Resumo:O presente trabalho monográfico objetiva fundamentado nos conceitos e entendimentos jurisprudenciais atuais destacar e demonstrar determinados aspectos do que se entente por devido processo legal por enriquecimento sem causa por parte do Estado e como se dá a aplicação do abate-teto com ênfase em explicar que a acumulação de remuneraçãosubsídio ou proventos de agente público com pensão por morte de cônjuge/companheiro também agente público épossível pois os valores vem de dois instituidores diferentes e que é preciso repensar a autotutela administrativa: a impossibilidade de incidência do abate-teto sobre remuneraçãosubsídio ou provento da aposentadoria de agente público cumulados com benefício de pensão por morte do cônjuge/companheiro servidor do Estado. Por meio dos métodoshipotético-dedutivohistérico e comparativo será feita a análise dos efeitos no âmbito da Administração e do Judiciário os princípios constitucionais violados e a recepção deste fenômenojurídico. Tambémserá feita uma vasta explanação do entendimento jurisprudencial por intermédio da exposição de súmulasacórdãos e decisões singulares pareceres da CGU AGU do TCU e doutrinário sobre os temas abordados. Concluindo-se ao final do trabalho que é perfeitamente possível a acumulação da remuneração de um servidor com a pensão por morte advinda de outro servidor público sendo este cônjuge ou companheiro visto que tais rendas são oriundas de dois instituidores diferentes portanto nãohá inconstitucionalidade na percepção destas duas rendas.
Palavra-chave: Abate-Teto. Remuneração. Pensão por Morte. Cumulação. Agentes Públicos.
Introdução
O presente trabalho tem por intuitodemonstrar o que se entente por devido processo legal, o enriquecimento sem causa por parte do Estado e a aplicação do “abate-teto”, visto que o art. 37, inciso XI, da Constituição Federal de 1988 determina a sujeição ao limite remuneratório do serviço público, de todas as verbas remuneratórias percebidas por agentes públicos, assim como os proventos de aposentadoria e as pensões. Com a morte do instituidor, a pensão passa a integrar o patrimônio jurídico do beneficiário. Por conseguinte, considerando que ambos são agentes públicos para efeito de aplicação do chamado “abate-teto”, é necessário analisar se a pensão deve ser somada às verbas remuneratórias ou proventos de aposentadoria eventualmente percebidos pelo beneficiário, caso se trate de verba que também esteja sujeita ao limite remuneratório fixado pelo inciso XI do art. 37 da Constituição, para que possa analisar se é inconstitucional o percebimento de pensão cumulada com remuneração ou proventos de aposentadoria quando o total superar o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, ou se a inconstitucionalidade está na incidência do “abate-teto”.
Tal tema foi escolhido pela total relevância econômica, para a Administração Pública quanto para os dependentes do servidor instituidor;social, já que esta pratica pode ou não ferir direitos constitucionalmente garantidos, e jurídica, vez há uma disparidade entre o entendimento de todas as instâncias judiciárias e da Administraçãosobreo assunto, visto que, há diversos julgados, das mais variadas linhas sobre a constitucionalidade ou não da aplicação imediata e sem prévio aviso ao recebedor dos valores, do “abate-teto”.
Por meio do método hipotético–dedutivo, do método histórico e do método comparativo será feita a análise dessa discursão e de seus efeitos, no contexto da Administração Pública, da vida das famílias afetadas e do Judiciário, de quais os princípios constitucionais violados e a recepção deste fenômeno no âmbito jurídico. Também será feita uma breve explanação do entendimento jurisprudencial, por intermédio da exposição de súmulas, acórdãos e decisões singulares, pareceres da Controladoria Geral da União (CGU), da Advocacia Geral da União (AGU), do Tribunal de Contas da União (TCU) e doutrinário sobre os temas abordados.
Para o adequado desenvolvimento do trabalho, foi realizada uma divisão do estudo em três capítulos.
No primeiro capítulo serão tradadosas espécies de agentes públicos brasileiros e o sistema remuneratório nacional.Nele,tratar-se-á questões doutrinárias relativas às espécies de agentes públicos, honoríficos, delegados e administrativos.Posteriormente apresentar-se-á a diferença entre cargo, emprego e função pública, a conceituação e aplicabilidade do sistema remuneratório nacional, as previsões constitucionais, os direitos conquistados pelo servidor e a previsão do “abate-teto”.
Já no segundo capítulo, vislumbrar-se-á a questão da cumulação de pagamento com fontes de custeio distintas, autotutela do Estado e o desrespeito ao devido processo legal.Analisar-se-á a previsão legislativa e o caráter protetivo da pensão por morte do servidor públicopara com o seu cônjuge/companheiro, os tipos de pensão por morte que amparam os dependentes do servidor falecido e a acumulação de remuneração, subsídio ou aposentadoria com pensão por morte como direito, o princípio da autotutela e a obrigação do devido processo legal.
Por fim o terceiro capítulo se concentrará no enriquecimento sem causa por parte do Estado sobre as contribuições previdenciárias, será analisado o entendimento da jurisprudência daControladoria Geral da União (CGU), da Advocacia Geral da União (AGU), do Tribunal de Contas da União (TCU), do Superior Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Tribunal Regional Federal da primeira Região (TRF-1), Tribunal Regional Federal da Terceira Região (TRF-3), Tribunal Regional Federal da Quinta Região (TRF-5), quanto a aplicação do “abate-teto”, o direito à ampla defesa e ao contraditório frente à autotutela do Estadona aplicação pretensamente desarrazoada do “abate-teto”.
I.Agentes públicos e sistema remuneratório nacional
Inicialmente, para tratar adequadamente de um tema como “abate-teto” e remuneração de servidor público, se faz necessário a explicação de o que é o agente público, de onde ele vem como se dá o seu regime empregatício junto a Administração.
Não se admite que uma pessoa exerça atividades em nome do Estado, a não ser que mantenha vínculo laboral com a Administração Pública.
Agente público é toda pessoa física que exerça, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função pública, pessoas físicas que manifestam, por algum tipo de vínculo, a vontade do Estado, nas três esferas de Governo, nos três Poderes do Estado[1].
Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro[2] são agentes públicos “[…]todas as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos”.
Por sua vez, Hely Lopes Meirelles[3] entende que agentes públicos são:
“[…] todas as pessoas físicas incumbidas, definitiva, ou transitoriamente, do exercício de alguma função estatal. Os agentes normalmente desempenham funções do órgão, distribuídas entre os cargos de que são titulares, mas excepcionalmente pode exercer funções sem cargo. A regra é a atribuição de funções múltiplas e genéricas ao órgão, as quais são repartidas especificamente entre os cargos, ou individualmente entre os agentes de função sem cargo. Em qualquer hipótese, porém o cargo ou a função pertence ao Estado, e não ao agente que o exerce, razão pela qual o estado pode suprimir ou alterar cargos e funções sem nenhuma ofensa aos direitos de seus titulares, como pode desaparecer os titulares sem extinção dos cargos e funções”.
A expressão agentes públicos é utilizada em sentido amplo, genérico, a partir dela pode-se identificar suas espécies, e para entender melhor as categorias (ou espécies) de agentes públicos, faça-se necessário citar Hely Lopes Meirelles, que em sua obra clássica definiu quatro espécies, os políticos; os administrativos; os honoríficos e; os delegados. Em uma posição mais contemporânea pode-se citar Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Celso Antônio Bandeira de Mello que classificam as espécies da seguinte forma: os agentes políticos; os servidores públicos; e particulares em colaboração com o poder público[4].
Adiante, o alcance desses termos será descrito com maiores detalhes.
Pode-se afirmar que agentes políticos são aqueles que integram os mais elevados escalões na organização Administrativa Pública, possuindo acento na Constituição Federal de 1988, com independência funcional e regime jurídico próprio. São os agentes que estão no topo da pirâmide da organização da Administração Pública, no sentido mais próprio, são os representantes do povo, o que conduz à investidura por eleição[5].
O agente político tem regime jurídico próprio, não se submete ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que está previsto a partir do artigo 201 da Constituição Federal de 1988, aplica-se este, apenas, em caráter subsidiário. E o agente político atua com independência funcional no que tange aos exercícios de suas atribuições, e não está hierarquizado[6].
Existem duas correntes doutrinárias com entendimentos dispares sobre quem pode ser agente político.
Na primeira corrente, defendida por Celso Antônio Bandeira de Mello, oagente político é aquele que pode estabelecer normas, diretrizes, normas de condutas de comportamento estatal e de seus administrados que pode definir metas e padrões administrativos. São os Chefes do Executivos e membros do Legislativo, logo são agentes públicos titulares dos cargos estruturais da organização política do país, sendo agentes políticos, o presidente da república, os governadores, prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos Chefes do executivo e do Legislativo[7].
Já na segunda vertente, capitaneada por Hely Lopes Meirelles, agente político além dos agentes que foram explicitados na primeira posição, o são também os juízes, promotores, defensores, ministros, e conselheiros dos Tribunais de Contas. Hely Lopes estende para estes agentes porque estão previstos na Constituição Federal de onde recebem suas atribuições ainda que de forma geral (genérica), também atuam com independência funcional e possuem regime jurídico próprio[8].
A investidura do agente político em regra é obtida por meio de eleição, mediante o sufrágio universal na forma da Constituição Federal de 1988, artigos 2º e 14º, salvo para ministros e secretários que são de livre escolha do Chefe do Executivo e providos em cargos públicos, mediante nomeação e de livre exoneração[9].
Os agentes honoríficos são particulares que atuam por convocação, nomeação ou designação, esta espécie pode ter agentes que, exercendo atividade sem remuneração, por exemplo, peritos, tradutores, conciliadores, jurados do tribunal do júri e mesários que exercem um serviço público honroso, e por isso esses particulares são denominados por alguns autores como agentes honoríficos. Tais serviços constituem o chamado múnus público, ou serviços públicos relevantes[10], esses agentes poderão receber uma ajuda de custo ou pro labore, isso não o descaracteriza como agente honorífico.
Os particulares que atuam por delegação são chamados agentes delegados, ocorrem nos casos de concessão e permissão de serviços públicos. Exemplo: tradutores, leiloeiros, os bancários, titulares de cartórios (atualmente a atividade notarial e de registro que é exercida em regime jurídico de direito privado por delegação pelo poder público, segundo o artigo 236 Constituição Federal de 1988), a remuneração que recebem não é paga pelos cofres públicos, mas pelos terceiros usuários do serviço.Assim os agentes delegados exercem função pública em nome próprio com a fiscalização da Administração Pública[11].
É no gênero agentes públicos onde se encontra o maior número de pessoas naturais exercendo funções públicas, cargos públicos e empregos públicos na administração direta e indireta. São agentes administrativos que exercem uma atividade pública com vínculo estatal e remuneração paga pelo erário público.
Estes agentes podem ser classificados como estatutários, que são ocupantes de cargo público, celetistas, detentores de emprego público, ou temporários, com vínculo de função pública.
Importante, agora, explicitar as delimitações relativas a cargo, emprego e função pública.
Cargo Público é o vínculo de trabalho entre o servidor público e a Administração.
Os servidores ocupantes de cargo público são agentes administrativos sujeitos a regime jurídico estatutário (natureza legal e não contratual), titulares de cargos públicos de provimento efetivo.
Segundo Odete Medauar:
“[…] Cargo Público é o conjunto de atribuições e responsabilidades, atribuídas a um servidor, estes cargos são criados por lei e em número determinado, com nome certo e remuneração especificada, por meio de símbolos numéricos e/ou alfabéticos pagos pelos cofres públicos”[12].
