Resumo: A sociedade moderna, baseada no sistema capitalista, desenvolve-se a custa do trabalho humano, e por mais que existam máquinas com alta tecnologia, as mesmas são operadas e desenvolvidas por humanos. E todo o avanço social é conquistado pela contraprestação de relações sociais dispostas por aqueles que desejam algo e os outros que os ofertam. O trabalho humano, em todo o mundo, é regulamentado por normas mínimas, que tanto protegem o empregado quanto o empregador. O direito como um todo, se preocupa com essas normas regulamentadoras, fixando deveres, obrigações e garantias às partes, que desde o pré-contrato, durante o contrato e após o contrato fixa parâmetros a serem cumpridos. Todo o contrato de trabalho, que em algum momento teve seu início, terá, também, seu término e a extinção do contrato pode se dar de diversas formas, dentre elas a específica de o empregado, em decorrência de ato faltoso do empregador, rescindi-lo.
Esse trabalho abordou o aspecto da rescisão indireta do contrato de trabalho, ou despedida indireta, ou seja, a justa causa do empregador que enseja a ruptura da relação. Vale a leitura para um aprimoramento e desenvolvimento do tema, uma vez que se utilizou de conceitos já firmados na doutrina e na jurisprudência, além das aulas ministradas no curso de especialização em Direito do Trabalho, na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, para abordar, ainda que rapidamente, os contratos em geral, após os contratos de trabalho, e em seguida a despedida indireta, de forma teoria e prática, e por fim, tecer breves comentários acerca os danos oriundos da despedida.
Sumário: 1.Introdução; 2. Relação de Emprego; 3.Dos Contratos em Geral; 3.1. Conceitos e Fundamentos; 3.2. Princípios Contratuais; 3.2.1. Princípio da Autonomia da Vontade; 3.2.2.Princípio do Consensualismo; 3.2.3. Princípio da Força Obrigatória; 3.2.4. Princípio da Boa-fé; 3.2.5. Princípio da Relatividade dos Efeitos dos Contratos; 3.3. Considerações Gerais sobre os Contratos; 3.3.1. Pressupostos e Requisitos Contratuais; 3.3.2. O Negócio Jurídico e sua Validade; 3.4. Classificação dos Contrato; 3.5. Formas de Extinção do Contrato; 4. Contrato de Trabalho; 4.1. Desenvolvimento Histórico; 4.2. Considerações Gerais sobre o Contrato de Trabalho; 4.3. Extinção do Contrato de Trabalho; 5. Dispensa Indireta; 5.1. Procedimento para o Empregado Requerer a Despedida do Empregador ;6. Dos Danos Causados pela Despedida Indireta ;7. Considerações Finais; Referências Bibliográficas
1. INTRODUÇÃO
O trabalho é a força motriz das atuais economias. Por intermédio de conquistas ocorridas nos séculos passados, o mundo moderno possui uma normatização mínima para o exercício do trabalho.
Mundialmente, principalmente após o período da segunda grande guerra mundial, as preocupações com as relações de emprego aumentaram, significativamente. Diante do aumento dessas relações, o homem criou institutos que as balizaram, garantindo e padronizando direitos, obrigações e deveres, tanto na relação empregador-empregado quanto na empregador-sociedade e vices-versas.
Dentre as preocupações em basilar as relações, tem-se que em 1919, foi criada a Organização Internacional do Trabalho, por intermédio do Tratado de Versalhes. Este organismo internacional tem como alguns de seus objetivos, regulamentar, fiscalizar e desenvolver as políticas públicas regionais e internacionais, nos países que aceitaram ser partes em suas convenções e resoluções.
Desde então, os sistemas internos dos países, buscaram efetivar condições mínimas de trabalho, pois a humanização dos direitos se tornou latente e necessária, e o próprio homem percebeu que a falta de proteção e de garantias mínimas, contra o poderio crescente do capital, o levaria a uma sociedade futura incerta.
As regras que dispõe sobre o sistema de trabalho, encontram-se tanto no nível máximo dos ordenamentos jurídicos, que são as normas constitucionais, passando em seguida pelas leis complementares e ordinárias, chegando às meras regulamentações ou portarias de secretarias e ministérios. Mas todas elas com o mesmo objetivo (ou deveriam tê-lo), qual seja, o de dar proteção a ambas as partes, ou seja, tanto a que contrata (pessoas jurídicas ou físicas – empregadoras), quanto a que é contrata para o exercício do trabalho (empregada).
O trabalho pode se dar tanto entre pessoas com a mesma capacidade de pactuá-lo, quanto com pessoas com capacidades diversas. Há todas existem proteções e regulamentações legislativas. Para as primeiras, por serem auto-suficientes, a regulamentação se dá por intermédio das leis civilistas, e quanto às segundas, por serem hipossuficientes entre si, há proteção do direito do trabalho.
Quando uma parte, empregadora, deseja doutra, empregada, que a prestação de um serviço, utilizando-se de sua força, intelectual ou física, ofertando-lhe em contraprestação, dinheiro, mas de forma intencional duradoura, pondo-se diante de uma relação de emprego.
Essa relação existente entre as partes, uma que oferece o serviço e outra que o aceita, é tutelada pelo direito do trabalho. Para as normas laborais é inaceitável que a parte com mais poderio em relação à outra, obrigue a mais fraca a prestar serviço da forma que lhe aprouver, incumbindo ao direito equipará-las no plano legal, para alcançar a finalidade estatal, tanto social quanto jurisdicional.
Quando se predispõe a assumir essa relação, as partes celebram entre si um pacto, um contrato, com determinação dos sujeitos, do objeto, dos valores, e fim, de todas as obrigações, direitos e deveres que lhes relacionam.
Porém, essas relações não são eternas. Há casos em que a relação se dá por termo certo. Porém, a regra é a relação ocorrer por tempo incerto, ou seja, que se perpetue no tempo, uma vez que quando se tem a intenção de obter capital, esta se dá de forma contínua, e se o instrumento para tê-lo é o trabalho, este acompanha aquele.
A caracterização da relação empregatícia pode ser de forma expressa e latente, bem como de forma tácita e enrustida, ou seja, de forma a que as partes, mesmo realizando uma relação empregatícia, deduzam, ainda que erroneamente, que ali não a ocorra.
No Brasil, o legislador pátrio vem regulamentando as relações desde alguns séculos atrás. Mas, foi pela Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943, foi que ocorreu o início do apogeu, sendo que posteriormente com a Constituição Federal de 1988, o ápice da proteção à relação do hipossuficiente-trabalhador, para com o capital- empregador, ocorreu.
A C.L.T., que prevê direitos, deveres e obrigações mínimas para o empregado e para o empregador, é um dos instrumentos utilizados para balisar a pactuação (contratação) do trabalho.
Mas, todo contrato, salvo exceções, não é eterno, possuindo termo inicial e final. E, uma das formas de por fim a relação jurídica iniciada com a celebração do contrato é a despedida de uma das partes à outra.
Todo ato humano, costuma ser motivado, quer sejam por motivos intrínsecos ou extrínsecos. E pela relação de emprego se tratar de uma relação que envolve no mínimo duas partes, a que presta o serviço e a que dele se utiliza, surgem situações em que uma ou outra parte proporcionam desconfortos ou motivos, para que a outra não mais desejar continuar a relação, buscando assim a rescisão do contrato.
A lei regulamentou também as formas de rescisão do contrato, tanto as que forem oriundas de um ato faltoso do empregado ou do empregador, quanto as imotivadas.
Quanto às formas motivadas por uma ato faltoso duma parte, ou seja, aquelas acompanhadas por uma justa causa da parte “ex adversa” da relação, a Consolidação das Leis do Trabalho, as dispôs em inúmeros artigos, dentre os quais, elencou hipóteses nos arts. 482 e 483. Os motivos elencados na lei não são exaurientes, até porque são casos em que se comportam interpretações.
O empregado tem possibilidades de romper a relação de emprego, quando o empregador praticar atos faltosos, como nos casos do art. 483 da C.L.T. Nesses, embora muito freqüentes na prática e que pouco são aplicados, o empregado tem assegurada a sua dignidade como ser humano, que por vezes é cerceada pelo o poder diretivo e potestativo do empregador que se impõe, geralmente.
Portanto, estudar-se-á, ainda que brevemente dos atos faltosos do empregador dispostos em alguns artigos da CLT, dentro de uma relação de emprego.[1]
2. RELAÇÃO DE EMPREGO
Entre as relações existentes destaca-se existir distinção entre a ‘relação jurídica’, a ‘relação de emprego’ e a ‘relação de trabalho’, pois cada qual possui seu substancial significado.
Para José Martins Catharino,[2] a ‘relação jurídica’ não existe fora da sociedade, ou seja, é social. E mais, são todas as relações humanas e fáticas, reconhecidas e reguladas pelo Direito, citando como exemplo, a relação de trabalho, como fato social. Na relação jurídica deve haver uma pessoa como sujeito de direito, além de ter objeto, fato ou ato humano e garantia normativa ou autogarantia, sendo assim um negócio jurídico, da qual o contrato é espécie.
Em virtude das desigualdades econômicas e sociais, a regulamentação normativa do contrato, pelo Estado-intervencionista, ocorreu principalmente na seara das relações de trabalho.[3]
José Martins Catharino,[4] ao mencionar acerca da relação de emprego, dispõe que esta começou a surgir com a Primeira Revolução Industrial, após o desaparecimento do sistema feudal, quando fora assegurada a liberdade formal do trabalho, perdurando até os tempos atuais.
E, o mesmo autor conceitua a relação de emprego como sendo :[5]
“um complexo voluntário-normativo, fruta produzida pelo “dirigismo contratual” e amadurecida na estação da “liberdade protegida”, a atual. Sua origem, o contrato. Sua função, apressar a revolução da igualdade jurídica, sendo como é visceralmente contratual. Seu sujeito principal, o empregado, daí ser preponderantemente pessoal, além de patrimonial e obrigacional.”
Para Amauri Mascaro Nascimento,[6] a relação de emprego é definida como:
“a relação jurídica de natureza contratual tendo como sujeitos, o empregado e o empregador e como objeto o trabalho subordinado, continuado e assalariado.”
Na relação de emprego há uma elevação das partes à igualdade, pois por natureza são desiguais, incumbindo a equiparação ao Estado por intermédio de sua força normativa, por se tratar de uma relação entre o Poder do Econômico do Capital, o Empregador, e o “Poder”[7] de trabalhar, do empregado.
As naturezas jurídicas das relações de emprego são diversas na doutrina, assim, para José Martins Catharino tem-se as naturezas: anticontratualista, acontratualista ou paracontratualista, contratualista e a eclética ou sincrética, além de apontar as suas subdivisões.
