Responsabilidade pela implementação de medidas preventivas de segurança e medicina do trabalho

Em matéria trabalhista, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, expressões consagradas pelo artigo 225, caput, da Carta Política de 1988, está diretamente ligado à saúde do trabalhador, ou seja, à implantação de medidas preventivas contra os acidentes do trabalho e as enfermidades profissionais.


Daí, o artigo 200, inciso VIII, da mesmo Carta Política, atribuir ao sistema único de saúde o dever colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.


No mesmo sentido, o artigo 7º, da Constituição da República, assegura ao trabalhador, dentre outros que visem à melhoria de sua condição social, o direito à “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (inciso XXII).


Também a OIT, adotando rígida política de proteção do operário, aprovou a Convenção nº. 155/81, ratificada pelo Brasil, que determinou no art. 4º a definição e execução de uma política nacional que vise “prevenir os acidentes e os danos para a saúde que sejam conseqüência do trabalho, guardem relação com a atividade profissional ou sobrevenham durante o trabalho, reduzindo ao mínimo, na medida do possível, as causas dos riscos inerentes ao meio ambiente do trabalho”.


A ordem econômica, por sua vez, funda-se na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, assegurando a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios da defesa do meio ambiente, da função social da propriedade e da busca do pleno emprego, entre outros insertos na disposição do artigo 170, da Carta Magna de 1988.


O eminente José Afonso da Silva, ao comentar o referido dispositivo, ensina que a Constituição consagra uma economia de mercado, de natureza capitalista, no entanto, “a ordem econômica dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado. Conquanto se trate de declaração de princípio, essa prioridade tem o sentido de orientar a intervenção do Estado na economia, a fim de fazer valer os valores sociais do trabalho que, ao lado da iniciativa privada, constituem o fundamento não da ordem econômica, mas da própria República Federativa do Brasil (art. 1º, IV)”.[1]


Não há como se falar em valorização do trabalho humano, sem respeito ao Meio Ambiente, do qual o do trabalho é fração, igualmente protegido pelo artigo 225 da Constituição da República.


Se é certo que o legislador constituinte preocupou-se com a higidez do empregado (artigos 1º, 7o e 170), não é menos certo dizer que o legislador infraconstitucional imputou ao empregador o dever de cumprir as normas de segurança e medicina, inclusive aquelas fixadas pelo Ministério do Trabalho (artigos 157, I e III, e 200 da CLT). Assim, como se vê, o trabalho seguro não é apenas um princípio, mas sim uma obrigação concreta de todo o empregador.


Após esse breve intróito, passemos então à análise do tema da responsabilidade do tomador de serviços pela implementação das medidas de segurança e medicina do trabalho.


Tomador de serviços, como se sabe, é aquele que tem à sua disposição os serviços de um terceiro, chamado de prestador de serviços, colocado através de interposta empresa ou pessoa física, independentemente de existir ou não os elementos essenciais do liame empregatício.


Na verdade, as figuras do tomador de serviços e do prestador de serviços inserem-se no contexto maior da terceirização de serviços, ora utilizada para aperfeiçoar a cadeia produtiva, ora utilizada como mecanismo de redução de custos.


Então, partindo-se desta premissa, é correto dizer que a prestação de serviços leva à conversão dos esforços próprios e de terceiros para um resultado comum na cadeia de produção, qual seja, um produto ou um serviço pronto e acabado.


Justamente porque esta junção de esforços leva a um produto ou serviço final, que é colocado pelo tomador dos serviços à disposição da sociedade para consumo, é que se criou a figura da responsabilização do tomador dos serviços pelos serviços tomados durante a cadeia produtiva, da qual é exemplo concreto o Enunciado nº 331 do TST.


Entretanto, o Enunciado 331 do TST parte da premissa da efetiva ocorrência de um dano, ou seja, do inadimplemento das verbas trabalhistas pela interposta empresa. Pode-se afirmar então que Enunciado apenas proporciona a reparação do dano, sem atentar para os aspectos preventivos do ordenamento pátrio.


Embora seja resultado de uma interpretação sistemática do ordenamento trabalhista, tal Enunciado privilegia a tutela reparatória do dano em detrimento da tutela inibitória da ação degradante dos contratos de prestação de serviços.