Considerando a questão a responsabilidade civil, o art. 37, VIda Constituição Federal de 1988 impõe à expressão “servidor público” um caráter bastante amplo, como sinônimo de agente público[13].
Por sua vez, os Empregados Públicos (EP) são ocupantes de emprego público, sujeitos à regime jurídico contratual que se submetem às normas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) [14]assim como as regras impostas pela Constituição Federal de 1988, entre elas as limitações de remuneração e de acumulação remunerada de cargos e empregos públicos bem como a previsão de acesso a estes empregos públicos por meio de concurso público[15].
Já os contratados temporariamente são aqueles que possuem contratos firmados por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, esta hipótese está prevista no artigo 37, IX, da Constituição Federal de 1988. O regime jurídico é o contratual, sem vínculo com cargo ou emprego público[16].
Explica Marcelo Alexandrino[17], que:
“Os agentes públicos contratados por tempo determinado exercem função pública remunerada temporária, tendo seu vínculo funcional com a administração pública caráter jurídico-administrativo, e não trabalhista. Eles não tem um contrato de trabalho em sentido próprio; o contrato que firmam com a administração é um contrato de direito público, que não descaracteriza a sua condição de agentes públicos estatutários”.
Uma vez delimitados o alcance das expressões agente público, cargo, emprego e função, serão apresentadas as características do sistema remuneratório nacional.
As primeiras leis ordinárias concernentes ao direito do trabalho brasileiro surgiram no Século XX, eram esparsas e tratavam de temas como o trabalho de menores (1891), organização dos sindicatos rurais (1903) e urbanos (1907); férias; relações de trabalho de cada profissão com a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (1930); trabalho das mulheres (1932); salário mínimo (1936);Justiça do Trabalho (1939), dentre outros[18]. Com estas leis nasceram a regulamentação da forma de pagamento entre patrão e empregado.
Mozart Victor Russomano destacaque a remuneração é o devido e pago diretamente pelo empregador e as gorjetas que o trabalhador receber, enquanto o salário é o valor pago, diretamente, pelo empresário ao trabalhador, como contraprestação do serviço por este realizado[19].
Maurício Godinho Delgado entende que a palavra remuneração enseja dois sentidos: no primeiro sentido, existe certa diferenciação entre as expressões, na medida em que remuneração seria o gênero de parcelas contraprestativas devidas e pagas ao empregado em função da prestação e serviços ou da simples existência da relação de emprego, e salário seria a parcela contraprestativa principal paga a esse empregado no contexto do contrato; e no segundo sentido, tem-se que salário seria um tipo legal específico, compreendido como o conjunto de parcelas contraprestativas devidas e pagas pelo empregador diretamente ao empregado, em virtude da relação de emprego, e remuneração seria o conjunto de salário contratual obreiro e gorjetas habitualmente recebidas pelo empregado[20].
A remuneração termina por englobar salário-base, comissões, gratificações, décimo terceiro salário, prêmios, abonos, diárias para viagem, ajudas de custo, gorjetas, salário-família, salário-maternidade, participação em lucros, adicional noturno, de periculosidade, de insalubridade dentre outros benefícios.
Embora se assemelhem vencimento e vencimentos não são sinônimos. Vencimento se equipara a salário (é retribuição pecuniário pelo efetivo exercício do cargo correspondente ao padrão fixado em lei), já vencimentos é sinônimo de remuneração (somatório de todos os valores percebidos pelo servidor, podendo ser pecuniários ou não, abrangendo, assim, o vencimento, as vantagens e as quotas de produtividade[21].
A Leinº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, também conhecida como Estatuto do Servidor Público Federal, dispõe sobre o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das Autarquias e das Fundações Públicas Federais, em seus artigos 40 e 41 também define vencimento de remuneração:
“Art. 40. Vencimento é a retribuição pecuniária pelo exercício de cargo público, com valor fixado em lei.
Art. 41. Remuneração é o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei.”
Retribuição é a contraprestação a que tem direito o servidor público por estar à disposição da Administração Pública ou de quem lhe faça as vezes, prestando-lhe serviço[22].
Como já observado, há uma diferença entre remuneração e vencimento (no singular), mas ao se fazer uma análise do anterior artigo 40 do Estatuto do Servidor Público Federal que dizia “Nenhum servidor receberá, a título de vencimento, importância inferior ao salário-mínimo” e do atual artigo 41,§5º, que alterou o antigo artigo 40 com o advento da Lei nº 11.784, de 22 de setembro de 2008,que dispõe sobre a reestruturação do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo – PGPE, que determina “ Nenhum servidor receberá remuneração inferior ao salário mínimo”, percebe-se que anteriormente o vencimento não poderia ser inferior ao salário mínimo mas hoje em dia o salário-base pode sim ser inferior ao mínimo e com todas as gratificações, vantagens e abonos somados a este salário-base é que o servidor não poderá receber menos que o salário mínimo, formando assim a remuneração deste agente público.
Este entendimento já está consolidado em Súmula Vinculante Nº 16 com a afirmativa “Os artigos 7º, IV, e 39, § 3º (redação da Emenda Constitucional 19/98), da Constituição, referem-se ao total da remuneração percebida pelo servidor público”[23].
O Provento por sua vezé a retribuição pecuniária a que faz jus o aposentado e a Pensão – é o benefício pago aos dependentes do servidor falecido.
As vantagens pecuniárias são as parcelas pecuniáriasque acrescidas ao vencimento do servidor, em decorrência de uma situação fática previamente prevista na norma jurídica pertinente. É necessário a consumação de certo fato para que se tenha direito a percepção desta vantagem[24], que podem ser concedidas a título definitivo ou transitório, e por vários motivos,dentre eles está a decorrência do tempo de serviço (ex facto temporis), ou pelo desempenho de funções especiais (ex facto officii), ou em razão das condições anormais em que se realiza o serviço (propter laborem), ou em razão de condições pessoais do servidor (propter personam).
Subsídio é a forma remuneratória, paga mensalmente, em parcela única.Assim sendo, este tipo de contraprestação é insuscetível de aditamento ou acréscimo em seu valor original, é vedado que seja adicionado ao subsídio qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação, entre outros. Esta previsão se encontra no artigo 39, parágrafo 4ºda Constituição Federal de 1988 (CF/88):
“Art. 39, § 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.”
Vale salientar que o subsídio também encontra limites no teto remuneratório como prevê a Carta Federal de 1988, esta também previu em seu art. 39, §8º que a remuneração dos servidores públicos organizados em carreira poderá ser fixada como subsídio[25].
Mesmo com todas as vedações de acréscimos sobre o valor do subsídio, os seus recebedores têm direito a perceber a gratificação natalina, o adicional de férias, o abono de permanência em serviço do servidor que já tendo completado os requisitos para se aposentar voluntariamente mas que permaneça em serviço e parcelas indenizatórias.
Apresentadas as questões anteriores, necessário se mostra a delimitação do que configura o teto remuneratório dos agentes públicos, ponto fundamental para o trabalho em desenvolvimento.
Teto remuneratório é o limite dado à remuneração total que um agente público percebe ao final de cada mês de atividade.
Não existia anteriormente a exigência de lei para a fixação dos vencimentos dos cargos administrativos dos Legislativos, mas a EC nº 19/98, alterou os artigos 57, IV e 52, XIII da Constituição Federal de 1988, passou a exigir lei para tal propósito, conferindo autonomia a cada Casa Legislativa e dando-lhe o poder de iniciativa para esta valoração.A fixação do valor da remuneração dos servidores se dá por meio de lei, como está previsto na Constituição Federal de 1988 no seu artigo 37, X, observada a iniciativa privativa em cada caso. Conforme previsto no artigo 61, §1º, II, “a”, da Constituição Federal de 1988, no caso dos servidores do Executivo, a iniciativa compete ao Chefe desse poder, para os membros e servidores do Judiciário, a iniciativa cabe aos Tribunais, no seu artigo 96, I, “b”, e por fim, para os servidores dos Ministérios Públicos é do respectivo Procurador-Geral, no seu artigo 127, §2º, da Constituição Federal de 1988[26].
Este limite segue o que consta no dispositivo legal do artigo 37, XI, da Constituição Federal de 1988 cominada com a redação Emenda Constitucional nº 41/2003, pois passaram admitir tetos remuneratórios gerais e específicos. São tetos gerais quando atingem todos os Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios; e também o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do STF. Os tetos específicos ou subtetos foram fixados para os Municípios o subsídio dos Prefeitos e para Estados e Distrito Federal foram previstos três subtetos; e já no Judiciário, o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, aplicável esse limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos[27].
Determina o art. 37, inciso XI da Carta Magna de 1988.
“Art.37.XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos”.(grifo nosso).
O teto remuneratório para os magistrados estaduais gerou muita controvérsia, pois fere o princípio da isonomia e o caráter unitário do Poder Judiciário, até que a Ação Direta de Inconstitucionalidadenº 3.854/DF foi ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros(AMB), por meio da qual impugna a constitucionalidade do inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, com a redação dada pelo artigo 1º da Emenda Constitucional 41/2003, o artigo 2º da Resolução nº 13/2006 e o artigo 1º, parágrafo único, da Resolução nº 14/2006, ambos do Conselho Nacional de Justiça, na parte em que criaram e disciplinaram o subteto para a magistratura estadual, inferior ao da magistratura federal: enquanto esta última está submetida ao teto do funcionalismo público federal que corresponde ao subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aquela está submetida a um subteto inferior, correspondente aos subsídios dos Desembargadores de Tribunais de Justiça, que, por sua vez, estão limitados a 90,25% dos subsídios dos Ministros do STF.
O argumento é que com o caráter nacional do Poder Judiciário, e com a tese de que aquela distinção violaria a cláusula pétrea concernente à estrutura do Poder Judiciário, pois todos os magistrados, no âmbito estadual ou federal, estariam sujeitos ao mesmo regime jurídico quanto a garantias e restrições; demais, a criação de teto remuneratório para a magistratura estadual, distinto do fixado para a magistratura federal, ofende os princípios da isonomia (Constituição Federal de 1988, artigos 5º e 37, caput) e da proporcionalidade (Constituição Federal de 1988, artigo 54º, inc. LIV), e por fim, pede a declaração de inconstitucionalidade da parte do artigo 1º, da Emenda Constitucional 41/2003 na parte em que, dando nova redação ao inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, submeteu a magistratura estadual ao subteto definido pelos subsídios dos Desembargadores de Tribunais de Justiça, para prevalecer, como teto máximo da remuneração da magistratura, os subsídios dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, ou, alternativamente, que se desse interpretação conforme, sem redução do texto, tendo em vista o caráter nacional e unitário do Poder Judiciário, para prevalecer como teto máximo da remuneração da magistratura os subsídios dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.
O STF ainda não julgou o mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.854/DF[28]. Mas, com a diferença de um voto, o Pleno do Supremo Tribunal Federal concedeu medida cautelar para suspender a aplicação dos dispositivos impugnados, em termo tais que, segundo o voto-guia do Relator, bem se denuncia já a orientação que será tomada na apreciação do meritum causae[29].
Devido a esta decisão liminar, até a presente data, está se concedendo o afastamento deste subteto para os magistrados estaduais e também para os membros do Ministério Público (MP), já que estes também têm caráter nacional e unitário e pode ser estendida aos Ministérios Públicos dos Estados o mesmo raciocínio adotado em relação à Magistratura estadual.