Feita esta distinção preliminar acerca da relação de emprego, e sabendo que as relações jurídicas são negócios e que contratos é espécie dessa, passa-se a analisar os contratos em geral e em seguida o contrato de trabalho, oriundo da relação de emprego, para após verificar a questão da rescisão indireta.[8]
Os contratos, por si só são fontes de produção normativa, ou melhor, são formas de solução de conflitos, em que as partes convencionam, pactuam determinado bem jurídico. E, de forma ampliativa, é uma fonte alternativa do direito.[9]
Numa conceituação mais restritiva, tem-se que contrato é fonte de relações jurídicas. E mais, é todo acordo de vontades destinado a constituir uma relação jurídica de natureza patrimonial e com eficácia obrigacional. É, classicamente, uma fonte de obrigações e de direitos subjetivos.[10]
Ainda, buscando uma conceituação moderna para o contrato tem-se:
“Contrato é o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial”.[11]
Ou ainda:
“Contrato – acordo de vontades de duas ou mais pessoas, para criar, modificar, ou extinguir entre si uma relação de direito – ‘lato sensu’, o mesmo que convenção – meio empregado na conjugação de vontades para realizar o negócio jurídico. Instrumento que deste faz prova”.[12]
A força exercente de um contrato é oriunda justamente do poder normativo que é gerado quando de sua elaboração e pactuação, ou seja, por estar nele expresso o quanto afirmado e convencionado pelas partes; com uma obrigação a ser cumprida da forma ali estipulada. Assim, é que no dito popular tem-se que “o contrato é lei entre as partes”.
A necessidade de manter o quanto pactuado é questão principiológica, pois a segurança do sistema jurídico de todas as relações repousam, querendo ou não, na vontade das partes que acertam e cumprem o avençado.
3.2. PRINCÍPIOS CONTRATUAIS
Toda ciência é lastreada e desenvolvida por princípios, que nada mais são do que “as vigas mestras” dessa ciência.
Nas lições de José Janguiê Bezerra Diniz, [13] tem-se que: “Princípio é o momento em que alguma coisa tem origem; é a causa primária; é o elemento essencial na constituição de um corpo.”
Para Miguel Reale,[14] princípios “são verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades de pesquisa e da práxis.”
Para a ciência do Direito não é diferente. Há inúmeros princípios que regem as relações humanas e, em particular os contratos, como fonte autônoma de produção normativa. Não são preceitos de ordem absoluta, já que servem para nortear e orientar os aplicadores do Direito.
Ao referir-se aos princípios, Jorge Luiz Souto Maior, observa a proposição de José Eduardo de Oliveira Faria, em que: [15]
“uma das características dos sistemas jurídicos é a regular sua própria criação e aplicação mediante pressupostos, postulados e princípios unificadores que servem como elementos básicos tanto para a formulação de uma dada ordem jurídica quanto para a própria conceitualização da dogmática jurídica. Tal concepção, privilegiando as argumentações lógicas fundadas no princípio da não-contradição, deixa de lado os aspectos políticos e históricos de fenômeno jurídico, por considerá-los empiricamente contingente, de um lado, destacando o racional-jurídico como universal e necessário e, de outro, reduzindo as condutas às estruturas normativas, numa contínua construção e reconstrução das próprias estruturas formais do direito.”
Procedida estas delineações acerca dos princípios, tem-se a relevância de alguns desses, que são:[16]
3.2.1) PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE
É um princípio que acompanha o direito contratual desde os primórdios. Sucintamente, é a liberdade das partes de contratar; é o poder dos indivíduos de suscitar por meio de uma declaração de vontade, efeitos reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica.
Essa liberdade de contratar está presente tanto na intenção de realizar a transação objeto do contrato quanto na de estipular o próprio contrato.
A liberdade de contratar apresenta limitações, que repousam nas normas e nas leis, ou seja, na ordem pública e nos usos e os bons costumes.[17]
Aqueles contratos que não respeitarem esses preceitos serão considerados nulos, sendo declarados inválidas as obrigações pactuadas.
Mas o próprio contrato é uma limitação da autonomia da vontade, uma vez que quando se pactua vai até um determinado limite, pois após este, já começa o interesse da outra parte, existindo assim uma limitação de vontade na simples pactuação.
As vedações para não-pactuação podem ocorrer tanto de aspectos morais quanto de legais, pois existem objetos contratados que atingem diretamente a moral, a licitude e, de forma ampla, a sociedade como um todo.
Por essa razão o contrato deve seguir normas, procedimentos, e estipular em seu bojo todo o conteúdo das vontades das partes, o que é feito por meio de “cláusulas contratuais”. Assim, um contrato deve possuir tanto as cláusulas gerais e comuns a todo negócio jurídico, quanto as específicas, referentes unicamente àquele negócio celebrado entre as partes.[18]
3.2.2) PRINCÍPIO DO CONSENSUALISMO
Por este princípio tem-se que o acordo de vontades das partes é, por si só, suficiente à perfeição do contrato. Há um prestígio à parte pactuante, possibilitando que os anseios delas sejam realizados no âmbito privado, afastando delas o interesse público (coletivo).
3.2.3) PRINCÍPIO DA FORÇA OBRIGATÓRIA
Este princípio é o que dá ao contrato força executante, ou seja, como já mencionado, é este que empresta ao pacto sua força, ou ainda, com bem conhecido do latim é o princípio da “pacta sunt servanda”.
É o bem maior que a sociedade (aqui como Estado), busca para seus súditos, quer nacionais ou não, ou seja, é instrumento para alcançar a paz-social.
Quando se impregna ao contrato a força exeqüente dele tornar-se lei entre as partes, a construção do mesmo não passa de uma construção moral, pois o inadimplemento é causa de guerra social, pondo em xeque a segurança jurídica das relações e o próprio ordenamento jurídico, ocasionando o enfraquecimento do Estado, que é no Estado de Direito o ‘Povo’.
Assim, essa força coercitiva e obrigatória de que a outra parte cumpra o acordado, de honrar a palavra empenhada, é uma questão de moral social, o que pode comportar variações.
Para o direito, em princípio, o quanto pactuado deve ser cumprido, porém, existem exceções a esta regra, como quando presentes vícios ocultos no negócio (Teoria dos Vícios Redibitórios) ou, quando ocorra uma imprevisão fática na relações interferindo na execução do negócio, como oneração excessiva a uma parte por fato alheio a sua vontade (Teoria da Imprevisão, “factum principis”, ou ainda, a cláusula “rebus sic stantibus”).
3.2.4) PRINCÍPIO DA BOA-FÉ
Cuida-se de princípio basilar da estrutura jurídica. Por ele há que a intenção da manifestação da vontade prevalece sobre o contrato objetivo celebrado.
Consoante o direito alemão, entende-se por “agir com boa-fé” é agir com lealdade e confiança recíproca, com colaboração e honestidade das intenções entre as partes.
Maria Helena Diniz, [19] ao tratar desse princípio dispõe:
“Segundo esse princípio, na interpretação do contrato, é preciso ater-se mais à intenção do que ao sentido literal da linguagem, e, em prol do interesse social de segurança das relações jurídicas, as partes deverão agir com lealdade e confiança recíprocas, auxiliando-se mutuamente na formação e na execução do contrato”.
Destaca-se que este princípio é norteador de todo o ordenamento jurídico, pois todas as relações estão, até que se prove o contrário, lastreadas na boa-fé dos sujeitos.
3.2.5) PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS EFEITOS DOS CONTRATOS
É o princípio referente à eficácia do contrato, ou seja, os efeitos dele se produzem exclusivamente entre as partes, não aproveitando nem prejudicando a terceiros.
E assim não poderia deixar de ser, uma vez que, o poder de vinculações e coerção contratual refere-se unicamente aos pactuantes, ou seja, somente àqueles envolvidos diretamente no negócio jurídico serão atingidos por seus efeitos, por aceitaram participar livremente do contrato.
3.3. CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DOS CONTRATOS
3.3.1 PRESSUPOSTOS E REQUISITOS CONTRATUAIS
No contrato,[20] qualquer que o seja, há elementos intrínsecos (como pressupostos) e extrínsecos (como requisitos), para sua validade, sendo que um complementa o outro.
Como pressupostos tem-se:[21]
a) capacidade das partes;
b) idoneidade do objeto;
c) legitimação para realizá-lo.
Já como requisito tem-se:
a) o consentimento;
b) a causa;
c) o objeto;
d) a forma.
Por sua vez, a vontade nos contratos é externada por meio de declaração das partes, que poderá ser:[22]
a) verbal, escrita ou simbólica;
b) direta ou indireta;
c) expressa, tácita ou presumida;
3.3.2) O NEGÓCIO JURÍDICO E SUA VALIDADE
Os requisitos para um negócio jurídico ser válido, estão presentes na parte geral do Código Civil,[23] principalmente, nos arts. 104 a 114.
E, como já exposto, o contrato é um negócio jurídico por excelência, devendo respeitar não só as regras específicas a ele impostas como as genéricas relativas ao negócio jurídico.
Por interpretação desses artigos, tem-se que para a validade do contrato são necessários os preenchimentos dos requisitos do art. 104, que se assemelham aos já expostos anteriormente, que são objeto lícito, possível e determinado ou determinável, agente capaz e forma prescrita ou não defesa em lei.
Destacando-se ainda o disposto no art. 111, em que o silêncio de uma das partes importa anuência da outra, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem e, não for necessária a declaração expressa da vontade. O art. seguinte (art. 112) limita a interpretação literal às cláusulas contratuais.
Porém, de todos os arts. da parte geral, destaca-se o art. 113, em que os negócios jurídicos, incluindo o contrato, devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar da celebração, ou seja, o Código Civil, encampou a tese de que o negócio jurídico deve ser válido ainda que sua forma não atenda as necessidades, uma vez que as partes agiram com boa-fé e o fizeram conforme os usos da região em que o ato ocorra.[24]
Nos negócios jurídicos há ainda a possibilidade deles se submeterem à condição[25], termo[26] ou encargo,[27] além de estar submetido à inobservância de defeitos[28] e invalidade do negócio.[29]
O Código Civil trouxe, no seu Título “V” (art. 421 e ss), normas referentes aos Contratos em geral, tendo em destaque das suas disposições gerais, a necessidade do contrato ser celebrado e exercido nos limites da sua função social, ou seja, da sua finalidade social, pois, como já exposto, o contrato semeia uma pactuação, livrando a sociedade de conflitos, alcançando assim a paz social, e a esta paz deve-se visualizar e verificar quando da ocorrência de qualquer fato que possa prejudicar a perfeita execução e cumprimento do contrato.
Miguel Reale[30] comenta a questão da função social do contrato:
“O que o imperativo da ‘função social do contrato’ estatui é que este não pode ser transformado num instrumento para atividades abusivas, causando dano à parte contrária ou a terceiros, uma vez que nos termos do art. 187, ‘também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes’.
Não há razão alguma para se sustentar que o contrato deva atender tão-somente aos interesses das partes que o estipulam, porque ele, por sua própria finalidade, exerce uma função social inerente ao poder negocial que é uma das fontes do direito, ao lado da legal, da jurisprudência e da consuetudinária.
(…)
É a essa luz que deve ser interpretado o dispositivo que consagra a função social do contrato, a qual não colide, pois, com os livre acordos exigidos pela sociedade contemporânea, mas antes lhes assegura efetiva validade e eficácia.”
Não menos importante o art. 422 do Código Civil, em que os contratantes devem respeitar os princípios de probidade e boa-fé.[31]
3.4) CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS
Os contratos são divisíveis em diversas categorias, que podem ou não ter em si, a mesma aplicação da regra jurídica que predispõe a realização do negócio.
