Resumo: o art. 135, III, do CTN apresenta inúmeras polêmicas. O objetivo do presente artigo é fixar as aporias e alternativas exegéticas no que tange a dois pontos: natureza dos atos provocadores da responsabilidade dos administradores e a própria natureza da responsabilidade dos administradores. Também serão analisados problemas periféricos, tais como a distinção sócio e sócio-gerente, encargo probatório, dissolução irregular da sociedade, dentro outros pontos. A pesquisa, assim, valer-se-á da mais moderna doutrina e de subsídios jurisprudenciais.
Palavras-chave: Direito tributário. Responsabilidade tributária. Administradores.
Abstract: The art. 135, III, of CTN presents numerous controversies. The aim of this paper is to lay the exegetical aporia and alternatives with respect to two points: the nature of the provocative acts of liability of directors and the very nature of the liability of directors. Also be analyzed peripheral problems, such as distinguishing a partner and managing partner, evidential burden, irregular dissolution of society in other places. The research, thus, use will be the most modern doctrine and jurisprudential allowances.
Keywords: Tax Law. Tax liability. Administrators.
Sumário: Proêmio; 1 Incursão necessária: aspectos pontuais sobre a responsabilidade tributária em sentido estrito; 1.1 Conceito de responsabilidade tributária em sentido estrito; 1.2 Espécies de responsabilidade tributária; 2 O art. 135, III, do CTN: aporias, alternativas exegéticas e tentativas de solução; 2.1 O art. 135, III, do CTN; 2.2 Delimitação precisa das aporias e alternativas exegéticas referentes ao art. 135, III, do CTN; 2.3 Primeira aporia: natureza dos atos ensejadores da responsabilidade dos administradores; 2.4 Segunda aporia: natureza da responsabilidade dos administradores; 2.4.1 Nossa opinião; 2.5 Problemas periféricos atinentes ao art. 135, III, do CTN; 2.5.1 Distinção impostergável: sócio e sócio-gerente; 2.5.2 Dissolução irregular de sociedade; 2.5.3 Dolo e culpa; 2.5.4 Administrador de fato e administrador de direito; 2.5.5 Sentido das expressões “diretores”, “gerentes” e “representantes”; 2.5.6 Intelecção das expressões “excesso de poderes” e “infração de lei, contrato social ou estatutos”; 2.5.7 Obrigações tributárias acessórias e obrigações tributárias principais; 2.5.8 Falência e responsabilidade dos administradores; 2.5.9 Encargo probatório; 3 Breves comentários sobre o redirecionamento da execução fiscal; Considerações finais.
PROÊMIO
O art. 135, III, do Código Tributário Nacional (CTN) trata, sinteticamente, da responsabilidade tributária dos administradores de pessoas jurídicas Em epítome, estabelece-se a responsabilidade pessoal dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado pelos créditos atinentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto. Referido preceptivo legal é objeto de intensas disputas hermenêuticas, tanto no plano doutrinário, quanto no plano jurisprudencial. O tema, portanto, afigura-se de extrema importância, precipuamente em razão das conseqüências práticas que podem advir pelas opções assumidas pelo hermeneuta. Destarte, a responsabilidade dos administradores prevista no art. 135, III, do CTN, é cercada por aporias e alternativas exegéticas, que serão, ao longo do presente estudo, apresentadas e enfrentadas.
O eixo problemático principal da presente pesquisa reside na investigação acerca da natureza dos atos ensejadores da responsabilidade tributária dos administradores e da natureza da própria responsabilidade dos administradores, sempre se tendo por perspectiva o art. 135, III, do CTN. Problemas periféricos serão, outrossim, analisados, dada a importância que têm para o deslinde das controvérsias registradas.
Logo, com o intento de se cumprir a contento o escopo traçado, o presente estudo está do seguinte modo estruturado: (i) de intróito, faz-se necessária uma incursão nas pontualidades atinentes à responsabilidade tributária, tais como o conceito de responsabilidade tributária, as espécies de responsabilidade tributária – transferência e substituição e suas respectivas subespécies – dentre outros pontos correlatos; (ii) após essa introdução à responsabilidade tributária, adentrar-se-á o núcleo primordial da pesquisa, consistente na perquirição, consoante já apontado, da natureza dos atos propiciadores da responsabilidade dos administradores e da natureza da responsabilidade dos administradores; é nesse compartimento que emergirão as aporias e alternativas exegéticas que se podem extrair do art. 135, III, do CTN; (iii) em seguida, alguns problemas periféricos, porém de grande relevância, serão enfrentados, tais como a distinção sócio e sócio-gerente, ônus da prova, dissolução irregular da sociedade etc., dentro outros pontos necessários para a correta intelecção do art. 135 do CTN; (iv) enfim, serão tecidas algumas considerações breves sobre o instituto do redirecionamento da execução fiscal; logo em seguida, considerações finais serão engendradas com o fito de coligir as principais ilações logradas com o estudo.
Para se alcançar o objetivo colimado, serão de extrema importância a doutrina e, mormente, a jurisprudência – desta serão imprescindíveis os julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ). São através desses valiosos instrumentos que se ilustrarão as posições assumidas frente às polêmicas envoltas ao art. 135, III, do CTN.
1 INCURSÃO NECESSÁRIA: ASPECTOS PONTUAIS SOBRE A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA EM SENTIDO ESTRITO
1.1 Conceito de responsabilidade tributária em sentido estrito
Para se compreender adequadamente a extensão do conceito de responsabilidade tributária, mister é extremar responsabilidade e dever. Não obstante o senso comum indicar ambas as palavras como sinônimas, no universo jurídico tal vulgar recorrência não encontra amparo: o direito como ciência reclama a precisa lapidação de seus conceitos. Destarte, conforme explana Hugo de Brito Machado (2008, p. 150), a responsabilidade é um estado de sujeição marcado por uma sanção, não se encontrando semelhante contexto na seara do dever.
Feita essa anotação vestibular, cumpre destacar o conceito legal de responsabilidade tributária, contido no art. 128 do CTN, abaixo transcrito:
“Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste Capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação (BRASIL, 2011)”.
Similar é a conceituação proposta por Hugo de Brito Machado, atentando-se para o fato de que a responsabilidade aqui tratada adquire contornos estritos:
“Em sentido estrito, [responsabilidade tributária] é a submissão, em virtude de disposição legal expressa, de determinada pessoa que não é contribuinte, mas está vinculada ao fato gerador da obrigação tributária, ao direito do fisco de exigir a prestação respectiva (MACHADO, 2008, p. 150)”.
Daí já se pode entrever uma distinção amplamente propalada nos meios jurídico-tributários, consistente na diferença entre contribuinte e responsável. Mencionada distinção foi, inclusive, adotada no plano legal: basta conferir o conteúdo do art. 121 do CTN (BRASIL, 2011), segundo o qual contribuinte é o que tem relação pessoal e direta com fato gerador e responsável é a pessoa que esteja obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária sem que se revista da condição de contribuinte, o que se dá em virtude de uma disposição legal expressa.
“De fato, a responsabilidade tributária consiste no dever de o contribuinte, sujeito passivo natural, tornar efetiva a prestação de dar, consistente no pagamento de tributo ou penalidade pecuniária (obrigação principal), ou a prestação de fazer ou não fazer, imposta pela legislação tributária no interesse da fiscalização ou da arrecadação tributária (obrigações acessórias). Porém, o Código Tributário Nacional, em seu art. 128 ss, refere-se à responsabilidade em seu sentido específico, ou seja, no sentido de atribuir legalmente, a uma pessoa que não realizou a situação descrita na norma impositiva, o dever de efetuar a prestação (HARADA, 2009, p. 475)”.
Pelo o que foi exposto supra, pode-se perfazer, desde já, que a responsabilidade prevista no art. 135, III, do CTN, refere-se à responsabilidade tributária em sentido estrito, caracterizada pela imputação legal expressa, a pessoa distinta do contribuinte, de adimplir a obrigação tributária. Portanto, se o contribuinte é o sujeito passivo direto da obrigação tributária, o responsável é sujeito passivo indireto. Tal ilação é conduzida pela própria disposição topográfica do art. 135, III, dentro do CTN: o dispositivo legal objeto de atenção encontra-se inserido na Seção III – Responsabilidade de Terceiros – do Capítulo V – Da Responsabilidade Tributária. Portanto, excluídas de apreciação restarão a Responsabilidade dos Sucessores – Seção II – e a Responsabilidade por Infrações – Seção IV.
