que vem a ser o objeto da Justiça Especializada.
4.2.1. Ações oriundas das Relações de Trabalho
As primeiras Ações que, pode se dizer, são a principal competência da Justiça do Trabalho são as oriundas das relações de trabalho, ações estas que já foram tratadas e delimitadas nos parágrafos anteriores deste trabalho. Já se falou que elas se distribuem em relações de trabalho latu sensu e em relações de emprego, sendo esta uma espécie daquela. Todavia ainda cabem alguns comentários acerca desse assunto que traz ainda inúmeras discussões.
Estas ações decorrentes das relações de trabalho podem ser individuais e coletivas. As primeiras nascem de relações unilaterais entre as partes, onde uma presta serviços de natureza laboral a outra, seja na forma de trabalho subordinado, ou de trabalho autônomo. Ambas podem ter sua causa de pedir remota, não precisam de forma alguma serem oriundas apenas de relações de emprego como no texto anterior, podendo se estabelecer entre quaisquer sujeitos. Nas segundas se destacam as ações de dissídios coletivos de greve e ações civis públicas, mas estas serão tratadas mais a frente em momento oportuno, conforme a nossa classificação didática.
Vale lembrar que as ações mesmo que individuais, que via de regra, tem sua causa remota nas relações de trabalho não-coletivas, podem ter também suas causas nas relações de trabalho coletivas. Neste sentido se repete as palavras de Andréa Presas Rocha que ao tratar do assunto em seu Livro Manual de Competências da Justiça do Trabalho, escreve:
“Exemplo desta última é a ação do dirigente sindical visando a sua reintegração, em decorrência do fato de ser portador de estabilidade provisória. Já as ações individuais oriundas de relações de trabalho não-coletivas são infindáveis, englobando dissídios entre trabalhadores e tomadores, lides interobreiras, dissídios interpatronais, bem como os incidentes a elas relacionados, a exemplo da intervenção de terceiros” (ANDREAS ROCHA, 2008, p. 114)
Portanto, como nos exemplos acima, mesmo que a causa remota seja decorrente da relação de direito material coletivo, as ações que se estabelecem desses fatos se desenvolvem em relações processuais de cunho individual e natureza laboral.
Não podemos deixar de lembrar também as ações que se estabelecem de forma inversa, entre as partes. Ou seja, as que se formam em face do trabalhador autônomo, e diz neste exemplo autônomo, visto que em sendo o empregado sob regime de subordinação, não há dúvidas de seu tratamento. Neste sentido, se fazem necessárias as palavras de Maurício Lindenmeyer Barbieri que em seu Livro Curso de Direito Processual Trabalhista, exemplifica:
“Numa análise preliminar sobre a extensão da nova competência da Justiça do Trabalho, parece que esta será o foro não apenas para as ações propostas pelos prestadores autônomos de serviços; mas, também, para as que são em face deles ajuizadas, pelos que contratam o serviço, pouco importando sejam os últimos pessoa natural ou jurídica. Exemplifique-se com a ação proposta por hospital contra médico prestador autônomo de serviço que, ao desenvolver a atividade para a qual foi contratado, provoca dano em equipamento da instituição” (MAURÍCIO BARBIERI, 2009, p. 94).
Ainda no tratamento das Ações de Trabalho Individuais, temos as ações que se originam de relações com o Ente Público, o que suscitou certa dúvida referente ao enquadramento destas na competência da Justiça Trabalhista quando da mudança posta através da Emenda Constitucional 45. Tal discussão suscitou na Ação Direta de Inconstitucionalidade, processo 3.395-6, publicada em 5.4.2006. Discutia-se a possibilidade de dar tratamento igualitário aquelas ações decorrentes das relações de trabalho estabelecidas entre o ente público e o trabalhador, visto que era assim que se entendia com uma leitura literal o novo artigo 114, inciso I, da Constituição Federal.
No mérito da Ação se entendeu por bem dar interpretação restritiva ao conceito de relação de trabalho quando se trate de causas que envolvam o Poder Público e seus servidores estatutários. Entendeu-se essa situação ser alheia ao conceito original de relação de trabalho, tendo em vista as características peculiares a que estão submetidos os servidores públicos estatutários, em virtude da influência constante do Direito Administrativo, qual é inerente da Administração Pública.
