Resumo: O presente artigo tem por finalidade analisar a essencialidade da configuração da culpa “in vigilando” da Administração Pública para fins de sua responsabilização subsidiária na forma prevista na Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho – TST, agora revisada em decorrência da decisão proferida na Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADC nº 16 pelo Supremo Tribunal Federal – STF (julgamento do § 1º da Lei 8.666/93 – Lei de Licitações e Contratos), de acordo com o próprio entendimento jurisprudencial da Corte Obreira, abordando ainda a questão da inversão do ônus probatório face a impossibilidade do reconhecimento de culpa objetiva da administração.
Palavras-chave: Súmula 331 do TST. Responsabilidade subsidiária. Prova da culpa da Administração Pública.
Abstract: This article aims to analyze the essential configuration of guilt “in vigilando” Public Administration accountable for its subsidiary in the manner provided in the Summary 331 of the Superior Labor Court – TST, now revised as a result of the decision rendered in Declaratory Action of Constitutionality – ADC No. 16 by the Supreme Court – Supreme Court (trial of § 1 of Law 8.666/93 – Law of Contracts and Procurement), according to their own understanding of jurisprudence of the Court worker, also addresses the question of reversing the burden of evidence against the recognition of the impossibility of objective guilt administration.
Keywords: Summary of the TST 331. Liability. Proof of guilt of Public Administration.
Sumário: 1 Introdução; 2 Da alteração da Súmula 331 pelo Tribunal Superior do Trabalho-TST; 2.1 Do entendimento jurisprudencial do TST acerca da aplicação da Súmula 331; 3 Conclusão; Referências.
1. Introdução
Em razão do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal-STF da Ação Declaratória de Constitucionalidade-ADC nº 16 que declarou constitucional o § 1º do artigo 71 da Lei nº 8.666/93[1], o qual estabelece que a inadimplência dos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais pelo contratado não transfere à Administração Pública a responsabilidade pelo seu pagamento — contrariamente ao texto do item IV da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho vigente à época[2] —, havíamos manifestado-nos no sentido de que não restaria ao TST outra alternativa senão alterar o aludido item, voltando o mesmo a ter a sua redação anterior com a exclusão da excerto “inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista”, retificando assim o entendimento até então sedimentado naquela Corte Trabalhista acerca da responsabilidade subsidiária objetiva da Administração Pública, que doravante passaria a ser discutida em regular instrução processual no curso da reclamatória trabalhista para fins de apuração de eventual responsabilidade subjetiva[3].
2. Da alteração da Súmula 331 pelo Tribunal Superior do Trabalho-TST
Nesse contexto, conforme publicado no sítio do Tribunal Superior do Trabalho em 24/05/2011 (“TST modifica texto da Súmula nº 331”)[4], aquela Corte Trabalhista, reportando-se à decisão proferida pelo STF na ADC nº 16 na qual o presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, consignou que o resultado do julgamento “não impedirá o TST de reconhecer a responsabilidade com base nos fatos de cada causa”, informou que os seus Ministros posicionaram-se no sentido de que a Justiça Laboral não mais poderia generalizar, e doravante teria que investigar com mais rigor se a inadimplência do empregador teria como causa principal a falha ou a falta de fiscalização pelo órgão público contratante.
Com esse entendimento, os ministros do Tribunal Pleno alteraram a Súmula nº 331, passando o seu item IV, por unanimidade, a ter a seguinte redação:
“IV- O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.”
E por maioria de votos, vencidos os ministros Aloysio Corrêa da Veiga, Rosa Maria Weber, Vieira de Mello Filho e Dora Maria da Costa, o TST acrescentou o item V à Súmula nº 331:
“V – Os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.”
Ainda, por votação unânime, o Pleno do TST inseriu o item VI à referida Súmula nos seguintes termos:
“VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral”
Na mesma data (24/05) o TST também publicou em sua página na internet o seguinte informe: “Terceirização na administração pública: presidente do TST esclarece mudanças”[5], aduzindo que as alterações operadas na Súmula 331 foram adequadas ao entendimento esposado pelo STF no julgamento da ADC nº 16, com a mantença da responsabilidade subsidiária do ente público nos casos de terceirização, nos débitos contraídos pela empresa prestadora de serviços, nas hipóteses em que esta não honrar seus compromissos para com seus empregados que prestam serviços ao poder público, em havendo, conduta culposa do ente público na fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas da empresa contratada.