A classificação dos contratos é diversa, mas adota-se a seguinte, a saber:[32]
– Bilaterais ou unilaterais e ainda sinalagmáticos;
– Onerosos e gratuitos (estes subdivididos em comutativos e aleatórios);
– Consensuais e reais;
– Solenes e não-solenes;
– Principais e acessórios;
– Instantâneos e de duração;
– De execução imediata e de execução diferida;
– Típicos e atípicos;
– Pessoais ou “intuitu personae” e impessoais;
– Civis e mercantis;
– Individuais e coletivos;
– Causais e abstratos.
3.5) FORMAS DE EXTINÇÃO DO CONTRATO
A extinção é a forma em que o contrato deixa de existir. Em regra, todo contrato se extingue, sendo que a forma normal é a execução de todas as cláusulas relativas ao objeto do contratado.
De modo genérico, a extinção da relação contratual dar-se-á das seguintes formas:[33]
a) pela extinção normal do contrato;[34]
b) por ocorrência de causas de dissolução do contrato anteriores ou contemporâneas à sua formação (incluindo a nulidade, a condição resolutiva e o direito de arrependimento);[35]
c) na ocorrência de causa extintivas do contrato supervenientes à sua formação (incluindo a resolução por inexecução voluntário do contrato, resolução por inexecução contratual involuntária, resolução por onerosidade excessiva, resilição bilateral ou distrato, resilição unilateral e morte de um dos contraentes).
Como o contrato pode ser de execução instantânea, diferido (aquela em que o objeto do contrato se dá numa única vez) ou continuada (aquele em que as prestações perduram no tempo, com termo, ou fato determinado para sua extinção), é possível ter-se a extinção de contratos em momentos diversos, mesmo que versem sobre o mesmo objeto, necessitando analisar conforme o caso concreto e o quanto pactuado.
Uma vez extinto o contrato, suas obrigações e direitos se extinguem também.
Pode ocorrer que por causas supervenientes, anteriores ou contemporâneas à celebração do contrato, ocorra a sua extinção. Quando ocorrer a primeira, há a dissolução do contrato, e na ocorrência da segunda, há a anulação do negócio, não chegando a produzir efeitos.
A dissolução do contrato (ocorrência de causa superveniente), pode se dar nas seguintes hipóteses:
a) resolução, nos casos em que há a inexecução do contrato, ocorrendo a falta de cumprimento ou inadimplemento, ou ainda, o adimplemento defeituoso da obrigação pactuada, podendo ou não ser imputável ao devedor.[36] Trata-se de hipótese típica dos contratos sinalagmáticos, só se justificando pelo não cumprimento da obrigação. É possível ainda a existência de uma cláusula resolutiva tácita, quando da ocorrência de determinado fato, é a chamada cláusula de pacto comissório expresso.
b) resilição, é o modo de extinção dos contratos por vontade de uma ou de dois dos contratantes. É, na verdade, o acordo de vontades para por termo a um contrato, desfazimento, de comum acordo, do laço que prendia os contratantes. Sua forma pura de ocorrer é o distrato, mas também sucede pela vontade de um só dos contratantes. Há portanto resilição bilateral ou unilateral.[37]
c) rescisão, é a ruptura de contrato em que houve lesão. Não é sempre que a lesão causa a ruptura do negócio, mas há casos em que o mesmo pode ser salvo, basta que se restabeleça o equilíbrio das prestações com a suplementação do preço.[38]
d) Cessação, que ocorre pela morte de um dos contratantes, no contrato pessoal. No contrato “intuitu personae” há a equiparação à incapacidade superveniente de sua ocorrência, porque a sua execução se tornou inviável.
O contrato pode ter, ainda, seus efeitos suspensos por determinado período, podendo ou não essa suspensão ser referente a parcela ou a totalidade do objeto contratado.
4.CONTRATO DE TRABALHO
O contrato de trabalho é um acordo, tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego, como prevê o art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho.
No contrato de trabalho contrata-se atividade e não resultado.[39] Existindo, quando de sua celebração um acordo de vontades, em que uma parte se propõe a trabalhar e a outra a receber o trabalho mediante salário.[40]
Para Délio Maranhão,[41] contrato de trabalho:
“designa um gênero muito amplo, que compreende todo contrato pelo qual uma pessoa se obriga a uma prestação de trabalho em favor de outra. O contrato de trabalho subordinado. (…) e, contrato de trabalho ‘stricto sensu’ é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa física (empregado) se obriga, mediante o pagamento de uma contraprestação (salário), a prestar trabalho não eventual em proveito de outra pessoa, física ou jurídica (empregador), a quem fica juridicamente subordinada.”
Para Octavio Bueno Magano,[42] contrato de trabalho:
“é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa física se obriga, mediante remuneração, a prestar serviços não eventuais a outra pessoa ou entidade, sob a direção de qualquer das últimas.”
O mesmo autor continua, expondo os elementos constitutivos do contrato de trabalho, vejamos:
“os elementos constitutivos são os seguintes: a) o contrato de trabalho insere-se na área da autonomia privada; b) pertence à categoria dos contratos de atividade; c) supõe continuidade; d) implica subordinação; e) designa atividade por conta alheia; f) requer retribuição.”
Assim, são elementos configuradores de uma relação de emprego a subordinação[43] (art. 2º da CLT), o recebimento de salário, a continuidade no emprego, pessoalidade na prestação do serviço, e ser este prestado por pessoa física (art. 3º da CLT).
Os direitos, deveres e obrigações do empregado e do empregador são os estabelecidos no contrato e demais fontes normativas (como os estatutos das empresas), mas também derivam do próprio vínculo empregatício.
Uma vez configurado esses elementos ter-se-á uma relação de emprego entre o empregador, que pode ser uma empresa, individual ou coletiva, que assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços,[44] ou ainda, profissionais liberais, instituições beneficentes, associações ou outras, mesmo sem fins lucrativos, ou um grupo econômico ou qualquer pessoa física, que tenha com outra relação empregatícia.
A relação de emprego ficará demonstrada, como prevê o próprio art. 456 da C.L.T., por meio das anotações constantes da Carteira de Trabalho e Previdência Social ou “por instrumento escrito e suprida por todos os meios permitidos em direito”.[45]
A Consolidação das Leis do Trabalho[46], em seu art. 8º prevê que na falta de previsão expressa em seus arts. que o direito comum será fonte subsidiária, às normas laborais, no que não for incompatível com os princípios fundamentais dessa. Portanto, aplicar-se-á tudo o já exposto acima (capítulo terceiro) quanto aos contratos, ao contrato de trabalho, sendo que as especificidades necessárias serão a seguir aduzidas, ressalvando a qualidade de hipossuficiente do empregado em relação ao empregador. [47]
Para Octavio Bueno Magano,[48] a “atividade do empregado constitui prestação obrigacional; já a sua submissão ao poder diretivo do empregador apresenta-se como dever.” Assim, pode-se dizer que há deveres e obrigações para ambas as partes, oriundos da relação contratual de emprego.
Alguns desses deveres do empregado, à título exemplificativo, são: a sujeição ao poder hierárquico do empregador (que inclui o poder diretivo, o poder de fiscalizar e o poder disciplinar); a atuação com boa-fé; a diligência; a fidelidade; a assiduidade; a colaboração; a não concorrência; a sujeição à revista, quando não vexatória e outros. Dentre as principais obrigações tem-se a de prestar os serviços para os quais foi contratado e a de quando rescindir o contrato, avisar previamente.
Já alguns deveres do empregador são: atuar de boa-fé; o de observar as normas de segurança e higiene do trabalho; o de não discriminar; o de respeitar as invenções do empregado. E, dentre suas principais obrigações, há a de remunerar os serviços prestados pelo empregado.[49]
4.1. DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO
Em linhas gerais, o trabalho surgiu regulamentado na Roma antiga, por meio da “Locatio Conduto”, em sua forma “Locatio Operarum”, ou seja, em que o objeto era o trabalho humano, e levava-se em conta o serviço realizado entre as pessoas, caracterizando uma relação privada civilista, tendo como características:[50]
– a indivisibilidade do contrato;
– a limitação máxima sendo a vida do trabalhador;
– contraprestação com pagamento de salário ou “sal-alimentação”;
– nos contratos a termo não havia rescisão por qualquer das partes;
– a morte extinguia a relação;
– e a doença não importava em suspensão e não havia o pagamento de salários no período da doença.[51]
Passando então, a ter a escravidão como parâmetro, para após evoluir à liberdade de contratação. Na escravidão o escravo não possuía direitos, pois era considerado como coisa.[52]
Nos Códigos Civis modernos, os contratos de prestações de serviços valorizaram-se, respeitando, evolutivamente, o individualismo jurídico, o princípio da autonomia da vontade e a organização civilista das relações de trabalho.
A autonomia da vontade, em que a liberdade de convenção das regras se impõe, passou a sujeitar o homem a direitos e obrigações, acordadas nas relações de capital e trabalho.
No Código Civil Napoleônico, do ano de 1.804, a locação de serviço era modalidade de trabalho, possuindo regras como a que o trabalhador só poderia obrar a determinado tempo ou obra, além da limitação à liberdade de contratação e estipulação das condições.[53]
No sistema brasileiro, há pouco espaço para a autonomia da vontade no contrato, uma vez que o Estado-tutelar passou a regular garantias mínimas, reduzindo a margem de negociação, pois as normas de direito do trabalho, são públicas, cogentes e assim irrenunciáveis, passando a existir um protecionismo do Estado para o hipossuficiente, que é o trabalhador.
Quanto a rescisão do contrato de trabalho, pelo empregado, a proteção no Brasil, era dada pela revogada lei nº 62 de 1935,[54] que em seu art. 8º, dispunha da possibilidade de tanto nos contratos por tempo certo, como naqueles de duração indeterminada, o empregado poderia deixar o emprego ou rescindir o contrato se o empregador exigisse dele serviços superiores às suas forças.[55]
O protecionismo ao empregado, quando ocorresse ato faltoso do empregador, teve sua ascensão com o Decreto-Lei nº 5.452 de 1º de maio de 1943, que instituiu a Consolidação das Leis do Trabalho, na qual estão as normas sistematizadas e esquematizadas sobre o tema.
Atualmente, além da previsão na Consolidação, há também proteção Constitucional. Das normas Constitucionais, extraí-se, além da elucidação principiológica, toda a primeira parte do texto, principalmente a que trata dos princípios fundamentais e dos direitos e garantias individuais, possuem regras de aplicação imediata às relações de emprego. Dentre todos os arts. previstos na Constituição, merecem destaque os arts. 7º a 11º. [56]
4.2. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O CONTRATO DE TRABALHO
A relação de emprego prevista na C.L.T., art. 442, é um misto de contrato e de instituição, como prevêem as teorias acerca do tema. Para os primeiros (teoria contratual) o contrato de trabalho é o meio adequado para se estipular quaisquer deliberações acerca da relação, e para os segundos (teoria anticontratualista – institucional), há a pactuação livre, pois as normas laborais já vem dispostas no sistema e basta o empregado e o empregador aderi-las, com limitação à autonomia de vontade, reduzindo-se esta, em a vontade de trabalhar e a de disponibilizar o trabalho.
