1 INTRODUÇÃO
Com efeito, jurisprudência e doutrina divergem a respeito do tema da responsabilidade dos sócios e administradores das pessoas jurídicas constante da regra estatuída no art. 135, inciso III, do CTN. Não se pode olvidar é que boa parte da discussão é motivada, de um lado, pelo anseio do Fisco em obter garantias mais consistentes ao crédito tributário, ainda que para isso despreze garantias do contribuinte; e do outro, da diferenciação jurídica entre o patrimônio das empresas e dos sócios e administradores.
Nessa esteira, discutir-se-á a responsabilidade tributária dos administradores, não apenas sob a ótica ‘arrecadatória’ ou simplesmente dos ‘responsabilizados’, o que inclinaria o presente trabalho na parcialidade, porque se procurou, acima de tudo, analisá-la de forma objetiva, levando-se em consideração as teses mais importantes acerca do tema, para, ao fim, consignar um entendimento mais consentâneo com a regra estatuída no art. 135, inciso III, do CTN.
2 DA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO – DEMARCAÇÃO DO PROBLEMA
Como espécie do gênero das obrigações, a obrigação qualificada de tributária diferencia-se da obrigação civil pelo fato de que não advém da confluência de vontades, e sim da lei. É, assim, ex lege a obrigação tributária. Por isso, a relação jurídico-tributária perfectibiliza-se a partir da realização do fato descrito na lei como gerador do tributo. Com a realização do fato tal qual previsto na norma, torna-se impositivo o direito do fisco (Federal, Estadual, Distrital ou Municipal) de exigir o tributo do contribuinte ou responsável.
Diante disso, tem-se que os elementos da obrigação tributária são a lei, o fato, os sujeitos e o objeto (consubstanciado numa prestação de dar, obrigação principal; ou, numa obrigação de fazer ou não-fazer, se obrigação acessória for). Tais noções encontram-se registradas no art. 113, do CTN.
Mister dizer, em decorrência, que o crédito tributário é regularmente constituído quando da consubstanciação fática da hipótese de incidência, formalizada mediante o respectivo lançamento. A constituição do crédito tributário importa no reconhecimento e declaração da obrigação tributária, pelo competente ente federativo (sujeito ativo), tornando-a líquida, certa e exigível. O crédito tributário, portanto, pressupõe a obrigação tributária prevista em lei.
Sob o enfoque dos sujeitos da obrigação tributária, do lado ativo assomam-se os entes da federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), cada um atuando no âmbito de sua esfera de competência constitucionalmente delimitada. Na outra ponta da relação, do lado passivo, encontra-se o contribuinte, ou, em seu lugar, os substitutos ou responsáveis. E quanto aos sujeitos da relação jurídico-tributária, notadamente os sujeitos passivos, é que se encontra o foco de análise.
É cediço que, o sujeito passivo da obrigação tributária é a pessoa física ou jurídica que, por realizar o fato jurígeno descrito no tipo legal, obriga-se na prestação tributária. Este sujeito chama-se contribuinte, sendo-lhe peculiar o fato de encontrar-se pessoal e diretamente ligado ao fato gerador. Afigura-se relevante, para caracterização do contribuinte, a sua identificação com o fenômeno econômico atinente ao fato gerador, mais precisamente, porque o contribuinte neste caso é tido como o contribuinte de direito. Contribuinte substituto, a seu turno, diz-se aquele que, em que pese não realizar a conduta típica, encontra-se de certa forma ligado ao fato qualificado pela norma jurídica tributária, respondendo como se contribuinte fosse, isto porque a lei lhe imputa tal dever de satisfazer o crédito tributário em face do sujeito ativo.
Com efeito, em que pese desgarrar-se do fato gerador, acontece de ser-lhe por lei atribuído tal ônus quer em substituição ao contribuinte de direito, quer por transferência do dever legal, total ou parcialmente.
