Resumo: O texto aborda inicialmente o conceito de licitação e sua obrigatoriedade para o Estado para então de forma técnica explanar as implicações jurídicas que seriam causadas face à responsabilização do Estado pela realização de licitação irregular.
Licitação, segundo o autor Carlos Pinto Coelho Motta[1], é
“procedimento administrativo pelo qual a Administração Pública, obediente aos princípios constitucionais que a norteiam, escolhe a proposta de fornecimento de bem, obra ou serviço mais vantajosa para o erário”.
Ainda para o mesmo autor, a licitação constitui instrumento que dispõe o Poder Público para coligir, analisar e avaliar comparativamente ofertas, com a finalidade de julgá-las e decidir qual será a mais favorável[2].
A obrigatoriedade da licitação deriva, inicialmente, de imposição constitucional e do princípio da legalidade. Neste sentido, o voto do I. desembargador do Estado de São Paulo, José Luiz Germano, ao decidir a apelação nº 0004146-65.2009.8.26.0456:
“A obrigatoriedade da licitação é ordem de âmbito constitucional e a sua dispensa sem justificativa viola toda a coletividade. (…)
Não realizando a licitação, o administrador público viola de início o princípio da legalidade por ferir o artigo 37, XXI, da Carta Magna e a Lei 8.666/94 que rege a matéria em seus artigos 23, § 1º e 24.” [3]
Sobre o mesmo tema, nos ensina Lucas Rocha Furtado, em seu Curso de Licitações e Contratos Administrativos[4], que a importância da obrigatoriedade de licitação pode ser aferida quando a elevam à categoria de princípio da Administração Pública.
Sendo assim, dúvidas não pairam quanto à obrigatoriedade do Estado de licitar.
Por consequência, o ato de licitar mostra-se vinculado, por não deixar margem de discricionariedade ao agente público que o pratica, já que esta deve ser realizada nos exatos termos da Lei 8666/93, e é uma espécie de ato preparatório para a realização de um contrato administrativo. Ora, se assim não o fosse, perderiam o sentido os princípios que regem a licitação, que, segundo Wellington Pacheco Barros[5], são os seguintes: igualdade, legalidade, impessoalidade, moralidade e probidade, eficiência, publicidade, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo, da adjudicação compulsória, contraditório, ampla defesa e dupla instância administrativa.
Suplantadas as questões da obrigatoriedade e vinculação em relação à licitação, passamos a análise da responsabilidade do Estado em licitações, especificamente.
Pela teoria do Risco Administrativo, adotada na íntegra pelo ordenamento jurídico brasileiro, cabe ao Estado indenizar quaisquer danos que venha causar a terceiros, independentemente de dolo ou culpa. Basta que se configure, para imputar responsabilidade ao Estado, dano e nexo de causalidade a partir de conduta ou omissão estatal.
Neste sentido, a jurisprudência do Pretório Excelso:
"A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público. Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal.[6]
No procedimento licitatório não há que ser diferente. Na lição do supracitado autor Wellington Pacheco Barros[7], a licitação gera, inclusive, direito público subjetivo ao licitante, in verbis:
“A licitação é um ato administrativo formal vinculante para a Administração Pública. Em sentido oposto a esta afirmação, pode-se dizer que todo aquele que participar de uma licitação promovida por órgãos ou entidades com capacidade licitatória (poderes da União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundos especiais e entidades controladas diretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios) adquire por força de lei (artigo 4º da Lei 8666/93) direito público subjetivo.
Direito subjetivo, no conceito substantivo, é a prerrogativa que alguém possui de exigir de outrem a prática ou abstenção de certos atos, ou o respeito a situações que lhe aproveitam. Direito público subjetivo, portanto, é quando essa prerrogativa assume referendo estatal positivo ou negativo, devendo o Estado protegê-lo e não podendo atentar contra sua existência.”
O artigo 49 da Lei 8666/93 prevê[8] a possibilidade que tem a autoridade competente para revogar ou anular a licitação.
No tocante à anulação, que, no direito administrativo compreende tanto a anulabilidade como a nulidade propriamente dita, nos ensina Marçal Justen Filho[9], em seus Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, que
“Em termos gerais, a nulidade consiste em um desencontro de uma conduta concreta perante um modelo normativo. O ato concreto não corresponde ao figurino legal, o que acarreta uma conseqüência, usualmente caracterizada como uma “sanção”. Podem-se distinguir os vícios conforme a gravidade da “sanção”. Existem três modalidades de “sanções” para vícios de atos ocorridos no curso da licitação.
Em uma ordem crescente de gravidade de sanção, pode-se aludir primeiramente à mera irregularidade, Verifica-se quando a ofensa ao dispositivo normativo seja inapta a acarretar lesão a interesse público ou particular.”