Segue a Emenda da Ação que declarou o reconhecimento da incompetência da Justiça Trabalhista para causas de Relação de Trabalho de Servidores Estatutários:
“EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Competência. Justiça do Trabalho. Incompetência reconhecida. Causas entre o Poder Público e seus servidores estatutários. Ações que não se reputam oriundas de relação de trabalho. Conceito estrito desta relação. Feitos da competência da Justiça Comum. Interpretação do art. 114, inc. I, da CF, introduzido pela EC 45/2004. Precedentes. Liminar deferida para excluir outra interpretação. O disposto no art. 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária”
Neste sentido, fixa-se então a Jurisprudência, conforme exemplos abaixo:
“EMENTA: INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. SERVIDOR ESTATUTÁRIO. REGIME ADMINISTRATIVO. Constatada a hipótese de reclamação trabalhista proposta por servidor submetido a regime jurídico de natureza administrativa, esta Justiça não é competente para processar e julgar o feito, mas sim a Justiça Comum Estadual. Inteligência do artigo 114 da Constituição da República. Recurso de revista conhecido e provido. ( RR – 813652-11.2001.5.11.5555 , Relator Ministro: Lelio Bentes Corrêa, Data de Julgamento: 05/03/2008, 1ª Turma, Data de Publicação: 11/04/2008)
“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO – SERVIDOR ESTATUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. Nega-se provimento a agravo de instrumento que visa liberar recurso despido dos pressupostos de cabimento. Agravo desprovido.”( AIRR – 57140-80.2006.5.04.0701 , Relator Ministro: Renato de Lacerda Paiva, Data de Julgamento: 10/02/2010, 2ª Turma, Data de Publicação: 26/02/2010)
“EMENTA: REMESSA NECESSÁRIA. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Ato impugnado praticado por Gerente Regional do Instituto Nacional de Seguridade Social, mediante o qual se determinou a desincorporação de vantagem incidente sobre os vencimentos dos Impetrantes, originariamente integrante de seus salários por força de decisão judicial transitada em julgado. Alteração da natureza jurídica do vínculo existente entre os Impetrantes e o ente da administração pública, de empregatícia para estatutária, por força do disposto na Lei nº 8.112/90. Ato de natureza administrativa. Incompetência da Justiça do Trabalho para apreciar a controvérsia dele decorrente. Declaração de nulidade dos atos decisórios e encaminhamento dos autos à Justiça Federal de primeiro grau”. ( ED-RXOF e ROMS – 1386300-89.2002.5.14.0000 , Relator Ministro: Gelson de Azevedo, Data de Julgamento: 26/04/2005, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: 13/05/2005)”
Exclui-se de tal entendimento as contratações sob o caráter celetista feita pela Administração Pública. Sendo que tais conflitos oriundos destas relações estarão sob a competência da Justiça do Trabalho, visto estarem afeta as regras materiais da legislação comum do trabalho.
Conclui-se a primeira parte desta classificação com os elementos já anteriormente abordados da formação da relação de trabalho. Recordando: para que tenhamos a presença da relação de trabalho é necessária que essa relação seja desenvolvida intuito personae, sendo a pessoalidade sua maior característica, o que exclui as pessoas jurídicas sujeito ativo de relação de trabalho; não há que se fazer diferenciação quanto à economicidade dessa relação, o que inclui também nesse contexto relações de trabalho voluntário. Diante desses elementos, e presente matéria de conteúdo laboral, as lides decorrente deles serão discutidas na Justiça Especializada, com a exceção já estudada das decorrentes da relação formada entre o Poder Público e o Servidor Estatutário, diante das características próprias destas.
4.2.2 Ações que envolvam o exercício do direito de greve
O exercício do direito de Greve decorre do artigo 9° da Constituição Federal que respaldou o Direito de Greve ao trabalhador, sendo disciplinado pela Lei n° 7.783/89. Estas ações envolvendo o direito de greve podem versar sobre qualquer matéria e ainda ocorrer entre quaisquer sujeitos, se dando tanto na forma de ações individuais como coletivas, sendo perante o juízo de 1° grau que elas serão processadas, com a exceção das de dissídio coletivo de greve, que a competência originária é dos tribunais.