A responsabilidade de terceiros está regulamentada no Título II, Capítulo V, Seção III, do Código Tributário Nacional, notadamente nos arts. 134 e 135. É paradigmático que o primeiro deles, qual seja, o art. 134 da lei complementar tributária, cuida expressamente da responsabilidade subsidiária dos terceiros, advindo esta da comprovada impossibilidade de exigir-se a obrigação principal do contribuinte. De essencial, há que se destacar o fato de que a responsabilidade só recai nas pessoas arregimentadas nos incisos do art. 134 (pais, tutores, administradores, sócios, etc.), uma vez constatada a incapacidade de eles assim o fazerem.
Diferentemente, a norma constante do art. 135, em especial no inciso III, possui alcance mais extenso. É dizer, este dispositivo prevê a transferência da responsabilidade pelo crédito tributário da sociedade aos seus administradores quando estes agirem com ofensa à lei, ao estatuto ou a contratos, em desfavor, portanto, da sociedade representada. Não obstante, os terceiros aqui respondem pessoal e diretamente pela totalidade da dívida, independentemente de comprovação de incapacidade do natural devedor.
Dito isto, encontra-se delimitado o ponto fundamental da presente análise (enunciado normativo do art. 135), cuja compreensão pretende-se atingir a par do cotejo dos entendimentos sugeridos pela doutrina e jurisprudência acerca do tema.
3 A RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES – ANÁLISE DA NORMA (ART. 135, III, CTN).
3.1 Dos atos praticados com infração à lei
Apregoa a norma em estudo que: “são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado”.
Por evidente, da leitura do dispositivo legal depreende-se tratar de hipótese de responsabilidade indireta, por substituição, em cuja responsabilidade pela obrigação tributária é transferida, ex lege, para pessoa desligada do fato gerador da obrigação. A lei atribui então responsabilidade pelo total do débito fiscal à pessoa do administrador que tenha laborado com desrespeito à legislação, estatuto ou contrato.
A par disso, erigem-se diversos posicionamentos divergentes, instaurando a celeuma acerca do citado dispositivo legal: afinal de contas, o simples não-recolhimento de tributo enseja a responsabilização pessoal do administrador? Esse não-recolhimento pode ser considerado, para fins de responsabilização na forma do art. 135, III, CTN, como infração à lei? Eis o puctum saliens da discussão.
De início, e em respeito às interrogações acima registradas, é pertinente também indagar, em contraposição, que, considerar o simples não-recolhimento de um tributo como infração de lei não se estaria a tipificar uma responsabilidade objetiva dos administradores, sem levar em conta o motivo de tal inadimplemento? Ato contínuo, como então desprezar o fato de que o não-recolhimento de tributo, às vezes, está adstrito à ausência de condições financeiras das instituições, ou outros motivos vários?
Aferir a tipicidade da conduta do “não-recolhimento do tributo” como descumprimento fosse, no mínimo conduz a uma interpretação temerária da norma. Deveras, não se pode deixar de considerar tal conduta como sendo infração à lei, porque, em sentido lato, todo descumprimento de um dever legal constitui uma ilicitude. Desta feita, admitir-se que tal conduta, para fins de propiciar a responsabilização dos dirigentes de pessoa jurídica, é suficiente e consentânea à norma do art. 135, III, do CTN, estar-se-ia a vulgarizar e a menosprezar àqueloutras indagações, que, de sua vez, revelam questões inerentes aos motivos do inadimplemento do débito fiscal. Seria, pois, assumir-se a exceção pela regra. Entretanto, este entendimento que já foi majoritário (inclusive nos tribunais superiores), hodiernamente tem sucumbido à perfilhada tese de que se faz necessário que a infração à lei tenha se consumado mediante conduta dolosa dos representantes. Porém, ao que tudo indica, ainda persiste o entendimento refutado, dada a freqüência em que a matéria vem sendo decidida, ainda hoje, pela autorização da execução dos bens dos administradores e sócios, com supedâneo no art. 135, por considerarem a falta de recolhimento de tributos como infração de lei.