1.2 Espécies de responsabilidade tributária
Não obstante a omissão do CTN em fazê-lo, é assente na doutrina a bifurcação da responsabilidade tributária em sentido estrito entre responsabilidade tributária por substituição e responsabilidade tributária por transferência. Esta, por seu turno, divide-se em subespécies, a saber, solidariedade, sucessão e subsidiária. Expliquemo-las.
Responsabilidade tributária por substituição verifica-se quando a obrigação tributária nasce diretamente contra o substituto tributário, em lugar do contribuinte. Desde o início, quem deve praticar a prestação tributária albergada na norma tributária é o substituto, e não o contribuinte. Logo, como bem observa Harada (2009, p. 475, grifo nosso), “[…] na substituição, a sujeição passiva é definida antes da ocorrência do fato gerador”. Ou seja: não existe deslocamento da obrigação tributária de uma pessoa para outra.
“É de se notar aqui que embora o sujeito passivo previsto pela norma não realize o fato gerador, a obrigação tributária surge diretamente para a pessoa que substitui o contribuinte. Nesses casos, por razões de praticidade e economicidade, prefere o legislador exigir o tributo de pessoa alheia à realização do fato gerador (SAPGNOL, 2004, p. 198)”.
Por ser deveras ilustrativo, confira-se o exemplo fornecido por Sacha Calmon Navarro Coêlho (2004, p. 715):
“I – ‘A’ pratica o fato gerador, e ‘B’, por isso, deve pagar o tributo;
II – inexiste sub-rogação. A norma não é alterada. A lei prevê desde logo que, se ‘A’ pratica um fato jurígeno, ‘B’ deve pagar. Em termos jurídicos, não há transferência de dever entre sujeitos passivos”.
A sua vez, responsabilidade tributária por transferência ocorre quando uma obrigação tributária, depois de surgida contra uma pessoa, passa, em razão de um fato excepcional e posterior, para outra pessoa. De início, há um sujeito passivo; ulteriormente, em virtude de um fato juridicamente qualificado, emerge outro sujeito passivo. “Na transferência, a sujeição passiva indireta é feita após a ocorrência do fato gerador […]” (HARADA, 2009, p. 475, grifo nosso). Neste caso específico, constata-se o deslocamento da obrigação tributária de uma pessoa para outra.
“O fundamento da responsabilidade por transferência é o mesmo da responsabilidade por substituição, vale dizer, o Estado, para garantia de seu crédito, por praticidade, para evitar evasão, etc., tem interesse ou necessidade de cobrar tributo de pessoa diversa daquela que praticou o fato gerador (VAZ, 2003, p. 110)”.
Outro exemplo de Sacha Calmon (2004, p. 714-715, grifos do autor) é capaz de explicitar o funcionamento da responsabilidade por transferência:
“I – ‘A’ pratica o fato gerador e deve pagar o imposto;
II – em virtude de fato posterior (morte, negócio jurídico, falência, inadimplemento ou insolvência etc.), a lei determina que a um terceiro seja transferido o dever de pagar. Este terceiro, que podemos chamar de ‘B’, torna-se ex lege responsável pelo tributo, originariamente devido por ‘A’. Dá-se uma alteração na conseqüência da norma jurídica no plano do sujeito passivo. O responsável sub-roga-se na obrigação”.
Conforme já salientado, a responsabilidade por transferência comporta três subespécies. A primeira delas é a responsabilidade por sucessão. A responsabilidade por sucessão verifica-se quando uma pessoa sucede a outra no que tange a uma universalidade de bens e direitos. Por ser de diminuta importância para o presente estudo, a responsabilidade por sucessão não será dissecada em pormenor neste espaço.
Empós, tem-se a responsabilidade subsidiária. Nesta, o tributo porventura devido e não adimplido primeiramente deve ser cobrado do contribuinte; quedando-se este inerte quanto ao adimplemento da obrigação tributária, posteriormente o Fisco deve voltar-se contra o patrimônio do responsável.
“Quer isso dizer que a tentativa de recebimento do tributo apenas poderá vir a voltar-se contra o responsável se esse recebimento, junto ao contribuinte, mostrar-se impossível. Deve-se inicialmente tentar a cobrança do tributo junto ao contribuinte. Apenas quando esta se mostre impossível é que terá lugar a cobrança em relação aos diversos responsáveis elencados [na lei] (DECOMAIN, 2000, p. 499)”.
Importa destacar que o sentido de subsidiariedade acima exposto é, segundo Anselmo Henrique Cordeiro Lopes (2008, p. 1), o sentido impróprio da responsabilidade subsidiária; perceptível, portanto, mostra-se a existência de um sentido próprio, atinente ao patrimônio disponível para o pagamento do tributo: se o contribuinte não cumpriu sua obrigação tributária, é o seu patrimônio que deve ser posto à disposição do Fisco em primeiro lugar, e não o do responsável. Em síntese: na responsabilidade subsidiária própria, havendo o débito do contribuinte, deve o Fisco verificar a solvabilidade primeiro do contribuinte e, se não constatada, volta-se para o responsável; na responsabilidade subsidiária imprópria, não pago um tributo em tempo oportuno pelo contribuinte, primeiramente o Fisco deve voltar-se contra o contribuinte; omitindo-se este em cumprir o dever tributário, deve o Fisco voltar-se, finalmente, contra o responsável. Enfim, o que caracteriza verdadeiramente a responsabilidade subsidiária é o benefício de ordem: primeiro o contribuinte; depois o responsável.
Por fim, a responsabilidade solidária. A responsabilidade solidária tem por apanágio justamente a inexistência de benefício de ordem. Destarte, contribuinte e responsável são – ambos – sujeitos passivos da obrigação tributária; esta, então, é exigida concomitantemente dos dois. Caio Mário da Silva Pereira (2006, p. 92, grifos do autor), esboça as características genéricas da solidariedade, outrossim transferíveis para o campo tributário:
“Pluralidade subjetiva e unidade objetiva: é da essência da solidariedade que numa obrigação em que concorram vários sujeitos ativos ou vários sujeitos passivos haja unidade de prestação, isto é, cada um dos credores tem o poder de receber a dívida inteira, e cada um dos devedores tem a obrigação de solvê-la integralmente”.
No que tange especificamente à solidariedade passiva tributária, é imperioso distinguir três contextos completamente diferentes, como bem aventa Anselmo Henrique Cordeiro Lopes (2008, p. 1):
“a) solidariedade entre contribuintes, em que uma pluralidade de pessoas são devedoras de uma obrigação tributária nascida em razão da prática de um fato gerador;
b) solidariedade entre contribuinte e responsável, em que a obrigação tributária nasce originariamente em face do contribuinte; contudo, surge um fato posterior que acarreta a solidariedade entre o contribuinte e o responsável, inexistindo, destarte, um benefício de ordem entre eles; ambos estão igualmente sujeitos à obrigação tributária. Trata-se da solidariedade em sentido próprio;
c) solidariedade entre responsáveis, que ocorre quando mais de uma pessoa são solidárias entre si ostentando todas elas a qualidade de responsáveis. Nesse caso, como evidente, não se trata de solidariedade em sentido próprio, vez que se presume a existência de um contribuinte, alvo principal de qualquer pretensão veiculada pelo Fisco.”
Tudo esse percurso teórico justifica-se na medida em que oferece subsídios imprescindíveis para a compreensão das aporias e alternativas exegéticas que circundam o art. 135, III, do CTN, objetivo precípuo deste estudo.
2 O ART. 135, III, DO CTN: APORIAS, ALTERNATIVAS EXEGÉTICAS E TENTATIVAS DE SOLUÇÃO
2.1 O art. 135, III, do CTN
Anteriormente a qualquer consideração a respeito do art. 135, III, do CTN, afigura-se de extrema relevância conhecê-lo, pois, como é evidente, o registrado enunciado normativo paramenta-se como objeto principal deste estudo. Então, vejamos:
“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:[…]
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado (BRASIL, 2011)”.
Feita essa apresentação de indubitável importância, deve-se, agora, registrar todas as aporias e alternativas exegéticas que defluem do artigo acima colacionado.
2.2 Delimitação precisa das aporias e alternativas exegéticas referentes ao art. 135, III, do CTN
Aporia é um substantivo feminino usado regularmente nos domínio da filosofia para indicar questões extremamente difíceis, de cunho eminentemente racional, que, pretensamente, não apresentam saída. A designação dos problemas aqui apresentados como aporias justifica-se precisamente pela multiplicidade de alternativas exegéticas atinentes àqueles problemas: se são abundantes as opções, o deslinde dos problemas tornam-se indiscutivelmente mais trabalhosos. Tal circunstância, todavia, não pode impedir tentativas de solução, fim perseguido por este estudo.