O principal escopo ou fim desejado, almejado pelas partes quando da celebração do contrato de trabalho é para o empregado a obtenção do salário e as garantias trabalhistas, e para o empregador o trabalho e os resultados da atividade do empregado.
O objeto do contrato é o modo ou tipo de trabalho que é prestado. E no caso da relação de emprego,[57] é o “trabalho subordinado não-eventual”.
A relação de emprego deve ter objeto lícito[58] e moral, sob pena de ser considerada ineficaz, nula ou anulável, ou ainda inexistente.[59]
O consentimento ao contrato, que é o acordo entre as partes para que o vínculo jurídico se estabeleça, pode ser expresso, dentre qual, verbal ou escrito, ou ainda tácito. Esse consentimento pode ser maculado de vícios, que por analogia utilizando-se dos vícios dos negócios jurídicos do Código Civil, são eles: o erro; o dolo; a coação; a simulação e a fraude (esses últimos tidos como vícios sociais). Recorda-se que o contrato de trabalho é um negócio jurídico por excelência exigindo que os requisitos estejam preenchidos para sua total validade.[60]
Os direitos do trabalhador quanto á relação de emprego, em regra, não são renunciáveis, mas poderá ocorrer a renúncia quando forem acima do mínimo legal,[61] e não gerar prejuízos ao trabalhador, podendo estes serem transacionados.
Nos termos do art. 443 da C.L.T., o contrato de trabalho pode ser por tempo indeterminado, que é a regra, ou por tempo determinado, que é aquele cuja a vigência dependa de termo prefixado ou da execução de serviços específicos, ou ainda, da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada, só tendo validade o contrato por tempo determinado quando for:[62]
a) de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo;
b) de atividades empresariais de caráter transitório;
c) de contrato de experiência.
Esse contrato por tempo determinado pode ser de 2 anos, renováveis apenas nos casos do art. 452 da C.L.T., ou ainda de 90 dias (contrato de experiência).[63]
O contrato de trabalho é:
1. de direito privado;
2. concluído com “intuitu personae” em relação à pessoa do empregado (fidúcia);
3. sinalagmático e comutativo, impondo obrigações recíprocas;
4. consensual, sem forma especial para sua formação;
5. sucessivo (ou de trato-sucessivo), com a continuidade como regra;
6. oneroso, pois visa o salário em troca do trabalho;
7. principal, pois pode conter contratos acessórios;[64]
8. de adesão por parte do empregado.
Os contratos de trabalho extinguem-se[65] por fato que lhe põe fim, podendo ser este fato normal ou anormal à relação de emprego. Ou seja, por normal há a execução do contrato, nos termos pactuados, e por forma anormal, tem-se aquelas em que há dissolução do contrato, que podem ser: a resilição; a resolução; a revogação; a rescisão e a força maior.[66]
4.3. EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
Todo contrato, por mais que seja indeterminado, em um certo momento de sua vigência (vida útil jurídica) terá atingido seu objetivo, ocorrendo assim a sua extinção.[67] O que não poderia ser diferente ao contrato de trabalho.
Octavio Bueno Magano[68] ensina que:
“a cessação do contrato de trabalho se traduz no desaparecimento do sinalagma, em virtude do qual à obrigação de trabalhar, por parte do empregado, corresponde a de lhe pagar salários, por parte do empregador.”
Acerca das formas normais, estas são aplicadas aos contratos com prazo (ou tempo) determinado, em que exista um termo final previsto. E, esse termo final poderá ser temporal, como uma data, ou ainda ser a realização de um trabalho especificado, ou acontecimento determinado ou suscetível de previsão aproximada. Quando há termo temporal certo diz que o contrato é “certus an e certus quando”, quando pendente de serviço diz-se “termo certus an e incertus quando”.[69]
Ao contrato por prazo indeterminado, que é a regra do contrato de trabalho, sua forma de extinção se dará, sempre, de forma anormal, pois será necessária a ocorrência de um dos fatos legais para que se tenha a sua ruptura.
A resilição do contrato de trabalho, que é a ruptura unilateral da vontade, se dá pelo distrato, em regra, e não está sujeita a requisitos formais, porém a lei limita a autonomia da vontade de resilir o pacto, impondo aos contratantes, precisamente àquele que resilir, uma pena, que é pecuniária, caso não ocorra o aviso previamente de sua ruptura, pois a parte contrária poderia sofrer prejuízos senão se programar e prever seus atos futuros.
A resolução do contrato de trabalho, por este ser sinalagmático, fica sujeito a uma condição resolutiva, ou seja, por um ato futuro e incerto terminativo, que é a hipótese de inexecução (contratual) faltosa da obrigação por qualquer dos contratantes, ou seja, há o inadimplemento por parte de um deles.[70] Porém, por ser um contrato bilateral, as partes ao firmarem-no comprometeram-se mutuamente a cumprir uma obrigação, e assim, por uma delas não o realizar, há a exceção do contrato não cumprido, o que pode acarretar que a parte prejudicada (pelo inadimplemento) não cumpra sua obrigação até que a outra o faça, como prevê o Código Civil em seu art. 476. Este fato ocorre com freqüência no contrato laboral, quando se tem alterações no trabalho no curso do contrato.[71]
Evaristo de Moares Filho,[72] menciona sete modalidades de cessação do contrato de trabalho. Que são:
“o mútuo consentimento das partes contratantes; o advento do termo ou terminação da obra; morte do empregado; motivo de força maior, que torne impossível a ulterior execução da prestação; resolução pronunciada em justiça; aposentadoria do empregado; rescisão unilateral (despedida ou demissão).”
A rescisão do contrato de trabalho há nos casos de nulidade, absoluta ou relativa do ato jurídico. Há nulidade absoluta nos casos de não serem atendidos os termos do arts. 104, 145 e 166 do Código Civil, como já mencionado anteriormente. E haverá nulidade relativa nos casos dos arts. 147 e 171, do mesmo instituto civil. Pode a rescisão ser procedida extrajudicialmente, por deliberação entre as partes, ou por meio do Estado-juiz (embora esta não seja sua finalidade).
Por fim, quanto à forma de extinção derivada pela força maior, que é causa de extinção das obrigações, não afetando o contrato em si, mas sim seu objeto, e, por ser o contrato de trabalho uno, não há razão desse continuar a existir uma vez que seu objeto ou a obrigação pactuada, seja atingida de morte, impedindo a execução por completo, dando-se essa causa por inevitabilidade de prever o evento e por ausência de culpa das partes.
São casos que se consideram fato extintivo por força maior, por exemplo, a falência e concordata do empregador e a ocorrência do “factum princips” (fato do príncipe – onerosidade excessiva a uma das partes por fato externo à relação prejudicando esta, por intervenção do Poder Público).[73]
Amauri Mascaro Nascimento,[74] preleciona acerca do tema que:
“o vínculo de emprego extingue-se por iniciativa do empregado com o pedido de demissão (…) e a rescisão do contrato de trabalho pode resultar de iniciativa do empregado sem pedido de demissão, sempre que o empregador incorrer em justa causa, hipótese denominada despedimento ou dispensa indireta.” (grifei)
Continua o referido autor, [75] ensinado que a extinção da relação pode se dar pela aposentadoria do empregado, por iniciativa do empregador, por iniciativa de ambos e decorrente de ato ou fato de terceiro, além da morte do empregado, do empregador e da extinção normal da empresa.
Quanto à justa causa, como causa da extinção do contrato de trabalho, Wagner D. Giglio,[76] conceitua-a como: “todo ato faltoso grave, praticado por uma das partes, que autorize a outra a rescindir o contrato, sem ônus para o denunciante.” E continua: “A justa causa se constitui essencialmente, portanto, pela prática de uma infração.”
Para Mozart Victor Russomano:[77]
“as duas expressões – justa-causa e falta-grave – são sinônimas, além das: motivo legítimo; motivo grave; motivo alegado; etc., sendo todas expressões utilizadas pelo legislador, pelo juiz, pelo cientista do Direito do Trabalho, indistintamente e de conformidade com suas preferências e com as tradições locais.”
Destaca-se que nem toda infração ou ato faltoso, entretanto, configura justa causa para a rescisão, necessitando para tanto dum ato faltoso com gravidade.
Como menciona Mozart Victor Russomano,[78] “a rescisão contratual se opera e se justifica pela qualidade da falta praticada, além de ser apreciada quantitativamente”.
Para Evaristo de Moraes Filho,[79] a denúncia do contrato de trabalho pertence à categoria dos atos jurídicos unilaterais, do tipo receptivo, não se tornando assim necessária a manifestação da vontade do destinatário, concordando ou discordando.
Feitas as considerações gerais acerca do tema, passa-se a analisar a forma de extinção do contrato de trabalho por despedimento ou dispensa indireta do empregador pelo empregado.
5. DISPENSA INDIRETA
A dispensa indireta está prevista, em regra, no art. 483[80] da Consolidação das Leis do Trabalho, além de existirem outras previsões normativas. Esta, é uma forma de rescisão contratual unilateral, pelo empregado.
Nessa forma de dispensa[81] há a possibilidade do empregado se demitir do emprego, mesmo sem a concordância do empregador, quando este proceder de forma a não cumprir com suas obrigações contratuais,[82] pois, recapitulando, o contrato é bilateral e sinalagmático, gerando obrigações, direitos e deveres para as partes.
Nas palavras de A. F. Cesarino Júnior, [83] ao comentar o referido art. tem-se que uma das causas da despedida indireta pode ocorrer no fato de o empregador compelir o empregado a pedir demissão, afastando de si o mumus das verbas indenizatórias, e continua:
“a atitude do empregador que interessado em livrar-se de um empregado, máxime se estável, contra o qual nenhuma justa causa de despedida pode provar, procura por vários meios compeli-lo a pedir demissão ou abandonar o emprego, exonerando o empregador, conseqüentemente, do pagamento das indenizações relativas ao aviso prévio e à despedida injusta, que, em verdade, ocorreu.”
Quanto a definição, opta-se pela do autor supra, [84] em que:
“definimos a despedida indireta como o fato de criar a parte interessada na rescisão do contrato individual de trabalho, para a outra, uma situação tal que a forçará a dar a rescisão, a aparência de se haver realizado por ato desta última libertando assim a primeira das conseqüências legais da rescisão,”
Para Délio de Maranhão,[85] os atos do empregador devem ser de natureza grave, para existir a justa causa, e considera que o excesso do Poder Diretivo, não gera a hipótese de rescisão de contrato, mas sim de ato nulo (art. 9º da C.L.T.), não sendo considerado para a rescisão (pois não existe). E, quanto aos atos, considera:
“os atos faltosos do empregador surgem da violação de três direitos fundamentais do empregado: o direito ao respeito à sua pessoa física e moral, compreendendo nesta última o decoro e o prestígio; à tutela das condições essenciais do contrato; e finalmente, à observância pelo empregador das obrigações que constituem a contraprestação da prestação de trabalho.”