A Emenda Constitucional (EC) 41/2003 é a chamada Reforma da Previdência, em seu artigo 9º ela deu repristinação expressa ao art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
“Art. 9º da EC 41/03: Aplica-se o disposto no art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias aos vencimentos, remunerações e subsídios dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza.
Art. 17 do ADCT da CF/88. Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.”
Exsurgiu a figura do “Abate-Teto” como meio de deduzir automaticamente a remuneração dos membros da Administração direta e indireta de qualquer dos Poderes, para que assim o valor total percebido ao final do mês fique dentro do já estabelecido no art. 37, inciso XI da Carta Magna de 1988.
Segundo o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte (TCE/RN), “não se pode considerar o valor do subsídio bruto em espécie dos ministros do STF e compará-lo com o valor líquido a ser recebido pelos servidores estaduais". Por isso, o entendimento é que o corte deve ser referente ao valor bruto da remuneração dos servidores estaduais, que as pensões alimentícias, o Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) e o desconto previdenciário incidem após a aplicação do “abate-teto”. Da mesma forma, a restituição ao erário, o desconto por faltas e consignações, bem como, quaisquer outros descontos devem incidir após a aplicação do abate-teto, "por não poderem ser aplicados sobre verbas não disponibilizadas ao servidor"[30].
O abate teto não incidirá sobre todas as rubricas de forma que os valores percebidos a título de indenização, por exemplo,o abono permanência e as vantagens pessoais incorporadas antes da Emenda Constitucional nº 41/2003, são excluídos da limitação remuneratória constitucional[31].
Ainda de acordo com o mesmo TCE/RN, se o valor do abono permanência fosse submetido abate-teto, estaria sendo eliminada a função a ele atribuída pelo legislador,tendo em vista que com a aplicação do abate teto poder-se-ia até eliminar do valor a ser recebido pelo servidor, àquele correspondente ao abono permanência. De forma que este deixaria de apresentar-se como um plus salarial[32].
Existe na Constituição Federal de 1988norma que autoriza os próprios Ministros do Supremo Tribunal Federal a acumulação "remunerada" decorrente do exercício de outra função pública (ensino). Constata-se uma situação antinômica: uma norma autoriza a acumulação remunerada, permitindo aos ministros perceberem do Poder Público valores adicionais ao subsídio devido pelo exercício de seus cargos no Poder Judiciário, mas outra norma, a relativa à Emenda Constitucional 41/2003, aparentemente impede qualquer percepção de valor adicional, já que o limite nacional é justamente o subsídio dos próprios Ministros do STF, assim sendo este ministro daria aula gratuitamente pois a sua remuneração em virtude do magistério teria como óbice o abate-teto[33].
A solução terá de ser jurisprudencial, evitando a antinomia interna na lei fundamental, segundo o princípio da unidade da Constituição, provavelmente pela saída interpretativa de considerar o teto aplicável a todos os agentes públicos, ressalvados os ministros do Supremo Tribunal Federal, por serem os próprios paradigmas nesta matéria. Solução incômoda, autêntica lacuna axiológica, mas aparentemente a única solução do ponto de vista lógico[34].
Em sentido contrário, Jessé Torres Pereira Junior propõe uma "exegese conciliatória" diversa: restringe a proibição da percepção cumulativa ao âmbito de cada carreira, admitindo que quando a acumulação ocorra entre cargos de carreira distintas podem superar o valor fixado para o teto[35].
Feitas as explanações relativas ao teto remuneratório e à submissão dos agentes públicos aos seus limites, necessário se mostra apresentar o ponto central da discursão: se é possível a acumulação de remuneração/subsídio ou proventos com a pensão por morte e a aplicação do “abate-teto” sobre esta acumulação sem o devido processo legal.
A pensão por morte é um benefício devido aos dependentes do segurado em virtude de seu falecimento, sua previsão constitucional encontra-se tipificada no artigo 201 da Magna Carta de 1988, sendo disciplinada nos artigos 74 a 79 da Lei n° 8.213/91, que dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e no artigo215 da Lei 8.112/90[36], tem-se que este dispositivo enuncia,no que se refere aos servidores públicos federais, o direito à percepção de pensão por morte, in verbis[37]:’’Art. 215. Por morte do servidor, os dependentes fazem jus a uma pensão mensal de valor correspondente ao da respectiva remuneração ou provento, a partir da data do óbito, observado o limite estabelecido no art. 42”.
Danilo Cruz Madeira afirma que a pensão por morte é uma “verba paga aos dependentes do segurado que vier a falecer, substituindo a renda antes advinda de seu trabalho”[38].
A função deste benefício é possibilitar ao dependente e ao cônjuge/companheiro um meio para que este possa suprir sua existência, visto que antes possuía meio de executar sua subsistência, pois contava com a renda mensal do segurado, após o falecimento deste, viu-se em situação de excepcionalidade afetando assim o próprio padrão financeiro familiar, que o segurado trabalhou e contribuiu a vida inteira para manter[39].
Os benefícios do Plano de Seguridade Social do Servidor compreendem quanto ao dependente a pensão vitalícia, pensão temporária, pensão provisória, auxílio-funeral, auxílio-reclusão e a assistência à saúde[40].
A pensão será concedida e mantida pelo órgão ao qual se encontra vinculada o servidor no momento do óbito, devendo o beneficiário requerê-la junto à unidade de Recursos Humanos desse órgão[41].
A Constituição Federal de 1988 assegura, regime de previdência de caráter contributivo e solidário, participando de sua manutenção o governo, os servidores ativos inativos e os beneficiários de pensão[42].
Os pensionistas contribuem com 11% sobre a parcela da pensão que supere o limite de benefícios do Regime Geral de Previdência Social, este limite atualmente é no valor de R$ 4.390,24e é ajustado anualmente, em regra, no mês de janeiro[43].
Quando o beneficiário de pensão, na forma do § 1º, do inciso I, do artigo 186 da Lei nº 8.112/90[44], for portador de doença incapacitante, a contribuição para a seguridade social incidirá apenas sobre a parcela de pensão que supere o dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social atualmente R$ 8.780,48.
A pensão por morte a ser recebida pelo cônjuge/companheiro, também servidor, ativo ou inativo, tem como objetivo o amparo à família do contribuinte falecido, proporcionando-os, após a sua morte, recursos para manutenção dos seus dependentes.
As pensões distinguem-se, quanto à sua natureza, em pensão vitalícia, pensão temporária, e pensão provisória. A principal característica da pensão vitalíciaé o fato de que as cotas que a compõem somente se extinguem com a morte dos seus beneficiários[45].
A pensão temporáriapor sua vez tem como característica o encerramento, por motivo de morte, perda da condição de inválido ou implemento da idade de 21 anos. A característica da pensão provisóriaé o fato de ser devida por morte presumida do servidor nos casos previstos na Lei Civil[46].
A pensão provisória será transformada em vitalícia ou temporária, conforme o caso, após transcorridos 5 (cinco) anos de sua vigência, ressalvado o eventual reaparecimento do servidor, hipótese em que o benefício será automaticamente cancelado[47].
Na hipótese de reaparecimento do servidor não será exigida a devolução do total auferido a título de pensão provisória, salvo se comprovada a má fé ou dolo do beneficiário[48].
Para se chegar ao valor desta pensão existem duas formas de cálculo, a primeira forma considera a remuneração ou provento do servidor no mês do óbito e está sujeita ao teto do Ministro do Supremo Tribunal Federal, a segunda sofre a limitação do teto do Regime Geral de Previdência Social e do teto do Ministro do Supremo Tribunal Federal[49].
Preenchidos os requisitos legais para a concessão da pensão, observar-se-á quanto aos proventos, o limite estabelecido no artigo 37, da Constituição Federal de 1988 na redação dada pela Emenda Constitucional n º 41/03 que estabelece como teto de remuneração no serviço público a remuneração do Ministro do Supremo Tribunal Federal, atualmente R$ 29.462,25[50] (Teto Ministerial).
O beneficiário de pensão poderá perceber até duas pensões do Regime Próprio de Previdência, desde que oriundas de cargos ocupados legalmente, não sendo possível a percepção de pensão decorrente de cargo acumulado ilicitamente[51].
O direito à aposentadoria constitui direito fundamental do cidadão, ligado à noção de dignidade da pessoa humana.
Aposentadoria é o "[…]direito garantido pela Constituição, ao servidor público, de perceber determinada remuneração na inatividade"[52].
A Ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha esclarece que o ato de aposentadoria, em verdade, não é uma concessão do Estado, mas um direito que é assegurado ao agente público, formalizado por meio de um processo de reconhecimento de sua aquisição pelo interessado. Sob esse prisma, a aposentadoria visa a garantir os recursos financeiros indispensáveis ao beneficiário, de natureza alimentar, quando este já não tenha condições de obtê-los por conta própria[53].
Não se trata, contudo, de nenhum privilégio, favor ou condescendência do Estado, mas sim de um direito fundamental do servidor-trabalhador garantido pela Carta Magna como uma das formas de se assegurar a dignidade da pessoa humana[54].
Desta feita, a concessão da aposentadoria constitui uma prerrogativa constitucional do servidor formalizada por intermédio de um ato administrativo emanado pelo Estado, em consequência do preenchimento dos requisitos legais não havendo discricionariedade neste ato.Porém, mesmo sendo um direito do recebedor, a Administração Pública tem aplicado o “abate-teto” aos casos de acumulação de remuneração, subsídio ou proventos de um servido com pensão por morte deixada por outro servidor sem a devida análise do caso, sem possibilitar sequer a ciência anterior do beneficiário sobre o fato até o momento que recebe o valor a menor.
Muitas vezes com base no parecer do Ministro Benjamim Zymler, que será visto adiante no capítulo III, e não foi acatado pela Corte, a Administração Pública aplica o “abate-teto” na soma de dois valores recebidos pela mesma pessoa, cônjuge/companheiro, mas proveniente de contribuintes distintos e com fatos geradores diferentes.
É justamente diante deste acumulo de uma pensão por morte com alguma outra renda própria do servidor beneficiário, que a Administração usa a autotutela.
Com o poder que a Administração tem de autotutelao administrador deve zelar pela legalidade, oportunidade e conveniência dos atos administrativos. Se forem ilegais deve anulá-los; se forem válidos, mas não houver mais interesse público (conveniência e oportunidade) na sua existência, deve revogá-los. Deve fazer isto independentemente de provocação externa do administrado[55].
A autoridade, no uso dos seus poderes, deve seguir os princípios administrativos, que são divididos emexpressos (explícitos, constitucionais) do Direito Administrativo – Constituição Federal de 1988 em seu artigo 37, caput – “A Administração Pública Direta e Indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência” – e princípios reconhecidos (implícitos) do Direito Administrativo – da finalidade pública, da supremacia (preponderância) do interesse público sobre o interesse privado; da indisponibilidade do interesse público; da autotutela, da continuidade do serviço público, da razoabilidade e da proporcionalidade, da motivação – princípios específicos da Administração Indireta – Princípio da reserva legal, da especialidade e do controle finalístico ou tutela administrativa – e outros princípios que se aplicam ao Direito Administrativo em geral – da segurança jurídica, da motivação, da boa-fé, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, da inafastabilidade do Poder Judiciário e outros[56].
Como se pode observar a autotutela estatalé um princípio administrativo que nesta aplicação em concreto fere a segurança jurídica do beneficiário, que já tinha sua família, incluindo o de cujus, em uma situação estabilizada.