Portanto, resta descrever quais são essas ações. Essas ações como já se disse no parágrafo anterior, são ações individuais ou coletivas, decorrentes do movimento grevista, se relacionando com as matérias pertinentes ao mesmo. Segundo alguns doutrinadores o inciso II do artigo 114 da Constituição Federal trata apenas das ações que porventura ocorram na esfera individual, e para eles as coletivas estariam discutidas nos parágrafos 2° e 3° do mesmo artigo. Porém, não é nosso intuito o de discutir em qual norma se enquadra esta definição da competência, apenas dar conhecimento de que essas ações decorrentes do direito grevista estão presentes entre as competências dadas a Justiças do Trabalho.
A definição dessa competência está no artigo 144, inciso II e nos Parágrafos 2° e 3° da Constituição Federal de 1988, a saber:
“Art. 114: Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
[…] II – as ações que envolvam exercício do direito de greve;
[…] $2° Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
$3° Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito”
Necessário ressaltar que em decorrência do Exercício de Greve poderão surgir efeitos jurídicos de natureza trabalhistas, mas também de ordem civil ou penal. Sendo que quanto à ação de natureza Trabalhista não resta dúvidas de que serão apreciadas na Justiça Trabalhista, o que já ocorria antes da Emenda n° 45/2004. Quanto às demais ações existem controvérsias se deveriam ser tratadas na Justiça do Trabalho ou enquadradas em outra competência.
Como exemplos da competência da Justiça do Trabalho nesses casos de greve têm o de julgar as ações civis públicas que tenham o intuito de proteger direitos coletivos que possam restar lesionados no exercício da greve, bem como processar ação que vise à prevenção ou repressão de conduta anti-sindical, ou seja, aquela conduta que afronte o livre exercício da atividade sindical, ou ainda as lides decorrentes da prática de falta grave por determinado dirigente sindical no decurso da greve e a declaração da ilegalidade ou abusividade do movimento.
Controvérsias surgem quando em decorrência de outras relações surgidas com o advento da greve há o efeito em outros campos jurídicos que não exatamente o laboral, visto que em virtude da ampliação da competência para aquelas ações decorrentes da relação de trabalho, há a indução de enquadrar todas essas questões na nova competência, inclusive questões de ordem criminal. Porém, deve-se agir com cuidado ao se tratar tais casos, pois muitos embora decorram de relações inicialmente laborais, acabam por derivarem em ações que o objeto não terá, por conseguinte a mesma natureza.
São exemplo desta as ações de natureza criminais, que porventura tenham relação como movimento paradista as derivam das conexões com os direitos e deveres da Lei n° 7.783/1989. Andréa Rocha ao tratar do assunto escreve:
“Entendemos, por derradeiro, que fazem parte da competência material da Justiça do Trabalho as ações criminais relacionadas à greve, dede que não estejam constitucionalmente afetas à Justiça Federal.
…a exemplo dos crimes de constrangimento ilegal(CP, art. 146), ameaça (CP, art. 147), esbulho possessório (CP, art. 161), dano (CP, art. 163) e crimes contra a organização do trabalho não inseridos na competência da Justiça Federal (CP, arts. 197 a 207)” (ANDRÉA PRESAS ROCHA, 2008, p. 116 e 117)
Para Andréa Rocha a competência para tratar das presentes ações relacionada à Greve está sim incluída na Competência Trabalhista, salvo se estiverem afetas a Justiça Federal. Porém, a questão que é bastante controversa tem tido o entendimento por partes dos doutrinadores e dos Tribunais de que a justiça do Trabalho não possui Competência Criminal. O que corrobora com o entendimento do Supremo Tribunal Federal que ao processar a ADIn n° 3.684, deferiu em caráter liminar a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar questões de cunho criminal.
“EMENTA: COMPETÊNCIA CRIMINAL. Justiça do Trabalho. Ações penais. Processo e julgamento. Jurisdição penal genérica. Inexistência. Interpretação conforme dada ao art. 114, incs. I, IV e IX, da CF, acrescidos pela EC nº 45/2004. Ação direta de inconstitucionalidade. Liminar deferida com efeito ex tunc. O disposto no art. 114, incs. I, IV e IX, da Constituição da República, acrescidos pela Emenda Constitucional nº 45, não atribui à Justiça do Trabalho competência para processar e julgar ações penais”
Portanto, as matérias que serão discutidas na justiça trabalhista com relação às situações que tenham origem nos efeitos decorrentes de situações grevistas serão apenas aquelas as quais tenham cunho de caráter laborativo, ou seja, eficácia ou decorrência direta na relação de trabalho, sendo seu objeto de ação matéria afeta a Justiça do Trabalho. Excluindo-se qualquer outra, pois os efeitos se estabelecem num âmbito diferente que o do contexto laboral de tal Justiça, portanto, sem a necessidade e sem a lógica da justiça especializada para os julgamentos desses casos.