Nesse passo, é bem de ver que, mostra-se indispensável a perquirição dos “motivos” que ocasionaram o não-recolhimento, a fim de aferir a ratio da expressão “infração de lei” constante da norma em apreço, para, em assim o fazendo, possa então concluir pela responsabilização ou não do administrador, excluindo, em conseqüência, o responsável primário da mesma. Notório que, os motivos de que se fala recaem sobre a conduta dolosa, pois que apenas esta demonstra, fielmente, o intuito legislativo acerca da total substituição do devedor natural, como uma forma de penalização pela conduta individual do administrador contra a sociedade representada, em benefício próprio.
Ora, entender-se de outra forma, estar-se-ia a correr o sério risco de se admitir, como dito, a responsabilidade ‘objetiva’ dos administradores, desprezando outros pontos inafastáveis quando da análise do tema. Outro não é o entendimento do eminente professor Sacha Calmon[1], que a respeito do tema afirma:
Dá-se que a infração a que se refere o art. 135 evidentemente não é objetiva, e sim subjetiva, ou seja, dolosa. Para os casos de descumprimento obrigações fiscais por mera culpa, nos atos em que intervierem e pelas omissões de que forem responsáveis, basta o art. 134, anterior, atribuindo aos terceiros o dever tributário por fato gerador alheio. No art. 135 o dolo é elementar. Nem se olvide que a responsabilidade aqui é pessoal (não há solidariedade); o dolo, a má-fé hão de ser cumpridamente provados.
Ademais, parece não existir mais dúvida de que os atos que ensejam a responsabilização do administrador remontam àquelas condutas dolosas, tais como as que pretendem o esvaziamento dos bens da sociedade a fim de impossibilitar o resgate do crédito por parte da Fazenda Pública, ou ainda, a que promovem liquidação irregular da sociedade, ou o seu desfazimento de fato, enfim, de atos de gestão praticados pelos administradores, gerentes e sócios, em suma, com infração às normas de conduta exigidas dos representantes na condução dos negócios da sociedade.
De se ver que, o ônus de provar a ocorrência da conduta dolosa dos representantes da sociedade executada é todo da Fazenda Pública, devendo revestir-se tal exigência como conditio sine qua non a Execução Fiscal fulcrada no art. 135, III, CTN, não seria admitida, impondo-se, por decorrência de lógica processual, ser gravada de inepta.
Patente, pois, que o não preenchimento deste requisito desautorizaria a execução do patrimônio dos administradores da pessoa jurídica, pena de constituir-se conduta processual temerária. A par disso, tem-se que na esfera administrativa o procedimento fiscal deverá dirigir-se também contra o suposto co-reponsável para que, após a instrução, haja o acertamento ou não de sua conduta tida como ilícita, perfectibilizando, ao final, a certidão de dívida ativa.
Decerto, a certidão de dívida ativa como documento indispensável que aparelha a peça vestibular na execução fiscal estará indicando como sujeito passivo da obrigação tributária apenas a sociedade devedora, isto se não for comprovada a conduta dolosa do administrador capaz de arrostar o seu patrimônio em substituição ao da sociedade.
Nesse particular aspecto, conquanto esteja previsto na Lei n.º 6.830/80, notadamente no art. 4º que a execução fiscal pode ser promovida contra o devedor, o fiador, o espólio, a massa, o responsável, é de ter-se como indispensável a extração da CDA que contemple como sujeito passivo, individualmente considerado, o gerente, o administrador ou o sócio.
Cabe, então, afirmar que em não havendo a aferição do elemento doloso na prática do ilícito, mediante procedimento administrativo que implique o representante da sociedade, não há que se falar em execução fiscal direcionada contra o seu patrimônio particular. Neste caso, só contra a sociedade o título executivo se mostra líquido, certo e exigível. Impende dizer, não pode a Fazenda, segundo o seu alvedrio, a tempo e hora, decidir executar qualquer co-responsável, haja vista que a certidão extraída nestas condições só terá força executiva contra os devedores contra os quais fora constituído.