Conforme o Ministro Luís Roberto Barroso,a expressão segurança jurídica passou a designar um conjunto abrangente de ideias e conteúdo, que incluem:
“1. A existência de instituições estatais dotadas de poder e garantias, assim como sujeitas ao princípio da legalidade; 2. A confiança nos atos do Poder Público, que deverão reger-se pela boa-fé e pela razoabilidade; 3. A estabilidade das relações jurídicas, manifestada na durabilidade das normas, na anterioridade das leis em relação aos fatos sobre os quais incidem e na conservação de direitos em face da lei nova; 4. A previsibilidade dos comportamentos, tanto os que devem ser seguidos como os que devem ser suportados; 5. A igualdade na lei e perante a lei, inclusive com soluções isonômicas para situações idênticas ou próximas”[57].
Para que esta segurança jurídica seja garantida devem preceder a todos os atos da Administração o processo administrativo, que é a sucessão ordenada de atos necessariamente interligados para a obtenção de um ato final objetivado pelo Poder Público. Normalmente é constituído de fases, de modo que em cada uma delas pode haver a verificação da legalidade. Aplica-se aqui o princípio do devido processo legal, do contraditório e a ampla defesa (Constituição Federal de 1988, artigo 5º, LV)[58].
“Art.5.[…]
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”
A Administração deve garantir o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa (Constituição Federal de 1988, artigo 5º, LIV e LV), visando este fim, tem-se os recursos administrativos são meios formais, previstos em diversas leis, de controle administrativo, por meio dos quais o interessado inconformado postula, junto a órgãos superiores da Administração, a revisão de determinado ato administrativo de órgãos inferiores, lesivos ou não a direito próprio, visando à reforma de determinada conduta, por ilegalidade, inoportunidade ou inconveniência. O recurso tramita pela via administrativa, sem ingerência da função jurisdicional. Há garantia do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa[59].
“Art.5.[…]
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”
No dizer de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
“[…]É uma decorrência do princípio da legalidade: se a Administração Pública está sujeita à lei, cabe-lhe, evidentemente, o controle da legalidade. Esse poder da Administração está consagrado em duas súmulas do Supremo Tribunal Federal. Pela de nº 346: ´a administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos´; e pela de nº 473 ´a administração pode anular os seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”[60].
Ocorre que, referido poder não pode ser exercido indistintamente, pois se encontra inserido em um ordenamento jurídico, impondo-se a sua adequação a outros comandos legais[61].
O primeiro grande limite à autotutela está na necessidade de se verificar, como já foi dito, o devido processo legal, com ampla defesa e contraditório ao interessado, sempre que a sua aplicação possa levar a restrição a direito de terceiro. Como explana Adilson Abreu Dallari:
“Isso significa uma severa restrição ao poder de autotutela de seus atos, de que desfruta a administração pública. Não se aniquila essa prerrogativa; apenas se condiciona a validade da desconstituição de ato anteriormente praticado à justificação cabal da legitimidade dessa mudança de entendimento, arcando à administração pública com o ônus da prova. A ausência ou inconsistência da motivação acarreta a nulidade do ato de tutela”[62].
Para Romeu Felipe Bacellar Filho:
“Na esfera administrativa, não pode haver privação de liberdade ou restrição patrimonial, sem o cumprimento do seguinte pressuposto: a consagração legal do processo administrativo em sentido constitucional. A acolhida do devido processo legal administrativo assegura o contraposto para o cidadão frente ao poder da Administração de autotutela do interesse público”[63].
Desse modo, fica evidente que não obstante exista o poder de autotutela ele não pode se sobrepor aos interesses de terceiros, sem que a esses seja garantida a possibilidade de manifestação, aí entendida a ampla defesa e o contraditório[64].
Não se pode admitir que a Administração Pública tome medidas unilaterais que afetem direitos de terceiros sem que o faça mediante o devido processo legal, por meio do qual se oportuniza a manifestação prévia do interessado, fazendo valer os princípios constitucionalmente fixados[65].
Ampla defesa no dizer de Romeu Felipe Bacellar é garantida e “[…]não se questiona as razões para oposição, simplesmente assegurasse-lhe a oportunidade de fazê-la[66]”, enquanto que o contraditório nada mais objetiva do que “[…]assegurar às partes equivalente possibilidade de influir na formação do convencimento do órgão julgador, no curso de todo o processo. Trata-se de um conteúdo positivo, apto de ir além da mera oposição ou resistência ao agir alheio[67]”.
No dizer de Carmem Lucia Antunes Rocha o processo administrativo é indispensável, pois “[…]o patrimônio jurídico do interessado pela prática do ato é atingido”, impondo-se, “[…]para a sua ciência e para que ele, inclusive, possa se contrapor ao desfazimento do ato, oferecendo argumentos no sentido de sua manutenção ou da manutenção de seus efeitos[68]”.
Assim a ideia de ampla defesa e contraditório não incide apenas nos casos em que se fale em penalidade, mas pelo contrário, devem ser respeitadas sempre que o ato venha a atingir terceiro.
É o que se compreende da doutrina de Romeu Felipe Bacellar Filho:
“As garantias constitucionais apresentam. Por sua vez, dupla funcionalidade. Atuando, subjetivamente, na tutela de direitos dos administrados, comportam-se como “garantias dos administrados”, e objetivamente, ao prevenir e remediar violações do direito objetivo vigente, como “garantias de legalidade”[69].
Ocorre que, sempre que uma decisão gere efeitos sobre terceiros, especialmente causando restrição a direitos, não se pode olvidar de instaurar-se o competente processo administrativo, que “[…]age como instrumento de proteção do indivíduo perante a ação daquela competência”[70], e nada mais é do que o respeito ao devido processo legal, constitucionalmente garantido no artigo 5º, LV, da soberana Carta Magna.
Romeu Felipe BacellarFilho afirma que “O art. 5º, inc. LV, CF/1988 determina a incidência do processo administrativo na presença de litigantes e acusados”[71], e acrescenta que “O reconhecimento da lide administrativa passa pela compreensão de que o processo será exigido quando houver a real possibilidade de atingir a esfera jurídica de determinada pessoa por uma especifica decisão administrativa”[72].
Desse modo, não se fala em devido processo legal apenas em situações que existam acusados, ou que se vise a aplicação de uma pena, mas sempre que um ato possa atingir direitos de terceiros, garantindo a esses a possibilidade de manifestação prévia.
A noção de autotutela, porém, não é ilimitada. Questões de ordem objetiva, como o decorrer do tempo, ou subjetiva, como a boa-fé dos destinatários, restringem o exercício desse poder-dever, pois a sua aplicação indevida termina por ferir o princípio da segurança jurídica[73].
No uso deste poder de autotutela a aplicação do “abate-teto” está sendo feita de maneira automática e sem ao menos haver a comunicação aos dependentes, quiçá a ampla defesa, tudo com base no teto-remuneratório.
A doutrina majoritária defende que o dispositivo que abarca o “abate-teto” (artigo 37. XI, Constituição Federal de 1988) é flagrantemente inconstitucional, porque fere o direito adquirido à irredutibilidade de vencimentos (artigo 37, XV, Constituição Federal de 1988). Tal dispositivo feriu uma cláusula pétrea. O que poderá ser feito pela Administração é manter a remuneração irreajustável até que chegue no limite remuneratório constitucional[74].
“Art.37[…]
XV – o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I.”
Também existe a divergência doutrinária quanto à aplicação do art.37, XI e § 9º da Constituição Federal de 1988às Empresas Públicas e para as Sociedades de Economia Mista, visto que alguns autores entendem que por serem os salários destes empregados pagos com receita própria, o lucro, não se sujeitando assim ao teto[75].
“Art.37.[…]
XI-[…]
§ 9º O disposto no inciso XI aplica-se às empresas públicas e às sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que receberem recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral.”
Feita as devidas considerações sobre como está se dando o processo para se aplicar o “abate-teto” na Administração e como deveria ser corretamente feito, tratar-se-á agora sobre a questão financeira tanto nos cofres do Estado quanto na vidas das famílias que sofrem o desconto.
III.Enriquecimento sem causa por parte do estado em relação às contribuições previdenciárias na aplicação desarrazoada do “abate-teto”
Para iniciar este capítulo é necessário esclarecer que o entendimento do TCU é que, devido ao caráter contributivo dos benefícios, previsto no art. 40, caput, da Constituição Federal de 1988, o teto constitucional aplica-se à soma dos valores percebidos pelos instituidores individualmente, mas não para a soma de valores percebidos de instituidores distintos, portanto não incide o teto constitucional sobre o montante resultante da acumulação de benefício de pensão com remuneração de cargo efetivo ou em comissão, e sobre o montante resultante da acumulação do benefício de pensão com proventos da inatividade, por serem decorrentes de fatos geradores distintos, em face do que dispõem os arts. 37, XI, e 40, § 11, da Constituição Federal de 1998[76]:
“Art. 37, XI – A remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;(…)
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo
§ 11 – Aplica-se o limite fixado no art. 37, XI, à soma total dos proventos de inatividade, inclusive quando decorrentes da acumulação de cargos ou empregos públicos, bem como de outras atividades sujeitas a contribuição para o regime geral de previdência social, e ao montante resultante da adição de proventos de inatividade com remuneração de cargo acumulável na forma desta Constituição, cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração, e de cargo eletivo.”
Tendo em vista o teto remuneratório, cabe transcrever trecho de acórdão do Superior Tribunal de Justiça: “Segundo o princípio de hermenêutica jurídica, não pode o intérprete criar ressalvas onde a lei não o faz, uma vez que as exceções devem ser interpretadas restritivamente”[77].
Uma das situações que tem gerado controvérsia no que tange à aplicação do limite remuneratório de que trata o inciso XI do art. 37 da Constituição Federal de 1988 consiste na acumulação de pensão por morte com outras verbas sujeitas ao referido limite, como a remuneração decorrente do exercício de cargo, função ou emprego público e os proventos de aposentadoria.
Pelo que se observa do referido comando constitucional, estão incluídas no chamado teto remuneratório as seguintes verbas: a remuneração e/ou subsídio ou quaisquer outras verbas remuneratórias devidas aos agentes públicos, os proventos de aposentadoria e as pensões, percebidos cumulativamente ou não.
Porém, no caso da pensão por morte, tendo em vista que o instituidor é pessoa diversa do beneficiário, entende-se que esse benefício não deveria ser cumulado com verbas remuneratórias ou proventos de aposentadoria, para efeito de incidência do chamado “abate-teto” visto que tal verba, em sua origem, tanto como remuneração e/ou subsídio quanto como aposentadoria do instituidor, já sofreu em sua base de cálculo a incidência do “abate-teto”.
Por meio do Acórdão nº 2079/2005 – Plenário do Tribunal de Contas da União, por maioria, concluiu que o servidor que recebe simultaneamente remuneração ou proventos de aposentadoria e pensão por morte instituída por outro servidor público, não se submete ao teto, embora cada verba, individualmente, se submeta à limitação, como dito no parágrafo acima, prevista no art. 37, inciso XI, da Constituição Federal.
Diante da divergência quanto à aplicação do teto remuneratório à soma de pensão com eventuais verbas remuneratórias ou proventos de aposentadoria percebidos cumulativamente pelo beneficiário éimprescindível a lição de Couto e Silva[78]:
“A Administração Pública, quando lhe cabe esse direito [à invalidação] relativamente aos seus atos administrativos, não tem qualquer pretensão quanto ao destinatário daqueles atos. Este, o destinatário, entretanto, fica meramente sujeito ou exposto a que a Administração Pública postule a invalidação perante o Poder Judiciário ou que ela própria realize a anulação, no exercício da autotutela administrativa.”