O art.135, III, do CTN alberga duas aporias: (i) qual a natureza dos atos propiciadores da responsabilidade dos administradores? (ii) qual a natureza da responsabilidade dos administradores?
Cada uma dessas aporias carrega consigo as mencionadas alternativas exegéticas. Relativamente à primeira aporia – natureza dos atos provocadores da responsabilidade dos administradores – surgem três alternativas exegéticas: “i) responsabilidade subjetiva simples do administrador; ii) responsabilidade subjetiva com culpa presumida do administrador; iii) responsabilidade objetiva do administrador” (LOPES, 2008, p. 1, grifos do autor).
No que tange à segunda aporia – natureza da responsabilidade dos administradores – registra-se nada mais que cinco alternativas exegéticas:
“i) responsabilidade por substituição, exclusiva do administrador que incidiu numa das hipóteses legais;
ii) responsabilidade subsidiária, em sentido próprio, do administrador, e ‘responsabilidade’ principal da sociedade;
iii) responsabilidade principal do administrador e subsidiária da sociedade;
iv) responsabilidade subsidiária, em sentido impróprio, do administrador;
v) responsabilidade solidária do administrador que responde com a sociedade igualmente e sem benefício de ordem (LOPES, 2008, p. 1)”.
Pode parecer, à primeira vista, que se trata de firulas teóricas; entrementes, assim não o é, vez que, para cada aporia consignada, a adoção de uma ou outra alternativa exegética não é uma opção inócua, porquanto as conseqüências práticas daí advindas não podem ser menoscabadas.
2.3 Primeira aporia: natureza dos atos ensejadores da responsabilidade dos administradores
É chegada a hora de enfrentar as aporias, principiando-se pela aporia relativa à natureza dos atos geradores da responsabilidade dos administradores, à qual se vinculam três alternativas exegéticas: responsabilidade subjetiva, responsabilidade subjetiva com culpa presumida e responsabilidade objetiva. Vejamo-las apartadamente.
Pela tese da responsabilidade subjetiva, qualquer ato praticado pelo administrador, que importe em excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos é um ato ilícito, pessoalmente imputável ao próprio administrador.
Já a alternativa referente à responsabilidade subjetiva com culpa presumida do administrador prega que a ausência de pagamento de um tributo denota, por si só, uma culpa do administrador, gerando uma presunção juris tantum – admite prova em contrário – de que agiu com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, vez que é o administrador que possui poder de gerência.
Por fim, a alternativa da responsabilidade objetiva advoga que administrador responde, de qualquer modo, pelo eventual inadimplemento tributário, porque a hipótese seria, desde já, infração à lei. Destarte, o inadimplemento, por si só, já é um ato ilícito.
Interessante observar que boa parte da doutrina não se debruçou sobre o tema ora em análise – exceção é Sacha Calmon Navarro Coelho (2004, p.747), que textualmente afirma: “Dá-se que a infração a que se refere o art. 135 evidentemente não é objetiva, e sim subjetiva, ou seja, dolosa”. Nesse diapasão, coube à jurisprudência analisar a natureza do ato estimulador da responsabilidade dos administradores.
Consoante noticia Anselmo Henrique Cordeiro Lopes (2008, p. 2), a evolução do entendimento jurisprudencial a respeito da natureza dos atos geradores da responsabilidade dos administradores, tendo-se no horizonte o art. 135, III, do CTN, deu-se no seguinte sentido: responsabilidade subjetiva por culpa presumida – responsabilidade objetiva – responsabilidade subjetiva.
De intróito, a responsabilidade seria subjetiva por culpa presumida porquanto o administrador, uma vez acionado pelo Fisco, mesmo não tendo seu nome incluído na Certidão de Dívida Ativa (CDA), deveria defender-se por meio de embargos à execução: destarte, presumia-se, até a prova em contrário aviada por meio de embargos à execução, a responsabilidade do administrador. Cordeiro Lopes (2008, p. 2, grifos do autor) colaciona o seguinte acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF), no sentido acima explanado:
Tributário. Penhora. Sociedade por cotas de sociedade limitada. Sócio-gerente: substituto tributário. Art. 135, III, do CTN.
“É cabível citação do sócio-gerente de sociedade por cotas de responsabilidade limitada, como substituto tributário desta, sem necessidade de constar o nome daquele na certidão de inscrição da dívida ativa, com base no art. 135, III, do CTN, e independentemente de processo judicial prévio para verificação das circunstâncias de fato previstas no ‘caput’ daquele mesmo art. 135, fazendo a discussão ampla a respeito em embargos de executado (art. 745, parte final, do CPC).
Recurso extraordinário conhecido e provido, para citação do sócio-gerente e penhora de seus bens para garantia da execução, no caso de não pagamento do débito. (STF, RE 113.852-1/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Carlos Madeira, DJ 18.9.87, p. 19.675)”.
Em outro momento, adotou-se a tese da responsabilidade objetiva. Entendia-se que no caso de não pagamento do tributo pela pessoa jurídica, deveria o administrador responder, porquanto seu poder de gerência reclama o adimplemento das obrigações tributário em tempo devido. Ou seja: não era sequer necessário agir com excesso de poder, violação à lei, contrato social ou estatuto – bastava o não pagamento no prazo estipulado que se consubstanciava a responsabilidade do administrador, pela suposta violação à lei. Na jurisprudência do STJ:
“Tributário. Responsabilidade do sócio por dívida da sociedade limitada. Requisitos necessários. Precedentes.
– O sócio-gerente de uma sociedade limitada é responsável, por substituição, pelas obrigações fiscais da empresa a que pertencera, desde que essas obrigações tributárias tenham fato gerador contemporâneo ao seu gerenciamento, pois que age com violação à lei o sócio-gerente que não recolhe os tributos devidos.
– Precedentes da Corte.
– Recurso conhecido e provido. (STJ, REsp 33681/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 02.05.1994, p. 9968)”.
E mais:
“Tributário – Execução Fiscal – Penhora de bens – Responsabilidade do sócio-gerente – Viúva social quotista – art.135, caput e III, 136, CTN.
1. O sócio-gerente de uma sociedade limitada, por substituição, é objetivamente responsável pela dívida fiscal, contemporânea ao seu gerenciamento, constituindo violação à lei o não-recolhimento. Não exclui a sua responsabilidade o fato do seu nome não constar na certidão da dívida ativa.
2. Precedentes da jurisprudência.
3. Recurso improvido. (STJ, REsp 10547/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ 05.09.1994, p. 23033, grifo nosso)”.
Ulteriormente, o STJ passou a entender que a natureza do ato que impulsiona a responsabilidade do administrador não é objetiva ou subjetiva com culpa presumida, mas tão-somente subjetiva. Parte-se da distinção entre administrador e pessoa jurídica. O não-recolhimento de tributo no prazo devido é assunto de alçada da empresa, e não do administrador. A impontualidade, portanto, deve ser imputada à empresa, não ao administrador. O não-recolhimento do tributo somente encetará a responsabilidade do administrador quando este atuar com excesso de poderes, com violação à lei, ao contrato social ou ao estatuto. Atente-se para o seguinte acórdão:
“Tributário e processual civil – ICMS – Execução fiscal – Redirecionamento – Sócios de sociedade por quotas – Responsabilidade societária – Art. 135, III, CTN.
I – A responsabilidade tributária prevista no art. 135, III, do CTN, imposta ao sócio-gerente, ao administrador ou ao diretor de empresa comercial só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova a prática de atos de abuso de gestão ou de violação da lei ou do contrato.
II – Os sócios da sociedade de responsabilidade por cotas não respondem objetivamente pela dívida fiscal apurada em período contemporâneo a sua gestão, pelo simples fato da sociedade não recolher a contento o tributo devido, visto que, o não cumprimento da obrigação principal, sem dolo ou fraude, apenas representa mora da empresa contribuinte e não ‘infração legal’ deflagradora da responsabilidade pessoal e direta do sócio da empresa.
III – Não comprovado [sic] os pressupostos para a responsabilidade solidária do sócio da sociedade de responsabilidade limitada há que se primeiro verificar a capacidade societária para solver o débito fiscal, para só então, supletivamente, alcançar seus bens.
