Resumo: O presente trabalho tem como escopo fazer uma análise geral e sucinta da poluição sonora sob o aspecto jurídico, pautando-se por uma pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, contrapondo-se aspectos doutrinários com decisões de casos concretos.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil Ambiental; Poluição Sonora; Danos.
Abstract: The present work is scope to do a brief overview and noise pollution under the legal aspect, guiding by a literature review and case law, opposing aspects doctrinal decisions in concrete cases.
Keywords: Environmental Liability; Noise Pollution; Damage.
Sumário: Introdução. 1. Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental. 2. Responsabilidade civil ambiental. 2.1. Princípios básicos da responsabilidade civil ambiental. 2.1.1. Princípio da prevenção. 2.1.2. Princípio da precaução. 2.1.3. Princípio da responsabilidade. 2.1.4. Princípio do poluidor-pagador. 1.5.5. Princípio do desenvolvimento sustentável. 2.2. Avaliação do dano ambiental e suas formas de reparação. 3. Poluição Sonora. 4. Caso concreto. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por escopo fazer apanhado raso de conhecimentos já sedimentados, com a devida ajuda dos grandes mestres, das vicissitudes da responsabilidade civil ambiental, mormente aos danos perpetrados pela poluição sonora.
Está pacificado na doutrina e na jurisprudência pátria o entendimento segundo o qual o “meio ambiente ecologicamente equilibrado” se constitui em um verdadeiro direito fundamental.
Com efeito, o art. 225 da Constituição Federal de 1988 traz em seu caput tal garantia, dispondo que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Corrobora-se, então, a natureza pública deste bem, o que leva a sua proteção a obedecer ao princípio de prevalência do interesse da coletividade, ou seja, do interesse público sobre o privado na questão de proteção ambiental.
No Brasil, a poluição sonora tem crescido muito nas últimas décadas, principalmente nas maiores aglomerações urbanas, causando gravíssimos prejuízos físicos e psicológicos aos seres humanos e abalando o meio ambiente sonoro.
Destaca-se que a poluição sonora é uma das prioridades ecológicas da atualidade, tendo em vista os problemas que podem ser acarretados à saúde e à qualidade de vida da coletividade.
É inócuo, pois garantir as demais nuances da ordem social, sem possibilitar um ambiente sadio e preservado para desfrutá-las.
1. DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO COMO DIREITO FUNDAMENTAL
Não se pode olvidar que, atualmente, uma intensa crise ambiental assola o planeta e põe em risco os sistemas ambientais elementares, influenciando, de forma direta, no usufruto de importantes direitos do homem, que, há muito tempo, são garantidos no ordenamento internacional e também interno, tais como o direito à vida e à saúde. Ora, se a proteção ao meio ambiente além de buscar manter o entorno ambiental saudável em si mesmo, também visa à preservação da própria espécie humana, pode-se concluir que o direito ao meio ambiente é direito humano por excelência.[1]
A Declaração do Meio Ambiente, adotada em Estocolmo pela Conferência das Nações Unidas, em junho de 1972, pode ser apontada como pioneira no reconhecimento do direito a um meio ambiente sadio como direito fundamental da pessoa humana, em razão do enunciado no Princípio 1.[2] Ademais, importante declaração que a sucedeu reafirmou esse entendimento: a Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 no seu Princípio de número 1.[3]
A Constituição Federal do Brasil de 1988, honrando o compromisso firmado nas citadas declarações e inovando em relação aos ordenamentos constitucionais anteriores, garantiu ao meio ambiente uma proteção específica e reconheceu em seu artigo 225, caput, o meio ambiente ecologicamente equilibrado e saudável como direito fundamental do homem.[4]
É de se observar que apesar desse novo direito fundamental não estar esposado no catálogo expresso no Título II da Carta Magna, não se pode negar a ele um caráter de cláusula pétrea e o reconhecimento de estar sujeito à aplicabilidade imediata, tendo em vista a abertura consagrada no artigo 5º, § 2º[5] da Constituição Federal.
