Responsabilidade constitucional e civil dos entes públicos na área da saúde, à luz dos princípios e garantias fundamentais

Trata-se de uma problemática nos dias atuais, qual seja, a responsabilidade constitucional e civil dos entes públicos na área da saúde. A Constituição Republicana garante à coletividade o direito à saúde, visando atender seus interesses, garantindo o mínimo de dignidade. Contudo, o que se vê, é uma realidade cruel, quer por culpa dos governantes, quer por culpa da ausência de imperatividade, por parte da sociedade que os elegem.


Uma unidade de saúde pública difere e muito de uma unidade particular. Ambas têm por obrigação, o tratamento da saúde, sendo que a última, utiliza-se de uma roupagem mais elaborada, por contar com recursos diretos de seus contribuintes. Não que a administração pública não se utilize os mesmos repasses de recursos, porém, segue as tratativas inerentes a este tipo de administração, longe dos olhos do contribuinte que muita das vezes se vê desamparado para a utilização de seus direitos do cidadão, como prevê a redação da CRFB/88, em seu art. 6°.


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Toda a rede de hospitais, postos de saúde e clínicas pertencentes à esfera pública de administração, por conseqüência suas instalações, aparelhos e mão-de-obra, transforma-se em uma pessoa jurídica completa e complexa no desenvolver de suas atividades. Junte-se a isso uma alta composição de pacientes, fornecedores e os próprios funcionários para que esta máquina funcione de forma competente. Englobam-se nestas perguntas, competências médicas, técnicas, administrativas, jurídicas e sociais, potencializando uma responsabilidade de maior complexidade.


Dando seqüência a este raciocínio, responsabilidade é tomar para si o que ou a qual circunstância se apresente, efetuando uma resposta a qual se espera tornar-se eficaz.


Este destaque jurídico exprime o pensamento que esta responsabilidade não possui uma roupagem contratual apenas. Respondem à hotelaria, prescrição e fornecimentos de medicamentos, atendimento, limpeza e conservação. Não há, limpidamente, um serviço ou um contrato de saúde em que estes elementos sejam levados em consideração na ida a um hospital público.


A população que se utiliza desta instituição, em grande parte, deseja ser atendido, ter seu problema solucionado e sair com seu medicamento em mãos. Mas, com a falência inequívoca, a real expectativa resume-se em ser atendido, só. Ausentam-se direitos à limpeza (destaque para centros de excelência como o Hospital Pedro Ernesto, ligado a UERJ, aonde seu lixo hospitalar se espalha pelos corredores), profissionais presentes, aparelhos funcionando, etc., porque para esta parcela populacional, há o entendimento que é uma obrigação dos governantes, que os hospitais estejam funcionando, todavia, se fosse um atendimento pago, todos os recursos estariam lá. Os mesmos deveriam estar disponíveis, porque há a contribuição desta população, mas como a administração pública não é independente, os direitos resumem-se em ser atendido, só, sem proporção ou medida correta.


A ausência de clareza neste contrato faz com que decisões simples, recepcionadas pelo código vigente sejam levadas às ultimas circunstâncias, em recursos e decisões objetivas. Carece de substancialidade a relação de prestação entre os entes de saúde e seus atendidos.


Até os dias hodiernos, existe claramente um distanciamento entre médicos por se acharem, inúmeras vezes, “Deuses”, na solução de mazelas e problemas de qualquer espécie. Como então, fazer com que esta parcela profissional tenha a visão certa de sua responsabilidade?


Comum é que estes profissionais transfiram sua responsabilidade a outros fatores (humanos, técnicos, políticos) e não a eles mesmos, mas com as mudanças tecnológicas e canais de informação, ouvidorias e outros, esta “divindade atribuída ao médico” passa a ter fim e em seu lugar surge outro fator: a de que a responsabilidade civil é dos entes de saúde e não dele, profissional inserido neste universo.


Esta responsabilidade absorve esta característica, pois em profissões específicas, não se tem o caráter de subordinação no contrato entre paciente e profissional, e sim entre médico e instituição, sendo esta última, portanto, a acionada em casos de indenização, culpa, negligência, imperícia ou imprudência.