Nesta primeira hipótese, a doutrina e a jurisprudência são pacíficas no sentido de que quando não houver prejuízo, não há que se falar em responsabilidade, já que, ausente um dos requisitos essenciais para configurar a responsabilidade objetiva: o dano. É a materialização do princípio francês pas de nullité sans grief.
No entanto, caso a anulação (aqui englobando-se a nulidade e a anulabilidade) do procedimento licitatório resulte em algum prejuízo ao licitante, é clara a responsabilidade e o dever de indenizar do Estado, até mesmo pelo previsto no artigo 59 da Lei 8666/93.
Mais uma vez reportando a Marçal Justen Filho[10], podemos definir que
“A nulidade absoluta da licitação ou do contrato não podem ser opostas ao particular, se ele estava de boa-fé. Mais precisamente, podem ser opostas a ele, porém não eliminam a responsabilidade civil do Estado. A Administração deverá arcar com os efeitos dos atos viciados que praticou e que afetaram terceiros de boa-fé.
É inconstitucional, por isso, a restrição imposta no parágrafo único do art. 59. A Administração tem o dever de indenizar o contratado não apenas “pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada”. O particular tem direito de ser indenizado amplamente pelas perdas e danos sofridos. Indenizar apenas o que ele tiver executado significaria restringir o ressarcimento apenas de uma parte dos danos emergentes, o que conflita com o artigo 37§6º da CF/88.” [11]
E ainda:
“Mantendo o terceiro na ignorância acerca do vício e percebendo a prestação derivada do contrato (nulo), a Administração terá o dever de indenizá-lo integralmente. Terá de desembolsar o preciso valor previsto no contrato (nulo), o que corresponderá às perdas e danos devidas ao contratante.”
Ressaltando a posição do Egrégio Superior Tribunal de Justiça acerca do tema:
“(…) 7. O dever de a Pessoa Jurídica de Direito Público indenizar o contratado pelas despesas advindas do adimplemento da avença, ainda que eivada de vícios, decorre da Responsabilidade Civil do Estado, consagrada constitucionalmente no art. 37, da CF.
8. Deveras, "… se o ato administrativo era inválido, isto significa que a Administração, ao praticá-lo, feriu a ordem jurídica. Assim, ao invalidar o ato, estará, ipso fato, proclamando que fora autora de uma violação da ordem jurídica. Seria iníquo que o agente violador do direito, confessando-se tal, se livrasse de quaisquer ônus que decorreriam do ato e lançasse sobre as costas alheias todas as conseqüências patrimoniais gravosas que daí decorreriam, locupletando-se, ainda, à custa de que, não tendo concorrido para o vício, haja procedido de boa-fé. Acresce que, notoriamente, os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade. Donde quem atuou arrimado neles, salvo se estava de má-fé (vício que se pode provar, mas não pressupor liminarmente), tem o direito de esperar que tais atos se revistam de um mínimo de seriedade. Este mínimo consiste em não serem causas potenciais de fraude ao patrimônio de quem neles confiou – como, de resto, teria de confiar.” (Celso Antônio Bandeira de Mello, in “Curso de Direito Administrativo”, Malheiros, 14ª ed., 2002, p. 422-423).
9. Assim, somente se comprovada a má-fé do contratado, uma vez que veda-se-lhe sua presunção, restaria excluída a responsabilidade da União em efetivar o pagamento relativo à “Operação Patrícia”, matéria cuja análise é insindicável por esta Corte Superior, ante a incidência do verbete sumular n.º 07, tanto mais quando o Tribunal de origem, com cognição fática plena, afastou a sua ocorrência.
10. Recurso que implica na análise não só do contrato como também dos fatos, violando as Súmulas n.ºs 05 e 07, do E. STJ.
11. Deveras, é princípio assente no ordenamento que "Tendo havido intuito de prejudicar a terceiros, ou infringir preceito de lei, nada poderão alegar, ou requerer os contratantes em juízo quanto à simulação do ato, em litígio de um contra o outro, ou contra terceiros" (art. 104, do Código Civil de 1916), motivo pelo qual, veda-se à União, beneficiando-se da própria torpeza, consubstanciada na simulação perpetrada com a finalidade de manipular o mercado do café, alegar a nulidade do contrato sub examine.
12. Ademais, caberia à União, uma vez verificada a suscitada ilegalidade do contrato, responsabilizar os agentes públicos que se diz terem exorbitado de seus poderes bem como pleitear, pela via judicial própria, a anulação da avença, destaque-se, firmada há mais de 20 (vinte) anos.
13. Recurso especial conhecido, mas desprovido.” [12]
Por fim, lembramos que, de acordo com os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, por óbvio, o particular sempre deverá ser ouvido em caso de desfazimento de licitação.
Advogada
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