Antunes conclui que o regime constitucional brasileiro traz o direito ambiental como um dos direitos humanos fundamentais, não só em razão do conteúdo do artigo 225, caput, mas, inclusive, em razão do enunciado no artigo 5º, inciso LXXIII[6] que, ao tratar da ação popular, faz referência explícita ao meio ambiente. Nesse sentido escreve com maestria:
“Ora, se é uma garantia fundamental do cidadão a existência de uma ação constitucional com a finalidade de defesa do meio ambiente, tal fato ocorre em razão de que o direito ao desfrute das condições saudáveis do meio ambiente é, efetivamente, um direito fundamental do ser humano.”[7]
Cumpre adicionar que, segundo entendimento da maior parte da doutrina nacional e do Supremo Tribunal Federal, o direito ao ambiente sadio compõe direito fundamental de terceira geração, juntamente com o direito à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.[8]
A classificação tradicional em gerações ou dimensões dos direitos fundamentais consolidou esses em primeira, segunda e terceira dimensão.
Em síntese apertada os de primeira dimensão correspondem àqueles direitos do indivíduo frente ao Estado, que emergiram do pensamento liberal-burguês do século XVIII, exemplificados no direito à vida, à liberdade e à igualdade perante a lei.[9]
Os de segunda dimensão – denominados de direitos sociais, culturais e econômicos – surgem com o advento do Estado do bem-estar social (Welfare State), no século XX, e demandam uma prestação estatal para a sua efetivação, vez que não são exercidos contra o Estado. São eles: direito às prestações sociais e estatais (saúde, educação, assistência social), direitos fundamentais dos trabalhadores e liberdades sociais, tal qual direito de greve. [10]
Por fim, os direitos fundamentais do homem de terceira dimensão, os chamados direitos da fraternidade ou da solidariedade, na lição de Bonavides, caracterizam-se por se desvincularem da proteção dos interesses de um indivíduo, para destinarem-se ao resguardo do próprio gênero humano, situação na qual se insere, indubitavelmente, o direito ao meio ambiente sadio. [11]
É de se ter em mente que esse direito constitucional fundamental é indissociável do direito à vida. Com sabedoria, assim expõe Silva: “É que a tutela da qualidade do meio ambiente é instrumental no sentido de que, através dela, o que se protege é um valor maior: a qualidade da vida”. [12]
2. RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL
No âmbito do Direito Ambiental, cabe à Lei n. 6.938/81 da Política Nacional do Meio Ambiente apontar a sistemática da responsabilidade civil. Segundo o artigo 14, parágrafo 1º da referida lei “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade (…).” (Grifo).
Conforme se observa na legislação ambiental brasileira, o modelo adotado foi o da responsabilidade civil objetiva para a reparação de danos ao meio ambiente. Assim, todo aquele que põe em prática atividade capaz de gerar riscos para o meio ambiente, saúde e incolumidade de terceiros, responderá pelo risco, sendo dispensável comprovar a culpa ou o dolo do agente.[13]
De outra forma não poderia ser, tendo em vista as complexidades ambientais. A era tecnológica e o consumo em massa fazem com que os recursos da natureza sejam objeto de utilização desenfreada e desmedida, o que acarreta intensa degradação ambiental e prejudica a saúde e o bem estar da população.[14] Outrossim, é de se ter mente que, em geral, as lesões ambientais decorrem de atos lícitos. As atividades, na maioria das vezes, são chanceladas pelo Poder Público. Dessa forma, a adoção da responsabilidade baseada na teoria da culpa acarretaria às vítimas o desamparo total.
Com a adoção da teoria do risco, como fundamento do dever de reparar o dano ambiental, surgiram embates acirrados quanto ao limite da assunção deste risco por aquele que desenvolve a atividade e, assim, despontaram variações na teoria supradita, sendo as mais importantes a teoria do risco criado e a do risco integral. A discussão, em suma, gira em torno do nexo causal.
