Resumo: O presente trabalho visa demonstrar que o Código de Defesa do Consumidor trouxe muitos direitos aos consumidores e que passou a tutelar essa relação de consumo, revestindo-a de caráter público, afim de resguardar os interesses da coletividade.
Palavras chave: Consumidor; Fornecedor; Relação jurídica; Vulnerabilidade; Código de defesa do consumidor.
Sumário: 1.Introdução; 2.Histórico; 3.Características; 4.Sujeitos; 5.Objetos; 6.Vínculo de atributividade; 6.1.Lei própria; 7.Conclusão; Referências.
1.Introdução
A relação jurídica de consumo é aquela que se estabelece necessariamente entre fornecedores e consumidores, tendo por objeto a oferta de produtos ou serviços no mercado de consumo. Essa relação têm sua origem estritamente ligada às transações de natureza comercial e ao comércio propriamente dito, surgindo naturalmente à luz deste. Com o implemento e a difusão do comércio, as relações de consumo experimentaram naturalmente ao longo dos tempos, um processo de aprimoramento e de desenvolvimento com o crescimento das práticas comerciais, ganhando posteriormente importância, até atingir a forma contemporânea conhecida por nós, sendo devidamente regulamentada com o advento da lei 8078/90 (Código de Defesa do Consumidor), que passou a tutelar essa relação, revestindo-a de caráter público, afim de resguardar os interesses da coletividade. Os direitos dos consumidores se inscrevem dentro dos chamados “direitos humanos”, positivados ao longo da história pelas Constituições dos Estados. A Constituição Federal de 1988 já disciplinava uma proteção especial aos consumidores, tendo em vista que estes são partes integrantes da nova ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa.
A defesa do consumidor se baseia na punição dos que praticam ilícitos e violam os direitos deste, como também na conscientização dos consumidores de seus direitos e deveres, e dos fabricantes, fornecedores e prestadores de serviços sobre suas obrigações demonstrando que agindo corretamente eles respeitam o consumidor e ampliam seu mercado de consumo contribuindo para o desenvolvimento do país.
Assim, reconhecendo a vulnerabilidade do consumidor perante o fornecedor, o Código de Defesa do Consumidor procurou estabelecer orientações e normas que têm por objetivo assegurar respeito e dignidade, à saúde e a segurança do consumidor, proteção aos seus interesses econômicos, melhoria da sua qualidade de vida, bem como transparência e harmonia das relações de consumo.
2.Histórico
O Direito do Consumidor tem despertado crescente interesse em todo o mundo, mas antes de adentrarmos ao tema propriamente dito, faz-se necessário explicitar como foi o caminho histórico trilhado para despertar o movimento em defesa dos consumidores que recentemente faz parte de uma realidade assegurada na Doutrina e na legislação expressamente determinada com a criação do Código de Defesa do consumidor.
O consumo e a figura do consumidor têm base em experiências históricas resultantes dos costumes, jurisprudências e normas mais diversas encontradas de formas esparsas nos países, No entanto, não recebia a mesma denominação que atualmente apresenta por justamente não ser concebido como uma categoria jurídica distinta.
Fazendo uma análise histórica dos povos antigos é possível encontrar evidências implícitas da existência de regras entre consumidores e fornecedores de serviços e produtos em diversos códigos, constituições e tratados, bem antes da criação do Direito do consumidor.
Dessa forma pode-se destacar o antigo Código de Hamurabi (2300 a.C.). Este já em seu tempo disponha de certas regras que, ainda que indiretamente, visavam proteger o consumidor regulamentando o comércio, de modo que o controle e a supervisão se encontravam a cargo do palácio. O que já demonstrava existir preocupação com o lucro abusivo. Assim, por exemplo:
“Consoante a lei 235 do Código de Hamurabi,: “Se um construtor naval fizer um barco para alguém e não o fizer firme; se durante o mesmo ano o barco for lançado e sofrer danos, o construtor deverá pegar o navio de volta e reforçá-lo à sua própria custa.O barco reforçado deve ser entregue ao proprietário”
Desta norma podemos supor uma noção dos vícios redibitórios. Havia também regras contra o enriquecimento em detrimento de outrem (“lei” 48), bem assim a modificabilidade unilateral dos desajustes por desequilíbrio nas prestações, em razão de forças da natureza.