Neste momento faz-se necessário analisar a jurisprudência sobre o assunto.
Há decisões do Tribunal de Contas da União que protegem o direto do beneficiário a receber o que lhe é de direito, como por exemplo, a resposta ao pedidoformulado em requerimento administrativo para a Secretaria de Recursos Humanos/MP por uma servidora aposentada no sentido de que não seja aplicado o denominado abate-teto sobre o somatório dos seus proventos de aposentadoria com a pensão por morte deixada por seu esposo, citando em seu favor precedente do Tribunal de Contas da União[79].
A resposta para sua manifestação foi no sentido de que:
“O abate-teto deverá incidir sobre o montante resultante da acumulação de proventos de aposentadoria com remuneração de cargo comissionado, mas que eventual pensão recebida pela mesma pessoa deveria ser considerada separadamente para efeito de teto salarial”[80]. (grifo nosso)
Para fundamentar seu entendimento, a SRH/MP citou uma decisão administrativa do Conselho Nacional de Justiça, no artigo 6º da resolução nº 13, de 21 de março de 2006, que dispõe sobre a aplicação do teto remuneratório constitucional e do subsídio mensal dos membros da magistratura, segundo a qual o teto remuneratório não deveria incidir sobre a soma da remuneração do servidor com pensão por morte, tomando por base o Acórdão nº 2079/2005 – Plenário, do TCU que firmou entendimento de que o servidor que recebe simultaneamente remuneração ou proventos de aposentadoria e pensão por morte instituída por outro servidor público não se submete ao teto, embora cada verba, individualmente, se submeta à limitação prevista no art. 37, XI, da Constituição Federal[81].
“Resolução nº 13/2006 do CNJ. Art. 6º Para efeito de percepção cumulativa de subsídios, remuneração ou proventos, juntamente com pensão decorrente de falecimento de cônjuge ou companheira(o), observar-se-á o limite fixado na Constituição Federal como teto remuneratório, hipótese em que deverão ser considerados individualmente.” (grifo nosso)
Porém diferentemente do entendimento do TCU e da SRH/MP oAdvogado-Geral da União entendeu que deve incidir o “abate-teto” nestes casos:
“Conforme exposto pelo Ministro Benjamim Zymler, em seu Voto Revisor, aslimitações do art. 37, XI, da Constituição são destinadas ao recebedor, sem qualquer ressalva àorigem dos benefícios que vier a acumular.
Neste ponto, cabe transcrever o seguinte trecho do mencionado Voto, às fls. 18 dosautos:
“As disposições do art. 37 sobre limite de remuneração são destinadas ao recebedor (aquele que percebe, na forma do texto constitucional) de remuneração e ‘benefícios’, inclusive considerados de forma cumulativa. Creio que se o objetivo da norma fosse restringir a aplicação do teto constitucional em razão da origem do benefício – ou seja, conforme o instituidor -, a redação conferida deveria ser outra. Se houvesse um limite específico para pensões, que não se comunicasse com os demais tipos de renda oriundas do Tesouro, essa circunstância deveria ter sido expressamente prevista, pois não pode ser extraída da redação aprovada”[82].
Ante o exposto, proponho que se responda à consulta em tela no sentido de
que o teto constitucional incide sobre o montante resultante da acumulação de benefício de pensão com remuneração de cargo efetivo ou em comissão, e sobre o montante resultante da acumulação do benefício de pensão com proventos da inatividade”.[…]”
Neste ponto o Advogado-Geral da União concorda com o Ministro Benjamim Zymler, que o texto do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 deveria ser diferente para se garantir a não incidência do “abate-teto”.
“[…]Acerca do rigor do art. 37, XI, da CF/88, assim afirma Celso Antônio Bandeira deMello:
“O rigor quanto à determinação do teto, como se vê, é bastante grande, pois sua superação nem mesmo é admitida quando resultante do acúmulo de cargos constitucionalmente permitido. Aliás, no que concerne a isto, a vedação está reiterada no inciso XVI, última parte, do mesmo art. 37, assim como, no que atine a proventos ou proventos cumulados com vencimentos ou subsídio, no § 11 do art. 40”[83].[…]
Eduardo Rocha Dias e José Leandro Monteiro de Macêdo tratam do tema em seu livro “Nova previdência social do servidor público” e admitem expressamente a incidência do teto sobre o somatório de pensão com aposentadoria, quando assim afirmam:
“Caso o servidor perceba pensão da União e aposentadoria do Poder Executivo do Estado-membro, por exemplo, deverá ser respeitado, no tocante à parcela paga pelo Estado-membro, o teto estadual. Quanto ao valor pago pela União, o teto será o valor do subsídio de Ministro do Supremo. A soma das duas parcelas não poderá exceder este último”[84].
Os autores Celso Antônio Bandeira de Mello,Eduardo Rocha Dias e José Leandro Monteiro de Macêdo reafirmam a opinião de que a soma dos valores percebidos devem se limitar ao teto constitucional e caso o ultrapassem deve sofrer a incidência do “abate-teto”.
“Por fim, considerando que o presente parecer contrasta com o entendimento majoritário do Tribunal de Contas da União, sedimentado pelo Acórdão nº 2079/2005 – Plenário, entendemos pertinente sugerir que a Advocacia-Geral da União emita Parecer sobre a questão, a fim de que os órgãos e entidades da Administração Federal passem a seguir o posicionamento que vier a ser adotado pela AGU, nos termos do art. 4º, X, da Lei Complementar nº 73/93, ipsis litteris:
Art. 4º São atribuições do Advogado-Geral da União: […]
X – fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal;
Ante o exposto, somos pela aplicação do teto salarial fixado no art. 37, XI, da Constituição Federal à soma de pensão por morte com proventos de aposentadoria percebidos pelo mesmo beneficiário, sugerindo o encaminhamento dos autos ao Gabinete do Advogado-Geral da União para que seja fixado entendimento sobre a questão, nos termos do art. 4º, X, da LC nº 73/93, uma vez que o Tribunal de Contas da União adotou posição contrária à defendida no presente Parecer”[85].
É justamente com base neste parecer que a Administração Pública vem aplicando o “abate-teto” indiscriminadamente.
Como será mostrado adiante, assim como foi afirmado no próprio parecer do Advogado-Geral da União, o entendimento majoritário não é este que ela adotou e sim um totalmente diverso.
O Acordão nº 2079/2005 Plenário, do TCU é um marco neste entendimento, da não aplicação do “abate-teto” sobre a acumulação de remuneração, subsídio ou aposentadoria com pensão por morte, pois mesmo com divergências este foi o entendimento majoritário, como se verá a seguir.
O Ministério Público, solicitado a se manifestar nos autos deste Acordão 2079/2005, manifesta-se conforme a seguir transcrito, por meio do parecer do Procurador Marinus Eduardo de VriesMarsico:
“A consulta, à primeira vista, reveste-se de singeleza. Entretanto, as nuancesenvolvidas indicam necessário cuidado e atenção para que a interpretação dosdispositivos se dê conforme a Constituição.
A Constituição de 1988 buscou estabelecer um limite máximo de remuneraçãopara o serviço público. Em seu texto original, a Constituição refletia um limiteinflexível que era robustecido pela dicção do art. 17 do ADCT, que recusava ainvocação de direito adquirido ou a percepção de excesso a qualquer título. O queparecia ser de simples aplicação, no entanto, logo foi modificado por decisões doSupremo Tribunal Federal que entendeu existirem variadas exceções à expressão ‘aqualquer título’.
Assim, na esteira de inúmeras decisões judiciais, foram se ampliando as exceçõesna legislação até que, em 1994, a Lei nº 8.852/94 já contemplava a previsão dedezessete exclusões.
O estabelecimento de limites remuneratórios retorna com a edição da EC nº19/98, fixando-se limites máximos intransponíveis ‘a qualquer título’. Pretensão jácontornada anteriormente e que, na prática, voltaria a ser inócua ante a nãopublicação de lei reguladora de iniciativa conjunta do Presidente da República, doPresidente do Supremo Tribunal Federal e dos Presidentes da Câmara e do SenadoFederal para definição do valor do teto”[86].
O Procurador Marinus Eduardo de VriesMarsico começa o seu parecer fazendo uma explanação sobre as vãs tentativas feitas até o momento de se colocar um limite a remuneração dos servidores públicos.
“O novo regime avançou em alguns pontos quando comparado com a situaçãoanterior. Primeiro, estabeleceu um limite único de âmbito nacional consubstanciado novalor do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Segundo, afastou asinterpretações que permitiam excluir da incidência do teto as vantagens pessoais e asrelativas à natureza ou ao local de trabalho. Terceiro, e aqui começa a se esclarecer amelhor solução para a consulta, passa-se da aplicação do teto para cada cargo, semconsiderar as acumulações constitucionais, ao critério de considerar conjuntamentevencimentos, proventos e pensões dos cargos acumulados para se obter o valor finalque será submetido às limitações do teto.(grifo nosso)
A EC nº 19/98 não foi colocada em prática. Decisão administrativa do SupremoTribunal Federal, associada à omissão de encaminhamento de projeto de lei deiniciativa conjunta, propiciou a manutenção do sistema anterior em vigência levando auma nova emenda constitucional para tratar da mesma questão.
A EC nº 41/2003, então, passou a disciplinar a matéria buscando solucionar osimpasses anteriores.
Feito esse breve esboço histórico, cumpre enfrentar a questão apresentada napresente consulta. A interpretação dada pelo consulente, mediante a conjugação dosartigos 37, XI e 40, § 11, se afasta claramente da intenção constitucional de aplicar umlimite remuneratório”[87].(grifo nosso)
A Emenda Constitucional 41/2003 trouxe as novas regras e tentou esclarecer as dúvidas existentes sobre os limites aos tetos remuneratórios dos servidores públicos:
“Embora a menção expressa à pensão só venha à existência com o advento da ECnº 19/98, o STF já reconhecia a aplicação do limite constitucional à pensão em suajurisprudência desde o texto original da CF (STF, RE 0223553 – RS, RE 0223727 –RS).
A pensão decorre diretamente da relação constituída em vida pelo instituidor com o Estado. É consequência e não causa em si mesma. A pretendida interpretação levaria a resultados inconsistentes, onde o beneficiário da pensão mereceria melhor tratamento do que o instituidor, inovando-se direito pela burla ao limite constitucional antes aplicado.
Seria mais um caso de mutação constitucional, que ‘consiste num processo não formal de mudança das constituições rígidas, por via da tradição, dos costumes, de alterações empíricas e sociológicas, pela interpretação judicial e pelo ordenamento de estatutos que afetem a estrutura orgânica do Estado’ (in Curso de Direito Constitucional Positivo, 8ª Ed., Silva, José Afonso, pág. 56). O texto é preservado, mas perde eficácia.
Posto isso, manifestamo-nos de acordo com a instrução da Unidade Técnica no sentido de que o teto constitucional se aplica às situações indicadas na consulta.(grifo nosso)
É o Relatório”[88].
Como será visto adiante, serãoanalisados um relevante número de julgados que destoam do entendimento da AGU, do Ministro Benjamim Zymlere do Procurador Marinus Eduardo de VriesMarsico, para fundamentar a possibilidade de acumulação sem a incidência do “abate-teto”:
“GRUPO I – CLASSE I– Plenário
TC 017.351/2005-2
Natureza: Embargos de Declaração.
Órgão: Câmara dos Deputados.