Sabe-se que a dificuldade em identificar os responsáveis pelas lesões ambientais teve como resultado a opção pela prevalência do princípio da solidariedade entre os empreendedores de atividades potencialmente poluidoras. Dessa forma, a reparação recai sobre todos aqueles que exercem a referida atividade na área afetada, sendo facultada a ação de regresso, pelas empresas responsabilizadas, em desfavor do poluidor comprovadamente reconhecido.[15]
Pela teoria do risco criado, respondem objetivamente pelos danos causados apenas os responsáveis por atividades que intrinsecamente geram qualquer tipo de perigo ou que possam efetivamente gerar dano ao meio ambiente. Contudo, quando a atividade não apresenta potencialidade de dano ambiental, é possível admitir-se excludentes de responsabilidade, como são, por exemplo, o caso fortuito e/ou a força maior.[16]
Nessa teoria resolve-se o nexo causal pela tese da causalidade adequada. Assim, a partir de uma análise de possíveis causas, seleciona-se a que apresenta uma probabilidade maior de ter causado o dano ou criado o risco socialmente inaceitável.[17]
Por outro lado, pela teoria do risco integral conforme lições esclarecedoras de Lucarelli “a indenização é devida somente pelo fato de existir a atividade da qual adveio o prejuízo, independentemente da análise da subjetividade do agente, sendo possível responsabilizar todos aqueles os quais possa de alguma maneira, ser imputado o prejuízo.”[18]
Assim, não há que se cogitar da vontade do agente ou licitude da atividade desenvolvida. Essa teoria é considerada extremada, tendo em vista que para a imputação do dever de indenizar se faz necessário apenas a concretização do dano e da atividade com potencial para poluir, não se admitindo nenhum tipo de exclusão do nexo causal, nem mesmo nos acontecimentos de caso fortuito, força maior, ação de terceiros ou da vítima.
A doutrina, em sua maioria, defende a aplicação da teoria do risco integral para as situações de danos ecológicos, apesar de grandes doutrinadores alegarem que a teoria do risco criado é aquela que se encontra adotada na legislação ambiental pátria. Entre estes jurista pode-se mencionar Mukai que assim leciona:
“À semelhança do que ocorre no âmbito da responsabilidade objetiva do Estado, no Direito positivo pátrio, a responsabilidade objetiva por danos ambientais é a da modalidade do risco criado (admitindo as excludentes da culpa da vítima ou terceiros, da força maior de do caso fortuito) e não a do risco integral (que inadmite excludentes), nos exatos e expressos termos do § 1º do art. 14 da Lei n.º 6.938/81 – Lei da Política Nacional do Meio Ambiente.”[19] (Grifo).
Contudo, apesar do respeitável entendimento de renomado jurista, a teoria do risco integral coaduna-se melhor com a finalidade protetiva do Direito Ambiental. O meio ambiente, como já explanado, é um bem de todos e como tal não é passível de apropriação, dessa forma, não caberia falar em excludentes da responsabilidade.
Quando da ocorrência de um dano ambiental, deve ser imposto ao poluidor a obrigação de reparar de forma mais ampla possível, não se eximindo este de indenizar com a desculpa da dificuldade de comprovar o laço da causalidade entre a conduta e o evento danoso. Se o agente puder invocar as excludentes para não indenizar, a maioria dos prejuízos ambientais ficará sem reparação.[20]
2.1. PRINCÍPIOS BÁSICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL
Em linhas gerais, princípio significa o momento de origem, o início, o começo da causa. Delgado afirma que “os princípios são como proposições fundamentais que informam a compreensão do fenômeno jurídico. São diretrizes centrais que se inferem de um sistema jurídico e que, após inferida, a eles se reportam, informando-o.” [21]
A Constituição Federal de 1988 consagrou ao longo de seu texto uma série de princípios explícitos e implícitos do Direito Ambiental, buscando uma aplicação mais justa e integrada deste ramo jurídico, que é inseparável do direito à vida com qualidade e com dignidade.
Os princípios consagrados na Carta Magna apresentam, dentro do direito, um nível grande de importância, traduzindo-se como uma de suas principias fontes e sustentáculos, consubstanciando-se como juízos fundamentais.[22] Essas normas jurídicas exercem um papel maior, direcionando os vários ramos do ordenamento jurídico. Em especial quanto ao Direito Ambiental, é nos princípios que se encontra seu alicerce maior.
Uma conclusão é inevitável quando do estudo desses princípios, qual seja a relação intrínseca de todos eles com o binômio preservação-restauração. Do artigo 225[23], caput, da Carta Magna, é possível perceber que a principal função do Estado e da sociedade consiste em defender, conservar e restaurar os processos ecológicos vitais, buscando promover a higidez ambiental e a preservação da vida do homem.
2.1.1 Princípio da prevenção
A base desse megaprincípio, como é denominado por Fiorillo[24], está na priorização de atitudes que afastem as lesões ao meio ambiente.
Pela característica de dificuldade e até impossibilidade de reversão da natureza degradada, o constituinte impôs a preservação do meio ambiente como princípio fundamental da proteção ambiental, seja no caput do artigo 225, quando diz que o Poder Público e a coletividade têm o dever de preservá-lo para as presentes e futuras gerações, ou seja nas tantas outras declarações nesse sentido contidas no restante do dispositivo.