4.2.3. Ações sobre representação sindical
As ações sobre representação sindical se enquadram dentre aquelas que derivam da competência ex ratione personae, em razão da pessoa. Mas necessário se afirmar que as hipóteses decorrentes da aplicação desse inciso não decorrem simplesmente de uma aplicação pura do critério de definição da competência em razão da pessoa, necessitam de critérios que combinados em razão de pessoas determinadas no inciso somarão as matérias que estarão afetas a Justiça do Trabalho.
Como decorre de uma leitura do inciso III do artigo 114 da Constituição Federal:
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
III – as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores”
Pode se notar através da leitura do inciso, mesmo que de forma breve, que a Emenda passou a atribuir à Justiça Trabalhista competência para dirimir conflitos quais se distribuem em três divisões: ações entre sindicatos; ações entre sindicatos e trabalhadores e ações entre sindicatos e empregadores. Esses conflitos como lembra Carolina Tupinambá são conhecidos como “conflitos impróprios”, são aqueles que embora não decorram diretamente de uma relação de trabalho se encontram a ela relacionada seja pela origem, pelo objeto, por motivação ou por outras ligações que impliquem relações afetas a legislação trabalhista. Portanto, entendeu por bem o legislador em enquadrá-los na nova competência judiciária trabalhista.
Ainda repetindo as palavras de Carolina Tupinambá, os sindicatos pedem se apresentar em juízo com três diferentes qualidades jurídicas:
“1 – Como substituto processual, tal como ocorre nas seguintes possibilidades legislativas, a saber:
(a) Mandado de Segurança Coletivo; artigo 5°, inciso LXX, alínea b, da Constituição Federal.
(b) Ação de cumprimento de sentença normativa; parágrafo único do artigo 872 da CLT.
(c) Argüição de insalubridade; § 2° do artigo 195 da CLT.
(d) Ajuizamento em abstrato pela Lei de Substituição Processual e Política Salarial; Lei 8073/90, artigo 3°.
(e) Cobrança de depósito em Fundo de Garantia por tempo de serviço; Lei n° 8.036/90.
2 – Como representante de um associado, tal como preceituam os artigos 513, alínea a, e 791, § 1°, ambos da CLT.
3 – Em nome próprio, como suposto titular de direito pessoal ou em defesa de seus direitos como pessoa jurídica” (CAROLINA TUPINAMBA, 2006, p. 220 e 221).
Já de antes os sindicatos vinham exercendo perante a Justiça do Trabalho atuações como substitutos processuais e representantes, mas quando precisavam estar em juízo pleiteando direitos próprios, por exemplo, eram submetidos às esferas da justiça comum e da justiça federal, mesmo que tais discussões estivessem intimamente ligadas a matérias de natureza trabalhista. Com a nova competência as ações em que atua em nome próprio se dividem em três: ações sindicais individuais, ações intra-sindicais e ações sindicais sobre contribuições.
Note-se que o inciso III do artigo 114 da Constituição não faz referência a relações de trabalho, portanto, conclui-se que essas ações não precisam decorrer necessariamente de relações de trabalho, mas sim se estabelece como já dito anteriormente, em razão da pessoa, na figura dos sindicatos. E, estes devem ser compreendidos na etimologia da palavra em sentido amplo, como por exemplo, incluindo-se neste contexto as Federações e Confederações, que atuam como pertencentes ao sistema sindical.