3.2 Dos atos praticados com infração de contrato social e estatutos
Assim como se apregoou a necessidade de aferir os motivos que levaram o administrador a descumprir legislação tributária para fins de responsabilizá-lo consoante a regra do art. 135, III, do CTN, vale dizer, responsabilidade tributária por substituição, tal necessidade se faz premente também quando se tratar de hipótese de deliberação contrária ou atentatória ao contrato social. Como se disse, é o ato doloso que a norma em comento procura coibir e penalizar.
Assim, por exemplo, pode-se dizer que o ato de não integralizar as participações sociais, quando desvia a finalidade da sociedade, muda o escopo societário e não procede à retificação na Junta Comercial, que infrinja uma das cláusulas do estatuto ou do contrato social, cometendo atos neles não previsto como uma das finalidades da pessoa jurídica etc., restará, por conseguinte, implementada a hipótese fática prevista no bojo do art. 135, III, do CTN.
Ademais, cabe assinalar, na mesma linha de idéias, mas agora fulcrada na Lei n.º 6.404/76 (vulgarmente denominada “lei das S/A”), estar consignada no art. 158, inciso II, a expressa previsão legal da responsabilidade dos administradores por prejuízos que causar “com violação de lei ou do estatuto”.
Bem de ver que o ordenamento jurídico, naquilo que diz respeito com a matéria ora discutida, qual seja, da responsabilidade dos administradores, é uníssono em pontuar os casos em que se impõe a sua responsabilização, sendo que o art. 158 da Lei n.º 6.404/76 é emblemático nesse sentido. Isto porque se coaduna com a tese exposta, corroborando o fato de se fazer necessário a perquirição da culpabilidade dos representantes das pessoas jurídicas.
Desta sorte, o citado dispositivo enumera ainda outros casos que calham bem à análise vertente, acrescendo como típica e, portanto, subsumível à hipótese do art. 135, III, do CTN. Sem dúvida que o fato de o administrador, não obstante não tenha sido o realizador do fato tido como ilícito, que ocorreu na gestão anterior à sua, ao assumir a direção da empresa e, descobrindo a suposta fraude ao crédito tributário (não adimplemento doloso), não a denuncia nem promove o pagamento dos débitos como seria de se esperar, permanecendo na sonegação iniciada por gestão anterior. Tem-se, no caso formulado, que o administrador teve a discricionariedade de optar entre a permanência no erro da gestão anterior e promover o saneamento da sua inadimplência para com o fisco, mas, ao optar, expressamente, pela primeira hipótese, deverá assumir todo o encargo de tal descumprimento doloso, embora não contemporâneo ao fato gerador da obrigação tributária.
A reboque do que se disse, cabe reiterar, que o descumprimento das obrigações estatutárias de forma dolosa determinam a responsabilização dos diretores das sociedades perante a Fazenda Pública, no que respeita ao antecitado art. 158, agora no parágrafo 2º, 3º e 4º, são de extrema relevância para a compreensão do tema em comento. Senão vejamos:
§2ºOs administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles.
§3º Nas companhias abertas, a responsabilidade de que trata o § 2º ficará restrita, ressalvado o disposto no §4º, aos administradores que, por disposição do estatuto, tenham atribuição específica de dar cumprimento àqueles deveres.
§4º O administrador que, tendo conhecimento do não cumprimento desses deveres por seu predecessor, ou pelo administrador competente os termos do §3º, deixar de comunicar o fato a assembléia geral, tornar-se-á por ele solidariamente responsável.
3.3 Das conseqüências da personificação da pessoa jurídica
No quadro até aqui exposto, procurou-se analisar, sobretudo, os posicionamentos de maior repercussão quanto ao tema da responsabilidade dos administradores. Nesse mister, portanto, já se cuidou de desmistificar que o mero não-recolhimento do tributo por parte da sociedade não dá respaldo a que a Fazenda Pública constranja o patrimônio individual dos que a gerenciam, bem assim registrar a hipótese de sua responsabilização pelo descumprimento – doloso, diga-se -, das disposições estatutárias.