Para Octavio Bueno Magano,[86] tem-se que:
“a despedida indireta constitui figura híbrida, com algumas características de demissão e outras de despedida. Assemelha-se à demissão, por ser ato unilateral de iniciativa do empregado, mas dela se distancia por não implicar qualquer idéia de renúncia. Ao contrário, o empregado denuncia o contrato com fundamento em falta grave do empregado. E por aí, a figura em exame se aproxima da despedida sem justa causa”.
Nas lições de Wilson de Souza Campos Batalha,[87] haverá despedida indireta quando:
“o empregador, pessoa física, ou os responsáveis pelo empregador, como prepostos, diretores, administradores, gerentes, na hipótese da pessoa jurídica, criam para o empregado situação ilegal de constrangimento que torna inviável o prosseguimento da relação laborativa.”
Salienta-se que deve existir proporcionalidade entre o ato faltoso e a punição, ou seja, que a falta do empregador seja proporcional ao despedimento deste, além de o empregado não praticar um “bis in idem” na punição do empregador faltoso, bem como deverá existir uma avaliação da gravidade, levando em conta o tamanho da empresa (porque pode ocorrer a despersonalização do empresário), o ambiente de trabalho, o trabalho realizado enfim, todas essas considerações deverão ser relevantes para a despedida do faltoso.
Conforme Evaristo de Moraes Filho,[88] “alguns princípios norteiam o bom uso, o uso oportuno da justa causa, tais como: atualidade, imediatidade, relatividade, proibição do ‘bis in idem’, boa-fé no seu exercício, proporcionalidade entre a falta e a punição, avaliação pelos tribunais, etc.”
O art. 483 da C.L.T., em sua redação, aponta a despedida indireta como uma faculdade do empregado, quando menciona “poderá considerar rescindido o contrato”. Há a concessão de um ônus, e não um dever ao empregado, embora o dispositivo seja irrenunciável por ser de ordem pública, genérico e estar contido no art. 9º da C.L.T. Cuida-se como se depreende, de mera faculdade, que para o direito não é obrigação e assim, há necessidade de iniciativa do possuidor desse direito.
Destaca-se que a justa causa deve manter uma relação de causa e efeito com a cessação do contrato de trabalho, ou seja, deve ser anterior e bastante para determinar a ruptura brusca da relação de emprego, necessitando de justificação, sendo necessário que a falta a anteceda, determine e condicione, de forma precisa e inequívoca, o especificado ato de desistência do contrato.
Este ato grave e faltoso, pode ensejar dano, tanto patrimonial como extrapatrimonial, que deverão ser ressarcidos, como se analisará em seguida.
Como já exposto, os casos do art. 438 da CLT, são uma enunciação exemplificativa, que além de comportar dilação interpretativa no rol elencado, é possível a ocorrência de outras formas culposas de infringência ao contrato por parte do empregador.
Para Mozart Victor Russomano,[89] tem-se:
“as justas causas estabelecidas nos arts. 482 e 483, da Consolidação, não foram definidas pela lei. Não possuem, portanto conceitos inflexíveis. São elásticas. Assim sendo, elas acompanham as curvas e os imprevistos criados pela realidade, adaptando-se às situações geradas pela vida.
Sua caracterização varia no tempo e no espaço, de conformidade com o espírito trabalhista da época em que a falta é praticada e de acordo com o lugar em que o ato se realiza.”
Isso posto, passa-se a analisar os casos previstos no art. 483 da C.L.T. para se ter a rescisão indireta.
a) Serviços superiores às forças do empregado, àqueles defesos por lei, contrário aos bons costumes, ou alheios ao contrato.
Por primeiro, a aliena “a” do art. prevê que haverá a rescisão quando forem exigidos serviços superiores às forças do empregado. Por serviços superiores, tem-se que a questão física (biológica) é o norte a ser seguido, ou seja, que por ela se baseará o empregado ou mesmo o julgador, para que no caso concreto se verifique quais seriam as condições de trabalho. Porém, é possível, que em casos extremos exista o excesso de serviços intelectuais ou de habilidades exclusivas do empregado, ensejando também a ruptura o contrato.
As exigências maiores do que as forças do empregado, podem se dar por limitações, expressas ou tácitas, em lei ou em contrato. Assim, v.g., o caso do empregado menor de 18 anos para quem há vedação ao trabalho em locais e serviços perigosos ou insalubres,[90] que prejudiquem a moral, além de prejuízos físicos, como prevêem os arts. 7º , XXX da Constituição Federal e 403, 405 e 408 da C.L.T.; outro exemplo, o da mulher, em que há vedação ao emprego de força muscular superior a 20 quilos em trabalho contínuo ou a 25 quilos em trabalho ocasional (art. 390 da C.L.T).
Ou ainda, a vedação legal ao trabalho àqueles, que tem uma jornada de trabalho excessiva às horas extraordinárias toleradas, ou seja, superiores ao limite de 2 horas dia, como prevê o art. 59 da C.L.T., podendo assim configurar a ocorrência do fato gerador da rescisão indireta em questão (aqui por razões físico-psiquicas).
“Ad argumentandum tantum”, a lei de Contravenções Penais, Decreto nº 3688 de 3 de outubro de 1941, prevê em seu art. 64 que nem mesmo os animais poderão ser tratados com crueldade ou submetidos a trabalhos excessivos. Pois bem, se há animais que são tidos para a realização de trabalhos pesados, e para estes, a própria lei assegura um mínimo de decência, por muito menos, o trabalhador, ser humano que é, merece ter respeitados os seus direitos, e ser tratado como cidadão.
E essa foi a intenção do legislador pátrio, a de proteção, pois no art. 198 da CLT, pela redação dada pela lei nº 6.514/77, há a limitação a 60 quilogramas do peso máximo que um empregado pode remover individualmente, ressalvadas as condições especiais para as mulheres e os menores. Além de o art. seguinte prever a obrigatoriedade de assentos que assegurem uma postura correta ao trabalhador, ou que possibilitem os descansos quando necessitar trabalhar de pé.
Há quem inclua no inciso em estudo, a exigência de serviços superiores às forças morais[91] ou intelectuais do empregado, não sendo fácil a constatação de tais serviços superiores, diverso das forças físicas, em que há um fator biológico.
Ao tecer comentários acerca do referido inciso, Dorval de Lacerda,[92] menciona:
“Não é essencial, pois, que os serviços se realizem (e poderiam como podem, ser realizados, pois a lei não fala em serviços de impossível realização, mas também de realização possível porém superiores às forças normais do prestador). Basta que sejam exigidos, isto é, determinados, ordenados, comandados.
(…)
Daí, poder-se, com justeza, afirmar que o trabalhador não é obrigado a empregarem favor do empregador todas as suas energias intelectuais ou físicas, razoável, isto é, possível. Ao que é obrigado é a prestar o seu trabalho com diligência normal.”
Quando exigidos serviços contrários aos bons costumes há de se verificar os costumes médios da sociedade, àqueles que o padrão de homem-médio se equivaleria, pois por ser abrangente, sem definição legal de bons costumes, é possível que no caso concreto, o empregado tenha um costume excessivo, não podendo um trabalho ser contrário a esse.
E mais, pondera-se também a questão de faculdade de contratação, que é justamente a autonomia da vontade dos pactuantes da relação de emprego. Exemplificando, tem-se o trabalho em lojas em que são vendidos materiais eróticos, e em que o empregado se sinta prejudicado pela comercialização dos mesmos. Neste caso, não existindo excesso no contrato, o simples fato da comercialização desses produtos não agredirão os bons costumes sociais (conforme a sociedade), não ensejando a rescisão indireta, diferente porém, se ocorrer insinuações da mesma índole pelo empregador, o que ai sim, poderá configurar infringência aos bons costumes.
E ainda, nesta alínea, a questão de serviços alheios ao contrato. Frisa-se que serviços alheios são aqueles que não devem estar relacionados ao trabalho normalmente realizado, porque é licito ao empregador exigir do empregado por força de seu poder diretivo, a realização doutros serviços correlatos, não caracterizando motivo de ruptura indireta. E, muito menos, quando o empregado se recusar a uma transferência ilegal do local de trabalho, não encampada nos casos dos arts. 10 e 448 da CLT, mas sim no 468 da Consolidação.
Observa-se que a exigência de serviço alheio ao contrato é diverso do não cumprimento das obrigações contratuais. Para a primeira, há o caso do contrato ser exigido de forma diversa da pactuada; já para a segunda, não há o cumprimento das obrigações contratuais assumidas, como a falta de pagamento de salário, ou os deveres junto a seguridade social, a mudança de local do estabelecimento, sempre com prejuízos ao empregado. Ao primeiro caso, o empregado pode deixar de cumprir as exigências diversas do pactuado; para o segundo, deve exigir o cumprimento; ou, em ambas, rescindir o contrato, quando houver justa causa.
Outra distinção é acerca dos serviços defesos à lei e aos contrários aos costumes. Para o primeiro, o contrato é nulo, não produzindo nenhum efeito. No segundo, o contrato tem existência legal, e sendo a boa fé um dos seus pressupostos, e uma das partes a violar, ter-se-á a pratica da falta, gerando as perdas e danos exigíveis quando existentes.
b) quando o empregado for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo.
O caso da aliena “b” do art.prevê uma limitação tanto pessoal quanto material, pois ninguém está obrigado a proceder ou deixar de fazer algo se contrário à previsão contratual normal, ou ainda legal.
Configura o rigor excessivo, repreensões ou medidas disciplinares infundáveis, atos ou repetições dessas medidas que configurem perseguição ou intolerância, ou ainda, implicância nas ordens e exigências anormais nas execuções dos serviços pelo empregado.[93]
Nas Lições de Dorval de Lacerda,[94] tem-se a definição do verbete:
“rigor excessivo – é uma forma de violação abusiva, por parte do empregador, do poder hierárquico que ele, como chefe da empresa, possui. (…) o poder hierárquico, justamente porque não se exerce in abstrato, é efetivado pelo poder diretivo e o exercício deste, já que não existe direção sem sanção que a efetive, pressupõe o poder disciplinar. (…) O poder diretivo é o poder de comando e de fiscalizar, de direção, portanto, reconhecido ao empregador como chefe da empresa.”
Para Cesarino Junior:[95]
“o rigor se tornará excessivo sempre que menoscabe aquela dignidade, exorbite da matéria de serviço ou, mesmo dentro desta, se torne exagerado, por qualquer motivo, v.g., quando dificulta injustificadamente as atividades próprias do empregado.”
Já para Wilson de Souza Campos Batalha,[96] o rigor excessivo é: “extrema severidade e tratamento inadequado às normas de boa convivência no ambiente de trabalho.”
A humilhação do empregado, mesmo sem redução de salário pode configurar rigor excessivo pelo empregador, pois pelo fato de se exercer o “jus variandi”, excessivamente, o empregador age em desacordo (paralelamente) ao preceito legal, ensejando assim ao empregado um desconforto, que sob a ótica deste, será rigor excessivo.
Porém, destaca-se a menção que Victor Mozart Russomano[97] faz acerca do tema:
“Cumpre esclarecer, contudo, que não é suficiente, para caracterização da despedida, que o obreiro seja tratado com rigor. A maior ou menor rispidez no tratamento dos subalternos é questão confiada à boa educação, ao nível pessoal de cada um. É preciso que haja rigor excessivo, devidamente comprovado, para que o trabalhador possa reclamar a resilição contratual.