Como já asseverado anteriormente, a Carta Magna dá especial relevo à iniciativa privada, colocando-a no mesmo patamar da dignidade da pessoa e sobreleva o meio ambiente, como direito intransponível da sociedade, nele incluído o meio ambiente laboral.


Raras são as normas legais prevendo a responsabilidade das tomadoras dos serviços pela implementação das medidas preventivas de segurança e medicina do trabalho, como é o caso da Lei nº 12.971/98 do Estado de Minas Gerais, que prevê a responsabilidade das instituições financeiras por medidas de segurança de seus vigilantes, como o  fornecimento de coletes à prova de balas, a instalação de portas giratórias com detectores de metais e de vidros laminados e resistentes ao impacto de projéteis.


Não obstante a Consolidação das Leis do Trabalho não trate especificamente da responsabilidade da empresa tomadora dos serviços pela implementação das medidas de segurança e medicina do trabalho, até mesmo porque surgiu numa época em que a terceirização era incipiente, proporciona parâmetros para que se exija delas as medidas preventivas.


Assim, o art. 154 da CLT determina a observância em todos os locais de trabalho das normas relativas à segurança e medicina do trabalho, sem qualquer distinção entre o estabelecimento próprio e o da contratante dos serviços. O art. 157 celetizado estatui, ainda, que cabe às empresa cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho. E, ainda, o parágrafo primeiro do art. 19 da Lei nº 8.213/91 assinala que a empresa é responsável pela adoção e uso de medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador.


Dentro do poder regulamentar previsto no art. 155 da CLT, foram editadas as Normas Regulamentadoras – NR, aprovadas pela Portaria nº 3.214, de 8 de junho de 1978, cuja NR-1 estabelece as disposições gerais, deixando claro no item 1.1 que as normas regulamentadoras – NR, relativas à segurança e medicina do trabalho, são de observância obrigatória pelas empresas privadas e públicas e pelos órgãos públicos de administração direta e indireta, que possuam empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho. Já o item 1.1.1, por sua vez, determina que “as disposições contidas nas Normas Regulamentadoras – NR aplicam-se, no que couber, aos trabalhadores avulsos, às entidades ou empresas que lhes tomem os serviços e aos sindicatos representativos das respectivas categorias profissionais”.


Com razão, não haveria sentido em se excluir os terceirizados do rol de empregados sujeitos às regras protetivas de segurança e medicina do trabalho, vez que o art. 7º, XXII, assegura a todos os trabalhadores, indistintamente, redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.


Evanna Soares vai mais longe e propõe a responsabilização de qualquer interessado no resultado do trabalho alheio, in verbis:


A Súmula 331, do Tribunal Superior do Trabalho, reconhece o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços quando a terceirização se der fora dos permissivos legais, salvo quando se tratar de órgãos públicos, e estabelece que a mora das obrigações trabalhistas pelo empregador leva à responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, desde que tenha participado da relação processual e seu nome conste da sentença judicial condenatória. O espírito dessa Súmula poderia ser aproveitado para definir a responsabilidade pela saúde e segurança dos trabalhadores, e traria relativa satisfação se o meio ambiente do trabalho fosse um singelo direito trabalhista.


Mas, como se demonstrou retro, tal não ocorre: seu status é de direito humano, reconhecido na própria Constituição, que, assim, há de ser ressalvado, sem condicionamentos a reconhecimento de vínculo empregatício, muito menos a obstáculos processuais. Então, seguindo a linha de pensamento defendida neste trabalho, serão responsáveis pelas boas condições de ambiente de trabalho, solidariamente, todos os envolvidos na cadeia produtiva. Portanto, deve zelar pelo cumprimento das normas de saúde e segurança no trabalho o próprio contratante, trate-se de locação de serviços regular ou não, fazendo constar, inclusive, do contrato com a empresa prestadora de serviços, cláusula de respeito a esse direito, sob pena de rescisão do negócio. Deve cuidar do respeito ao mesmo direito o empregador direto, obviamente, como empregador que é . também deve respeitar o meio ambiente do trabalho o terceiro que ceda ou alugue  o espaço para desenvolvimento dos trabalhos, pois estará obtendo proveito econômico da situação e tem a incumbência geral de defender e preservar o meio ambiente como um todo. São todos co-responsáveis pela defesa do meio ambiente do trabalho.”[2]