O consumidor já via seus diretos assegurados na Mesopotâmia e antigo Egito – emprego de modelos contratuais. Código de Massú (Índia séc. XIII a.C.) – “lei” 967: multa, punição e ressarcimento de danos aos que adulterassem gêneros ou entregassem coisa de espécie inferior àquela acertada ou vendessem bens de igual natureza por preço diferente “lei” 698.
No Direito Romano: (período clássico) o fornecedor só respondia pelos vícios que conhecia (a venda tem por objeto a coisa como ela é). Em momento seguinte (Justiniano) o fornecedor respondia pelos vícios mesmo ignorando-os (a venda tem por objeto a coisa como ela deveria ser). As ações redibitórias e quanti minoris eram instrumentos, que amparadas à Boa-Fé do consumidor, ressarciam este em casos de vícios ocultos na coisa vendida. Se o vendedor tivesse ciência do vício, deveria, então, devolver o que recebeu em dobro.
“No período romano, de forma indireta, diversas leis também atingiam o consumidor, tais como: a Lei Semprônia de 123 a.C., encarregando o Estado da distribuição de cereais abaixo do preço de mercado; a Lei Clódia do ano 58 a.C., reservando o benefício de tal distribuição aos indigentes e; a Lei Aureliana, do ano 270 da nossa era, determinando fosse feita a distribuição do pão diretamente pelo Estado. Eram leis ditadas pela intervenção do Estado no mercado ante as dificuldades de abastecimento havidas nessa época em Roma.” (Prux, 1998. p. 79).
Na Grécia a proteção ao consumidor preocupava Aristóteles, que advertia para a existência de fiscais afim de que não houvessem vícios nos produtos comercializados, e em Roma atestam-no a Lex Julia de cemnoma, o Édito de Diocleciano e a Constituição de Zenon. Cícero séc. I a.C.: garantia sobre vícios ocultos na compra e venda no caso de ter o vendedor anunciado ou apregoado que a mercadoria apresentava certas qualidades, ao depois da venda constatadas inexistentes.
A França de Luiz XI (1481) punia com banho escaldante aquele que vendesse manteiga com pedra no interior para aumentar o peso, ou leite com água para aumentar o volume. O jurista português Carlos Ferreira Almeida afirma que no Direito Português:
“Os códigos penais de 1852 e o vigente de 1886 (…), reprimindo certas práticas comerciais desonestas, protegiam indiretamente interesses dos comerciantes: sob o título genérico de crimes contra a saúde pública, punem-se certos actos de venda de substâncias venenosas e abortivas (art. 248º) e fabrico e venda de gêneros alimentícios nocivos à saúde pública (art. 251º); consideram-se criminosas certas fraudes nas vendas (engano sobre a natureza e sobre a quantidade das coisas – art. 456); tipificava-se ainda como crime a prática do monopólio, consistente na recusa de venda de gêneros para uso público (art. 275º) e alteração dos preços que resultariam da natural e livre concorrência, designadamente através de coligações com outros indivíduos, disposições revogadas por legislação da época corporativista, que regrediu em relação ao liberalismo consagrado no código penal.” (ALMEIDA, 1982 p. 40).
Fim do século XIX e início do séc. XX – surgimento de uma categoria própria de consumidores e de um ramo do direito destinado a regular as relações de consumo. Inglaterra 1891 – criação de um comitê para evitar anúncios publicitários inconvenientes. França 1905 – promulgada lei de proteção aos consumidores (preocupação com a segurança e coibição contra mentiras de vendedores sobre natureza e utilidade de produtos, falsificações e defeitos em alimentos). Alemanha 1909: qualquer associação de consumidores possuía legitimidade para atuar em juízo em situações de competição desleal. Suécia 1910 – primeira legislação de defesa do consumidor em colaboração com outros países nórdicos. EUA 1914 – criação de Federal Trade Comission com objetivo de aplicar lei antitruste e proteger os interesses dos consumidores. 15 de março de 1962 – mensagem do Presidente Americano ao Congresso – o direto do consumidor adentra nos seus tempos mais modernos começando a ganhar a notoriedade que merece.