Ainda necessário se falar do termo de comum acordo descrito no parágrafo segundo do artigo 114 da Constituição Federal. Como se pode ver através de uma leitura do texto inserido através da Emenda Constitucional de número 45 há a necessidade de que haja a necessidade de pacto entre as partes, quando em decorrência de conflitos de interesses estabelecidos na esfera coletiva, para assim se levar ao Poder Judiciário a decisão do conflito. Isto traz inúmeras discussões acerca dessa necessidade de “autorização” de ambas as partes, visto que reduz o poder de luta e o poder de discussão, principalmente da parte laboral, pois há a necessidade de consentimento da parte patronal para que se possa recorrer ao judiciário na busca de condições melhores de trabalho quando estas discussões já estão sendo tratadas através da discussão coletiva, e esta se torna frustrada.
4.2.3. Habeas Corpus, Habeas Data e Mandado de Segurança.
É sabido dentre os estudiosos do mundo jurídico que as Constituições dos Estados Democráticos de Direito encerram em seus textos, carregadas cargas de direitos fundamentais, o que também faz parte da nossa Constituição Federal de 1988. Porém, tal efetividade desses direitos elencados na carta magna não estaria completa senão estivessem presentes previsões de garantias constitucionais para a eficácia plena dos mesmos.
As disposições de direitos fundamentais, como por exemplo, as presentes no artigo 5° de nossa constituição serão de cunho meramente declaratório senão houver previsões de garantias constitucionais que darão aos cidadãos a segurança do exercício e gozo desses direitos. Afinal, repetindo-se as palavras de Calamandrei: “todas as liberdades são vãs, se não puderem ser reinvindicadas e defendidas em juízo”.
Portanto, ao lado desses direitos surgem as chamadas garantias constitucionais de direitos e/ou remédios constitucionais de forma a assegurarem a eficácia desses benefícios, tornando-se os instrumentos adequados e dessa forma necessários à tutela dos direitos fundamentais inseridos no texto constitucional. Repetindo as palavras de Ruy Barbosa, Carolina Tupinambá, expõe-nos a diferença de ambos:
“[…] as disposições meramente declaratórias são aquelas que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos; as disposições assecuratórias, são as que, em defesa da liberdade, limitam o poder. Aquelas insituem os direitos; estas as garantias; ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia, com a declaração do direito” (CAROLINA TUPINAMBÁ, 2006, p. 402 apud RUY BARBOSA)
Tais previsões possuem instrumentos adequados e necessários a tutela desses direitos fundamentais, sendo o que passaremos a tratar nos parágrafos seguintes sobe o enfoque da Justiça Trabalhista.
Diante da mudança na competência da Justiça Trabalhista houve a inclusão no inciso IV do artigo 114 da Carta Magna para o julgamento de mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, sempre que o ato questionado envolver em seu seio matéria sujeita a jurisdição respectiva. Isto se reflete numa grandiosa oportunidade da justiça trabalhista em desempenhar um papel fundamental quando da apreciação de remédios constitucionais à manutenção da dignidade da pessoa humana.
Em suma é caso de competência em razão da matéria, em que certa pessoa possui determinado direito lesionado com caráter de matéria afeta a justiça trabalhista e, portanto merecerá o adequado tratamento legal da justiça especializada. Esses remédios constitucionais que neste caso devem estar relacionados diretamente a contextos de relações laborais, lesões ocasionadas em decorrência de situações laborais ou com efeito decorrentes de relações estabelecidas em vínculos – em sentido amplo – trabalhistas.
O primeiro remédio constitucional que descrevemos é o do Habeas Corpus e decorre de um direito elencado no inciso XV do artigo 5° da Constituição Federal, que é o direito individual da liberdade de locomoção. Isso que significa que para que esse direito seja respeitado é necessário que se possa ir, vir e ficar, ou seja, se movimentar dentro do espaço físico territorial nacional, sem limitações de quem quer que seja. Pedro Lensa ao tratar do tema escreve:
“A locomoção no território nacional em tempo de paz é livre, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens. Neste sentido, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei, ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente” (PEDRO LENSA, 2009, p. 690)
E, quando alguém se sentir ameaçado no seu direito de ir, vir, ou tiver sua faculdade de se locomover lesionada por quem quer que seja, poderá fazer uso do remédio constitucional chamado de Habeas Corpus. Tal violação tanto poderá se dar em decorrência de ato ilegal como de abuso de poder, não se fazendo necessária que esta violação, essa perda do direito, se encontre de forma concretizada, mas apenas a existência de ameaça a tal direito fundamental nos trás o direito a concessão de habeas corpus pela autoridade judiciária.