2.1 Do entendimento jurisprudencial do TST acerca da aplicação da Súmula 331
Frise-se, por oportuno, que mesmo antes da revisão da súmula 331 em razão da ADC nº 16, a jurisprudência do TST já vinha reconhecendo a necessidade de prova da conduta culposa do órgão público contratante, não se podendo falar em decreto condenatório apenas e tão somente em razão da inadimplência da empresa contratada para com seus empregados. Confira-se as seguintes ementas (os destaques não constam no original):
“PROCESSO Nº TST-RR-123200-74.2007.5.15.0125
Pub. 18/03/2011
A C Ó R D Ã O (4.ª Turma)
RECURSO DE REVISTA DO SEGUNDO RECLAMADO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. PROVIMENTO. Para que seja autorizada a responsabilidade subsidiária da Administração Pública pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte da empresa contratada, conforme o disposto na Lei n.º 8.666/93, deve ser demonstrada a sua conduta omissiva no que se refere à fiscalização do cumprimento das obrigações relativas aos encargos trabalhistas. Esse, aliás, foi o entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal que, em recente decisão (ADC 16 – 24/11/2010), ao declarar a constitucionalidade do art. 71, § 1.º, da Lei n.º 8.666/93, asseverou que a constatação da culpa in vigilando, isto é, a omissão culposa da Administração Pública em relação à fiscalização quanto ao cumprimento dos encargos sociais, gera a responsabilidade do ente contratante. Assim, não estando comprovada a omissão culposa do ente em relação à fiscalização quanto ao cumprimento das obrigações trabalhistas, não há de se falar em responsabilidade subsidiária.
Recurso de Revista conhecido e provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n.º TST-RR-123200-74.2007.5.15.0125, em que é Recorrente CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE SÃO PAULO – CEFET e são Recorridos GENIVAL GONÇALVES DO RÊGO e SEGMENTO MULT CONSTRUTORA LTDA.
ACORDAM os Ministros da Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do Recurso de Revista por violação do art. 71, § 1.º, da Lei n.º 8.666/93, e, no mérito, dar-lhe provimento para excluir o Centro Federal de Educação Tecnológica de São Paulo – CEFET, segundo Reclamado, do polo passivo da demanda.
Brasília, 01 de março de 2011.
Maria de Assis Calsing
Ministra Relatora
PROCESSO Nº TST-RR-46600-16.2008.5.04.0761
Pub.06/05/2011
A C Ó R D Ã O (8ª Turma)
RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. AÇÃO DIRETA DE CONSTITUCIONALIDADE Nº 16. CULPA IN VIGILANDO. NÃO CONFIGURAÇÃO. Nos termos da Lei 8.666/1993 e dos arts. 186 e 927 do Código Civil, para que a responsabilidade subsidiária seja aplicada à Administração Pública, é necessária a comprovação da sua conduta omissiva no tocante à fiscalização do cumprimento das obrigações decorrentes do contrato entre tomador e prestador de serviços quanto às verbas trabalhistas. Esse é o entendimento que se extrai da decisão (ADC 16 – 24/11/2010) do STF ao declarar a constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/1993, acentuando que, uma vez constatada a culpa in vigilando, gera a responsabilidade do ente público. No presente caso, o Regional acolheu a responsabilidade subsidiária tão somente porque o recorrente foi beneficiário da prestação de serviços, sem demonstração de que ela incidiu na culpa in vigilando, hábil a justificar a atribuição da responsabilidade subsidiária; o recurso merece provimento.
Recurso de revista conhecido e provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-46600-16.2008.5.04.0761, em que é Recorrente MUNICÍPIO DE TRIUNFO e são Recorridas MARIA AMELIA CHAPUIS e COOPERATIVA DOS TRABALHADORES DA VILA ELIZABETH LTDA.
ACORDAM os Ministros da Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista, por ofensa ao artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93 e, no mérito, dar-lhe provimento para, reformando a decisão recorrida, excluir da condenação a responsabilidade subsidiária atribuída ao Município de Triunfo, ficando prejudicado os temas pertinentes à multa do art. 477 da CLT, adicional de insalubridade e sua base de cálculo e devolução dos descontos.
Brasília, 04 de maio de 2011.