Origina-se da Declaração de Estocolmo sobre o meio ambiente, a preocupação em prevenir os danos ambientais. O Princípio de número 6 desta declaração é claro no sentido de que “Deve-se por fim à descarga de substâncias tóxicas ou de outras matérias e à liberação de calor, em quantidade ou concentrações tais que não possam ser neutralizadas pelo meio ambiente de modo a evitarem-se danos graves e irreparáveis aos ecossistemas (…)”.
A Lei n. 6.938/1981, também consagra o referido princípio em seu artigo 2º, incisos I, IV e IX.[25]
O principal instrumento do princípio da prevenção é o licenciamento ambiental, procedimento que obriga a todos os empreendimentos efetiva ou potencialmente causadores de poluição ambiental a se submeterem ao crivo dos órgãos ambientais competentes, os quais, ao avaliar a atividade, estabelecerão condições e requisitos a serem cumpridos pelo empreendedor, com o objetivo de evitar os impactos ambientais.
É de se ter em mente que em se tratando de degradação ambiental, a regra é que o retorno ao status quo ante é bastante demorado e, por vezes, não se concretizará. Desta forma, a importância da atuação preventiva. Nesse sentido cai como luva a lição de Fiorillo e Rodrigues, in verbis:
“Diante da impotência do sistema em face da impossibilidade lógico-jurídica de fazer voltar a uma situação igual a que teria sido criada pela própria natureza, adota-se, com inteligência e absoluta necessidade, o princípio da prevenção do dano ao meio ambiente como verdadeira chave mestra, pilar e sustentáculo da disciplina ambiental, dado o objetivo fundamentalmente preventivo do Direito Ambiental.”[26]
2.1.2. Princípio da precaução
Morato Leite faz referência ao princípio da precaução ao ensinar com sabedoria que “sempre que houver perigo de um dano grave e irreversível, a ausência de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para se adiar a adoção de medidas eficazes, a fim de impedir a degradação ambiental.” [27]
Assim, esse princípio tem a função primordial de impedir intervenções no meio ambiente, exceto, quando se chegue à conclusão de que as alterações realmente são seguras e não causarão reações adversas. O princípio da precaução está consagrado na Declaração sobre Meio Ambiente do Rio de Janeiro/1992 como Princípio 15.[28]
Cumpre observar que diferentemente do princípio da prevenção, que se dirige à situação de um perigo concreto de dano, o princípio da precaução se aplica quando se está diante de uma atividade apenas potencialmente perigosa ao meio ambiente.
A Constituição Federal de 1988, artigo 225, § 1º, IV[29], com vistas a avaliar os impactos de determinado comportamento potencialmente poluidor, determina a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental – EIA, com força vinculante para a administração pública.
2.1.3. Princípio da responsabilidade
A lei fundamental brasileira contempla o princípio da responsabilidade em seu artigo 225, §3º quando prescreve: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”
Assim, o que pretende o legislador é impor aos responsáveis pelos prejuízos ao meio ambiente, pessoas físicas ou jurídicas, a obrigação de arcar com a responsabilidade em qualquer das esferas – civil, penal ou administrativa –, já que a responsabilidade ambiental é independente e simultânea em cada uma delas. Quanto à obrigação de responder pelos custos referentes à reparação da natureza degradada, equipara-se à responsabilidade civil, com a ideia de compensar o dano.
A Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento traduz a responsabilidade no Princípio 13[30]. Em suma, pelo princípio da responsabilidade o poluidor assume os riscos de sua atividade, respondendo por todos os danos ambientais. O referido princípio será mais bem detalhado no capítulo seguinte.
2.1.4. Princípio do poluidor-pagador
Antunes ensina que o objetivo do princípio do poluidor-pagador consiste em impedir que haja a privatização dos lucros e a socialização dos prejuízos em certa atividade econômica.[31] Em outras palavras, busca-se internalizar os custos ambientais decorrentes da produção e consumo, que traduzem poluição e escasseamento dos recursos naturais pelo empreendedor.