A responsabilidade constitucional e civil que decorre da ação humana tem como pressupostos a existência de uma conduta voluntária, o dano sofrido pela vítima, sendo este patrimonial ou não patrimonial, a relação de causalidade entre o dano e o agente, o fator de atribuição da responsabilidade pelo dano do agente, sua natureza objetiva ou subjetiva.


No tocante a eficácia positiva ou sistemática, visando o cumprimento da saúde universal se torna importante frisar que há uma gama de efeitos isolados ideais da norma as modalidades de eficácia negativa, interpretativa e vedativa do retrocesso.


 No entendimento de Ana Paula de Barcellos, o Poder Público não pode tomar decisões prejudiciais à saúde da população, que possam vir a serem anuladas pelo Judiciário. Ademais, dentre as várias interpretações de um ato normativo, deverá ser escolhida a que mais amplamente realiza o propósito de atender a saúde da população em geral e dos indivíduos em particular. E, por fim, não poderá o Poder Público extinguir uma ação, ou revogar uma norma, que proporcione um determinado benefício ou prestação na área da saúde, reduzindo o status geral já alcançado na matéria, sem uma medida correspondente ou substituta, sob pena de agir inconstitucionalmente. [1]


Os efeitos isolados globais, e discriminados acima, são medidas nas quais o Poder Judiciário poderá implementar. Ele deve determinar o fornecimento das prestações de saúde, mas não poderá fazê-lo em relação a outras que estejam fora do conjunto, exceto quando as opções políticas dos poderes constituídos hajam sido juridicizadas.


 É notório o dever do Judiciário em determinar o fornecimento do mínimo existencial, em decorrência das normas fundamentais já mencionadas – dignidade humana e saúde, implementando opções jurídicas, na forma de leis editadas, além do mínimo existencial.


 Tratar do mínimo existencial requer uma análise restritiva e detalhada. Na mente de um juiz togado, é necessário levar em conta não só a sua atuação, como as impressões psicológicas obtidas ao se deparar com um caso específico, pois cada situação é vista de forma diversa do orçamento e necessidades da população, que não são visíveis naquele momento, tendo uma percepção distorcida, quer pela incredulidade do magistrado, como ainda, pela fundada dúvida de que os recursos públicos estejam sendo corretamente utilizados na promoção da saúde básica. Na verdade, é uma tarefa delicada para o juiz deixar de ceder à tentação de dar uma solução jurídica localizada e individual a um problema cujo espaço de discussão é essencialmente político. [2]


 Cria-se, com o entendimento da ilustre autora, a conclusão de que se instaura um ciclo vicioso. A autoridade pública se exime de executar o que lhe é um dever, sob a alegação de que deve aguardar as decisões judiciais, ou a insuficiência de recursos para fazê-lo, tendo em vista o que é gasto para cumprir tais decisões.


  A saúde básica não é acudida nem pelo Poder Público, embora seja um dever jurídico imposto pela Constituição Republicana de 1988, tampouco pelo Judiciário. Quanto ao Poder mencionado por último, as decisões judiciais acabam transformando-se em veículos de uma tradicional ação de distribuição de renda, na sociedade: todos custeiam, sem que tenham decidido fazê-lo, determinadas necessidades de alguns, que tiveram condições de buscar o Judiciário e obtiveram uma decisão favorável. No caso do mínimo existencial, há sim, uma decisão política fundamental – constitucional, pela qual toda a sociedade de comprometeu a custeá-lo visando assegurar, pura e simplesmente, a dignidade humana.


 Para Ana Paula de Barcellos, a falta de exposição pública das deficiências da saúde básica acaba por produzir um resultado perverso, que é fazer com que ninguém pareça se sentir pessoalmente responsável pela escolha igualmente trágica de investir os recursos em outras prioridades, deixando as pessoas totalmente ao relento. Como se tais decisões houvessem sido tomadas por alguma modalidade contemporânea de mão invisível, e não pelos seres humanos; como se não tratasse, afinal, de uma decisão, mas de uma fatalidade, ou no máximo de uma culpa social, coletiva, difusa e inconsistente. [3]


A realidade, na leitura do parágrafo anterior, é que, de uma forma, ou de outra, sempre haverá uma decisão que priorizará determinadas situações de necessidade, em detrimento de outras. Tal fato se conflitua com o próprio conceito de dignidade: A dignidade não é igual para todos? A saúde não é um bem precioso? O que poderia ser exigido judicialmente e o que não poderia ser? Se todos são igualmente dignos, é possível proceder a qualquer distinção, com base em argumentos pessoais e particulares?.