Ressalte-se que o direito de recorrer ao habeas corpus se dá sem custas judiciais e pode ser ajuizado em benefício próprio, como em direito alheio, o chamado habeas corpus de terceiro. Tais direitos decorrem por se tratar de um direito dos caros ao homem, o direito à liberdade.
A Justiça do Trabalho já vinha de muito tempo reclamando para si essa atribuição naquelas situações em que a lesão ocorre em decorrência de uma relação laboral. Como exemplos, temos o de quando o patrão restringe a liberdade de locomoção do trabalhador, mantendo-o no ambiente de trabalho ou ainda quando a autoridade policial restringe a liberdade de grevista em face dos atos praticados por este quando do movimento paredista dentro dos limites legais.
Como se vê são lesões que ocorrem em decorrência ou na vigência de uma relação de trabalho, sejam elas no sentido de empregado e empregador, bem como da relação em sentido amplo estabelecida entre o trabalhador e seu contratador/empregador. Sendo inúmeros os exemplos que aqui podem ser enumerados, como os já expostos no parágrafo anterior.
O segundo remédio previsto na Constituição e que estamos analisando neste enfoque é o direito ao Habeas Data. Previsto no artigo 5°, inciso LXII da Constituição Federal:
“Artigo 5°, Inciso LXXII – Conceder-se-á habeas data:
a) Para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;
b) Para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso ou administrativo”
O remédio do habeas data é um direito personalíssimo, ou seja, só poderá ser requerido por aquele a quem corresponda os dados solicitados. Contra entidade governamental ou que detenha caráter público. Serve para se ter conhecimento de dados registrados e/ou para retificá-los ou excluí-los quando não condizentes com a realidade.
Será usado no contexto da Justiça do Trabalho sempre que se queira ter o conhecimento ou ainda se deseje fazer a retificação de determinado registro, e o ato contrário envolver matéria sujeita à jurisdição da Justiça do Trabalho.
O terceiro e último remédio tratado neste item se refere ao Mandado de Segurança, e está previsto no inciso LXIX do artigo 5° da Constituição Federal. É um remédio assecuratório de toda liberdade que não esteja amparada por habeas corpus ou habeas data, é um remédio que possui incidência, portanto, residual, que caberá para discutir direito líquido e certo do impetrante que não estiver devidamente amparado por outras garantias constitucionais. Pode ter caráter preventivo, e neste caso se dá com base em indícios razoáveis da ilegalidade ou do abuso de poder; ou ainda repressivo, que ocorre quando a violação ao direito já está consumada, visa desta forma a desconstituição do ato lesivo ocasionado.
Poderá se impetrado tanto quanto a autoridade judiciária como a administrativa. Sergio Pinto Martins exemplifica alguns casos:
“O mandado de segurança poderá ser impetrado contra o auditor fiscal do trabalho ou o Delegado Regional do Trabalho em decorrência de aplicação de multas provenientes da fiscalização das relações de trabalho (art. 114, VII, da Constituiçao), na interdição de estabelecimento ou setor, de máquina ou equipamento, no embargo à obra (art. 161 da CLT). Será a ação proposta perante a primeira instância e não no TRT.
Contra ato de funcionário ou do juiz do trabalho, o mandado de segurança continua a ser de competência dos Tribunais Regionais (art. 678, I, b, 3, CLT) […]” (SERGIO MARTINS, 2006, p. 119)
Como se vê o remédio aqui descrito, assim como os demais aqui discutidos devem envolver matéria sujeita à competência da Justiça Trabalhista e não a sua jurisdição, pois a primeira como recorda Sérgio Martins é uma parcela da segunda, é uma delimitação da jurisdição. Poderá se impetrado tanto quanto a autoridade judiciária como a administrativa.
4.2.4. Ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho
Inovação da Emenda Constitucional de 45, antes estas ações estavam sendo julgadas sobre o enfoque do direito comum, onde muitas vezes acabava por existir um abrandamento no julgamento acerca de questões sobre as aplicações das multas, em decorrência de entendimento de não se poder prejudicar quem estivesse produzindo. Neste novo enfoque, o raciocínio deverá se dar em função do princípio do protecionismo, que nos parece ser o mais adequado pois as fiscalizações ocorrem na razão da verificação das condições de trabalho a que estão submetidos os trabalhadores.