Interessados: Comissão de Turismo e Desportos da Câmara dos Deputados e Diretoria-Geral da Câmara dos Deputados
Advogado constituído nos autos: não há.
SUMÁRIO: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONHECIMENTO. ACOLHIMENTO PARCIAL. ALTERAÇÃO DE REDAÇÃO DE ITEM DO ACÓRDÃO EMBARGADO. ARQUIVAMENTO.
Quando a acumulação de cargos, funções e empregos públicos ocorrer em diferentes esferas de governo, poderes ou fontes remuneratórias, o art. 37, inciso XI, da CF/88, tem eficácia limitada ou relativa complementável, dependendo, para a aplicação do teto remuneratório, de normatização infraconstitucional, além do regulamento previsto no art. 3º da Lei nº 10.887/2004”[89].(grifo nosso)
Este embargo foi apresentado com a finalidade de contestar de quem é a competência para fazer o desconto do “abate-teto” e esclarecer outras dúvidas.
“[…]16.Afirma (o embargante) que oCNJ, em 2007, amadurecendo o entendimento sobre o tema, editou a Resolução nº 42 admitindo a incidência isolada do teto no caso de percepção cumulativa de subsídios, remuneração ou proventos, com pensão. 18.Acrescenta que, ainda que prosperasse tese diversa àquela por ele defendida, a administração estaria diante de dificuldades operacionais para controlar e glosar parte da remuneração daqueles que recebem por mais de uma fonte. A aplicação do dispositivo constitucional depende de definições normativas inexistentes que venham orientar o procedimento do administrador em face de algumas questões, tais como: de quem seria a responsabilidade pelo corte de valores que ultrapassem o teto?da fonte responsável pelo pagamento de maior valor, do órgão com vínculo mais recente ou seria dada a opção ao agente?; no caso de vínculos com órgãos públicos de diferentes esferas de governo, que teto aplicar? que esfera efetuaria o desconto do valor excedente? Deste modo, o administrador, para dirimir estas dúvidas, depende de definições mediante lei. 29. Ele se baseia nas Resoluções nºs 13 e 14/2006 do Conselho Nacional de Justiça e na Resolução nº 10/2006 do Conselho Nacional do Ministério Público, que consideram individualmente, para a incidência do teto remuneratório constitucional, as remunerações dos membros da Magistratura e do Ministério Público e dos servidores do judiciário decorrentes do exercício do magistério e da função eleitoral, além da pensão decorrente de falecimento de cônjuge ou companheiro”[90].
Além do já exposto há resoluções do Conselho Nacional de Justiça versando sobre o tema.
A Resolução nº 13/2006 do CNJ que dispõe sobre a aplicação do teto remuneratório constitucional e do subsídio mensal dos membros da magistratura.
“Art.8º Ficam excluídas da incidência do teto remuneratório constitucional as seguintes verbas:
I – de caráter indenizatório, previstas em lei: […]
II – de caráter permanente:
a) remuneração ou provento decorrente do exercício do magistério, nos termos do art. 95, parágrafo único, inciso I, da Constituição Federal; […]
III – de caráter eventual ou temporário: […]
d) gratificação do magistrado pelo exercício da função eleitoral, prevista nos art. 1º e 2º da Lei nº 8.350, de 28 de dezembro de 1991, na redação dada pela Lei nº 11.143, de 26 de julho de 2005;
e) gratificação de magistério por hora-aula proferida no âmbito do Poder Público; […]”[91]
Há, também, a Resolução nº 14/2006 do CNJ que dispõe sobre a aplicação do teto remuneratório constitucional para os servidores do Poder Judiciário e para a magistratura dos Estados que não adotam o subsídio.
“Art. 2º […] Parágrafo único. Para efeito de percepção cumulativa de subsídios, remuneração ou proventos, juntamente com pensão decorrente de falecimento de cônjuge ou companheira(o), observar-se-á o limite fixado na Constituição Federal como teto remuneratório, hipótese em que deverão ser considerados individualmente.
Art.4º Ficam excluídas da incidência do teto remuneratório constitucional as seguintes verbas:
I – de caráter indenizatório, previstas em lei: […]
II – de caráter permanente:
a) remuneração ou provento de magistrado decorrente do exercício do magistério, nos termos do art. 95, parágrafo único, inciso I, da Constituição Federal. […]
III – de caráter eventual ou temporário: […]
d) gratificação do magistrado pelo exercício da função eleitoral, prevista nos art. 1º e 2º da Lei nº 8.350, de 28 de dezembro de 1991, na redação dada pela Lei nº 11.143, de 26 de julho de 2005;
e) gratificação de magistério por hora-aula proferida no âmbito do Poder Público; […]”[92]
Por sua vez, a Resolução nº 42, de 11 de setembro de 2007, do Conselho Nacional de Justiça, afirma que o “abate-teto” deve ser aplicado as parcelas de cumulação de subsídio, remuneração ou proventos somados a pensão por morte consideradas individualmente.
“Art. 6º Para efeito de percepção cumulativa de subsídios, remuneração ou proventos, juntamente com pensão decorrente de falecimento de cônjuge ou companheira(o), observar-se-á o limite fixado na Constituição Federal como teto remuneratório, hipótese em que deverão ser considerados individualmente.
Art. 2º Fica revogada a alínea "k" do art. 2º da Resolução nº 14, de 21 de março de 2006, e acrescido ao referido artigo um parágrafo único, com a seguinte redação:
Parágrafo único. Para efeito de percepção cumulativa de subsídios, remuneração ou proventos, juntamente com pensão decorrente de falecimento de cônjuge ou companheira(o), observar-se-á o limite fixado na Constituição Federal como teto remuneratório, hipótese em que deverão ser considerados individualmente”[93].
Tem-se, também, a Resolução nº 10/2006 do CNMP que dispõe sobre a aplicação do teto remuneratório constitucional para os servidores do Ministério Público da União e para os servidores e membros dos Ministérios Públicos dos Estados que não adotam o subsídio.
“Art. 5º Não podem exceder o valor do teto remuneratório, embora não se somem entre si nem com a remuneração do mês em que se der o pagamento: […]
IV – remuneração ou provento decorrente do magistério, nos termos do art. 128, inciso II, alínea d, da Constituição Federal;
V – gratificação pela prestação de serviço à Justiça Eleitoral de que trata o art. 50, VI, da Lei nº 8.625/93 e a Lei nº 8.350/91;
VII – gratificação de magistério por hora-aula proferida no âmbito do Poder Público[94]. […]”
Conforme se pode observar destas resoluções, os Conselhos excepcionaram situações muito específicas para a não-incidência do teto, fazendo uma interpretação sistêmica da Constituição que, por um lado instituiu o teto e, por outro, possibilitou o exercício do magistério e, ainda, determinou que os órgãos da justiça eleitoral fossem compostos por membros de outros órgãos do judiciário, então estas pessoas devem receber pelo seu trabalho. Já quanto à norma que dispõe que a pensão decorrente de falecimento de cônjuge deva ser considerada individualmente para observação do teto, acredita-se que a exceção se dá porque o fato gerador ocorreu por pessoa distinta daquela que recebe o benefício.
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR. PENSÃO POR MORTE. ABATE-TETO. INCIDÊNCIA ISOLADA.1. O art. 37, XI, da Constituição da República, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 41, de 19.12.03 estabeleceu o abate-teto. O Tribunal de Contas da União considera que o abate-teto deve incidir, de um lado, sobre o somatório dos valores recebidos a título de aposentadoria e remuneração e, de outro, sobre a pensão por morte, por serem verbas de fatos geradores distintos TCU, TC-009.585/2004-9, Rel. Min. Ubiratan Aguiar, j. 30.11.05). No mesmo sentido, o art. 6º da Resolução n. 42, de 11.09.07, do Conselho Nacional de Justiça. Na esteira do entendimento acima referido, tem se manifestado a jurisprudência (TRF da 3ª Região, ApelReex n. 251565220104036100, Rel. Des. Fed. Peixoto Junior, j. 11.10.11; TRF da 5ª Região, ApelReex n. 200981000048251, Rel. Des. Fed. Francisco Cavalcanti, j. 05.05.11; TRF da 2ª Região, ApelReex n. 200851010240053, Rel. Des. Fed. Reis Friede, j. 16.06.10; AMS n. 200451010165864, Rel. Des. Fed. Antonio Cruz Netto, j. 24.01.09).2. A agravante comprovou que recebe cumulativamente pensão por morte, relativa ao seu marido, aposentadoria relativa a cargo público por ela anteriormente ocupado e remuneração por sua atividade atual. Demonstrou, ainda, que a União vem realizando descontos em seus contracheques considerando, para incidência do abate-teto, a soma das verbas recebidas.3. Encontram-se presentes os requisitos para concessão da antecipação da tutela recursal, tendo em vista a verossimilhança da alegação da agravante de que o abate-teto constitucional deve incidir, de um lado, sobre o somatório dos valores recebidos a título de aposentadoria e remuneração e, de outro, sobre a pensão por morte. Ademais, trata-se de verba alimentar, a indicar o risco de dano grave e de difícil reparação.4. Agravo de instrumento provido”[95].(grifo nosso)
Este agravo de instrumento demostra o entendimento do Tribunal Regional Federal da terceira região, que concede a antecipação de tutela para que pare de incidir o “abate-teto” no somatório total da acumulação da pensão por morte, relativa ao seu marido, da aposentadoria relativa a cargo público anteriormente ocupado pela requerente e remuneração pela atividade que atualmente desempenha.
“ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO CÍVEL. CUMULATIVIDADE DE APOSENTADORIA SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL COM PENSÃO POR MORTE. ABATE-TETO. PROVENTOS DISTINTOS. INCIDÊNCIA ISOLADA POR BENEFÍCIO.1. A Autora sofre descontos em seus proventos, a título de abate-teto, porque recebe, cumulativamente, aposentadoria, referente ao cargo de Auditora Fiscal da Receita Federal, e pensão por morte de seu companheiro, e tais benefícios, somados, ultrapassam o teto remuneratório previsto no art. 37 , XI , da CF . A sentença de base deferiu a supressão de tais descontos e a devolução dos valores que já foram indevidamente descontados.2. Afigura-se equivocada a conduta do poder público de somar ambos os proventos para aplicação do limite do abate-teto. Observa-se que são benefícios completamente distintos e devem ser considerados isoladamente para a aplicação do limite estipulado para o teto remuneratório. Embora os benefícios de pensão e aposentadoria sejam recebidos pela mesma pessoa, têm fatos geradores distintos e são relacionados a contribuintes igualmente distintos. Precedentes do Tribunal de Contas da União e de Tribunais Regionais Federais.3. Em relação aos juros de mora e correção monetária devem ser observadas as orientações do Manual de Cálculos da Justiça Federal, aprovado pela Resolução/CJF 134, de 21/12/2010. 4. Apelação e remessa oficial a que se dá parcial provimento apenas para determinar que a atualização das parcelas vencidas observe as orientações do Manual de Cálculos da Justiça Federal, aprovado pela Resolução/CJF 134, de 21/12/2010”[96].(grifo nosso)
O Tribunal Regional Federal da primeira região demonstra, não só, o entendimento que o “abate-teto” deve incidir de maneira individual em cada benefício, como ainda estabelece a devolução dos valores já descontados indevidamente, corrigidos monetariamente.