Dora Maria da Costa
Ministra Relatora”
Esse entendimento jurisprudencial com relação a necessidade de prova de culpa para fins de responsabilização subsidiária restou pacificado com a revisão da Súmula 331:
“PROCESSO Nº TST-RR-82500-08.2008.5.21.0011
Pub. 10/06/2011
A C Ó R D Ã O (3ª Turma)
RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. O excelso STF concluiu, por ocasião do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16, cujo acórdão ainda pende de publicação, que os artigos 1º, IV, e 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988 não contrariam a diretriz traçada pelo artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, ao menos no que tange à completa irresponsabilidade civil da Administração Pública pelos danos causados pelas empresas ungidas em licitações contra seus próprios empregados. Para adequar sua jurisprudência ao entendimento do excelso STF, o TST, em sessão plenária de 25/05/2011 acrescentou o item V à Súmula 331 do TST, assentando que os entes da administração pública direta e indireta serão subsidiariamente responsáveis caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei 8.666/93. No caso, o quadro fático delineado pelo e. Tribunal Regional não permite concluir pela ausência de fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. Nesse contexto, não há como atribuir responsabilidade subsidiária à PETROBRAS impondo-se a sua exclusão da lide. Recurso de revista conhecido e provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-82500-08.2008.5.21.0011, em que é Recorrente PETRÓLEO BRASILEIRO S.A. – PETROBRAS e são Recorridos LENILDO RODRIGUES DA SILVA e SERVIMEC ENGENHARIA E MANUTENÇÃO INDUSTRIAL LTDA. ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista quanto ao tema -responsabilidade subsidiária-, por ofensa ao artigo 71, § 1º, da Lei 8.666/93 e, no mérito, dar-lhe provimento para excluir a PETROBRAS da lide. Prejudicado o exame dos demais temas do recurso de revista.
Brasília, 01 de junho de 2011.
Horácio Raymundo de Senna Pires
Ministro Relator”.
3. Conclusão
Conclui-se portanto, inexoravelmente, que não há qualquer possibilidade de se falar em responsabilidade subsidiária do órgão público contratante sem que reste devida e cabalmente comprovada, de forma cristalina, através de instrução processual com observância ao princípio do devido processo legal que abarca os princípios do contraditório e ampla defesa, que o Órgão Público agiu culposamente em relação à empresa contratada ao permitir (ou não coibir) que esta deixasse de pagar corretamente a seus empregados os direitos trabalhistas que os mesmos faziam jus em razão da relação de trabalho havida.
Outrossim, e como já salientado alhures, não há como se fazer qualquer menção à possível “culpa objetiva” da Administração Pública pois incabível no caso, e dessarte “o ônus da prova incumbe àquele que fizer alegações em juízo, a respeito da existência ou inexistência de determinado fato”, como mandamentiza Sérgio Pinto Martins[6], de acordo com o regramento previsto no art. 818 da Consolidação das Leis do Trabalho-CLT[7], sendo que “essa orientação deve ser complementada pelo art. 333 do CPC”[8], como salientado pelo mesmo autor[9] por não ofender o art. 769 CLT[10].
De igual modo, quando da apuração de eventual culpa do Ente Público nos termos da Súmula 331 já revista pelo TST, não se poderá cogitar em inversão do “onus probandi” em favor do reclamante, fato esse que só ocorre em casos particularizados, haja vista que “no Processo do Trabalho, mesmo com a influência do princípio protetor, não se admite, como regra geral, como fez o Código de Defesa do Consumidor, a inversão do ônus da prova, para beneficiar o hipossuficiente”, o que é de todo justificável “porque a CLT não foi omissa no particular, estabelecendo, como regra que a prova das alegações incumbe a quem as fizer”, como bem asseverado por Valton Pessoa[11].
Procurador Federal, lotado no Escritório de Representação da Procuradoria-Regional Federal da 3ª. Região (PGF/AGU) em Bauru/SP; com pós graduação lato sensu em Direito Previdenciário pela FAAT-Londrina; pós graduação lato sensu em Direito e Processo do Trabalho pela UNIDERP/LFG; pós graduação lato sensu em Direito Processual pela UNISUL/LFG; pós graduação lato sensu em Direito Público pela Universidade Anhanguera/LFG; e cursos de extensão em Direito Imobiliário pela PUC/RJ e em Direito Tributário pela ITE-Bauru/SP.
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