A Revolução americana de 1776 foi uma revolução do consumidor e representa um marco histórico na luta por esses direitos. Pode-se dizer que, foi uma revolução
“Contra o sistema mercantilista de comércio britânico colonial da época, no qual os consumidores americanos eram obrigados a comprar produtos manufaturados na Inglaterra, pelos tipos e preços estabelecidos pela metrópole, que exercia o seu monopólio. (…) Samuel Adams, uma figura marcante no episódio do chá no porto de Boston, que, já em 1785 na República, reforçou as seculares “assizes” (Leis do Pão), da antiga metrópole, apontando sua assinatura na lei que proibia qualquer adulteração de alimentos no estado de Massachusetts.” (SOUZA, Miriam de Almeida 1996. p.51)
No Brasil, o consumerismo surgiu entre as décadas de 40 e 60, quando foram sancionados diversas leis e decretos federais legislando sobre saúde, proteção econômica e comunicações. Dentre todas as leis, pode-se citar: a Lei n. 1221/51, denominada Lei de Economia Popular; a Lei Delegada n. 4/62; a Constituição de 1967 com a emenda n. 1/69, que consagrou a defesa do consumidor; e a Constituição Federal de 1988, que apresenta a defesa do consumidor como princípio da ordem econômica (art. 170) e no artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que expressamente determinou a criação do Código de Defesa do consumidor. Sem dúvida alguma, fatos marcantes foram essenciais para que os direitos do consumidor fossem concebidos juridicamente como são hoje. O Estado liberal significou a não intervenção estatal na esfera privada, promovendo a defesa da livre incitava e livre concorrência, contribuindo para o advento da Revolução industrial (séc. XIX).
O aumento da produção mundial e a entrada facilitada de produtos e serviços em diversos países, ocasionaram uma concorrência desigual gerando concentração econômica, o quadro agravou-se ainda mais pelas lutas operárias por melhores condições de trabalho, deslocando-se o indivíduo do centro das atenções para dar lugar à pluralidade do coletivo. Com o advento dessa Revolução Industrial “o produtor precisou dar escoamento à produção, praticando, às vezes, atos fraudulentos, enganosos, por isso mesmo, abusivos”. A justiça social, então, entendeu ser necessária a promulgação de leis para controlar o produtor-fabricante e proteger o consumidor-comprador.
Nesse passo, surge a intervenção do Estado Social (séc.XX) a fim de coibir a prática de abusos para que o mais fraco seja protegido dos desequilíbrios advindos das relações jurídicas. O desencadear da 2° Guerra Mundial fez despontar ainda mais o movimento em prol dos direitos do consumidor, conseqüência do surgimento da mídia e as conquistas tecnológicas que intensificaram a produção industrial em massa, aumentaram os problemas relacionados à produção e ao consumo, em face de uma competitividade altamente sofisticada por causa das novas mídias e das próprias complexidades dos mercados surgidos no pós-guerra. Em fase a queda da qualidade de vida e a poluição, houve um despertar mundial para a consolidação dos diretos do consumidor. Em 1985, as Nações Unidas, por meio da Resolução n.º 39/248, estabelece objetivos, princípios e normas para que os governos membros desenvolvam ou reforcem políticas firmes de proteção ao consumidor. Esta foi, claramente, a primeira vez que, em nível mundial, houve o reconhecimento e aceitação dos direitos básicos do consumidor. Essa Proteção serviu de inspiração a muitos dos ordenamentos jurídicos, inclusive o brasileiro, pela Constituição Federal de 1988, que já consagram, acolhendo a Resolução da ONU.
3. Características
Passou a ser necessária uma legislação de consumo a partir da massificação da produção e da prestação dos serviços. Antes da revolução industrial, as relações eram diretas entre os artesãos e os consumidores, sem intermediários.