IV – Recurso Especial a que se dá provimento. (STJ, REsp 121021/PR, Segunda Turma, Rela. Min. Nancy Andrighi, DJ 11.09.2000, p. 235, grifo nosso)”.
Portanto, em desfecho, sustenta-se que, hodiernamente, no âmbito jurisprudencial, a natureza dos atos provocadores da responsabilidade dos administradores é subjetiva: para que se configure tal responsabilidade, mister é que o administrador tenha atuado com excesso de poderes, violação à lei, contrato social ou estatutos, não bastando, destarte, a impontualidade no recolhimento da obrigação tributária, vez que esta é de responsabilidade da pessoa jurídica, não do administrador.
2.4 Segunda aporia: natureza da responsabilidade dos administradores
Chega-se, enfim, à segunda aporia, mais tormentosa, que é sobre a natureza da responsabilidade dos administradores prevista no art. 153, III, do CTN. Neste passo, surgem as seguintes alternativas exegéticas: responsabilidade por substituição, exclusiva do administrador; responsabilidade subsidiária, em sentido próprio, sendo a responsabilidade principal da empresa e secundária do administrador; responsabilidade principal do administrador e secundária da pessoa jurídica; responsabilidade subsidiária, em sentido impróprio, do administrador; e responsabilidade solidária entre administrador e pessoa jurídica, sem benefício de ordem. Todas serão examinadas separadamente abaixo; em seguida, externaremos nossa opinião. Registre-se, desde já, que dois proponentes consultados não enfrentaram a aporia aqui posta: Celso Ribeiro Bastos (1998) e Edilson Carlos Fernandes (2007).
Pela responsabilidade por substituição, sendo o administrador o causador da ilicitude – por excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto – deve ele ser o único responsável, haja vista que a responsabilidade consagrada no caput do art. 135 é pessoal. Desonera-se a empresa, então, de qualquer responsabilidade.
Essa é a linha adotada por Luciano Amaro (2001, p. 316-317, grifo do autor):
“Em confronto com o artigo anterior [art. 134], verifica-se que esse dispositivo [art. 135] exclui o pólo passivo da obrigação a figura do contribuinte (que, em princípio, seria a pessoa em cujo nome e por cuja conta estaria agindo o terceiro), ao dispor no sentido de que o executor do ato responda pessoalmente. A responsabilidade pessoal deve ter aí o sentido (que já se adivinhava no art. 131) de que ela não é compartilhada com o devedor ‘original’ ou ‘natural’.
Não se trata, portanto, de responsabilidade subsidiária do terceiro, nem de responsabilidade solidária. Somente o terceiro responde, ‘pessoalmente’”.
Também Aliomar Baleeiro (1981, p. 492, grifo nosso) assume tal inteligência do art. 135, III, do CTN: “o caso, diferentemente do anterior, não é apenas de solidariedade, mas de responsabilidade por substituição. As pessoas indicadas no art. 135 passam a ser responsáveis, ao invés de contribuinte”.
Na mesma linha, constata-se o escólio de Kiyoshi Harada (2009, p. 481, grifamos):
“Nessas hipóteses [art. 135, III, do CTN], ocorre a responsabilidade por substituição e não apenas responsabilidade solidária estritamente no caso de impossibilidade de cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, como nos casos elencados no artigo antecedente”.
Outro tributarista de escol, José Otávio de Vianna Vaz (2003, p. 120, grifo nosso) igualmente abona a tese da responsabilidade por substituição:
“De fato, nos casos do art. 135, III, por exemplo, o fato gerador da obrigação tributária é realizado pela sociedade, por seus representantes. Entretanto, tendo em vista a atuação com excesso de poderes, a infração da lei, do contrato social ou dos estatutos (prévio ou concomitante ao surgimento da obrigação), a norma jurídica determina que fique no pólo passivo da obrigação o agente, vale dizer, a obrigação nunca surgiu contra a sociedade (que, na verdade, praticou o fato gerador), mas sim contra o agente. Nestes casos, a obrigação tributária já nasce contra aqueles que atuaram ‘com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos’, caracterizando a substituição. Assim, apesar da divergência doutrinária, entendemos tratar o art. 135 de responsabilidade por substituição”.
Essa posição é bastante difundida no STJ, como abaixo se vê:
“Tributário. Execução fiscal. Redirecionamento. Responsabilidade do sócio. Falência. Sociedade limitada.
1. Esta Corte fixou o entendimento que o simples inadimplemento da obrigação tributária não caracteriza infração legal capaz de ensejar a responsabilidade prevista no art. 135, III, do Código Tributário Nacional. Ficou positivado ainda que os sócios (diretores, gerentes, ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes às obrigações tributárias quando há dissolução irregular da sociedade – art. 134, VII, do CTN.
2. A quebra da sociedade de quotas de responsabilidade limitada, ao contrário do que ocorre em outros tipos de sociedade, não importa em responsabilização automática dos sócios.
3. Ademais a autofalência não configura modo irregular da dissolução da sociedade, pois além de estar prevista legalmente, consiste numa faculdade estabelecida em favor do comerciante impossibilitado de honrar os compromissos assumidos.
4. Com a quebra da sociedade limitada, a massa falida responde pelas obrigações a cargo da pessoa jurídica até o encerramento da falência, só estando autorizado o redirecionamento da execução fiscal caso fique demonstrada a prática pelo sócio de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou de infração de lei, contrato social ou estatutos.
5. Recurso especial provido. (STJ, REsp 212033/SC, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ, 26.11.2004, p. 220, grifo nosso).
Civil e tributário. Execução contra a sociedade por quota de responsabilidade limitada. Sócio-gerente. Responsabilidade. Penhora dos bens. Atos contrários à lei.
No sistema jurídico-tributário vigente o sócio-gerente é responsável – por substituição – pelas obrigações tributárias resultantes de atos praticados com infração a lei ou cláusulas do contrato social, podendo ter seus bens penhorados em processo de execução fiscal. Precedentes. Recurso a que se nega provimento, sem discrepância. (STJ, REsp 96693/GO, Primeira Turma, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ 18.11.1996, p. 44859, grifo nosso)”.
Confira-se outro julgado:
“Tributário e processual civil. Agravo regimental contra decisão que negou seguimento a embargos de divergência em recurso especial. Sociedade limitada. Dissolução. Sócio-gerente. Responsabilidade tributária. Limites. Precedentes.[…]
3. De acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios (diretores, gerentes, ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN.[…]
7. Agravo regimental improvido. (STJ, AgRg no REsp 109639/RS, Primeira Seção, Rel. Min. José Delgado, DJ 28.02.2000, p. 32, grifo nosso)”.
Como facilmente se percebe, a tese da substituição granjeou grandes adeptos – doutrinários e jurisprudenciais.
A segunda alternativa exegética refere-se à responsabilidade subsidiária, em sentido próprio, do administrador e principal da pessoa jurídica. Como cediço, a maior característica da subsidiriedade é o benefício de ordem. Aqui, a pretensão do Fisco deve voltar-se primeiro contra a empresa; só depois é que o administrador será o alvo pretendido, mesmo que tenha atuado abusivamente ou com infração à lei. Essa posição não logrou adesões relevantes na doutrina e na jurisprudência.
Em seguida, têm a responsabilidade subsidiária da pessoa jurídica e principal do administrador. Tendo este atuado com excesso de poderes, ou infração de lei, contrato social, redundando, por exemplo, em inadimplemento tributário ou impontualidade, a responsabilidade – até então da pessoa jurídica – transfere-se para o administrador, tornando-se pessoal. É, pois, um caso de responsabilidade por transferência.
Sacha Calmon Navarro Coelho (2004, p. 746, grifos nossos) adota essa posição:
“Em suma, o art. 135 retira a ‘solidariedade’ e a ‘subsidiariedade’ do art. 134. Aqui [no art. 135], a responsabilidade se transfere inteiramente para os terceiros, liberando os seus dependentes e representados. A responsabilidade passa a ser pessoal, plena e exclusiva desses terceiros. Isso ocorrerá quando eles procederem com manifesta malícia (mala fides) contra aqueles que representam, toda vez que for constatada a prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatuto”.