Diferencia-se do princípio da responsabilidade pelo fato de que não se procura recuperar um bem degradado nem criminalizar uma conduta danosa ao meio ambiente, mas, sim, afastar o ônus econômico da sociedade e voltá-lo a para atividade econômica que usa os recursos ambientais.[32] Não se pode olvidar que o uso gratuito dos bens ambientais gera um enriquecimento ilícito ao utilizador, já que o meio ambiente pertence a todos. Dessa forma é legítima a imposição dos custos da poluição.
Já diz Guilherme Cano – um dos pioneiros do Direito Ambiental na América Latina: “Quem causa a deterioração paga os custos exigidos para prevenir ou corrigir. A eqüidade dessa alternativa reside em que não pagam aqueles que não contribuíram para a deterioração ou não se beneficiaram dessa deterioração”.[33]
O princípio do poluidor-pagador também é contemplado na Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento no Princípio 16.[34] Na legislação nacional o supradito princípio se encontra prescrito no art. 4º, inciso VII[35] da Lei n. 6.938/81.
2.1.5. Princípio do desenvolvimento sustentável
A Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento conceitua desenvolvimento sustentável como “aquele que atende às necessidades dos presentes sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades.”[36]
No mesmo sentido, proclama a Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 no Princípio de número 3: “O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas equitativamente as necessidades de gerações presentes e futuras.”
Observa-se que a preservação ambiental não está somente voltada a nossa geração, mas obrigatoriamente focada no futuro. É inegável que o desenvolvimento é um direito do ser humano, contudo, a manutenção das condições ambientais favoráveis aos posteriores também é um direito assegurado no ordenamento internacional e interno. Dessa forma, direito e dever, aqui, estão de tal forma interligados que são termos mutuamente condicionantes.[37]
Em suma, é preciso, sim, continuar a desenvolver-se econômica e socialmente, porém não a qualquer custo, mas preservando o meio ambiente, que pertence a esta geração, e às futuras. Nesse sentido a pertinente observação Milaré:
“(…) é preciso crescer, sim, mas de maneira planejada e sustentável, com vistas a assegurar a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a proteção da qualidade ambiental, a fim de que o progresso se processe em função do homem e não às custas do homem.”[38]
A propósito, traduz com clareza e sabedoria o entendimento aqui esposado o seguinte ensinamento de Kochinski e Bittencourt: “O homem necessita do desenvolvimento da mesma forma que necessita do meio ambiente.”[39]
2.2. AVALIAÇÃO DO DANO AMBIENTAL E SUAS FORMAS DE REPARAÇÃO
O dano ambiental tanto pode constituir uma violação empreendida sobre o bem ambiental, titularizado por toda coletividade, quanto pode afetar, adversamente, pessoas determináveis ou determinadas, que podem pleitear uma reparação pelas lesões materiais ou extrapatrimoniais sentidas, sendo este, pois, dano por ricochete ou, como comumente chamado pela doutrina, dano por intermédio do meio ambiente.
Nesse sentido, Morato Leite ao afirmar que dano ambiental constitui “uma expressão ambivalente, que designa, certas vezes, alterações nocivas ao meio ambiente, e outras ainda, os efeitos que tal alteração provoca na saúde das pessoas e em seus interesses.”[40]
Como antes expostos, em matéria de Direito Ambiental deve-se ter como base o binômio preservação e restauração. Contudo, a bem da verdade, o controle preventivo nao é suficiente para eliminar os danos ambientais e, ademias, na grande maioria das vezes, a natureza degradada encontra-se impossibilitada de retornar ao statu quo ante, vindo a legitimar a indenização pecuniária, que traz consigo uma série de dificuldades, entre elas a avaliação da gravidade do dano e a fixação do montante da compensação pecuniária.
Examinando a Lei n. 6.938/91 em art. 4º, VII: “A Política Nacional do Meio Ambiente visará à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados”, infere-se que a recuperação e a indenização são as modalidades elencadas como forma de reparação do dano, contudo, não se deve entender que seria facultado ao poluidor a escolha por uma dessas formas, como deixa transparecer o legislador.