E, para averiguação perfeita dessa falta patronal, quase sempre será necessário examinarmos a conduta cotidiana do empregador, através de uma série de atos e acontecimentos. Não poderemos, ainda, perder de vista a condição pessoal do faltoso, seus recursos intelectuais, sua posição social, o ambiente da empresa, o grau de intimidade entre o empregador e seus empregados e etc.”
c) quando o empregado correr perigo manifesto de mal considerável.
A empresa ou empregadora, como pessoa de direitos e obrigações, deve cumprir um mínimo previsto em lei para o exercício regular do seu direito de empregar.
Quando se almeja empregar terceiro, coordenar a força de trabalho de alguém e para com ela obter lucro (finalidade da empresa) ou se valer do seu serviço, não se deve oferecer riscos anormais, pela prática (ação ou omissão) de medidas ou normas de higiene e segurança do trabalho não previstas.
A própria legislação do trabalho prevê um capítulo sobre “Segurança e Medicina do Trabalho” – arts. 154 a 201.[98] Nesse capítulo, encontram-se disposições de cumprimento obrigatório tanto para o empregador como para o empregado, sujeitando o descumpridor às sanções legais, dentre elas, a dispensa indireta.
A Constituição Federal prevê que o empregador deve respeitar os direitos do empregado, dentre eles reduzir os riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, inciso XXII, da CF/88).
Para Dorval de Lacerda,[99] há mal considerável em quatro ocasiões, que são:
“quando próprio da profissão, ou seja, um risco ao qual implicitamente, com a celebração do contrato, o empregado assumiu (por exemplo uma indústria em que se trabalha), e com perigo em todas as demais empresas do ramo ; quando o perigo é da empresa e não das demais empresas congêneres da mesma região e ramo de atividade; quando o perigo é tipicamente contratual, próprio da profissão, contra o qual não há meio regular e normal de defesa; e finalmente quando ocorrer perigo em virtude do não-cumprimento, por parte da empresa, das normas legais sobre higiene e segurança do trabalho.”
Quando o empregador não atentar às normas laborais de segurança e saúde o empregado terá direito a uma adicional de periculosidade ou insalubridade, que pode variar de 10 a 40% do seu salário, segundo o grau de risco, além das medidas a serem tomadas pelo empregador para cessar a insalubridade ou a periculosidade.
d) Quando o empregador não cumprir as disposições contratuais.
O contrato de trabalho possui as mesmas características e é regido por princípios dos contratos em gerais. E por essa razão os termos pactuados devem ser cumpridos. O empregador deve fidelidade absoluta ao texto dos compromissos assumidos por ocasião da assinatura do contrato, tanto pelas normas trabalhistas quanto das do direito comum (art. 8º da C.L.T.).[100]
Para Valentin Carrion,[101] não só o descumprimento das obrigações contratuais, mas também as legais, ensejam a ruptura indireta do contrato, e menciona que qualquer descumprimento grave, inclusive em matéria salarial, será fundamento válido para a dispensa. E, por fim, quanto a mora pelo atraso do pagamento do salário, cita que ”a mora salarial em geral é das mais graves. A mora salarial contumaz é o atraso salarial por três meses”.
Para Wilson de Souza Campo Batalha,[102] “a mora salarial caracteriza grave falta do empregador, considerando-se que o empregado necessita dos salários para sua manutenção e de sua família.”
Por força do enunciado 13 do Tribunal Superior do Trabalho, “só o pagamento dos salários atrasados em audiência não ilide a mora capaz de determinar a rescisão do contrato de trabalho”, assim, a simples propositura da reclamação pelo empregado e o pagamento dos salários na primeira audiência não excluem a falta do empregador. Sendo portanto, a falta de pagamento, e não apenas o atraso, motivo cabal e, por si só, suficiente para o rompimento do vinculo empregatício.[103]
e) por pratica do empregador ou de seus prepostos, de atos lesivos a honra e boa fama do empregado ou de seus familiares.
O que se impõe de imediato é buscar um conceito para atos lesivos a honra e boa fama. Utilizando-se de conceitos do direito penal, tem-se que a palavra oral, escrita, símbolos ou outros meios, podem provocar a alguém fato danoso, seja verdadeiro ou não, podendo estes a configurar calúnia, injúria ou difamação. O bem jurídico que se está protegendo é a honra subjetiva, os atributos morais (como a dignidade) ou ainda os físicos, intelectuais, sociais (como o decoro) do homem médio. [104]
Quando o ato é praticado com animus infamandi ou injuriandi, pode configurar crime, pois o próprio legislador prevê no Código Penal a repressão aos mesmos (arts. 138 a 141 do CP). Porém, vale a pena lembrar, que a pessoa jurídica poderá responder civilmente pelos danos causados, enquanto a pessoa física do empregador, tanto civil quanto penalmente.
Para a hipótese de difamação e calúnia, descabe, para os fins laborais, a prova da verdade, uma vez que o empregado já fora exposto a vexames inadaptáveis ao convívio na empresa. Quanto a hipótese de injúria, fica excluída a falta grave se houve provocação do ofendido, de forma reprovável ou no caso de retorsão imediata.[105]
Para Victor Mozart Russomano,[106] “na aludida justa causa, importa saber se a conduta do empregado se deu dentro ou fora da empresa. No primeiro caso, seja qual for o ofendido, haverá justa causa; no segundo, só se tornará viável a despedida sem indenizações se o ofendido for o patrão ou algum superior hierárquico do empregado.”
Na existência de retratação pode ocorrer a absolvição criminal, mas se torna irrelevante tal benevolência, uma vez o empregado já ter sido lesado, continuando a existir o ato faltoso.
Há de se destacar e incluir no rol, a questão do assédio sexual, que pode configurar o presente dispositivo rescisório.
O assédio[107] se baseia na sedução, podendo ser, fatal, comportamental ou ameaçador. Ele ainda poderá ser verbal ou não e de forma física. Haverá assédio quando o abuso de poder for empregado para obter a troca de favores sexuais.
O assédio além de delito penal é também causa ensejadora de reparação de dano pessoal, sendo plenamente possível a despedida indireta do empregador assediante, ou como incurso nesta previsão ou no da alínea “c” deste art. (perigo manifesto).
Para José Janguiê Bezerra Diniz,[108] tem-se que: “o termo assediar significa perseguir com insistência, importunar, molestar, com perguntas ou pretensões insistentes.”
A Organização Internacional do Trabalho, considera o assédio sexual como:
“toda conduta de caráter sexual não desejada, de acordo com a percepção razoável do receptor, interferindo no seu trabalho, estabelece-se como condição de emprego ou cria uma circunstância intimidatória em torno do trabalho, hostil, ofensivo, resulta especialmente grave quando adota este comportamento como uma diretriz, homem ou mulher, que se encontra na situação de influir na carreira profissional e nas condições de emprego, incluídas a contratação, a fixação de tarefas, a renovação do contrato, a avaliação de desempenho e a promoção da pessoa como objeto de referido comportamento”.
Outrossim, o assédio sexual pode ser consubstanciado por atos como: gestos, comentários jocosos e desrespeitosos ao sexo oposto, afixação de material pornográfico, avanços de natureza sexual, e outros, por parte de qualquer pessoa, desde o superior hierárquico, incluindo o chefe, o supervisor, o encarregado, o gerente o preposto, até o colega de trabalho ou mesmo o cliente.[109]
Manuel Herrera, [110] menciona que o assédio sexual é um problema antigo, que perdura desde do nascimento da sociedade, e a conscientização do problema em países industrializados percorreu um longo caminho e um curto espaço de tempo. E continua a mencionar que “o assédio é um assunto de poder, de autoridade hierárquica e com a notória vulnerabilidade da vítima e aqueles em minoria, tais como as mulheres em postos de trabalho predominantemente masculinos ou empregados por minorias étnicas, mulheres divorciadas, viúvas, de pouca formação cultural ou em postos de relações frágeis.”
O referido autor elenca alguns níveis de assédio, dentre eles: o leve, o moderado, o médio, o forte e o muito forte. E quanto a classificação menciona duas modalidades de assédio, que são: a chantagem sexual de quid pro quo ou de intercâmbio, quando a chantagem sexual é vertical e o sujeito ativo, com base no seu poder, condiciona um intercâmbio ilícito com base em uma valoração clara e evidente dos direitos humanos fundamentais; e o assédio sexual ambiental, hostil enviomentt harassament, em que o espaço, o ambiente de trabalho se constitui em grave e intenso, em que há comentários grosseiros, gestos, maneiras, brincadeiras insistentes, cartazes, ordens permanentes que tenham relação com a vida íntima do trabalhador, tornando o ambiente e o convívio intolerável.[111]
Evaristo de Moraes Filho[112], prega que:
“a subordinação que o contrato de trabalho impõe aos empregados e o poder de comando que incumbe ao empregador não pode se estender ao ponto de atentar contra a honra e a boa fama dos seus servidores ultrapassando, assim, os limites permitidos pela lei, que não tolera seja afrontada a pessoa humana.”
f) quando o empregador ou seus prepostos ofenderem fisicamente, salvo o caso de legitima defesa, própria ou de outrem, o empregado.
O contrato de trabalho não pode prever que uma pessoa se sujeite a outra que fique agindo com ofensas físicas, pois a “dignidade da pessoa humana” se exterioriza ao corpo do agente. Essa foi a ratio da norma, proteger não só o indivíduo moral, mas também seu aspecto objetivo, físico, pois dele depende o empregado para obter o seu sustendo e viver.
Novamente, se impõe socorrer-se do Direito Penal para embasar a fundamentação da disposição. O legislador prevê que ninguém, como regra, deve agir por conta própria para reprimir condutas socialmente ilegais, para tanto, o Estado chamou para si o ius puniendi, ou seja, a capacidade de punir o homem que pratica conduta fora dos ditames normais.
Tanto o fato pode configurar ilícito penal quanto civil “lato sensu”. Assim, penalmente o infrator terá a reprimenda, como por exemplo, o art. 129, do Instituto Repressor, “lesão corporal” e, além da prática delituosa ficar comprovada, há também o ilícito civil, e este será punido com a reparação do dano e com a despedida do empregador que praticar conduta.
As ofensas físicas podem constituir em lesão grave ou leve, ou homicídio, bem como a tentativa desses crimes ou a ocorrência de crime falho, ou seja, quando o agente pratica todos os atos do iter crimines, mas por circunstâncias alheias a sua vontade a sua conduta não atinge o fim almejado, não praticando o crime.
Dorval de Lacerda,[113] conceitua ofensas físicas em:
“sem desprezar, está claro, a figura do delito de lesões e mesmo aqueles outros mais graves que constituem o atentado à vida – deve ser estendido a todo o ato físico que, mesmo sem repensar um dano à pessoa traduz, em última análise, uma ofensa preponderantemente moral.”
Quanto a excludente disposta no texto, trata-se de caso já previsto no Código Penal, como excludente de ilicitude (art. 23), ou seja, que não há crime quando o agente pratica o fato em legítima defesa,[114] em que há resposta do ofendido, ou melhor, reação, quando for provocado pelo empregado, no caso.