Outro questionamento é a aplicabilidade do CODECON (Código de Defesa do Consumidor), aos casos trazidos a baila neste artigo. A Constituição Brasileira, o artigo 170, inciso V, dispõe que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos, existência digna, conforme os ditames da justiça social, observando-se a defesa do consumidor.


Como remate, o artigo 196, prevê que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco da doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”.


O artigo 10, do Código de Defesa do Consumidor, dedicou uma seção inteira à proteção da saúde, determinando que “o fornecedor não pode colocar no mercado de consumo produto ou serviço quer sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança”.


Partindo da análise do artigo 196, da Constituição Federal, qualquer lei integradora que venha a contrariar tal dispositivo será inconstitucional, cabendo ao legislador ordinário cumprir a tarefa, razão pela qual é plenamente cabível a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, nas ações promovidas pela coletividade, por falhas na prestação da saúde, isso porque toda norma constitucional possui eficácia, e gera, conseqüentemente efeitos.


 Para que se atenda ao princípio constitucional da dignidade humana, bem como aos demais, torna-se necessário incluir prestações de saúde, de suma necessidade de todos os indivíduos, para que todos tenham direito ao conjunto comum e básico das prestações, podendo exigi-los, em caso de descumprimento ou prestação indevida pelos entes, levando em consideração o modo de política de cada localidade e jurisdição. O importante é que todos desfrutem das prestações possíveis e necessárias para a prevenção e recomposição de seu estado de saúde.


Cabe ainda aos entes, fornecerem verbas e colocarem à disposição da população profissionais qualificados, que necessitam de materiais, equipamentos específicos, medicamentos e instalações decentes e limpas, visando o atendimento às pessoas de parcas posses, e aumentando a chance de um diagnóstico perfeito, reduzindo os óbitos e os atos providos de negligência, imprudência e imperícia aos pacientes.


O desdém no repasse das verbas à saúde vem ocasionando a trágica realidade nos dias atuais, envolvendo as redes públicas de saúde, e que poderá ser resolvido com a união dos Poderes Legislativo e Judiciário, ao adotar medidas corretas no atendimento à população e no julgamento das decisões, casos estes diametralmente opostos, que ensejam uma gama de decisões diversas, mas que podem ser solucionados, partindo-se de dois pressupostos: o repasse de verbas suficientemente precisas e tornar eficaz e de primordial importância, os Princípios e garantias fundamentais, bem como a aplicação de leis, tais como a do SUS e o Código de Defesa do Consumidor.


Há de ser respeitada, acima de tudo, a vida das pessoas, a dignidade, a igualdade, o direito ao mínimo existencial – saúde, o respeito ao sofrimento das pessoas que são obrigadas a percorrerem uma verdadeira maratona para serem diagnosticados, submetidos a intervenções cirúrgicas e tratamentos, terem remédios específicos às patologias enfrentadas.


Quanto aos profissionais da área da saúde, agentes em serviço da Administração, a negligência é gritante, em alguns casos. Todavia, o índice de danos causados e de óbitos reduzia, com sagaz abrangência, se os mesmos profissionais exercessem suas atividades laborais em locais adequados, com os equipamentos em funcionamento, em cada área, específicas, em recintos limpos, organizados, etc, o que não ocorre nos dias atuais.


 


Notas:

[1] BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 273.

[2] Op. cit, p. 273.

[3] Op. cit., p. 279.

Informações Sobre o Autor

Amanda de Abreu Cerqueira Carneiro

Advogada – Pós-Graduada em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá – Redatora responsável pelos impressos jurídicos de uma grande editora à nível nacional (COAD) – Membro da Equipe Técnica ADV dessa empresa – Consultora jurídica.


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Equipe Âmbito Jurídico

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