Também Werther Botelho Spagnol (2004, p. 203) e Gelson Amaro de Souza (2001, p. 83) assumem a inteligência acima explanada. O STJ tem julgado nesse sentido:
“Tributário. Execução fiscal. Processual civil. Negativa de prestação jurisdicional. Não configurada. Ausência de prequestionamento. Súmula 211/STJ. Responsabilidade pessoal do sócio-gerente. Sistemática do art. 135 do CTN. Falta de pagamento de tributo. Não-configuração, por si só, nem em tese, de situação que acarreta a responsabilidade subsidiária dos sócios.[…]
3. Para que se viabilize a responsabilização patrimonial do sócio-gerente na execução fiscal, é indispensável que esteja presente uma das situações caracterizadoras da responsabilidade subsidiária do terceiro pela dívida do executado.
4. Segundo a jurisprudência do STJ, a simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, nem em tese, situação que acarreta a responsabilidade subsidiária dos sócios (EREsp374139/RS, Primeira Seção, Min. Castro Meira, DJ de 28.02.2005).
5. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 833621/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 29.06.2006, grifos nossos)”.
Outra opção posta à disposição do hermeneuta consiste na responsabilidade subsidiária, em sentido impróprio, do administrador. Nesta, a responsabilidade do administrador ficaria condicionada ao não-pagamento do tributo pela pessoa jurídica, mesmo que ele atuasse com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Nesse diapasão, se o administrador praticou quaisquer das condutas enunciados no art.135, III, do CTN, havendo um débito tributário, e sendo este adimplido pela empresa, então não resta, por parte do administrador, qualquer resquício de responsabilidade. Tal teoria, às escâncaras, não obteve substancioso espeque doutrinário ou jurisprudencial.
Por fim, tem-se a tese da responsabilidade solidária, entre pessoa jurídica e administrador. No caso comentado, existem duas responsabilidades distintas, mas umbilicalmente ligadas: a responsabilidade da empresa e a responsabilidade do administrador. Ambas, em igualdade e sem benefício de ordem, são responsáveis pelo eventual débito. Não se olvide que, em nesta – em todas as outras – alternativas, para que se configure a responsabilidade do administrador, é necessário que ele tenha atuado com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.
A tese da responsabilidade solidária conquistou a simpatia de Ricardo Lobo Torres (2000, p. 227-228, grifos nossos):
“Outra coisa é a responsabilidade de que cuida o art. 135. Nela existe a solidariedade ab initio, e o responsável se coloca junto do contribuinte desde a ocorrência do fato gerador. Pouco importa, nesses casos, que o contribuinte tenha, ou não, patrimônio para responder pela obrigação tributária. A Fazenda credora pode dirigir a execução contra o contribuinte ou o responsável”.
Tal opinião é compartilhada por Pedro Decomain (2000, p. 500). Parece ser esta também a posição de Hugo de Brito Machado (2004, p. 594, grifos nossos):
“Dizer que são pessoalmente responsáveis as pessoas que indica não quer dizer que a pessoa jurídica fica desobrigada. A presença do responsável, daquele a quem é atribuída a responsabilidade tributária nos termos do art. 135 do Código Tributário Nacional, não exclui a presença do contribuinte”.
Interessante é a posição de Anselmo Henrique Cordeiro Lopes (2008, p. 3). Para o referido proponente, partindo-se da jurisprudência do STJ, pode-se afirmar que a natureza da responsabilidade dos administradores, no caso do art. 135, III, do CTN, é solidária. Todavia, o citado autor dá um colorido diverso ao instituto da solidariedade, ao afirmar que não existe, in casu, obrigação solidária, mas obrigações solidárias: a pessoa jurídica tem uma responsabilidade e o administrador, outra. As obrigações são, assim, autônomas. A solidariedade, assim, seria imprópria, dando-se entre contribuinte e responsável.
Deixando de lado o plano doutrinário, na jurisprudência do STJ constatam-se julgados abonadores da alternativa da solidariedade:
“Processual civil e tributário. Recurso especial. Embargos à execução. Responsabilidade de sócio de sociedade limitada sem poderes de administração. Art. 135, III, do CTN. Inviabilidade.
1. A dissolução irregular da sociedade devedora caracteriza situação que acarreta a responsabilidade solidária dos terceiros, nomeadamente dos sócios-gerentes, pelos débitos tributários (art. 135 do CTN).[…]
3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido. (STJ, REsp 904722/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 21.06.2007, p. 298, grifo nosso)”.
Registre-se que o não-recolhimento de débitos devidos pela sociedade à Seguridade Social, era, na remansosa jurisprudência do STJ, hipótese inequívoca de solidariedade, tendo-se por perspectiva o art. 135, III, do CTN e o art. 13 da Lei n. 8.620/1993 – este dispositivo assentava que o titular da empresa e os sócios das empresas por cotas são solidariamente responsáveis pelos débitos para com a Seguridade Social. Contudo, como é sabido, a responsabilidade tributária deve ser disciplinada por lei complementar (Constituição Federal, art. 146, III, b) e a Lei referida é, indiscutivelmente, lei ordinária. Para conferir o imbróglio, consultar o AgRg no AgRg no REsp 1153333/SC, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 05.10.2010.
2.4.1 Nossa opinião
Acreditamos tratar-se a hipótese de responsabilidade por transferência – principal do administrador e subsidiária da pessoa jurídica. Deveras, o crédito tributário nasce para a pessoa jurídica. É ela a devedora “natural” do débito. Contudo, agindo o administrador com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, migra-se a responsabilidade primária do crédito: da pessoa jurídica para o administrador que atuou de acordo com uma das posturas arroladas no art. 135, III, do CTN. Sua responsabilidade, nesse caso, será pessoal. Porém, a pessoa jurídica, outrora – e justamente por ter sido – devedora natural do crédito tributária, é remanejada para o posto de responsável subsidiária pelo referido crédito. Este nasce diretamente contra a empresa, e não contra o administrador: somente quando o administrador age com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto, é que se modifica a responsabilidade. Logo, evidentemente, não se trata de responsabilidade por substituição. Hostilizamos, outrossim, a responsabilidade solidária porquanto a responsabilidade exigida no caput do art. 135 do CTN deve ser pessoal: não existe responsabilidade pessoal compartilhada por duas pessoas. Assim sendo, filiamo-nos ao entendimento veiculado por Sacha Calmon Navarro Coêlho (2004, p. 746).
2.5 Problemas periféricos atinentes ao art. 135, III, do CTN
O presente espaço visa a detalhar alguns problemas, qualificados como periféricos, outrossim relativos ao art. 135, III, do CTN. São periféricos porque não se referem, substancialmente, às aporias e respectivas alternativas exegéticas discutidas no ponto pretérito. Pontualmente, tais problemas periféricos referem-se: (i) à distinção entre sócio e sócio-gerente; (ii) a questões relativas à dissolução irregular da sociedade; (iii) ao administrador de fato e a de direito; (iv) a obrigações tributárias acessórias e principais; (v) ao sentido das expressões “diretores”, “gerentes” e “representantes”, constantes no art. 135, III, do CTN; (vi) à intelecção das expressões “excesso de poderes” e “infração de lei, contrato social ou estatutos”, igualmente previstas no artigo em análise; (vii) ao dolo e/ou culpa; (viii) e à falência, no específico contexto da responsabilidade dos administradores; (ix) e sobre o encargo probatório. Cada uma destas questões será examinada nos itens arrolados abaixo.
2.5.1 Distinção impostergável: sócio e sócio-gerente
Encontra-se plenamente pacificado, nas sedes doutrinária e jurisprudencial, que a responsabilidade prevista no art. 135, III, do CTN, somente pode ser desencadeada no caso de sócio-gerente, estando aquele investido tão-somente na condição de sócio livre da incidência do mencionado dispositivo legal. É que o artigo em questão reclama o exercício da gerência e, muitas vezes, o sócio pode não estar investido daquele exercício.
“Destaque-se desde logo que a simples condição de sócio não implica responsabilidade tributária. O que gera a responsabilidade, nos termos do art. 135, III, do CTN, é a condição de administrador de bens alheios. Por isso a lei fala em diretores, gerentes ou representantes. Não em sócios. Assim, se o sócio não é diretor, nem gerente, isto é, se não pratica atos de administração da sociedade, responsabilidade não tem pelos débitos tributários (MACHADO, 2008, p. 159, grifos do autor)”.
Na jurisprudência, confira-se:
“Processual civil e tributário. Recurso especial. Embargos à execução. Responsabilidade do sócio de sociedade limitada sem poderes de administração. Art. 135, III, do CTN. Inviabilidade.
1. A dissolução irregular da sociedade caracteriza situação que acarreta a responsabilidade solidária dos terceiros, nomeadamente dos sócios-gerentes, pelos débitos tributários (art. 135 do CTN).