Portanto, avanço significativo nesta ceara aconteceu com a mudança, dando ao Ministério do Trabalho e Emprego maior efetividade na execução fiscalizatória, visto que quando surgir questões divergentes, haverá o julgamento adequado e sobre o enfoque de quem tem o cunho de equilibrar as relações de trabalho. Isto significa maior respeito ao meio ambiente de trabalho e às normas de segurança e medicina do Trabalho.
Ao tratar do tema Carolina Tupinambá nos cita textos que se fazem pertinentes ao nosso contexto:
“Trata-se de lide conexa à derivada da relação de emprego. Com efeito, é lide que advém do desrespeito à legislação trabalhista, sob cuja ótica precipuamente será solucionada. Assim, não havia razão para escapar à órbita da jurisdição especializada trabalhista. […] A partir de agora, o mesmo órgão que decidirá sobre a natureza jurídica da verba sonegada e seus reflexos ou mesmo sobre o real alcance da norma da CLT será também competente para examinar as ações das empresas que visam desconstituir as penalidades impostas pelos auditores fiscais do MTE. Haverá salutar e necessária uniformização da hermenêutica da norma trabalhista descumprida tanto para os efeitos da sentença condenatória em prol do trabalhador, quanto para os efeitos da incidência de multas administrativas” (CAROLINA TUPINAMBÁ, 2006, p.24º e 241).
Em suma, nota-se a inclusão de mais um relação jurídica que estava fora da competência material da Justiça do Trabalho, mas que necessitava do tratamento adequado da jurisdição estatal. Situações que trazem influência direta nos cotidianos de inúmeros trabalhadores que almejam condições dignas de trabalho.
4.2.5. Dissídios Coletivos
Antes de analisarmos as Ações Trabalhistas decorrentes de dissídios coletivos é necessário se conceituar o que significam as ações coletivas. O que nos remete a meados do século XX.
Com o advento das novas e inúmeras relações sociais decorrentes da mudança que se fez presente na sociedade no final do século XX, desde o aumento do consumo, da proliferação de direitos e das mais variadas relações que se estabeleceram em virtude das mudanças dinâmicas sociais advindas, houve um conseqüente aumento na demanda da tutela jurisdicional prestada pelo estado. Viu-se o estado neste momento incapaz de atender de forma adequada a crescente demanda, de modo que a administração da justiça já não mais conseguia criar uma oferta de justiça compatível com a procura verificada.
O direito individual de ação encontrava empecilhos, e entre eles os principais eram os custos do processo, a desinformação, a morosidade do judiciário e o valor da causa. As partes mais lesionadas nesse sistema eram justamente aquelas menos favorecidas do ponto de vista econômico, pois os custos jurisdicionais representavam proporcionalmente o maior custo em virtude da, geralmente, inferioridade de suas causas. Tal situação acabava por fazer com que essas pessoas menos favorecidas ficassem sem a possibilidade de reparação de um direito lesionado através da tutela jurisdicional.
Num determinado momento se percebeu que a reunião de pequenas causas em uma única dava fortalecimento judicial a essas lides. E, os grupos até então, pouco beneficiados pelo contexto jurisdicional que se lhes impunha, acabava de ganhar um novo aliado na luta por seus direitos positivados. Houve uma revisão dos institutos jurisdicionais de forma a amoldá-los à tutela de interesses comuns de uma determinada classe de homens.
E, na esfera trabalhista, os sindicatos passaram a ter papel importante na lutas por direitos trabalhistas, passando a figurar como partes processuais capazes de representar em juízo os interesses de centenas de trabalhadores. Na constituição de 1988 vê-se no artigo 8°, inciso III [6], a legitimidade ativa e passiva ad causam dessas associações laborais, seja no âmbito judicial como administrativo. Legitimidade para a defesa de direitos e interesses coletivos.
Esses dissídios coletivos são ações destinadas à defesa de interesses gerais e abstratos de determinada categoria, tendo por fim, geralmente, a interpretação de certa norma ou a criação de normas mais benéficas do que aquelas previstas na lei. Eles tem como pressuposto a deliberação assemblear de determinada categoria.