“Ementa: ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO CÍVEL. CUMULATIVIDADE DEAPOSENTADORIA SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL COM PENSÃO POR MORTE. ABATE-TETO. INCIDÊNCIA ISOLADA POR BENEFÍCIO. PROVENTOS DISTINTOS E CUMULÁVEIS LEGALMENTE. PELO PROVIMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. 1. Discute-se a possibilidade de aplicação do abate-teto considerada a percepção cumulativa dos benefícios relativos à aposentadoria concedida à apelante, em razão do exercício do cargo de Auditora fiscal do INSS, e a pensão por morte deixada pelo falecido cônjuge. 2. A apelante vem sofrendo descontos pelo poder público a título de abate-teto em seus benefícios, os quais são somados para fins de verificação do limite constitucional do art. 37, XI, da Carta Política . Todavia, trata-se de benefícios cumuláveis de acordo com a legislação de regência, sendo plenamente possível o recebimento conjunto da pensão por morte do marido com proventos de aposentadoria própria em razão de serviço público, inclusive, porquanto esta última possui natureza previdenciária. 3. Afigura-se equivocada a conduta do poder público ao somar ambos os proventos para aplicação do limite do abate-teto. No caso sub examine, observa-se que são benefícios completamente distintos, e deste modo, devem ser considerados isoladamente para a aplicação do limite estipulado para o teto remuneratório, uma vez que cumuláveis legalmente. 4. Precedente: Acórdão n.º TC – 009.585/ 2004-9, referente à Consulta formulada pelo Ministro Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Vantuil Abdala, ao Tribunal de Contas da União. 5. Apelação provida”[97].(grifo nosso)
A apelação cível julgada pelo Tribunal Regional Federal da quinta região coaduna com o entendimento de que as verbas devem ser consideradas isoladamente, e não cumulativamente, para efeitos de aplicação do “abate-teto”.
“DECISÃO INTERLOCUTÓRIACuida-se de agravo de instrumento interposto por Selma Maria Ratis de Oliveira Souza em face do Estado de Pernambuco, impugnando decisão interlocutória da lavra da MM. Juiz de Direito da 4ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital, Dr. Djalma Andrelino Nogueira Júnior, proferida nos autos do Mandado de Segurança nº 0176915-33.2012.8.17.0001. Alega que recebe pensão em razão do falecimento do seu esposo, por expressa previsão da lei previdenciária em vigor, a qual já foi incorporada ao seu patrimônio jurídico, consistindo em ato jurídico perfeito.Assevera que a pensão por morte e a aposentadoria são institutos diversos, percebidos por motivos diferentes e, pois, não podem ser considerados como remuneração única para efeitos da incidência das regras reguladoras do teto remuneratório, nos moldes da EC nº 41 /03.Aduz que o ato abusivo emanado da autoridade coatora foi consumado de forma unilateral, sem respeito aos princípios da ampla defesa e contraditório, sem que lhe possibilitassem a apresentação de razões, a produção de provas e o conhecimento dos fundamentos da decisão”[98].(grifo nosso)
Como já abordado anteriormente, pode-se perceber no relato dos fatos a aplicação unilateral, por parte da Administração Pública, do “abate-teto”, sem possibilidade de ampla defesa ou de contraditório por parte do beneficiário.
“(…)Pugna pela concessão de efeito suspensivo, sustando-se os efeitos do ato impugnado e, no mérito, pelo provimento deste agravo, com a integral reforma da decisão vergastada, confirmando-se a antecipação de tutela, revogando-se a determinação dos questionados descontos nos seus proventos de aposentadoria e pensão. É o que de relevante se tem a relatar. DECIDO.Segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial dominante, a expressão "percebidos cumulativamente ou não", presente na redação do dispositivo constitucional supratranscrito, tem por objetivo coibir a sobreposição de espécies remuneratórias pagas a uma mesma pessoa com base no mesmo fundamento jurídico, hipótese na qual não se enquadra a presente lide. De fato, os valores pagos à demandante apresentam fundamentos absolutamente distintos: apenas os proventos de sua aposentadoria são resultado do trabalho da própria servidora e podem ser tidos como remuneração; diversamente da pensão por morte lhe é paga em razão do falecimento de seu marido (também servidor público), como benefício de caráter alimentar. Ora, cada um dos benefícios por ela recebidos teve um fato gerador diverso e, em virtude disso, não podem ser entendidos como acumulação de remunerações, principalmente por que cada um teve sua própria fonte de custeio, suportada de forma individual pelo instituidor correspondente quando em atividade. Em conclusão, a limitação constitucional contida no artigo 37, XI, da CF, malgrado deva ser necessariamente aplicada ao pagamento de aposentadorias individualmente considerada que ultrapasse o aludido limite, não se revela razoável a soma de seu valor com proventos de pensão para fins de cálculo do teto, ainda que sejam pagas pela mesma pessoa jurídica de direito público, como na hipótese em apreço”[99].(…)
Também o Tribunal de Justiça de Pernambuco entende que o “abate-teto” não deve ser aplicado a soma de proventos com pensão por morte pois, a fonte de custeio e o fato gerador das duas verbas tem caráter distintos arcados individualmente por cada um de seus instituidores e por isso devem ser individualmente consideradas.
“[…] É o que deflui dos julgados infratranscritos: "Teto remuneratório – Cumulação Irredutibilidade – Aposentadoria e Pensão – O pagamento cumulativo de proventos de aposentadoria e pensão por morte cuja soma dos valores ultrapasse o teto remuneratório constitucional não viola o artigo 37, inciso XI da Constituição Federal. Espécies remuneratórias que apresentam fundamento jurídico diverso. A limitação de vencimentos não pode desconsiderar os princípios constitucionais básicos e a garantia da irredutibilidade de vencimentos e proventos. Exige, no mínimo, que seja respeitado o valor pago que resta congelado até que o valor do teto o ultrapasse. Recurso adesivo da autora provido e improvidos o recurso da ré e o reexame necessário.".(TJ-SP – APL: 424305620108260053 SP 0042430-56.2010.8.26.0053, Relator: Lineu Peinado, Data de Julgamento: 29/11/2011, 2ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 01/12/2011)"Servidora pública municipal – Cumulação – Aposentadoria e Pensão – Teto remuneratório – O pagamento cumulativo de proventos de aposentadoria e pensão por morte cuja soma dos valores ultrapasse o teto remuneratório constitucional não viola o artigo 37, inciso XI da Constituição Federal. Espécies remuneratórias que apresentam fundamento jurídico diverso. Recursos improvidos.".(TJ-SP – -….: 21736020108260191 SP , Relator: Lineu Peinado, Data de Julgamento: 14/12/2010, 2ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 29/12/2010) "[…]. Proventos de aposentadoria e pensão por morte. Acumulção. Possibilidade. Teto constitucional. Verbas analisadas individualmente. Recurso desprovido. […]. 2. Na linha da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, do Conselho Nacional de Justiça e do Tribunal de Contas da União, a soma dos valores percebidos a título de pensão por morte e de proventos de aposentadoria podem ultrapassar o teto constitucional. […]."(Ac. de 13.8.2009 no REspe nº 28.307, rel. Min. José Delgado.) Ante todo o exposto, DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA RECURSAL ALMEJADA, para fins de suspender os descontos decorrentes do "excedente de remuneração unificado" incidente sobre o montante global dos proventos de aposentadoria e pensão percebidos pela demandante”[100].
Foi com base nestes julgados, que o Tribunal de Justiça de Pernambuco prolatou a sua decisão da não aplicabilidade do “abate-teto” sobre as somas da pensão por morte com a renda própria do cônjuge sobrevivente.
O Ministro-Relator Ubiratan Aguiar explana em seu voto o entendimento da Corte.
“Cada servidor, mediante desconto mensal para a seguridade social, conforme parâmetros fixados em lei, contribui para o fundo, genericamente falando, que, no futuro, arcará com os desembolsos decorrentes do pagamento de sua aposentadoria ou da pensão de seus beneficiários. O fato gerador do direito à pensão é a morte do segurado. Já no caso da remuneração e da aposentadoria é o exercício do cargo público e o preenchimento dos requisitos definidos para a inatividade. Nesse sentido, a cada servidor são assegurados esses benefícios”[101]. […]
Um dos fundamentos que o Ministro Relator Ubiratan Aguiar, do Tribunal de Contas da União, utilizou para lastrear seu voto, foi que o instituidor da pensão já havia pago as contribuições necessárias para garantir o direito de sua esposa a receber o benefício de pensão por morte, quando assim afirmou:
“[…]Não há, portanto, que se confundir servidores distintos, detentores de direitos distintos, constitucional e legalmente garantidos. A cada um, individualmente, aplicam-se todos os dispositivos relacionados à acumulação de cargos e ao teto de remuneração, em especial quando se fala daqueles de natureza restritiva. Todavia, não é plausível querer extrapolar essas restrições para o somatório dos direitos individuais. A prevalecer essa tese, estaríamos restringindo direitos que a Constituição Federal não restringiu.
Tomemos como exemplo marido e mulher, ambos servidores públicos, percebendo remunerações próximas ao teto. Quando na atividade, a cada um se aplicam as restrições anteriormente mencionadas. As respectivas remunerações devem observar o teto constitucional. Só são permitidas as acumulações de cargos que a Constituição Federal considera legais. Portanto, no exercício do cargo público, ou ao desfrutar da aposentadoria, a cada um será permitido receber a remuneração/provento, ou o somatório de remunerações/proventos de cargos legalmente acumuláveis, até o limite fixado no art. 37, inciso XI, da Constituição Federal. Qual o fundamento, portanto, para concluir que, na hipótese de um dos dois vir a falecer, passando o outro a ser beneficiário de pensão, nos termos da lei, estaria criada uma nova situação em que seriam desconsiderados os fatos geradores da remuneração/provento a que cada um tem direito? Não encontro amparo legal para prosseguir em tal linha de raciocínio, pois não se trata de verificação de renda familiar em face do teto constitucional. Caso contrário, estaríamos admitindo a hipótese absurda de ser mais vantajoso ao beneficiário da pensão exonerar-se de seu cargo”[102]. (grifo nosso)
Este entendimento se coaduna com o artigo 75 da Lei n° 8.213/91, que trata justamente deste tema:
“Art. 75: O valor mensal da pensão por morte será de cem por cento do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento, observado o disposto no art. 33 desta lei”.(grifo nosso)
Continua o Ministro Ubiratan Aguiar:
“[…]Por essas razões, entendo que os dispositivos da Constituição Federal só permitem a compreensão de que todas as restrições referem-se sempre a uma única pessoa. Quer dizer: remuneração, proventos e pensões decorrentes do exercício de cargo ou emprego por uma determinada pessoa estão submetidos ao teto constitucional. Por outro lado, quando se trata do recebimento de pensão, que é a única situação em que pessoa diferente do instituidor receberá seus benefícios, cumulativamente com remuneração ou com proventos de aposentadoria, verifico que a Constituição Federal não contém dispositivo que permita extravasar o entendimento da aplicação do teto, pois se trata de situações de servidores distintos que geraram direitos distintos. E, como se trata de direito, não cabe ao intérprete adotar entendimento restritivo quando a própria lei não o fez”[103].
Pode-se perceber com esta leitura que a Constituição Federal de 1988 não abarcou todas as situação da aplicabilidade do teto constitucional, se propositalmente ou não, não se sabe, mas com as palavras do próprio Ministro Ubiratan Aguiar “como se trata de direito, não cabe ao intérprete adotar entendimento restritivo quando a própria lei não o fez”.