A produção de massa inseriu diversos intermediários entre o fornecedor e o consumidor, eliminando o contato direto que antes havia. Além de o consumidor ter ficado sem saber para quem reclamar, os esclarecimentos sobre o funcionamento dos produtos e serviços deixou de ser dados, provocando uma série de problemas.
O aumento da produção diminuiu o preço dos produtos, fazendo com que diminuísse a importância de cada consumidor. Na pequena produção do artesão o lucro obtido na venda de cada produto era maior. Consequentemente, cada consumidor perdido significava diminuição considerável do lucro.
Na produção em larga escala, o consumidor perdeu importância, porque o fator determinante do lucro passou a ser a quantidade. O lucro obtido em cada produto deixou de ter tanta importância.
A perda da importância individual do consumidor levou o fornecedor a impor no mercado as regras. Surgiram os contratos de adesão, com cláusulas pré-definidas, que deveriam ser integralmente aceitas ou recusadas pelo consumidor.
O consumidor que deixasse de contratar deixava também de atender a uma necessidade sua. Já o fornecedor que deixasse de contratar perdia apenas um consumidor, sendo que o lucro continuava garantido pelos demais consumidores.
Essa disparidade de forças tornou necessária uma legislação específica de consumo, uma vez que as regras do direito civil não serviam para enfrentar essa nova realidade.
A relação de consumo, portanto, parte de uma desigualdade: o fornecedor impõe as regras e o consumidor tem que aceitar, sob pena de não se satisfazer.
A Constituição Federal reconhece expressamente essa vulnerabilidade no art. 5º, XXXII, quando afirma que o Estado promoverá a defesa do consumidor e no art. 48 do ADCT, que determina a elaboração do Código de Defesa do Consumidor.
A característica marcante da relação de consumo é a vulnerabilidade do consumidor, que a identifica como relação desigual. A legislação de consumo vem para tentar restabelecer a isonomia, estabelecendo instrumentos de direito material e processual, que visam aparelhar o consumidor para que ele possa ter dignidade no mercado.
Essa vulnerabilidade ocorre, em regra, nos aspectos técnico, patrimonial e jurídico.
A vulnerabilidade técnica existirá toda vez que o consumidor não conhecer o funcionamento do produto, a sua forma de produção, de armazenamento, de comercialização, etc.. O fornecedor conhece seus produtos e serviços como ninguém, porque escolheu aquela atividade para desempenhar visando o lucro, ao passo que o consumidor, como regra, compra sem saber as dificuldades e os problemas que aquele produto ou serviço podem acarretar.
A vulnerabilidade patrimonial significa que, também como regra, o fornecedor tem melhores condições econômicas do que o consumidor. Isso faz com que o fornecedor suporte as conseqüências de um produto ou serviço, defeituoso ou viciado, de forma muito mais adequada do que o consumidor.
Já a vulnerabilidade jurídica significa que, quase sempre, o fornecedor tem estrutura jurídica própria ou condições econômicas para contratar escritórios especializados, enquanto que o consumidor, muitas vezes, não sabe a quem recorrer quando é prejudicado.
Quando o consumidor possui a vulnerabilidade técnica, o que, ainda que seja o mais comum, pode não ocorrer no caso concreto, está presente a figura jurídica da hipossuficiência.
Hipossuficiente é o consumidor que tem a sua vulnerabilidade, que é de todo e qualquer consumidor por presunção constitucional, exacerbada pelo desconhecimento técnico do produto ou serviço que está sendo adquirido.
É nesse prisma, de vulnerabilidade e de hipossuficiência, que surge a relação de consumo. A aplicação do direito do consumidor é absolutamente necessária nesse tipo de relação, sob pena do consumidor sofrer ainda mais no mercado de consumo. De outro lado, a aplicação da legislação de consumo às relações de direito civil ou comercial, desequilibrará relações iguais, onerando sobremaneira um dos contratantes.