Os dissídios têm o caráter de constituir direitos, seja através da interpretação de direitos ou na construção de novas normas ou condições na esfera das relações trabalhistas. Dão-se, via de regra, quando determinada categoria não fica abarcada por determinado acordo coletivo ou não há o entendimento entre as partes dos direitos e deveres que decorrerão do acordo coletivo pactuado. Diante desse impasse há a provocação do Judiciário para compor o conflito entre os interesses das partes, mediante a sentença normativa. No momento em que acontece a sentença há no direito processual um instrumento de produção jurídica, a competência para formular a norma que comporá o conflito, ocorrendo a chamada competência normativa da justiça do Trabalho.
Por fim, a competência para julgamento dos dissídios coletivos é determinada em função da extensão territorial do conflito. Como por exemplo, se ultrapassar a área abrangida de um Tribunal Regional, será decidido pelo Tribunal Superior do Trabalho. Sendo que, as decisões decorrentes de dissídios coletivos atingirão todos aqueles que estejam compreendidos na categoria econômica ou profissional, não se restringindo apenas aos sindicalizados.
CONCLUSÃO
A Justiça do Trabalho tem colaborado com afinco ao longo dos tempos promovendo de forma inquestionável a manutenção da dignidade da pessoa humana. Seu papel tem sido de grande relevância no julgamento de lides que resultam de relações derivadas de desentendimentos entre os trabalhadores e seus patrões, interesses estes de grande disjunção de foco, onde a realidade social deficitária acaba por fazer valer a grande lei de mercado, a lei da oferta e da procura, onde os mais fracos acabam por sucumbir frente às condições de trabalho que lhes são impostas.
A luta por tais conquistas de condições de trabalho foi ganhando força no decorrer dos tempos. Novos direitos e instrumentos jurídicos capazes de fazer igualdade a essas relações foram ganhando espaço. O estado acabou por reconhecer que no modelo de sociedade atual o trabalho possui grande importância para a construção das riquezas e o fortalecimento das nações. O entendimento de que o direito ao trabalho é uma condição indispensável ao ser humano faz com que a todo instante surjam novas relações, e com elas novas necessidades de tutelas jurídicas.
E, foi dessas novas necessidades de tutela que resultou a ampliação significativa da competência material da Justiça do Trabalho. Alteração decorrente da mudança do texto constitucional pátrio, modificado através de Emenda Constitucional após longos debates e questionamentos, com duras críticas por parte dos legisladores ao poder judiciário, mas que sucumbiram as necessidades sociais de um poder judiciário forte e com instrumentos adequados a promover a segurança jurídica necessária.
Isto não significa que essas novas relações surgidas não estavam amparadas pelo ordenamento jurídico. A necessidade de serem elas discutidas com a devida especificidade foi que trouxe a luta por mudanças. Situações que se encontravam discutidas sobre a égide do direito comum, que possui uma ótica voltada para a experiência construída através de relações que se estabelecem com base na autonomia da vontade, onde a ordem contratual prevalece diante da igualdade das partes.
Essa nova necessidade trouxe para o âmbito da Justiça Trabalhista, as relações de trabalho em sentido amplo, sendo estas o centro da extensão do poder jurisdicional conferido aos magistrados trabalhistas e, portanto, o cerne do trabalho aqui desenvolvido. Passou-se a conhecer junto a Justiça do Trabalho praticamente todas as questões que envolvem ações com matéria afeta a direitos trabalhistas.
Conclui-se, por derradeiro, que a Justiça do Trabalho possui um caráter sobremaneira socialitário, e isto é vislumbrado através dos Princípios a ela inerentes e aos institutos jurídicos com os quais se identifica, dando maior agilidade nas demandas jurídicas e visualizando soluções menos onerosas ao processo. A luta pela conciliação das partes é um ponto forte, mas que é efetuada com base nos princípios que regulam as regras materiais do direito trabalhista. A busca pela realidade é, por conseguinte, uma forma de fazer justiça a relações, geralmente, tão desproporcionais do ponto de vista econômico. O princípio protetivo do direito do trabalho, que é criticado por alguns doutrinadores, só vem a corroborar com o equilíbrio das relações estabelecidas. E, o grande avanço conquistado através do advento da Emenda Constitucional de número 45 não foi em vão, a inclusão adequada das relações cotidianas de trabalho no respectivo órgão do Poder Judiciário trouxe a certeza de que há, através do estado, a garantia da segurança jurídica ao jurisdicionado.
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