2. A solidariedade do sócio pela dívida da sociedade só se manifesta quando comprovado que, no exercício de sua administração, praticou os atos elencados na forma do art. 135, caput, do CTN. Não se pode, pois, atribuir tal responsabilidade substitutiva quando sequer estava investido das funções diretivas da sociedade. Precedentes: AGRAGA 506449/SP, 2a Turma, Min. João Otávio de Noronha, DJ 12/04/2004; AGA 422026/SC, 1a Turma, Min. Francisco Falcão, DJ 30/09/2002.
3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido. (STJ, REsp 904722/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 21.06.2007, p. 298, grifo nosso)”.
Enfim, a responsabilidade estabelecida no art. 135, III, do CTN só se aplica ao sócio-gerente, ou seja, àquele que exerce funções diretivas na empresa.
2.5.2 Dissolução irregular de sociedade
Problema periférico relativo ao art. 135, III, do CTN, reside em saber se a dissolução irregular da sociedade firmada importa em produção normativa da responsabilidade dos administradores. Tal questão hoje se apresenta isenta de dúvidas: a dissolução irregular da sociedade acarreta a responsabilidade dos administradores prevista no art. 135, III, do CTN. A jurisprudência é uníssona no ponto:
“Tributário – Processual civil – Devolução da carta citatória não cumprida – Indício insuficiente de dissolução irregular da sociedade – Art. 8º, III, Lei n. 6.830/80.[…]
3. Pelo art. 135 do CTN, a responsabilidade fiscal dos sócios restringe-se à prática de atos que configurem abuso de poder ou infração de lei, contrato social ou estatutos da sociedade. A liquidação irregular da sociedade gera presunção da prática desses atos abusivos ou ilegais.[…]
5. […] Recurso especial improvido. (STJ, REsp 1017588/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 28.11.2008)”.
O que se constata, destarte, é que a dissolução irregular da sociedade, por parte do administrador, pode, conforme o caso, se inserir na categoria “excesso de poderes” ou na categoria “infração de lei, contrato social ou estatutos”, de modo a ensejar a incidência do art.135, III, do CTN.
2.5.3 Dolo e culpa
Assunto um pouco mais tormentoso é fixar se a conduta abusiva do administrador, paramentada em qualquer das formas arroladas no caput do art. 135 do CTN, exige daquele dolo ou culpa. Logo, o que emerge é a seguinte indagação: o preceptivo legal admite somente o dolo ou alberga também a culpa?
Sacha Calmon Navarro Coêlho (2004, p. 747, grifo nosso) obtempera:
“Dá-se que a infração a que se refere o art.135 evidentemente não é objetiva, e sim subjetiva, ou seja, dolosa. Para os casos de descumprimento de obrigações fiscais por mera culpa, nos atos em que intervierem e pelas omissões de que forem responsáveis, basta o art. 134, anterior, atribuindo aos terceiros dever tributário por fato gerador alheio. No art. 135 o dolo é elementar. Nem se olvide de que a responsabilidade aqui é pessoal (não há solidariedade); o dolo, a má-fé hão de ser cumpridamente provados”.
Outra, contudo, é a posição esposada pelo STJ, conforme abaixo se colhe:
“Recurso especial. Tributário. Sócio-gerente. Redirecionamento da execução fiscal. Não-recolhimento de tributo. Simples mora da sociedade devedora. Impossibilidade de redirecionamento da execução. Recurso provido.
1. A jurisprudência dessa Corte firmou-se no sentido de condicionar a responsabilidade pessoal do sócio-gerente à comprovação da atuação dolosa ou culposa na administração dos negócios, em decorrência de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto. Assim, o não recolhimento do tributo configura simples mora da sociedade devedora, contribuinte, não ensejando o redirecionamento da execução fiscal contra os sócios-gerentes.
2. Recurso especial provido. (STJ, REsp 650746/SP, Rela Min. Denise Arruda, DJ 03.05.2007, grifo nosso)”.
Também José Otávio de Vianna Vaz (2003, p.130-131) compactua da corrente acima apresentada:
“[…] o disposto no art. 135 não leva em consideração, para a imputação de responsabilidade, o elemento subjetivo do tipo, vale dizer, o dolo ou a culpa. Assim, os ilícitos ali apresentados podem ser cometidos culposa ou dolosamente, mas sempre em caráter ilícito, devendo-se, portanto, imputar a responsabilidade, em princípio ao agente”.
Afiliamo-nos à corrente jurisprudencial. De fato, nada no art. 135 do CTN dá a entender que a conduta do administrador necessariamente deva ser dolosa; há, inequivocamente, espaço para que, mesmo atuando culposamente, o administrador sofra a incidência do dispositivo mencionado. Nesse diapasão, pode o administrador, imbuído de culpa, praticar atos com excesso de poderes ou com infração à lei, contrato social ou estatuto. É como bem diz Anselmo Henrique Cordeiro Lopes (2008, p. 2): “Em verdade, o Direito Tributário preocupa-se com a externalização de atos e fatos, não possuindo espaço para persecução do dolo; basta a culpa”.
2.5.4 Administrador de fato e administrador de direito
É fora de dúvida que o administrador de direito está incluído no art. 153.
Entretanto, na regra sob comento incluir-se-ia também o administrador de fato? A resposta, em dicção doutrinária, é clara:
“[…] Ressalvamos que o art. 135, III, do CTN, pode ser aplicado para responsabilizar não só o administrador de direito, mas também o administrador de fato da empresa. Assim, ainda que o estatuto ou contrato social não confira poderes a um dos sócios para praticar atos de gerência, se este é o administrador de fato da pessoa jurídica, dever ser igualmente responsabilizado pela prática de atos ilícitos (LOPES, 2008, p. 3, grifo nosso)”.
Deveras, outra solução não tem o condão de se impor. A se admitir que apenas o administrador de direito está na órbita de incidência do art. 135, III, do CTN, estimular-se-ia as mais gritantes fraudes, subtraindo-se, assim, o administrador de fato da responsabilidade de seus atos. O próprio art. 135, III, corrobora essa assertiva: afinal de contas, a responsabilidade é daquele que praticar atos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatuto, vez que a responsabilidade é pessoal.
2.5.5 Sentido das expressões “diretores”, “gerentes” e “representantes”
Para a melhor compreensão da norma do art. 135, III, do CTN, torna-se imperioso esclarecer os contornos conceitos dos sujeitos que podem sofrer as conseqüências consignadas no mencionado dispositivo, a saber, os diretores, gerentes e representantes.
De início, vale registrar o lembrete de José Otávio de Vianna Vaz (2003, p. 34):
“Como norma geral, ‘administrador’ é o gênero do qual ‘diretor’, ‘gerente’ e ‘representante’ são espécies. De fato, não importa o nome dado ao cargo, mas sim as atribuições e os poderes que lhe são conferidos pela lei ou pelo estatuto. Qualquer que seja o nome do cargo (presidente, superintendente, diretor-geral, etc.), são as atribuições a ele conferidas que definirão a sua natureza”.
Feita a anotação vestibular, passa-se a definir as figuras mencionadas. Diretor, conforme averba Hugo de Brito Machado (2004, p. 598) é aquele que está em posição superior ao gerente e ao representante, porquanto é ele quem assume as decisões de sobranceira importância para a empresa; é pessoa incumbida de dirigir a empresa.
Já gerente é pessoa cuja atribuição consiste na gestão de toda a empresa. Por assim dizer, se o diretor toma uma decisão de crucial importância para a empresa, cabe ao gerente concretizá-la, implementá-la, de modo a cumprir, com exatidão, a diretriz imposta pelo diretor.
Representante, por seu turno, é a pessoa que detém poderes para atuar em nome de outra pessoa, física ou jurídica. Se puder agir em nome de outrem, pode praticar atos com excesso de poderes ou com infração à lei, contrato social ou estatuto, o que justifica, portanto, sua inclusão no rol do caput do art. 135 do CTN.
“No essencial, para fins do art. 135 do Código Tributário Nacional, as palavras gerente, administrador e representante significam a mesma coisa, vale dizer, significam a pessoa que age em nome da pessoa jurídica, que corporifica a pessoa jurídica contribuinte.” (MACHADO, 2004, p. 598-599).