É por isso, para restabelecer a isonomia quando ela não existe e para deixar de afetá-la quando está presente, que é necessária a perfeita identificação do consumidor, uma vez que deixar de aplicar a Lei nº 8078/90 em relações de consumo ou aplicá-la em outros tipos de relação configura, antes de mais nada, injustiça.
Na relação de consumo, que tem de um lado o consumidor e de outro o fornecedor, que têm entre si produto e serviço, ou apenas um deles, é imperioso determinar rigorosamente os sujeitos e os objetos.
4. Sujeitos
O CDC será aplicado nas relações jurídicas de consumo estabelecendo regras mais benéficas a um grupo de pessoas, tendo como intuito igualar as condições de forças dentro de um mercado de comércio, tentando tornar a realidade menos desigual.
Com isso, as relações de consumo se concretizam a partir de um negócio jurídico realizado entre duas ou mais pessoas, geradas através de princípios contratuais básicos. Contudo, para conferir com precisão a existência de uma relação de consumo, é indispensável ter conhecimento prévio de dois conceitos fundamentais, necessários para se identificar tal relação, composta por um sujeito ativo (assim entendido como o beneficiário da norma) e por um sujeito passivo (aquele sobre o qual incidem os deveres impostos pela norma), respectivamente consumidor e fornecedor.
O consumidor como sujeito a que se destinam os meios de produção e defesa instituídos, de acordo com o artigo 2º da lei 8078/90, é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviços como destinatário final. Já houve, no exterior, quem pretendesse comparar a figura do consumidor à figura do membro do proletariado, partindo da premissa marxista de que a sociedade vive em meio a uma luta de classes, destarte, os consumidores nada mais comportariam do que o pólo frágil do conflito com os fornecedores, diante disso pode-se dizer que o consumidor é a parte vulnerável da relação de consumo, esboçando a vulnerabilidade técnica, patrimonial e jurídica, e deve por este motivo ser protegido quando contratar ou realizar qualquer tipo de negócio contrário aos seus direitos, eis que estar-se diante de normas cogentes por tratar-se de normas de ordem pública face ao disposto no artigo 1º da lei 8078/90.
É de suma importância ressaltar o que diz respeito à definição da palavra destinatário final citada no conceito de consumidor, sendo destinatário final aquela pessoa física ou jurídica, que adquire ou se utiliza de produtos ou serviços em beneficio próprio, ou seja, é aquele que busca a satisfação de suas necessidades através de um produto ou serviço, sem ter o interesse de repassar este serviço ou este produto a terceiros. Caso este produto ou serviço seja repassado a terceiros, mediante renumeração, inexiste a figura do consumidor e surge imediatamente a do fornecedor. É interessante destacar que as pessoas jurídicas também podem se enquadrar como consumidores desde que adquiram produtos ou serviços como destinatários finais.
Também considerados consumidores, de acordo com o parágrafo único do art. 2º: “Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”. No entender da doutrina, esta equiparação ocorrerá todas às vezes, que as pessoas mesmo não sendo adquirentes diretas do produto ou serviço, utilizam-no em caráter final, ou a ele se vinculam, vindo a sofrer qualquer dano trazido por defeito do serviço ou produto. Podendo ser amparadas pelo CDC, inclusive pleiteando indenizações, pois todos os serviços/produtos devem ter segurança, não só para quem diretamente o usa, mas para o público em geral, dentro do principio que segurança é direito de todos e dever daquele que os coloca no mercado.
Por sua vez, fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (artigo 3º da lei 8078/90).
Como se observa pelos conceitos trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor acerca das figuras de consumidor e fornecedor, é imprescindível que se tenha como entes formadores da relação de consumo essas duas figuras em pólos distintos, devendo o consumidor figurar em um pólo da relação e o fornecedor em outro. Depois de identificadas as duas partes essências dessa relação jurídica especial, que surgem dentro de um negócio jurídico, cabem conferir se existe ou não relação entre essas partes.