Noutro vértice, se o tomador dos serviços responde pela eventual conseqüência financeira de um acidente de trabalho ou uma doença ocupacional, com muito mais razão deve ser responsabilizado pela implementação das medidas preventivas, pois o bem maior é a incolumidade e a integridade do trabalhador. Prefira-se, pois, a inteligência dos textos que torne viável o seu objetivo, em vez da que os reduza à inutilidade.


Assim sendo, se o tomador dos serviços responde por um dano, este pressupõe uma conduta inadequada, que, se fosse regular, não ocasionaria o dano. Isto implica dizer que tudo que se diz da responsabilização pelo dano, também deve ser aplicado às medidas de prevenção, pois são elos de um mesmo fato.


A doutrina e a jurisprudência, supedaneados no parágrafos 3º do artigo 225 da Carta Magna e no parágrafo primeiro da  Lei 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), vêm afirmando ser objetiva a responsabilidade pelos danos ao Meio Ambiente, independente de culpa ou da licitude do ato.  Neste sentido, pontua Raimundo Simão de Melo, in verbis:


Quanto à responsabilidade pelo dano ambiental genericamente considerado, a responsabilidade é objetiva, como corolário de uma tendência mundial nesse sentido. Quanto a essa modalidade de responsabilidade civil, não há mais dúvida no sistema jurídico brasileiro. A base desta assertiva tem sede na Constituição Federal ( art. 225, § 3º ), cuja disposição está assim vazada: ‘As condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.’


Antes de 1988, já assegurava a legislação ordinária ( § 1º do art. 14 da Lei nº 6.938/81 ) a responsabilidade civil objetiva do poluidor, verbis: ‘sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade’ ( grifado ) (…)


É importante sublinhar neste particular o entendimento de que, em tendo sido recepcionada a referida Lei nº. 6.938/81 pela Constituição Federal brasileira de 1988, está também consagrada a responsabilidade objetiva do causador do dano ambiental no que diz respeito aos interesses individuais pelo dano ao meio ambiente, além, evidentemente, dos metaindividuais, como preleciona Carlos Roberto Gonçalves: No campo da responsabilidade civil, o diploma básico em nosso país é a ‘Lei de Política do Meio Ambiente’ ( Lei nº 6.938, de 31.8.1991), cujas principais virtudes estão no fato de ter consagrado a responsabilidade objetiva do causador do dano e a proteção, não só aos interesses individuais, como também aos supra individuais ( interesses difusos, em razão da agressão ao meio ambiente em prejuízo de toda a comunidade ), conferindo legitimidade ao Ministério Público para propor a ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente.”[3]


Destaca-se, no mesmo sentido, o magistério de Júlio César de Sá da Rocha, verbis:


O meio ambiente de trabalho deve ter  um tratamento consoante ao sistema jurídico imposto ao meio ambiente pela Carta Constitucional (CF/88, art.225). Os princípios do direito ambiental constitucional têm que ser aplicados inteiramente à ambiência  do trabalho, inclusive para que se dê maior unidade e harmonia à estrutura do sistema, facilitando o conhecimento e interpretação do meio ambiente. (….) A regra e a interpretação mais lógica que deve-se ter em relação ao meio ambiente de trabalho é que seus dispositivos tutelam o meio ambiente e possuem eficácia plena e imediata. (…) Em relação a degradação no ambiente de trabalho deve prevalecer o princípio do poluidor/pagador e da responsabilidade objetiva quando se tratar de poluição na ambiência de trabalho….[4]


Poder-se-ia argumentar que a responsabilidade do tomador de serviços é subsidiária, sendo primeiro necessário acionar a empresa prestadora dos serviços. Todavia, é totalmente desarrazoada tal assertiva, porque, se o trabalhador terceirizado presta serviços dentro do ambiente da empresa tomadora de serviços, como ocorre na maioria das vezes, é esta que deve adequar seu meio ambiente laboral a fim de torná-lo seguro e salubre, além de que a responsabilidade é objetiva e extracontratual, sendo desnecessário demonstrar a existência de culpa da prestadora dos serviços.