Nesse contexto, desnuda-se a verdadeira intenção do legislador complementar quando da instituição da regra estudada, a qual assume verdadeira “natureza sancionatória” contra as condutas fraudulentas dos representantes de pessoas jurídicas, possibilitando ao Estado imiscuir-se no patrimônio individual dos administradores, a fim de viabilizar a realização do crédito tributário. Como corolário desta assertiva, tem-se que o legislador também reconheceu a possibilidade de exceptuar a ‘regra geral’ que institui a separação entre o patrimônio da sociedade e o dos sócios e administradores, a partir da personificação da pessoa jurídica.
Quanto a isso, cumpre gizar que o princípio da personificação da pessoa jurídica, regra até então constante do art. 20 do Código Civil de 1916[2], tem como finalidade possibilitar o desenvolvimento da atividade empresarial, que, a partir da reunião de pessoas e patrimônio comum, constitui-se com o objetivo de obter lucro (atividade econômica) através da prática habitual, organizada e profissional de produção ou circulação de bens e serviços. É, pois, uma ficção legal que atribui personalidade jurídica a uma sociedade quando do arquivamento dos atos constitutivos na Junta Comercial, decorrendo, disso, alguns efeitos, entre os quais se ressalta a sua individualização, com nome e patrimônios próprios, inconfundíveis com os dos sócios (princípio da autonomia patrimonial). Corrobora a diretiva que ora se analisa, o disposto no art. 10 do Decreto n.º 3.708/19:
Art. 10. Os sócios-gerentes ou que derem nome à firma não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do contrato ou da lei.
Idêntica disposição está consolidada na Lei das S.A. (Lei n.º 6.404/76), que no art. 158, incisos I e II, aduz:
Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder:
I – dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;
II – com violação da lei ou do estatuto. (grifo nosso).
Assim é que, preferencialmente, até que reste provada a conduta dolosa do sócio ou administrador, é o patrimônio da pessoa jurídica que responde pelas suas dívidas, posto que as dívidas, em especial as tributárias, são dívidas, antes de tudo, das sociedades. Nessa esteira, fica claro que há deveres da sociedade e deveres dos sócios, com áreas limítrofes bem definidas, sendo que o não pagamento do tributo, via de regra, é ato da sociedade, e não dos representantes individualmente considerados, porquanto não deve ser regra a responsabilização pessoal daqueles profissionais que representam a sociedade. Agem sempre no exercício do mandato, até que o contrário reste provado, isto é, que agiu o administrador com excesso de poderes, contrariamente as disposições contratuais, legais ou estatutárias.
Nesse exato sentido, consta voto do eminente Ministro Ari Pargendler, no STJ, quando, atuando como relator no julgamento do Recurso Especial n.º 100.739-SP[3], apregoou:
Quem está obrigada a recolher os tributos pela empresa é a pessoa jurídica, e, não obstante ela atue por intermédio de seu órgão, o diretor ou sócio-gerente, a obrigação tributária é daquela, e não destes. Sempre, portanto, que a empresa deixa de recolher o tributo na data do respectivo vencimento, a impontualidade ou inadimplência é da pessoa jurídica, não do diretor ou do sócio-gerente, que só respondem, e excepcionalmente, pelo débito, se resultar de atos praticados com excesso de mandato ou infração à lei, contrato ou estatutos.
Também comunga desse mesmo entendimento o doutrinador Emydio F. da Rosa Jr[4]., verbis:
O administrador é órgão da sociedade, e como tal gera a vontade social. Daí a lei estabelecer, como regra, que ele não responde pelas obrigações sociais porque os resultados, positivos ou negativos, dos atos praticados pelo administrador recaem sobre a sociedade. Assim, o administrador só responde pessoalmente, em caráter excepcional, se o ato por ele praticado for com infrigência de lei, contrato social ou estatutos (…).