“(…)Entendo que as conclusões acima representam a aplicação de restrição quandoa Constituição Federal não quis restringir, pois, como busquei demonstrar, todas asmenções ao limite constitucional referem-se à remuneração e proventos de uma mesma pessoa, inclusive nos casos de acumulação previstos na Carta Magna. Ao contrário dapercepção do ilustre Representante do Ministério Público, verifico que a aplicação doteto às situações objeto da presente Consulta é que representaria mutação constitucional,haja vista que a Carta Magna não contempla dispositivo nesse sentido.
O beneficiário da pensão não receberá melhor tratamento do que o instituidor.Da relação estabelecida em vida pelo instituidor com o Estado resulta o direito dobeneficiário à pensão, cujo valor submete-se ao teto constitucional. De outra relação,constituída por outro servidor com o Estado, resulta o direito à remuneração, quando naatividade, e ao provento de aposentadoria, quando na inatividade. A cada uma dasrelações constituídas aplica-se, isoladamente, o teto constitucional. Ademais, esseentendimento não pretende excluir as pensões do teto, até mesmo porque, com a ediçãoda Emenda Constitucional n° 20/98, o provento de pensão passou a constarexpressamente do limite estabelecido no art. 37, inciso XI, da Constituição Federal”[104].
A Corte de Contas da União acompanha o voto do Ministro Ubiratan Aguiar com o entendimento que não deve ser despendido melhor tratamento para o recebedor da pensão por morte, como também não deve este ser tratado de forma pior que o instituidor da pensão, haja vista que as verbas recebidas por este já sofriam a limitação do teto constitucional.
Devido aoelevado número de julgados, em todas as esferas de jurisdição, com o mesmo entendimento da não incidência do “abate-teto” sobre a soma da pensão por morte com remuneração/ subsídio ou proventos, faz-se necessário parar esta análise e demonstrar outros pontos controversos do objeto de estudo.
Para inserir o este tema no estudo, é importante observar alguns conceitos trazidos pela doutrina sobre o referido instituto.
O enriquecimento sem causa é entendido como fato e como princípio. Fato por ser um evento que gera enriquecimento ilegítimo para um, às custas do empobrecimento de outro. Princípio, por ser norma geral de repúdio ao locupletamento[105].
Para Limongi França:"Enriquecimento sem causa, enriquecimento ilícito ou locupletamento ilícito é o acréscimo de bens que se verifica no patrimônio de um sujeito, em detrimento de outrem, sem que para isso tenha um fundamento jurídico"[106].
Já para Pedro Luso de Carvalho:“A pessoa física ou jurídica que enriquecer sem justa causa, dará ensejo ao lesado a ajuizar ação visando à restituição do valor recebido indevidamente, atualizado monetariamente”[107].
Tomar-se-á como conceito para este trabalho a definição de enriquecimento sem causa como a situação na qual o Estado aufere vantagem indevida em face do empobrecimento de outro, sem motivo que o justifique.
O conceito será melhor demonstrado, fazendo-se necessária antes uma análise do instituo no âmbito geral.
Inicialmente tem-se um problema terminológico no qual sempre ocorre uma confusão entre os conceitos de enriquecimento sem causa e enriquecimento ilícito.
Popularmente enriquecimento sem causa e enriquecimento ilícito são sinônimos, e para a grande maioria são expressões referentes a um único significado, consequentemente a um único instituo[108].
Este é um grave erro de interpretação do qual deve-se tomar ciência, sendo assim é importante ressaltar as diferenças entre tais dispositivos para evitar que eventuais confusões e erros aconteçam[109].
O enriquecimento ilícito é figura do Direito Administrativo, de acordo com a lei 8.429/92, que o tipifica como um ato de improbidade administrativa. De acordo com o artigo 9º da referida lei[110].
Já o enriquecimento sem causa tratado pelo artigo 884 da lei 10.406/2002 que instituiu o novo Código Civil, configura-se pela existência de um enriquecimento obtido as custas de outrem sem uma causa justificativa para o enriquecimento[111].
Pode-se dizer que um dos motivos para a ocorrência da confusão entre os conceitos de enriquecimento sem causa e enriquecimento ilícito, é o aparente denominador comum existente entre as duas situações, que seria a falta de causa para o enriquecimento supostamente ilícita[112].
Todavia, tal confusão de comum ocorrência deve ser devidamente esclarecida. Ocorre que no caso de Enriquecimento Ilícito, deve restar configurada situação na qual um agente dispondo de suas funções, seja em entidade pública ou privada, comete ato ilícito para auferir qualquer espécie de vantagem pessoal[113].
Para que esteja configurado o enriquecimento sem causa, não é necessário que o agente cometa ato ilícito ou antijurídico para auferir vantagem em desfavor de outro, bastando apenas que obtenha um enriquecimento, ou uma vantagem, em face de um empobrecimento de outro sujeito, sem que haja um motivo que justifique tal deslocamento patrimonial, e há quem diga que para que tal deslocamento seja justificado sem que configure enriquecimento sem causa, deve ser baseado em um justo título[114].
O enriquecimento sem causa, tem o condão de fazer com que o enriquecido restitua o empobrecido com aquilo que se locupletou somente, sendo o foco central a vantagem auferida, e não o empobrecimento necessariamente, sendo a restituição ao empobrecido uma espécie de reparação indireta, não se falando, portanto em verba indenizatória, perdas e danos e etc[115].
Outro motivo para tal confusão origina-se da eventual admissão de se fundamentar o pedido de restituição decorrente do enriquecimento ilícito no princípio maior do enriquecimento sem causa. Convém registrar que tal admissão para pedido de restituição, não os torna sinônimos, tampouco equiparados os conceitos em questão. Tem-se como possibilidade a extensão da aplicabilidade do princípio do enriquecimento sem causa na esfera do Direito Público, uma vez que o mesmo não encontra restrição quanto à relação obrigacional, que pode ser pública ou privada, sendo portanto, completamente cabível a sua incidência no âmbito da esfera pública[116].
Como pode-se verificar no voto do Ministro relator Cezar Peluso, no recurso extraordinário, o Superior Tribunal Federal condena o enriquecimento sem causa por parte do Estado:
“Processo: RE-AgR239552.Relator (a): Min. CEZAR PELUSO. Tribunal: STF. Data da Decisão: 31/08/2004. Data da Publicação:17/09/2004. EMENTA: RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Servidor público. Aposentadoria. Férias e licença-prêmio não gozadas na atividade. Indenização. Direito reconhecido. Vedação do enriquecimento sem causa e responsabilidade civil do Estado. Fundamentos autônomos infraconstitucionais. Ofensa indireta à Constituição. Agravo regimental não provido. Precedentes. A questão de indenização, na aposentadoria de servidor público, por férias e licença-prêmio não gozadas na atividade, fundada na proibição do enriquecimento sem causa da Administração e na responsabilidade civil do Estado, é matéria infraconstitucional, insuscetível de conhecimento em recurso extraordinário”[117]. (grifo nosso)
E é com embasamento no enriquecimento sem causa que o Ministro Relator Ubiratan Aguiar, do Tribunal de Contas da União, embasou seu Voto, quando afirmou que o instituidor da pensão já havia pago as contribuições necessárias para garantir o direito de sua esposa a receber o benefício de pensão por morte, não podendo o Estado se apropriar destes valores:
“(…)20.Concordo com o Ministro Benjamim Zymler quando afirma que o caráter contributivo é relativo, tanto é que o servidor que acumula remunerações, e proventos, tem sua renda limitada pelo teto. Mas, extrapolar esse entendimento é desvirtuar totalmente o caráter contributivo da contribuição.
Ademais, em se tratando de regime acima de tudo contributivo, interpretação distinta, mais que proteger os cofres públicos estaria, de fato, ocasionando enriquecimento sem causa da União, uma vez que as contribuições de toda uma vida laboral, cujo objetivo do instituidor foi amparar a si ou a seus dependentes na hora devida, passará a ser apropriada pelo Estado. Defendo, sim, o estado de direito, mas não o abuso do poder estatal[118]”. (grifo nosso)
Por fim, observa-se que ao aplicar o “abate-teto” sem os devidos procedimentos legais e sem a análise necessária por parte da Administração Pública, além de toda a ofensa, já comentada, que é cometida contra o beneficiário, o Estado ainda enriquece às custas das contribuições pagas pelo servidor falecido.
Considerações finais
De acordo com as pesquisas que fundamentaram a elaboração deste trabalho, foi possível destacar a importância do tema em debate, pois, explanando suas características, requisitos e evolução, pode-se entender a importância da criação do teto remuneratório e da aplicação legal do “abate-teto”.
Sendo este, um assunto bastante polêmico e atual, pois é prática adotada na Administração Pública, com habitualidade, de modo que desnatura o escopo previsto pela lei, ou seja, de ter a retribuição pecuniária paga em razão do trabalho caráter alimentício, e que não deveria sofrer nenhum desconto, principalmente sento este desconto proveniente de um fato gerador diverso do que está sendo adotado como razão para a sua aplicação. Podendo-se afirmar, assim, que a reiteração desta prática, está tomando força, o que vem sendo, inclusive, repudiado por decisões judiciais, que reconhecem o acordo entre o instituidor da pensão por morte e o Estado, já que, em vida, o servidor contribuía com a sua previdência para garantir a sua aposentadoria ou pensão por morte para seu/sua cônjuge/companheiro(a) e a segurança econômica de sua família.
O“abate-teto” surgiu e se firmou por meio do estabelecimento do teto remuneratório com a advento a Emenda Constitucional 41/2003, que em seu artigo 9º reestabelece o artigo 17 do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias.
Inquestionável é a sua aplicabilidade ao subsídio/remuneração ou proventos de um servidor público, porém o que se questiona é a sua aplicação sobre à renda de um servidor cumulada na pensão deixada por outro.
Ainda que não haja dispositivo legal expresso quanto a esse ponto, restou demonstrado que tanto a doutrina quanto a jurisprudência dominantes reconhecem a invalidade desta postura da Administração Pública.Mas em que pese toda a evolução do ordenamento pátrio no que se refere ao reconhecimento e determinação dos efeitos do instituto, faz-se necessáriaa positivação de normas de como o Estado deve agir neste sentido.
O Brasil é um país com dimensões continentais, em quemuitos entes administrativos alegam não fazer o devido desconto ou fazer desarrazoadamente por não ter o controle de quantos vínculos o servidor tem e qual os valores percebidos por ele.
Ante o exposto, conclui-se que as limitações constitucionais relativas ao teto remuneratório do serviço público e o entendimento doutrinário e jurisprudencial não permitem a aplicação automática do “abate-teto”, e quando isso é feito, está se desrespeitando o devido processo legal, sem se garantir ampla defesa e contraditório, sobre benefícios com fontes de custeio distintas na cumulação de subsídio/remuneração ou proventos de aposentadoria com pensão por morte em valor que supere o subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.
Como se tal fato já não fosse o suficiente para a não aplicação automática do “abate-teto”, ainda ocorre o locupletamento dos valores por parte da Administração Pública sobre as contribuições do servidor falecido, visto que este contribuiu para com o Estado com a promessa de no futuro, em caso de idade avançada ou de sua morte, receber ele mesmoos proventos ou o seu cônjuge/companheiro(a) vir a receber a sua pensão por morte para garantir a subsistência e o padrão de vida de sua família, visto que com esta finalidade o contribuinte trabalhou a vida inteira.
Por conseguinte, não deve ser aplicado o chamado “abate-teto” sobre a soma de pensão por morte com proventos de aposentadoria,subsídio ou remuneração decorrente do exercício de cargos, funções ou empregos públicos, quando percebidos cumulativamente pelo mesmo beneficiário: a autotutela é legal, mas a seara pública deve respeito ao devido processo legal.
Advogada
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