2.5.6 Intelecção das expressões “excesso de poderes” e “infração de lei, contrato social ou estatutos”
Deve-se registrar que a causa primária da responsabilidade insculpida no art. 135, III, do CTN, é o fato de os administradores praticarem atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto. É, no dizer de Hugo de Brito Machado (2004, p. 585), “a origem do crédito cuja responsabilidade é atribuída ao terceiro”. Logo, a correta compreensão do conteúdo dessas expressões afigura-se de destacado relevo.
Excesso de poderes denota o exercício abusivo de poderes contratuais e estatutários já conferidos; o administrador, nesse caso, vai além da norma que lhe atribuiu prerrogativas.
“O excesso de poderes somente é capaz de transferir a responsabilidade pela obrigação tributária já existente, porque o simples excesso não é capaz de gerar tal obrigação. Repete-se, mais uma vez, que não existe obrigação tributária oriunda, pura e simplesmente, de excesso de poderes na gerência ou na administração de bens alheios. Para que se dê o surgimento da obrigação tributária é necessária a concorrência de uma situação fática descrita em lei tributária capaz de gerar a base imponível, que é o fato gerador (SOUZA, 2001, p. 96-97)”.
Já no caso de “infração de lei, contrato social ou estatuto”, a altercação foi extremamente laboriosa. Lavrou-se intensa disputa no que tange à configuração do não-recolhimento de tributo como infração à lei ou não. Hoje, no STJ, prevalece amplamente a tese de que o não-recolhimento de tributo não constitui infração à lei por parte do administrador, de modo que impossível, nesse caso, torna-se acionar a responsabilidade do administrador engendrada pelo art. 135, III, do CTN. Isso porque, conforme já explicado, a ausência de recolhimento de tributo de devido é infração da pessoa jurídica, não da pessoa física, o administrador. Pertinente, nesse ponto, o escólio de Gelson Amaro de Souza (2001, p. 99): “o art. 135 do CTN refere-se à infração de lei, isto é, de qualquer lei […]”.
Já a infração de contrato social ou estatuto decorre de condutas que transgridem as normas veiculadas naqueles. Contrato social ou estatuto designam atos constitutivos das pessoas jurídicas de direito privado
2.5.7 Obrigações tributárias acessórias e obrigações tributárias principais
Pela letra legal utilizada no art. 135, III, do CTN (BRASIL, 2011), os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado são pessoalmente responsáveis pelos créditos tributários atinentes a obrigações tributárias quando operarem com excesso de poderes ou violação de lei, contrato social ou estatuto. A questão que aqui se impõe é saber se as obrigações tributárias acessória também estão incluídas no dispositivo legal – as obrigações tributárias principais, evidentemente, não trazem maiores dificuldades. É de solar clareza que expressão obrigações tributárias detém um alcance propositadamente amplo, de modo a alcançar, outrossim, as de cunho acessório. Tal entendimento é perfilhado por Aliomar Baleeiro (1981, p. 492, grifo do autor):
“O art. 135 não ressalva as penalidades de caráter não moratório nem limita sua eficácia, apenas à obrigação principal, como aconteceu no art. 134. A contrario sensu, abrange – parece-nos – quaisquer penalidades e obrigações acessórias”.
Nesse diapasão, atuando o administrador com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto, será pessoalmente responsável pelos créditos tributários correspondentes a obrigações tributárias principais ou acessórias, incluindo, outrossim, as penalidades de caráter moratório ou não.
2.5.8 Falência e responsabilidade dos administradores
Já se demonstrou que a dissolução irregular da sociedade provoca a responsabilidade dos administradores. Nessa medida, urge definir se a falência é apta a gerar a responsabilidade dos administradores. A jurisprudência estabelece:
“Tributário. Execução fiscal. Redirecionamento. Responsabilidade do sócio. Falência. Sociedade limitada.
1. Esta Corte fixou o entendimento que o simples inadimplemento da obrigação tributária não caracteriza infração legal capaz de ensejar a responsabilidade prevista no art. 135, III, do Código Tributário Nacional. Ficou positivado ainda que os sócios (diretores, gerentes, ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes às obrigações tributárias quando há dissolução irregular da sociedade – art. 134, VII, do CTN.
2. A quebra da sociedade de quotas de responsabilidade limitada, ao contrário do que ocorre em outros tipos de sociedade, não importa em responsabilização automática dos sócios.
3. Ademais a autofalência não configura modo irregular da dissolução da sociedade, pois além de estar prevista legalmente, consiste numa faculdade estabelecida em favor do comerciante impossibilitado de honrar os compromissos assumidos.
4. Com a quebra da sociedade limitada, a massa falida responde pelas obrigações a cargo da pessoa jurídica até o encerramento da falência, só estando autorizado o redirecionamento da execução fiscal caso fique demonstrada a prática pelo sócio de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou de infração de lei, contrato social ou estatutos.
5. Recurso especial provido. (STJ, REsp 212033/SC, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ, 26.11.2004, p. 220, grifo nosso)”.
Assim sendo, por ser forma regular, legal, de dissolução da sociedade, a falência não enceta a responsabilidade dos administradores alberga no art. 135, III, do CTN.
2.5.9 Encargo probatório
Por fim, calha fixar algumas linhas diretrizes sobre o ônus probatório. Sobre o encargo probatório, confira-se:
“Afirma-se que, em um primeiro sentido, o ônus é uma regra de conduta dirigida às partes, que indica quais os fatos que a cada uma incumbe provar. […] em um segundo sentido, o ônus da prova é uma regra dirigida ao juiz (uma regra de julgamento, portanto), que indica como ele deverá julgar acaso não encontre a prova dos fatos; que indica qual das partes deverá suportar os riscos advindos do mau êxito na atividade probatória, amargando uma decisão desfavorável (BRAGA; DIDIER JR., OLIVEIRA, 2010, p. 75)”.
O sentido importante, para fins deste estudo, é o primeiro, ou seja, interessa-nos os fatos que, a cada parte deve provar numa contenda. Transportando essa intelecção para o assunto aqui explorado: o presente compartimento visa a estabelecer o encargo probatório do Fisco e do administrador em eventual execução fiscal, onde se constata a atuação com excesso de poderes ou violação de lei, contrato social ou estatuto.
O assunto já ensejou ardorosos debates. Atualmente, contudo, a distribuição do encargo probatório encontra-se plenamente regulada no âmbito da jurisprudência do STJ. Veja-se:
“Processual civil. Recurso especial. Tributário. Execução fiscal. Responsabilidade do sócio-gerente. Execução fundada em CDA que indica o nome do sócio. Redirecionamento para o sócio-gerente. Recurso especial representativo de controvérsia. Art. 543-C, do CPC.[…]
4. A jurisprudência da Primeira Seção desta Corte ao concluir o julgamento do ERESP nº. 702.232/RS, da relatoria do e. Ministro Castro Meira, publicado no DJ de 26.09.2005, assentou que: a) se a execução fiscal foi ajuizada somente contra a pessoa jurídica e, após o ajuizamento, foi requerido o seu redirecionamento contra o sócio-gerente, incumbe ao Fisco a prova da ocorrência de alguns dos requisitos do art. 135, do CTN: a) quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa; b) constando o nome do sócio-gerente como co-responsável tributário na CDA cabe a ele o ônus de provar a ausência dos requisitos do art. 135, do CTN, independentemente se a ação executiva foi proposta contra a pessoa jurídica e contra o sócio ou somente contra a empresa, tendo em vista que a CDA goza de presunção relativa de liquidez e certeza, nos termos do art. 204 do CTN c/c o art. 3º da Lei nº. 6.830/80.
5. Os fundamentos de referido aresto restaram sintetizados na seguinte ementa:
‘Tributário. Embargos de divergência. Art. 135 do CTN. Responsabilidade do sócio-gerente. Execução fundada em CDA que indica o nome do sócio. Redirecionamento. Distinção.
1. Iniciada a execução contra a pessoa jurídica e, posteriormente, redirecionada contra o sócio-gerente, que não constava da CDA, cabe ao Fisco demonstrar a presença de um dos requisitos do art. 135 do CTN. Se a Fazenda Pública, ao propor a ação, não visualizava qualquer fato capaz de estender a responsabilidade, pretende voltar-se também contra o seu patrimônio, deverá demonstrar infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos ou, ainda, dissolução irregular da sociedade.
2. Se a ação foi proposta contra a pessoa jurídica e contra o sócio-gerente, a este compete o ônus da prova, já que a CDA goza de presunção relativa de liquidez e certeza, nos termos do art. 204 do CTN c/c o art. 3º da Lei nº. 6.830/80.