A recuperação in natura do meio ambiente, que consiste, segundo Ferreira e outros, na reparação do dano por meio da recuperação dos bens naturais afetados, devolvendo ao ecossistema o equilíbrio perdido com o advento do dano, deve ser a primeira opção na hora da escolha da forma de reparar o prejuízo, impossibilitada esta, buscar-se-á na indenização pecuniária a recuperação do dano.[41]
Nesse sentido BUTZKE, ZIEMBOWICZ e CERVI:
“O que se objetiva com a responsabilização do agente causador de dano ambiental é a recomposição, tanto quanto possível, do status quo ante, tanto do meio ambiente quanto das pessoas afetadas, sendo a indenização pecuniária apenas uma dessas formas de reparação, cabível somente quando impossível a restauração do meio agredido.”[42]
Há de se destacar que a indenização em dinheiro não é capaz de recuperar a natureza lesada, não se devolve a esta suas reais condições físicas ou biológicas, o arbitramento de uma indenização pecuniária substitutiva se apresenta como uma forma de compensação ecológica, devendo-se buscar uma equivalência entre o bem jurídico ambiental agredido e o valor da indenização fixada.[43]
Contudo, não se pode olvidar dos sérios entraves técnicos e legais para se fixar o valor do bem jurídico ambiental. Willian Oliveira, em sua obra sobre o dano moral ambiental, cita alguns critérios para a avaliação econômica da lesão ambiental, tais quais o usado na Europa, onde é comum arbitrar um valor tarifado para cada espécie da flora ou fauna prejudicada e onde o montante final da indenização é influenciado pelo fato da atividade poluidora ter sido autorizada pelo Poder Público, além de elencar outros critérios. Acrescenta, ainda Oliveira, que em vários Estados Norte-Americanos, a legislação possibilita fazer uma pesquisa, com a população afetada, sobre o valor pecuniário que cada indivíduo estaria disposto a pagar ou receber para a não perder certo bem ambiental, o que se denomina como avaliação direta. No entanto, deixa claro o autor que nenhum desses critérios consegue dimensionar com exatidão o valor do bem ambiental.[44]
A bem da verdade, o magistrado, quando da fixação do valor da indenização, deve levar em conta uma série de fatores comuns no campo privado, tais quais a situação financeira do degradador, os custos para restaurar o bem lesado, a gravidade do dano, o status constitucional adquirido pelo bem ambiental, o caráter pedagógico e punitivo, com vistas a evitar novas infrações desta natureza, baseando-se, sempre, nas circunstâncias do caso concreto e nas provas colecionadas, de maneira que seja atendido o princípio da reparação integral.
3. POLUIÇÃO SONORA
A poluição sonora é o ruído (conjunto de sons indesejáveis ou que provoquem uma sensação desagradável) capaz de incomodar ou de gerar malefícios à saúde, tornando-se um impacto ambiental. Caracteriza-se pelos gravíssimos efeitos que podem ser causados à qualidade de vida e à saúde e pela dispersão e dificuldade de identificação das fontes.
Seus efeitos classificam-se em reações físicas (aumento da pressão sanguínea, aumento do ritmo cardíaco, interrupção do processo digestivo, problemas de ouvido-nariz-garganta, maior produção de hormônios) e em reações psicológicas (interferência com a comunicação, ansiedade, desmotivação, desconforto, excitabilidade, falta de apetite, insônia, medo, perda da libido, tensão e tristeza). No caso da poluição sonora mais prolongada existem ainda outros efeitos, como incidência de úlcera, cefaléias, hipertensão, maior consumo de tranqüilizantes, náuseas e perturbações labirínticas.
O responsável pela produção da poluição sonora pode e deve ser responsabilizado nos âmbitos administrativo, cível e criminal, já que de acordo com a Constituição Federal a responsabilização em matéria ambiental ocorre de forma simultânea e independente nas três esferas.
A responsabilidade pelo ruído pode estar relacionada ao exercício de atividades. Os proprietários ou gestores das fontes de emissão de ruído não se eximem da responsabilidade jurídica de prevenir e reparar a agressão sonora pelo fato de terem-se instalado antes das construções residenciais. Tal anterioridade, desde que seja legal, vai sujeitá-los à observância das normas e padrões ambientais oficiais, ao passo que se se instalarem após a construção de residências a responsabilidade é total, ainda que observem as mencionadas normas e padrões oficiais.
O Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública contra empresa poluidora do meio ambiente em ruídos acima dos níveis permitidos, pois uma das características da poluição sonora é atingir pessoas várias, que, na maioria das vezes, são indeterminadas.
Cabe à União editar as normas gerais a respeito da poluição sonora restando aos Estados e ao Distrito Federal a competência para legislar supletivamente, e caso tais normas não existam os Estados e o Distrito Federal poderão editar as normas gerais. O Município pode legislar a respeito da poluição sonora. Contudo, não pode ele estabelecer padrões de qualidade mais permissivos do que aqueles determinados pela União ou pelo Estado, ainda que seja possível o estabelecimento de níveis mais rígidos.