Destarte, não é concebível que ainda hoje, sob o pretexto de garantir a segurança do crédito tributário, a Fazenda Pública, com fulcro no art. 135, III, do CTN, exponha à constrição judicial os bens dos administradores e sócios de sociedades empresárias que, muita das vezes, por questões conjunturais deixem de adimplir suas obrigações tributárias. Com efeito, vários outros valores jurídicos encontram-se em jogo quando da ocorrência de tal situação, sobressaindo-se entre eles, o princípio que propugna a garantia do crédito tributário, e o que estabelece a separação das pessoas jurídicas e as pessoas físicas que as administram. Para que seja possível, e legítima, esta intromissão – vale reiterar –, indispensável se faz a constatação de conduta dolosa daqueles.
A par de tais constatações, encontra terreno fértil a Disregard Douctrine, ou, em vernáculo, teoria da desconsideração da pessoa jurídica. Tal teoria consiste, fundamentalmente, na exceptuação do princípio da autonomia patrimonial, visando impedir a sua manipulação fraudulenta ou abusiva. Em palavras outras, significa dizer que tal teoria implica na possibilidade de desconstituir-se a pessoa jurídica a fim de atingir o patrimônio dos sócios e diretores em função de condutas fraudulentas. Em suma, tem como objetivo impedir que a personalidade jurídica sirva de escudo para fraudes.
Dessume-se, a contrario sensu, que a sociedade personalidade jurídica possui natureza diversa da dos seus representantes. Por outro giro, não se pode chegar a outra ilação que não a de que a desconsideração da pessoa jurídica (exceção) é instituto que deve ser utilizado com a devida cautela, pena de banalizar-se a regra que é a da “autonomia patrimonial”. Cautela, então, que redunda aqui na necessidade de averiguar se os administradores e sócios agiram dolosamente na sonegação de tributos, pelo que ao se constatar tal intencionalidade, estará perfeitamente autorizada a intromissão estatal no patrimônio individual dos sócios e administradores, com o fito de reaver o total do crédito tributário, na forma do art. 135, III, do CTN.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enfim e em suma, é de se ter que, se a regra do art. 135, III, do CTN, tem como pano de fundo lastrear o resgate dos valores devidos ao Estado, possibilitando, mediante a substituição do contribuinte originário pelo responsável legal, o direcionamento da execução fiscal contra o patrimônio do sócio ou administrador, de forma exclusiva, implica no reconhecimento de que, indubitavelmente, estes geralmente possuem menor condição econômica para enfrentá-la. Diante disso, como fica então o princípio norteador do referido dispositivo, é dizer, a segurança do crédito tributário? Ressoa notório que, se este é o fim precípuo da norma, primeiramente há que se direcionar a execução fiscal contra o patrimônio da pessoa jurídica, cabendo-lhe, entretanto, na circunstância de restar demonstrada a insuficiência daquele, redirecioná-la ao patrimônio do administrador comprovadamente fraudulento.
É de vital significância consignar o entendimento que o redirecionamento da execução contra os sócios é, processualmente, admitido. Mas se faz indispensável que o exeqüente demonstre os fundamentos, de fato e de direito, para a execução pessoal do sócio, na medida em que este não estará sendo demandado enquanto contribuinte, mas enquanto “responsável tributário”.
Assim, em se tratando de redirecionamento com suporte na responsabilidade de que trata o art. 135, III, do CTN, o juiz deve exigir do exeqüente que demonstre que o sócio exerceu a gerência na época da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária e que a obrigação decorre de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos; ou, ainda, deve o magistrado exigir que a Fazenda Pública demonstre que, embora não tenha exercido a gerência contemporaneamente ao respectivo fato imponível, mas posterior a este, o administrador ao cientificar-se da ocorrência daqueles atos, tenha se omitido, contribuindo, com isso, para o recrudescimento da conduta ilícita.
Advogado. Pós-Graduado em Gestão de Negócios de Energia Elétrica – MBA FGV e Direito Tributário pela UNAMA. Gerente Jurídico da Companhia Energética do Maranhão
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