Por ser hipótese de responsabilidade objetiva, não tem qualquer influência o fato de a contratação por terceirização  ser lícita ou ilícita. Com razão, pois a licitude não afasta a responsabilidade e a ilicitude torna mais evidente o dever de propiciar um meio ambiente laboral adequado, pois o trabalhador deveria ser contratado diretamente pela tomadora dos serviços.


Ressalte-se ainda que a responsabilidade por danos ao meio ambiente e à saúde do trabalhador, nos casos de terceirização, é solidária, conforme artigos 932, 933 e 942 do Código Civil, estatuindo este último que “se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação”.


Em que pese todas estas considerações, o certo é que na prática as empresas têm adotado uma política de redução de custos, as quais privilegiam os empregados próprios em detrimento dos terceirizados, deixando de dar a estes treinamento, equipamentos de proteção individual, entre outras tantas medidas de segurança e medicina do trabalho.  Criam assim trabalhadores de segunda categoria, que são alijados de direitos básicos em razão de sua condição. Tanto assim que as estatísticas têm mostrado a existência de um número bem superior de acidentes de trabalho com os terceirizados.


Para corrigir tais irregularidades no meio ambiente do trabalho, se as medidas administrativas da fiscalização do trabalho não bastarem, a ação civil pública é meio processual adequado para propiciar a regularização do meio ambiente, podendo ser proposta em face da prestadora  ou da tomadora dos serviços ou de  ambas em litisconsórcio passivo, já que a regularização pode ser exigida de qualquer delas, em razão da solidariedade.


Nos termos do art. 5º da Lei nº 7.347/85, tanto o Ministério Público do Trabalho quanto os sindicatos profissionais estão legitimados para a propositura de ações civis públicas. Entretanto, raros são os exemplos de ações coletivas ajuizadas em face das tomadoras de serviços para pedir a adequação do meio ambiente do trabalho para os terceirizados, o que precisa ser rapidamente repensado devido ao avanço da terceirização. Veja-se, a propósito, o seguinte acórdão, verbis:


ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – RESPONSABILIDADE PELA FISCALIZAÇÃO E CUMPRIMENTO DOS ENCARGOS ASSUMIDOS PELOS CONTRATADOS.


É dever legal da Administração Pública acompanhar e fiscalizar a execução dos contratos celebrados com terceiros, bem como rescindi-los unilateralmente em caso de descumprimento de suas cláusulas. ( Recurso Ordinário 00805-2002-003-22-00-2 – TRT da 22ª Região – Pleno – Relatora Des. Laércio Domiciano – j. 15/07/2003 )


Em resumo, pode-se concluir:


1) Todos os trabalhadores, próprios ou terceirizados, possuem direito a um meio ambiente do trabalho adequado, de modo a preservar-lhes a incolumidade e a integridade física e psíquica.


2) Tanto a empresa prestadora dos serviços como o tomadora dos serviços são responsáveis, de forma objetiva e solidária, pela adequação do meio ambiente do trabalho.


3) Sendo insuficientes as medidas administrativas da fiscalização do trabalho, poderão ser acionadas judicialmente  pelo Ministério Público do Trabalho e os sindicatos profissionais tanto a empresa tomadora quanto a empresa prestadora dos serviços


 


Notas:

[1] SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª edição, Malheiros Editores, p. 668

[2] SOARES, Evanna. Ação Ambiental Trabalhista. Ed. Sérgio Antônio Fabris, 2004, p. 97

[3] MELO, Raimundo Simão. Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador. 2ª ed. LTr, 2006, p. 191/2

[4] ROCHA. Júlio César de Sá. Meio Ambiente de Trabalho, publicado na Revista Trabalho & Doutrina, Vol.11, pp.104/111

Informações Sobre o Autor

Fábio Lopes Fernandes

Procurador do Trabalho no Ofício do Ministério Público do Trabalho em Uberlândia


Equipe Âmbito Jurídico

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