Os instrumentos legais que regulam a tutela jurídica do meio ambiente e da saúde humana, avaliam níveis de ruído aceitáveis em comunidades ou penalizam condutas lesivas ao meio ambiente, são:
a) A Resolução CONAMA N.º 001 – É a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente que visa controlar a poluição sonora. Fixa que são prejudiciais à saúde e ao sossego público os níveis de ruído superiores aos estabelecidos na Norma NBR 10.151. Já para as edificações, os limites são estabelecidos pela NBR 10.152;
b) A Norma NBR 10.151 – Estabelece o método de medição e os critérios de aceitação do ruído em comunidades.
c) A Norma NBR 10.152 – Esta norma fixa os níveis de ruído compatíveis com o conforto acústico em ambientes diversos como: Hospitais, Escolas, Bibliotecas, Salas de música ou Salas de desenho, lembrando que essas normas não excluem as recomendações básicas referentes às demais condições de conforto. As questões relativas a riscos de danos à saúde em decorrência do ruído, no entanto, são estudadas em normas específicas.
d) Lei 9.605/98 – A conhecida Lei de Crimes Ambientais entrou em vigor com o objetivo de regulamentar o art. 225 da CF/88, passando também a tipificar a poluição sonora como crime. Tornou-se uma aliada no combate aos crimes ambientais ao estabelecer sanções penais e administrativas para aquelas condutas que sejam desconformes ao meio ambiente. Incentiva ainda os Estados a formularem leis direcionadas à efetiva responsabilidade por danos ao ambiente e para a compensação às vítimas da poluição;
e) As Leis Municipais – Devem ser compatíveis com a Resolução CONAMA N.º 001. Em Maceió é a Lei nº 4 548 que trata da licença ambiental.
4. CASO CONCRETO
O caso que merece destaque provém do Acórdão nº 70021151592 do Tribunal de Justiça do RS, Décima Nona Câmara Cível, julgado em 18 de Março de 2008. Segue ementa:
“INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. DIREITOS DE VIZINHANÇA. POLUIÇÃO SONORA. Cessação da atividade musical no estabelecimento até a realização de isolamento acústico aprovado pela autoridade municipal. Ausência de sucumbência no ponto. Danos morais não indenizáveis. Falta de prova de prejuízos. Negaram provimento.” (Apelação n. 70021151592).[45]
No presente caso retrata-se a situação de moradores, que se encontram incomodados com as atividades noturnas de estabelecimento. Para que seja possível a responsabilização do estabelecimento por dano ao meio ambiente, faz-se necessária a presença dos seguintes requisitos: 1) conduta – desenvolvimento de atividades musicais eletrônicas ou ao vivo, em alto volume, ressaltando que o alvará emitido pelo Município não autorizava a música. Tratando-se de responsabilidade objetiva, não é necessária a comprovação de culpa. É certo que existe o direito à liberdade de usufruir sua propriedade. Não obstante ter infringido uma norma administrativa, a questão da licitude não é fator determinante para a caracterização do dano ambiental, posto que o que interessa é a potencialidade nociva da conduta; 2) Nexo de causalidade – é a relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado, demonstrado no caso pelo liame existente entre a perturbação dos moradores e atividade noturna do estabelecimento. Assim se houve dano ambiental, resultante da atividade do poluidor, há nexo causal que faz surgir o dever indenizatório; 3) Dano Ambiental- é a lesão ao ambiente com conseqüente degradação do equilíbrio ecológico. In casu, o dano que emerge é a poluição sonora, visto que o barulho excessivo ultrapassou os limites da suportabilidade dos residentes nas proximidades do empreendimento.
Aqui se encontram contrapostos dois direitos: à integridade física e psíquica (direito ao sossego), à propriedade (liberdade de exploração da atividade comercial).
O direito ao sossego é modalidade de direito subjetivo da personalidade, o qual se encontra incurso no direito à integridade física e psíquica. Outrossim, se afigura como um direito de exigir um comportamento negativo de todos; no entanto, o sossego não significa uma total abstenção quanto à ausência de barulho, mas é o que se pode reclamar em circunstâncias normais.