Verificada uma relação jurídica entre as partes e existindo fornecedor de um lado e o consumidor do outro, esta perfeitamente configurada uma relação de consumo. A partir disso existe uma pequena observação a ser feita com relação ao fornecedor, que como já foi mencionado é o ente que de uma forma ou de outra abastece o mercado de consumo com produtos ou serviços de forma habitual e visando renumeração para tanto, devendo haver o caráter de profissionalidade, sendo assim de acordo com o parágrafo 2º do artigo 3º do CDC estende o conceito de fornecedor para abranger as pessoas jurídicas que prestam serviços de natureza bancária, financeira e securitária. Entretanto o fornecedor não necessita ser necessariamente uma pessoa jurídica, já que o texto legal trás a figura dos entes despersonalizados, podendo se entender assim por uma interpretação “latu sensu” de que também figuram como fornecedores aqueles que praticam atividades definidas em lei como fornecedor, podendo ser definidos como tais as pessoas que atuam na economia informal, autônomos, etc.
Desta feita, resta claro que a importância de se identificar uma relação de consumo dentro de um negócio jurídico esta no fato de poder se estabelecer com precisão a competência para a incidência do Código de Defesa do Consumidor como corpo legal para dirimir os conflitos, pois se configurada tal relação o consumidor poderá experimentar todas as vantagens relativas à sua aplicação.
5. Objetos
Uma definição acerca da relação jurídica de consumo no Direito Brasileiro em sentido amplo é constituída por meio da observância dos sujeitos que compõem a relação (fornecedor, consumidor) e do seu objeto (produto, serviço). A relação de consumo vai surgir justamente pelo vínculo que vem aproximar os sujeitos e o objeto, define-se, portanto, como sendo aquela constituída entre um fornecedor e um consumidor que tem por objeto um produto ou serviço.
Dessa forma pode-se elencar seus elementos essenciais: sujeitos, objeto e finalidade. Quanto ao objeto é definido como sendo a coisa ou a prestação sobre o qual recai tanto a exigência do credor quanto a obrigação do devedor. Os objetos da relação de consumo são: produto e serviço. O conhecimento das figuras que integram as relações consumeiristas se faz necessário para uma identificação eficaz dos negócios abrangidos pelo CDC, legislação que vem, portanto, reger, direcionar as práticas consumeiristas. Isso se dá dentro da esfera das relações jurídicas de consumo e com isso os limites dessas relações são delimitados.
Quanto ao produto, é definido, segundo o Código, como qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial (§ 1º do Art. 3º). Segundo Araújo Júnior:
“Produto no CDC é empregado em sentido econômico, como fruto da produção, é, portanto, um bem. Algo elaborado por alguém, com o fim de colocá-lo. No comércio, para satisfazer uma necessidade humana.”
Podemos dizer, então, que produto é qualquer bem de valor econômico, objeto de interesse do homem, e que, fazendo parte da seara jurídica através de uma relação de consumo é abrangida pelo Código.
Deve-se frisar que o bem que não tiver como destinatário final a pessoa do adquirente, ou, fosse adquirido com a finalidade específica de transformação ou para produção, não deve ser considerado produto, não sendo, assim, objeto de uma relação consumeirista, mas de uma relação civil ou comercial. A Lei nº. 8078/90 não pode reger essa situação, se dá por regulamentação pelo Código Civil, Comercial ou outra legislação específica.
Um questionamento acerca do enquadramento do dinheiro como sendo objeto de relação de consumo na qualificação de produto é suscitada. Segundo o Código Civil, Art. 51 o dinheiro é tido como um bem juridicamente consumível. Funcionando como elemento de troca, assume o caráter de bem de consumo, já que visa a satisfação de uma necessidade humana através da compra e venda.
É negócio jurídico classificado como de consumo, inserindo-se então na tutela específica da lei do consumidor. Por outro lado, certos autores não consideram o direito como produto consumível, pois definem como impossível sua aquisição por destinatário final; é o instrumento ou meio de pagamento que circula na sociedade. Ainda quanto a qualidade de produto tem-se que os bens ilícitos e impossíveis não o são, não sendo objetos de relação jurídica de consumo.