As ofensas físicas são reprimidas tanto no recinto de trabalho quanto fora dele, e há ainda proteção ao empregado, contra atos praticados por colega ou companheiro de trabalho, mesmo sem hierarquia, quando o empregador não agir com cautela e previsão.
Nas lições de Antonio Lamarca,[115] tem-se quanto ao crime que:
“a falta ‘ofensa física’ ou ‘lesão corporal física’ não admite tentativa: é instantânea, consumando-se com a ação ou omissão danosa e se considera crime único, embora a pluralidade de resultados lesivos cona a mesma pessoa. Não há, assim, de exigir-se repetição para a resolução do contrato de empregado, a gravidade encontra-se na definição da justa causa, isto é, lesão corporal física.”
g)quando o empregador reduzir o trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários percebidas pelo empregado.
Diante de tal norma, em consonância com o art. 468[116] da C.L.T. que veda as alterações no contrato de trabalho, bem como o art. 9º,[117] em que declara ser nulo o ato abusivo ou fraudulento, tem-se que o legislador trabalhista tutelou, não só o salário (ou remuneração), mas também a estabilidade econômica do empregado.
Pois, se o empregado possui uma previsibilidade média de trabalho, com correlação de ganhos (para trabalhos por tarefa ou por peça) e se estas venham a ser diminuídas imotivadamente (salvo os casos legais), tanto o empregado quanto aqueles que dependam de seu sustento ficaram inseguros, não podendo cumprir com suas obrigações, ocasionando, numa cadeia de inadimplência, instabilidades econômicas.
Arnaldo Süssekind,[118] ao tratar do tema “garantia do salário”, menciona:
“das regras sobre a irredutibilidade de salário deduz-se, sem dúvida, o princípio da manutenção do nível salarial do empregado, oriunda do contrato de trabalho. Por isso, a legislação proíbe não só a redução direta do salário (alteração ilícita do salário ajustado por unidade de tempo ou de obra – art. 468 da CLT), como sua redução indireta (fornecimento de menos serviço ao empregado pago em razão do seu rendimento – art. 483, g, da CLT, ou diminuição da jornada contratada ou habitual do horista ou do número de dias de serviço do diarista – art. 468 da CLT).
(…)
a CLT faculta ao empregado considerar rescindido o seu contrato de trabalho e pleitear a devida indenização, sempre que ocorrer a hipótese da alínea ‘g’ do art. 483 da CLT.
A proteção embora individual, visa a todos, pois quando realizada num único contrato de trabalho causa prejuízos menores, mas se realizado em muitos contratos haverá insegurança para a sociedade, podendo prejudicar todo o sistema econômico-social.[119]
Quanto aos empregados tareferios, que realizando seu trabalho ou na empresa ou em domicílio (art. 6º da C.L.T.), o empregador não pode propiciar queda no recebimento ou na produção, propositalmente. Nem mesmo a regra do art. 78 da C.L.T., que assegura a estes trabalhadores a percepção do salário mínimo, em consonância com a CF/88, será suficiente para não ocorrer o empregador na falta desta alínea, ocorrendo sim mudança no contrato de trabalho, pois o salário mínimo é o valor ‘mínimo’, devendo o total ser protegido.[120]
Destaca-se a colocação pertinente de Mozart Victor Russomano,[121] para quem:
“as pequenas flutuações de salário constituem ocorrências naturais e inerentes à remuneração por peça e por tarefa, não tendo, por isso, forças para servir de base à rescisão do contrato.”
h) Suspensão por mais de trinta dias
Fora o rol do art. 483 da CLT, há ainda o acaso de suspensão disciplinar do empregado por mais de trinta dias, pelo empregador, que nos termos do art. 474 da C.L.T.[122] ter-se-á a “rescisão injusta”.
Para Mozart Victor Russomano,[123] a suspensão por tempo indeterminado deve colocar o empregado em sobreaviso. Pois, nos primeiros dias da suspensão, ainda não se poderá falar em despedida indireta, cabendo, apenas, a reclamação para cobrar os salários relativos ao afastamento; mas, se a suspensão se prolongar por mais de trinta dias, haverá sim o caso do art. 474 da C.L.T.
Esses são os casos previstos por lei, para que se tenha a despedida indireta.
O próprio art. 483 trouxe ainda causas exaurientes em seus parágrafos 1º e 2º, que são:
§ 1º – O empregado poderá suspender a prestação dos serviços ou rescindir o contrato, quando tiver de desempenhar obrigações legais, incompatíveis com a continuação do serviço.
§ 2º – No caso de morte do empregador constituído em empresa individual, é facultado ao empregado rescindir o contrato de trabalho.
Esses, não são propriamente casos de despedida indireta. Neles há sim forma anômala de rescisão, pois embora parta do empregado a rescisão, há em alguns casos, a impossibilidade e inviabilidade de continuar a prestação de serviços.
Há faculdade ao empregado suspender em a prestação de serviços ou rescindir o contrato quanto tiver de desempenhar obrigações legais incompatíveis com a continuação do serviço. Observa-se que não há ônus ao empregador, no caso do § 1º do referido art.
No § 2º, há uma faculdade do empregado rescindir o contrato de trabalho quando ocorrera morte do empregador constituído em empresa individual, caso não exista sucessão imediata da mesma ou ainda previsão contratual. [124]
Observa-se que nas alíneas do art. 483, tem-se propriamente as despedidas indiretas, que pressupõe a violação maliciosa do contrato ou da lei, motivo pelo qual o empregador deverá reparar os prejuízos sofridos pelo empregado que se vê compelido a deixar o emprego. E, nos dois primeiros parágrafos do mesmo art., não há que se falar em pagamento de indenizações, uma vez que o empregado ‘pode’ rescindir o contrato, sendo portanto faculdades de caráter excepcional ao empregado, considerando justos motivos para a rescisão casos que, normalmente seriam de suspensão da vigência do contrato ou de continuidade do vínculo empregatício, verbi gratia, art. 10 da CLT.
Para Mozart Victor Russomano, ao comentar o § 2º do art. 483, tem-se:
“Quando o empregado se entende com o patrão constituindo empresa individual, ele celebra o contrato com a sua atenção voltada para as condições pessoais do empregador. Com a morte deste, portanto, desaparecem os motivos que conduziram o obreiro a aceitar o contrato, facultando a lei que este delibere, soberanamente, sobre a conveniência ou inconveniência do prosseguimento da relação de emprego com os sucessores do morto.”
Porém, frisa-se o art. 485 da Consolidação, em que, na cessação da atividade da empresa, por morte do empregador, os empregados terão direto, conforme o caso, à indenização a que se referem os arts. 477 e 497. Há, na verdade, previsão diversa da do § 2º do art. 483, porque neste o empregado utiliza sua capacidade volitiva de rescisão, enquanto naquele (art. 485) o empregado não interfere no fechamento da empresa. Logo, o art. 483 é modo diverso de rescisão da do art. 485.
Aqui, destacam-se os enunciados do Tribunal Superior do Trabalho em que, pelo nº 44, a “cessação da atividade da empresa, com o pagamento da indenização, simples ou em dobro, não exclui, por si só, o direito do empregado ao aviso prévio”. E por conseguinte, o nº 173, em que “extinto, automaticamente, o vínculo empregatício com a cessação das atividades da empresa, os salários só são devidos até a data da extinção.”
A doutrina, propriamente Valentim Carrion,[125] prefere a nomenclatura de “motivo justificado” e não de justa causa, pois o empregado pode rescindir o contrato, mas nestes casos não receberá a multa do FGTS, e está eximido de fazer a comunicação de aviso prévio, ou de indenizar os prejuízos ocasionados (nos casos do contrato por prazo determinado como prevê o art. 480.)[126]
5.1. PROCEDIMENTO PARA O EMPREGADO REQUERER A DESPEDIDA DO EMPREGADOR
Nos casos em que ocorrer a resolução do contrato pelo empregado, por motivo de inexecução das obrigações pelo empregador, como prevê o art. 483, da C.L.T., o empregado deve diligenciar-se para não configurar abandono de emprego, ou outro motivo qualquer de resilição.
Evaristo de Moraes Filho,[127] preleciona que:
“não exige a lei brasileira nenhuma forma solene ou especial para a notificação a denúncia do contrato de trabalho. Basta que o ato de despedida ou de demissão seja inequívoco, claro e preciso, fazendo com que o notificado não tenha a menor dúvida quanto à declaração de vontade do notificante, porque será aquele que terá particularmente de agir.”
Nos casos em que o empregado enquadrar-se dentro das hipóteses legais, o pronunciamento do Poder Judiciário deve ser prévio. Sendo possível o empregado, mesmo sem o provimento jurisdicional, resolver o seu contrato de trabalho, mas neste caso, ficará sujeito a eventual interpelação judicial pelo próprio empregador, que pode tentar descaracterizar a justa causa que recebeu em juízo.
Nesse sentido menciona Délio de Maranhão:[128]
“Se o empregado se considera amparado por uma justa causa para dar por terminada sua relação de trabalho, deve dirigir-se à Magistratura do Trabalho, esperando o pronunciamento desta, mas não se adiantando à sentença, porque, sendo-lhe contrária, automaticamente teria incorrido na justa causa de dispensa por abandono do trabalho.”
Na prática, o procedimento comum é o empregado notificar, extrajudicialmente o empregador, da falta grave, de forma imediata[129] à sua ocorrência, informando-lhe que a justa causa ao contrato ocorreu e que ele está se ‘despedindo’, estipulando um prazo para o recebimento das verbas rescisórias devidas.
Esta notificação pode ser tanto realizada por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos, quanto pelo uso de Carta Registrada, com Aviso de Recebimento pelos Correios. O fato é que a lei não prevê forma específica para tanto.
Ocorre que devido ao ato do empregador, a continuidade no emprego após a falta grave que ele (empregador) praticou, torna inviável a continuidade da prestação laboral, impondo-se de pronto o afastamento do empregado.
O art. 483 da C.L.T. sofreu alteração por força da Lei nº 4.825/65, que lhe acrescentou o § 3º, em que se possibilitou nas hipóteses de o empregador não cumprir o contrato de trabalho ou quando ocorrer a redução do trabalho afetando o salário do empregado (alíneas ‘d’ e ‘g’), este se manter ou não na empresa prestando serviços, até a decisão final do processo judicial.
Essa possibilidade, excetua o trabalhador estável por lei, pois nestes casos necessário prévia verificação judicial, pois em eventual condenação do empregado, ou seja improcedente a justa causa levanta, ele deverá retornar ao serviço, sem receber os valores (salários) do período de afastamento.
Quanto ao parágrafo terceiro, Cesarino Junior menciona:[130]
“Parece-nos que a interpretação deve ser a seguinte. As faltas do empregador previstas pelas letras ‘d’ e ‘g’ do referido § 3º são, a nosso ver, as menos graves, as mais fáceis de serem suportadas pelo empregado. As demais, que têm as características opostas, obrigam ao afastamento imediato do empregado, segundo já afirmou o seguinte acórdão, sendo nossos os grifos: ‘A lei não impede que o empregado aguarde no emprego o seu pedido de rescisão contratual, senão quando se tratar de falta que, isoladamente, torne impossível a sua permanência no serviço.’(TST, 3ª Turma, proc. RR 2197/62. Rel. designado Min, Hildebrando Bisaglia, proferido em 24-7-62).”
