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Remanescentes de quilombos: o direito no resgate da história

Na História do Brasil do século XVII em diante, os escravos que conseguiam fugir dos engenhos e das fazendas se reuniam em locais onde pudessem viver em liberdade e com segurança. Esses locais eram os “quilombos”, dos quais o mais famoso foi o Quilombo dos Palmares, instalado na Serra da Barriga (atual Estado de Alagoas), que chegou a ter cerca de 20.000 habitantes, e foi destruído pela expedição de Domingos Jorge Velho. Porém, outros quilombos se sustentaram, e mesmo após a Lei Áurea ainda muitos negros permaneceram em quilombos, gerando uma descendência que se propaga até os dias de hoje. São os assim chamados “remanescentes de quilombos”. Estima-se (dados não oficiais) que haja mais de mil comunidades quilombolas no Brasil hoje.

O Brasil tem buscado um resgate histórico através da valorização das comunidades quilombolas. A Constituição Federal de 1988 (art. 216, §5º) dispôs pelo tombamento de todos os documentos e sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos, assim como, no ADCT, determinou (art. 68): “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.”

Legalmente, consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas (em terras utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural), com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida. A caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos é atestada mediante autodefinição da própria comunidade (inscrita no Cadastro Geral junto à Fundação Cultural Palmares).

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Cabe ao INCRA regulamentar (exercício do poder normativo) os procedimentos administrativos para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos.

O procedimento administrativo em si é iniciado de ofício pelo INCRA ou por requerimento de qualquer interessado, visando à identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos (sem prejuízo da competência concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios). Lembramos que para a medição e demarcação das terras, serão levados em consideração critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sendo facultado à comunidade interessada apresentar as peças técnicas para a instrução procedimental.

Durante o processo de titulação, o INCRA garantirá a defesa dos interesses dos remanescentes das comunidades dos quilombos nas questões surgidas em decorrência da titulação das suas terras.

O INCRA, após concluir os trabalhos de campo de identificação, delimitação e levantamento ocupacional e cartorial, publicará edital por duas vezes consecutivas no Diário Oficial da União e no Diário Oficial da unidade federada onde se localiza a área sob estudo, contendo as seguintes informações: I – denominação do imóvel ocupado pelos remanescentes das comunidades dos quilombos; II – circunscrição judiciária ou administrativa em que está situado o imóvel; III – limites, confrontações e dimensão constantes do memorial descritivo das terras a serem tituladas; e IV – títulos, registros e matrículas eventualmente incidentes sobre as terras consideradas suscetíveis de reconhecimento e demarcação. Além disso, a publicação do edital será afixada na sede da prefeitura municipal onde está situado o imóvel.

O INCRA também notificará os ocupantes e os confinantes da área delimitada.

Todos os interessados terão o prazo de noventa dias, após a publicação e notificações, para oferecer contestações ao relatório, juntando as provas pertinentes.

Após os trabalhos de identificação e delimitação, o INCRA remeterá o relatório técnico aos órgãos e entidades a seguir relacionados, para, no prazo comum de trinta dias, opinar sobre as matérias de suas respectivas competências: I – Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional – IPHAN; II – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA; III – Secretaria do Patrimônio da União, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; IV – Fundação Nacional do Índio – FUNAI; V – Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional; VI – Fundação Cultural Palmares. Expirado o prazo e não havendo manifestação dos órgãos e entidades, entende-se que houve concordância com o conteúdo do relatório técnico.

Não havendo impugnações ou sendo elas rejeitadas, o INCRA concluirá o trabalho de titulação da terra ocupada pelos remanescentes das comunidades dos quilombos.

Quando as terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos incidem em terrenos de marinha, marginais de rios, ilhas e lagos, o INCRA e a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) devem tomar as medidas cabíveis para a expedição do título; se as terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos estiverem sobrepostas às unidades de conservação constituídas, às áreas de segurança nacional, à faixa de fronteira e às terras indígenas, o INCRA, o IBAMA, a Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa Nacional, a FUNAI e a Fundação Cultural Palmares tomarão as medidas cabíveis visando garantir a sustentabilidade destas comunidades, conciliando sempre o interesse do Estado; se as terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos incidem sobre terras de propriedade dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, o INCRA deve encaminhar os autos para os entes responsáveis pela titulação. Ainda, incidindo nos territórios ocupados por remanescentes das comunidades quilombolas título de domínio particular não invalidado por nulidade, prescrição ou comisso, e nem tornado ineficaz por outros fundamentos, será realizada vistoria e avaliação do imóvel, objetivando a adoção dos atos necessários à sua desapropriação (com respectiva indenização), quando couber, estando o INCRA autorizado a ingressar no imóvel de propriedade particular. Observe-se que o INCRA é quem regulamenta as hipóteses suscetíveis de desapropriação, com obrigatória disposição de prévio estudo sobre a autenticidade e legitimidade do título de propriedade, mediante levantamento da cadeia dominial do imóvel até a sua origem.

Para os fins de titulação das áreas exploradas por comunidades quilombolas, o INCRA poderá estabelecer convênios, contratos, acordos e instrumentos similares com órgãos da administração pública federal, estadual, municipal, do Distrito Federal, organizações não-governamentais e entidades privadas, observada a legislação pertinente. Isso tem ocorrido com universidades e Fundações de Apoio, por exemplo, para elaboração de laudo antropológico.

A titulação será reconhecida e registrada (sem ônus de qualquer espécie, independentemente do tamanho da área) mediante outorga de título coletivo e pró-indiviso às comunidades quilombolas, com obrigatória inserção de cláusula de inalienabilidade, imprescritibilidade e de impenhorabilidade.

Compete à Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Presidência da República, assistir e acompanhar o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o INCRA nas ações de regularização fundiária, para garantir os direitos étnicos e territoriais dos remanescentes das comunidades dos quilombos, nos termos de sua competência legalmente fixada.

Compete ao Ministério da Cultura, por meio da Fundação Cultural Palmares, assistir e acompanhar o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o INCRA nas ações de regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural dos remanescentes das comunidades dos quilombos, bem como para subsidiar os trabalhos técnicos quando houver contestação ao procedimento de identificação e reconhecimento ora estudado.

Após a expedição do título de reconhecimento de domínio, a Fundação Cultural Palmares garantirá assistência jurídica, em todos os graus, aos remanescentes das comunidades dos quilombos para defesa da posse contra esbulhos e turbações, para a proteção da integridade territorial da área delimitada e sua utilização por terceiros, podendo firmar convênios com outras entidades ou órgãos que prestem esta assistência. A Fundação Cultural Palmares também prestará assessoramento aos órgãos da Defensoria Pública quando estes órgãos representarem em juízo os interesses dos remanescentes das comunidades dos quilombos, nos termos do art. 134 da Constituição.

Os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos, encontrados por ocasião do procedimento de identificação, devem ser comunicados ao IPHAN. Mas a Fundação Cultural Palmares deverá instruir o processo para fins de registro ou tombamento e zelar pelo acautelamento e preservação do patrimônio cultural brasileiro.

Para os fins de política agrícola e agrária, os remanescentes das comunidades dos quilombos receberão dos órgãos competentes tratamento preferencial, assistência técnica e linhas especiais de financiamento, destinados à realização de suas atividades produtivas e de infra-estrutura.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Thiago Cássio D´Ávila Araújo

 

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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