Pelo § 2º do Art. 3º do CDC encontra-se o conceito do serviço, também objeto da relação jurídica. O artigo diz:
“Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira e securitária, salvo as decorrentes das relações de caratê trabalhista.”
Para efeitos de proteção do consumidor os serviços devem ser prestados no mercado de consumo, mediante remuneração. Podem ser de caráter público ou privado, desde que sejam observados os requisitos da profissionalidade e do recebimento de contraprestação em dinheiro, tem de ser obrigatoriamente remunerados e a relação em que são prestados de forma gratuita, a título de cortesia, não se caracteriza como relação de consumo.
O serviço é, portanto, o fornecimento de uma determinada atividade posta no mercado à disposição dos consumidores de forma generalizada. Esses serviços vêm satisfazer as necessidades do consumidor em área específica. As obrigações de fazer têm como objeto imediato uma prestação e como objeto indireto ou mediato o resultado fático da prestação. Dessa forma podemos dizer que um serviço pode ser o resultado de um trabalho por si só como também apresentar um objeto material em seu resultado.
Observa-se, também, nos serviços, a utilização por parte dos fornecedores, de meios indiretos para atração de consumidores para determinados negócios jurídicos. Isso se dá à medida que fornecedores disponibilizam serviços ou produtos ditos gratuitos com o único fim de lucratividade e aumento de clientela sendo que os custos ficam implícitos em outros custos que não diretamente ao serviço ou produto.
A relação de consumo envolve, portanto, a figura do fornecedor e do consumidor devendo investir-se de remuneração estabelecendo o que dispõe o Código de Defesa do Consumidor.
6. Vínculo de atributividade
Como disse Aristóteles, o homem é um ser social, e como tal está em constante relacionamento com o seu semelhante, essa hoje em dia é uma questão mesmo de sobrevivência, somos levados pelas nossas carências a desenvolvermos relacionamentos dos mais diversos com os demais indivíduos. Mantemos relações de cunho moral, religioso, familiar, econômico. Alguns vivenciados de modo amistoso, outros, porém, de forma contenciosa. No entanto, nem todas essas relações interessam ao Direito, pois para que uma relação tenha repercussão no mundo jurídico é necessário que a mesma esteja prevista ou protegida por uma norma do ordenamento jurídico vigente.
Desse modo quando, no dizer de Savigny, duas ou mais pessoas encontram-se em uma relação na qual uma (algumas) delas pode pretender algo a que a outra (as outras) está obrigada, estamos diante de uma relação jurídica.
Ao elo, ou mais precisamente, ao Vínculo, que liga essas pessoas, chamamos de Vínculo de atributividade. Na definição de Miguel Reale vínculo de atributividade é: “o vínculo que confere a cada um dos participantes da relação o poder de pretender ou exigir algo determinado ou determinável”. Da definição de Reale percebemos que o vínculo confere poder a ambas as partes, de forma que os as duas têm direitos e obrigações recíprocas. O vínculo de atributividade tem origem na lei ou no contrato (que se faz lei entre as partes, e deve ter sua forma prescrita ou não proibida em lei).
Numa relação de consumo em que temos de um lado o fornecedor do produto e do outro o consumidor final, o vínculo de atributividade é a lei consumerista, ou seja, o Código de Defesa do Consumidor, ou todo o conjunto de leis que visam a proteção e a defesa do consumidor como parte hipossuficiente, frente ao fornecedor do produto ou serviço objetos da relação de consumo, desse modo a relação de consumo é uma relação jurídica, pois regulada pelas normas contidas no CDC, cujo vínculo de atributividade a ligar, atar, obrigar reciprocamente os sujeitos da relação é a norma imposta às partes pela força do contrato ou pela vontade do legislador.