No caso em epígrafe, verifica-se que referido direito encontra-se em confronto com o da propriedade, o qual constitui um direito de usar o bem recebido, limitado, entretanto, em razão do princípio geral que proíbe ao indivíduo um comportamento que venha a exceder o uso normal de seu direito, causando prejuízo a outrem.
O direito ao sossego, ao ambiente e à qualidade de vida da comunidade deve ser considerado superior ao direito de exploração de atividade comercial ou industrial ruidosa ou incômoda. Mas a tranqüilidade e o repouso dos moradores não prevalecem sobre o direito de propriedade alheio, face aos ruídos normalmente provocados. Em razão disso, o juízo de primeiro grau condenou a empresa ré a cessar suas atividades musicais até que fosse realizado isolamento acústico no local, e até que o estabelecimento atendesse aos requisitos impostos pela autoridade administrativa e obtivesse o devido licenciamento.
Quanto ao pedido dos danos morais, este foi indeferido porque o juízo entendeu se tratar de descumprimento de normas de cunho administrativo, cuja sanção é a interdição do estabelecimento. Porém, a nosso ver a sanção administrativa não basta para reparar o dano sofrido, visto que se o meio ambiente é um direito imaterial, incorpóreo, de interesse da coletividade pode ser ele objeto de dano moral, pois este é determinado pela dor física e psicológica acarretada às vitimas.
Em sede de apelação, o referido pleito foi novamente negado. A Décima Nona câmara do Tribunal de Justiça seguiu o voto do relator, o qual entendeu necessária a comprovação de que do ato ilícito houvesse afrontado a moral, a intimidade da parte autora.
Não obstante a douta decisão, deve entender-se que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. A ofensa do caso em comento é grave e de repercussão, o que por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária aos lesados. Corroborando tal idéia, faz-se mister expor a opinião de Sérgio Cavalieri Filho:
“Entendemos, todavia, que por se tratar de algo imaterial ou ideal, a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Seria uma demasia, algo até impossível, exigir que a vítima comprove a dor, a tristeza ou humilhação através de depoimentos, documentos ou perícias; Não teria ela como demonstrar o descrédito, o repúdio ou desprestígio através dos meios comprobatórios tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorno à fase da irreparabilidade do dano moral em razão de fatores instrumentais”[46]
Nesse sentido, além das ações que visam impedir a continuidade da prática do ato nocivo, é admissível a condenação em danos morais, que no caso podem gerar perturbações nas operações intelectuais, constituir embaraços notáveis ao trabalho cerebral, exagerar a fadiga, provocar insônia, e por fim causar efeitos múltiplos no organismo.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, conclui-se que o meio ambiente, por ser de uso comum do povo, acarreta a responsabilidade de todos, quer cidadãos, quer pessoas jurídicas de direito público, quer de direito privado de preservá-lo. A responsabilidade civil ambiental caracteriza-se por ser objetiva o que significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo, independentemente da demonstração de culpa. Presente, pois, o binômio dano/reparação.
No que tange a a poluição sonora sendo ela um problema social e difuso, deve ser combatida pelo poder público e por toda a sociedade, individual mediante ações judiciais de cada prejudicado ou pela coletividade através da ação civil pública (Lei 7.347/85), para a garantia ao direito ao sossego público. Este está resguardado no art.225, da Constituição Federal, que diz ser direito de todos o meio ambiente equilibrado, o que não se pode considerar como tal em havendo poluição sonora, quer doméstica, urbana, industrial ou no trabalho.
Como foi visto, os danos ao meio ambiente merecem reparação não só no aspecto patrimonial, como também no âmbito extrapatrimonial, sendo dever dos membros do Ministério Público postular, sempre que cabível, a reparação dos danos morais coletivos ambientais.
Impende-se destacar que no caso em comento o direito de propriedade deve ser respeitado até onde for possível e apenas deve ser limitado na exata proporção em que isso é exigido pela tutela razoável do conjunto principal de interesses. A solução legal do conflito entre os direitos ao sossego e à propriedade impõe que as partes adotem modos alternativos de exercício que respeitem a diferença jurídica em causa e se mostrem não colidentes entre si ou, se isso não for possível, impõe que o titular do direito de propriedade adote o modo de exercício mais moderado ou menos gravoso, que limite no mínimo o direito ao sossego.
Advogada. Servidora Pública do Ministério da Fazenda. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas
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