Portanto, extrai-se que a permanência no serviço também é possível nos demais casos, porém nesses elencados no parágrafo terceiro a lei é expressa, em virtude do gravame causado, pois a dilação probatória nesses casos é de maior complexidade, ensejando, caso improcedente eventual interpelação judicial, a perda do emprego por justa causa do empregado, como já exposto.
Quanto aos valores rescisórios, estes serão devidos como se o empregador tivesse rompido o contrato de trabalho, ou seja, aviso prévio indenizado e multa sobre os valores depositados no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (acrescido da multa de 40% sobre o saldo).[131]
Na ocorrência de culpa recíproca, ou seja, em que as partes agem concomitantemente, ensejando a ruptura da relação, o tribunal (juízo) poderá reduzir a indenização à que seria devida em caso de culpa exclusiva do empregador, por metade. Incluindo a redução da multa do FGTS para 20% (duas vezes e não mais quatro, como prevê a CF, em seu art. 10, inciso I, dos ADCT). Nesse sentido, tem-se o Enunciado nº 14 do TST, em que: “Reconhecida a culpa recíproca na rescisão do contrato de trabalho (art. 484 da CLT), o empregado tem direito a 50% (cinqüenta por cento) do valor do aviso prévio, do décimo terceiro salário e das férias proporcionais.” Portanto, cada parte amargura a perda de 50% do que receberia caso não tivesse agido com culpa.
Quanto a questão da Culpa, Mozart Victor Russomano[132] observa que “as culpas devem ser equivalentes, sob pena de a maior absorver a menor, punindo-se, apenas o mais culpado.” E acrescenta: “a culpa maior será quase sempre a daquele que, tendo o ‘control of situation’, não evita o incidente e, por isso, aumenta a sua responsabilidade na perturbação da ordem jurídica e social.”
6. DOS DANOS CAUSADOS PELA DESPEDIDA INDIRETA
É possível que o fato de o empregador praticar um dos atos faltosos já trabalhados acima, causar dano ao empregado. Nessas circunstâncias, o empregado poderá (e deverá) ter o dano ressarcido, arcando o empregador com danos materiais e não-materiais que der causa, inclusive danos emergentes e lucros cessantes causados. Haverá então a reparação de dano por uma responsabilidade civil do empregador.
Nas lições de Maria Helena Diniz:[133]
“a responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.”
Para Paulo Eduardo Vieira Oliveira[134] dano “é a lesão (efeito) de um ato humano ilícito, comissivo ou omissivo, decorrente de dolo ou culpa, que fere interesse alheio juridicamente protegido.”
O trabalhador, antes de assumir essa qualidade a ele inerente, é pessoa humana, e por assim ser, possui um rol de direitos e garantias asseguradas à pessoa que é, e à personalidade que possui.
Como exposto, o dano, que pode ser material ou não-material, enseja a sua reparação, pois, como na conceituação supra utilizada, o dano é gerado por um ato humano por culpa “lato sensu” do agente, atingindo um bem jurídico doutrem.
Dos ensinamentos de Paulo Eduardo Vieira Oliveira[135] tem-se que é possível que após o término da relação contratual ocorra o dano. E, tanto de forma extrajudicial ou em juízo, quer danos materiais ou pessoais.[136].
Na primeira hipótese (extrajudicial), há a configuração do dano em casos como: o lançamento do nome do empregado, pelo empregador em “listas negras”; anotações injuriosas ou difamatórias na CTPS; informações ao novo empregador desonrosas à pessoa do empregado, dentre outras formas. Na segunda, ou seja, em juízo, ilustra o referido autor, na hipótese de se utilizar o direito de ação ‘para assacar afirmações que ofendam a personalidade do ex-adverso’, ou ainda, quando se utiliza de forma errônea, a justa causa do empregado para rescindir o contrato entre as partes, tentando o empregador livrar-se de encargos inerentes a ruptura do vínculo.
A reparação do dano ocasionado pela lesão praticada há de ser exercida pelo poder de ação do empregado, por meio do Estado-jurisdicional, que chama para si esta tutela. O ressarcimento do dano, quando inviável o retorno ao “status quo ante” da lesão, deve se dar por intermédio de uma indenização que, nas palavras de Enoque Ribeiro dos Santos,[137] deve ter dupla função, a saber:
“a objetiva, não apenas compensar a dor, a angústia, a humilhação e aflição do lesado, como também tem por finalidade a imposição de sua outra função, ou seja, uma pena para o ofensor, com o caráter de prevenção, a fim de evitar novas investidas ou reincidências.”
O autor supra mencionado continua a referir-se ao tema quando:
“o sistema trabalhista brasileiro favorece os empresários, que possuem ampla liberdade para exercer o seu poder de mando na dispensa de seus empregados, sem quaisquer justificativas.
(…)
É neste panorama, que o empregador, no uso de seu poder potestativo, pelas normas atualmente prevalecentes no Direito brasileiro, pode avaliar, de forma unilateral, e até arbitraria, o comportamento e a performance do empregado e aplicar penalizações, sem a necessidade de observância de um mínimo de procedimentos que assegurem a defesa deste último.”[138]
Ponto finalizando, na existência de danos, quaisquer que sejam, inclusive, quando exigidos trabalhos intelectuais além das forças do trabalhador, ou ainda nos caso de assédio sexual do empregado, que são matérias e temas de discussões recentes, o empregador, por praticar ato faltoso, e ensejar a ruptura da relação contratual, deve ser acionado para reparar o dano que ocasionou ao empregado, evitando abuso de direito ou prática ilícita, como ensina Dorval de Lacerda[139]:
“A exigência de serviços superiores às forças do empregado repousa, portanto, como se viu, na teoria chamada abuso de direito. O empregador tem o direito de exigir o dispêndio de forças do empregado, porque o contrato de trabalho é um contrato de prestação de serviços. Não pode, contudo, abusar de tal direito.”
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As relações de emprego são tuteladas por direitos e garantias mínimas propostas pelo Estado. Estes direitos e garantias visam não só a proteção de uma das partes do contrato de trabalho, mas também o ‘bem estar social’, pois um problema entre duas ou mais pessoas, pode se exteriorizar alcançando proporções impensáveis, tornando-se um conflito social.
Ao empregado é facultado, pelo legislador, a ruptura da relação de emprego que mantém com o empregador, e vice-versa, uma vez que a autonomia da vontade é princípio basilar das relações modernas, embora existam condições em que tal autonomia é limitada.
Quando há relação de emprego, por ser ela sinalagmática, consensual e bilateral, ambas as partes tem obrigações e o descumprimento pelo empregador de suas obrigações e deveres,[140] desrespeitando a dignidade do empregado que lhe presta os serviços, faculta a este o término da relação, de forma definitiva, por ato faltoso daquele.
Portanto, o empregado rompe o vínculo de emprego, embora o empregador resista à pretensão apresentada pelo primeiro. E, pela relação de obrigar-se à contraprestação, e por praticar ato injusto ensejador à rescisão do contrato, o empregador deve remunerar o empregado de todos os valores pendentes do contrato, como se a relação tivesse se extinguido imotivadamente, ou seja, o aviso prévio, as férias e o 13º salário (integrais e proporcionais), o saldo dos salários, as verbas rescisórias, as horas-extras, o FGTS, a multa de 40% sobre o saldo do FGTS, o descanso semanal remunerado, eventuais abonos ou prêmios, e outros valores devidos.
O legislador no art. 483 da C.L.T. previu casos abertos, ou seja, que comportam dilação interpretativa, que em suas ocorrências o empregado está autorizado a resolver o contrato, mesmo sem a intervenção jurisdicional, salvo quando necessitar de provas ou ocorrer os casos das alíneas ‘d’ e ‘g’ do referido art.
O motivo ensejador da ruptura contratual pelo empregado está lastreado numa falta grave do empregador, pois uma simples falta leve não pode por em dúvida e romper as relações e contratações, pois a sociedade não exige do indivíduo que seja um puro, mas apenas um bom, socialmente falando.[141]
A justa causa para a ruptura do contrato há de ser grave. E, como demonstrado, novas formas de lesão à parte “ex adversa” da relação contratual vem surgindo, dentre elas o assédio sexual, a discriminação e outras.
O empregado, na relação de emprego, está numa situação de hipossuficiente em relação à auto-suficiência do empregador, desta feita, o Estado equipara-o àquele, por intermédio de normas protetivas, que são aplicadas quer em face de pessoas jurídicas ou físicas, pois o que importa é uma das partes da relação ser detentora do Poder Econômico e a outra não o ser, existindo assim, uma desigualdade considerável, expondo este último à vulnerabilidade, qualquer que seja (econômica, técnica, jurídica ou social) em relação ao primeiro.
Quanto aos danos ocasionados pelo exercício arbitrário, abusivo, ilícito, ou imoral do direito, a própria norma protetiva, impõe que o causador de danos os repare, bastando que os mesmos sejam oriundos de uma relação de emprego, e exista vulnerabilidade entre as partes, possibilitando inclusive a inversão do ônus da prova.
O contrato de trabalho é necessário para a continuidade da sociedade estruturada e fundada no método capitalista de produção, pois o cerne do sistema é o aumento da produção, possibilitando maior consumo e gerando renda para este. E, isso se dá, impreterivelmente, por intermédio do trabalho.
Com o avanço tecnológico, a mudança da sociedade e o estremar da globalização, social e econômica, as relações de emprego deixam de ter a pessoalidade como característica, pois o empregador não mantém com o empregado contato imediato, uma vez que se utiliza de meios eletrônicos para exercer seu poder de direção, subordinado àquele (isso como tendência).
Mas, não é por essa falta de contato é que o empregador deixará de praticar atos faltosos. Pelo contrário. Com o distanciamento das pessoas envolvidas na relação, o que possui maior poder tende ratificá-lo em detrimento ao mais fraco (empregado), pois as relações humanas se tornam “frias”, dando ensejo, cada vez mais, há atos faltosos.
Sem dúvida, a tipificação dos casos ensejadores de falta grave pelo empregador, devem continuar como tipos abertos, pois as relações modernas, ao evoluírem, farão surgirem novas figuras, que deverão ser encampadas pela Lei.
A tendência é uma mudança gradativa na Legislação Trabalhista, trazendo do direito comum algumas figuras, e protegendo o empregado de novos abusos que o Poder Econômico exercerá. O paradigma para tal argumentação é o Código do Trabalho de Portugal, que entrou em vigor em 1º de dezembro de 2003, corroborando o já afirmado.[142]
Toda a legislação deve ter por escopo a dignidade da pessoa humana, que inclusive é apontada pelo Legislador Constituinte, como norte do ordenamento nacional, ocupando o ápice da pirâmide Kelsiana (art. 1º, III, da CF/88). E, parafraseando o Dr. Paulo Eduardo Vieira Oliveira, “O trabalhador deve ser respeitado, antes de tudo, como pessoa cidadã que é.”
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