6.1 Lei própria
A identificação, pois, do vínculo de atributividade é importantíssimo para determinarmos as peculiaridades da relação e aplicarmos a lei específica ao caso concreto. Somente a título de exemplificação, no caso de vícios redibitórios no objeto ou produto da relação, tanto o Código Civil quanto o Código do Consumidor tratam do assunto, porém de modo distinto e com reflexos bastante contrastantes. Por demais relevante, então, a determinação de qual norma (ou qual o vínculo legal a ligar as partes) irá incidir no caso concreto. Identificada a relação consumerista, temos, pois a incidência do Código de Defesa do Consumidor como Lei própria criada especificamente para regular as relações de consumo. Polêmicas têm se levantado com respeito à relação consumerista, como, por exemplo, sobre a determinação da natureza consumerista ou civil de algumas relações de compra e venda e prestação de serviços, juízo competente para a propositura do litígio, muitas destas demandas vão até os Tribunais Superiores em busca de uma resposta satisfatória como é demonstrado na jurisprudência abaixo transcrita:
RECURSO ESPECIAL – PROCESSUAL CIVIL – VIOLAÇÃO DE NORMA CONSTITUCIONAL E DE SÚMULA – NÃO CABIMENTO – VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC – INOCORRÊNCIA – COMPETÊNCIA – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – LOCAL DO ATO – ART. 100, V, “A”, DO CPC – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – APLICAÇÃO ÀS RELAÇÕES ENTRE CORRENTISTA E INSTITUIÇÃO FINANCEIRA – FACILITAÇÃO DA DEFESA DO CONSUMIDOR – RECURSO NÃO CONHECIDO – 1. É incabível o Recurso Especial para julgamento de supostas violações de dispositivo constitucional e de Súmula de tribunal. 2. Posicionamento divergente do defendido pela parte não caracteriza contradição, nos termos do art. 535, I, do CPC. 3. É competente o local do ato, de acordo com o disposto na petição inicial, para julgamento de ação de indenização para reparação de dano, segundo o art. 100, V, “a”, do CPC. 4. É pacífico o entendimento de que o CDC se aplica às relações entre correntista e instituição financeira; o princípio da facilitação da defesa do consumidor permite a propositura da ação no domicílio do cliente. 5. Recurso Especial não conhecido. (STJ – RESP 200101943038 – (402884 TO) – 4ª T. – Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa – DJU 17.09.2007 – p. 00283) (grifo nosso).
RELAÇÃO DE CONSUMO – Acórdão RESP 187502/SP; RECURSO ESPECIAL (1998/0065085-7) Fonte DJ-DATA: 22/03/1999 PG: 00212 Relatores Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR (1102) Ementa CONDOMÍNIO HABITACIONAL. Despesas. Código de Defesa do Consumidor. Repetição em dobro do pedido indevido. – Não é relação de consumo a que se estabelece entre os condôminos, relativamente às despesas para manutenção e conservação do prédio e dos seus serviços. – Reconhecida a existência do débito, apenas indeferida parte do pedido por questão processual, não se aplica a sanção prevista no art. 1531 do Código Civil. Recurso conhecido, em parte, pela divergência, mas improvido. Data da Decisão 18/02/1999 Órgão Julgador T4 – QUARTA TURMA (grifo nosso)
7.Conclusão
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) foi um marco na legislação brasileira na legitimação de direitos dos consumidores, como a proteção à vida, saúde e segurança; liberdade de escolha; proteção contra publicidade enganosa e abusiva; proteção contratual; dentre outros. Faz-se necessário o exame dos três elementos básicos da relação de consumo: o consumidor, o fornecedor e o objeto da relação de consumo, preenchendo tais requisitos é que a utilização do Código é possível. A proteção do consumidor, enquanto alvo visado pelo CDC, é observada em várias passagens da Lei Nº 8.078/90, destacando-se não somente a vulnerabilidade do consumidor como um dos princípios que norteiam a política nacional de relações de consumo (Art. 4º, inciso I), mas também a eleição do respeito à dignidade, saúde e segurança do consumidor, bem como a melhoria da sua qualidade de vida (Art. 4º, caput).
“O Direito do consumo tornou-se um instrumento inexorável na proteção dos consumidores e, bem assim, na evolução em direção a um Estado cada vez mais social e verdadeiramente democrático, pautado nas reivindicações e lutas dos consumidores pela proteção dos seus direitos”.- Cláudio Petrini Belmont
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