3. Caso a execução tenha sido proposta somente contra a pessoa jurídica e havendo indicação do nome do sócio-gerente na CDA como co-responsável, não se trata de típico redirecionamento. Neste caso, o ônus da prova compete igualmente ao sócio, tendo em vista a presunção relativa de liquidez e certeza que milita em favor da Certidão de Dívida Ativa. […]
8. Agravo regimental conhecido para dar provimento ao recurso especial. (STJ, AgRg no AgRg no REsp 1153333/SC, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 05.10.2010, grifo nosso)”.
Em síntese: se o nome do administrador não consta da CDA, e o Fisco ajuíza execução contra ele, à Administração Tributária cabe o ônus da prova; arrolado o administrador na CDA, que goza de presunção relativa liquidez e certeza, o ônus da prova recai, então, sobre o administrador. Frise-se que o que se deve provar é o excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto.
3 BREVES COMENTÁRIOS SOBRE O REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL
O redirecionamento fiscal consiste na volta da pretensão executória manifestada pelo Fisco contra sócios ou administradores da pessoa jurídica cujos nomes podem não constam da certidão de dívida ativa. Ou seja: encetada a execução contra a pessoa jurídica, averbada na CDA, volta-se, ulteriormente o Fisco contra os sócios e administradores, omissos na CDA. Nesse caso, destarte, medidas constritivas recaem sobre o patrimônio particular dos sócios ou administradores. É, pois, “[…] [um] processo de execução para alcançar bens de pessoas que não foram inicialmente indicadas como réus” (MACHADO, 2004, p. 606).
O instituto é geralmente justificado na praticidade que produz: não se encontrando ou sendo insuficientes os bens da pessoa jurídica para adimplir o crédito tributário, volta-se ao patrimônio de sócios e administradores.
Contudo, devem-se distinguir duas situações completamente distintas: (i) o nome do administrador consta da CDA, hipótese em que o redirecionamento é plenamente possível, vez que a certidão goza de presunção relativa de liquidez e certeza – nesse caso, deve o administrador provar que não agiu com excesso de poderes, infração de lei, contrato social ou estatutos, por meio de embargos à execução. Nesse sentido:
“Execução fiscal. Agravo regimental no recurso especial. Encerramento do feito alimentar. Extinção. Possibilidade. Redirecionamento. Necessidade de comprovação de atuação dolosa ou culposa do sócio.[…]
2. Não há falar na aplicação do REsp 1.104.900/ES que, na sistemática do art. 543-C do CPC, firmou jurisprudência no sentido de que, se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, a ele incumbe o ônus da prova de que não ficou caracterizada nenhuma das circunstâncias previstas no art. 135 do CTN.[…]
4. ‘O redirecionamento da execução fiscal e seus consectários legais para o sócio-gerente da empresa somente é cabível quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa.’ (AgRg no Ag 1173644/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 14/12/2010).
5. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg no REsp 1228460/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 25.03.2011, grifos nossos)”.
Não constando o nome do sócio na CDA, o redirecionamento apenas afigurar-se-á possível se o Fisco provar que o administrador agiu com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto. Confira-se:
“Agravo regimental. Recurso especial. Execução fiscal. Inclusão dos representantes da pessoa jurídica, cujos nomes constam da CDA, no pólo passivo da execução fiscal. Ônus da prova. Inadimplemento. Súmula 430/STJ. Súmula 211/STJ.[…]
2. Se o nome do sócio não consta da CDA e a execução fiscal somente foi proposta contra a pessoa jurídica, caberá ao Fisco, ao postular o redirecionamento, provar a ocorrência de infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos sociais.[…]
6. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg no REsp 1131069/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe 10.02.2011, grifo nosso)”.
Essa é parte que nos interessa para fins do presente estudo. Registre-se, contudo, que o redirecionamento da execução fiscal vem sendo submetido a um bombardeio por parte da doutrina, como abaixo se constata:
“Essas decisões [que admitem o redirecionamento da execução fiscal], todavia, estão a merecer críticas, especialmente porque: (a) negam a tese adotada pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual a responsabilidade dos terceiros arrolados no art. 135 depende de apuração das circunstâncias das quais decorre; (b) admitir que essa apuração vai ocorrer no processo de embargos à execução é negar aos supostamente responsáveis o direito de defesa na via administrativa, onde o crédito há de ter sido apurado, defesa pertinente à própria existência do crédito, e também pertinente às circunstâncias geradoras de sua responsabilidade; (c) negar o direito de defesa, no caso, viola a própria lei ordinária; (d) viola também, e de modo flagrante, a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa; (e) o art. 568, inciso V, do Código de Processo Civil, invocado em algumas decisões, não tem nem pode ter o alcance que as mesmas lhe deram, porque deve ser interpretado no contexto das leis ordinárias e sem afronta aos princípios constitucionais (MACHADO, 2004, p. 608)”.
Esta não é oportunidade adequada para enfrentar, em profundidade, as polêmicas que permeiam o instituto do redirecionamento da execução fiscal, atendendo as linhas bosquejadas acima o propósito acima definido – rascunhar breves comentários sobre o redirecionamento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo do presente artigo foi perquirir a natureza dos atos provocadores da responsabilidade dos administradores e a própria natureza da responsabilidade dos administradores, consoante o art. 135, III, do CTN. Nesse diapasão, a pesquisa logrou as seguintes ilações, abaixo registradas.
A natureza dos atos provocadores da responsabilidade dos administradores, prevista no art. 135, III, do CTN, é subjetiva, no sentido de que, para que se configure a responsabilidade pessoal do administrador, basta que este atue com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto.
No que tange à natureza da responsabilidade do administrador, sustentamos a responsabilidade principal do administrador e subsidiária da empresa, configurando, destarte, responsabilidade por transferência. Assim é porque o crédito tributário nasce, originariamente, para a pessoa jurídica; contudo, agindo o administrador com excesso de poderes ou violação de lei, contrato social ou estatuo, ocorre uma transferência da responsabilidade tributária – da pessoa jurídica para o administrador – sendo a responsabilidade do administrador, então, a teor do caput do art. 135 do CTN, pessoal.
Mas a presente pesquisa não se fechou apenas à investigação consignada: tratou-se também de problemas periféricos, mas de indubitável importância. Nesta seara, constatou-se que, para que a responsabilidade tributária do art. 135, III, do CTN emirja é necessário o exercício de poderes de gerência: se o sócio não detém tais poderes, afastado fica da incidência do art. 135. Viu-se, igualmente, que a dissolução irregular da sociedade é apta a desencadear a responsabilidade ora comentada. Constatou-se que tanto o dolo quanto a culpa do administrador – desde que agindo com excesso de poderes, infração de lei, contrato social ou estatuto – estão albergados no art. 135. Apurou-se que o administrador de fato também está sujeito à responsabilidade tributária dos administradores. Registrou-se que os signos “gerentes”, “diretores” e “representantes” apresentam peculiaridades; estas, todavia, não são muito importantes, vez que o art. 135, III, do CTN, menciona as pessoas que agem em nome da pessoa jurídica, a saber, gerentes, diretores e representantes. “Excesso de poderes” e “infração de lei, contrato social ou estatutos” acabam por designar uma atuação além das regras – legais ou contratuais – a que o administrador deve obsequiar. Averbou-se, outrossim, que, verificada a responsabilidade tributária do administrador, esta alcançará, nos moldes do art. 135, III, do CTN, obrigações tributárias acessórias e principais. Verificou-se também que a falência não acarreta a responsabilidade dos administradores, por se tratar de dissolução regular da sociedade. Apontou-se que o encargo probatório, no que se refere ao comportamento abusivo do administrador, recai, na execução, sobre o próprio administrador – se seu nome constar na CDA – ou sobre o Fisco – se o seu nome não constar da CDA. O mesmo se aplica ao polêmico instituto do redirecionamento da execução fiscal, em que o Fisco volta sua pretensão executória não contra a pessoa jurídica, mas sim contra os sócios e administradores, em busca do adimplemento do crédito tributário.
Por fim, deve-se registrar que a pesquisa aqui empreendida não buscou, de modo algum, esgotar o tema da responsabilidade tributária dos administradores prevista no art. 135, III, do CTN: seu propósito final, isto sim, foi contribuir para a construção do conhecimento a respeito de um tema tão importante na seara tributária.
Graduado em Direito pela Faculdade de Pará de Minas. Especialista em Direito Tributário pela Faculdade Milton Campos
Graduado em Direito pela Universidade de Itaúna. Pós-graduando em Direito Público pela PUC Minas.
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