Em meio a um contexto de insegurança generalizada e de um Estado sem recursos para manter suas funções básicas, a lei que autoriza as parcerias público-privadas surge como alternativa aos tradicionais os contratos de licitação, onde o poder público contrata com o setor privado a prestação de serviços públicos e de infra-estrutura, em contratos de longo prazo com formas de pagamentos variadas.
Esta nova modalidade de licitação permite que o poder público realize obras e serviços imediatamente, pagando a longo prazo, suprindo a demanda de áreas como a de segurança pública mesmo sem recursos.
Um dos principais alvos das PPPs é a construção/manutenção das penitenciárias brasileiras, setor este que passou a sofrer grande pressão da sociedade organizada, após a recente e pior crise de segurança nos estados do sudeste, envolvendo ataques a unidades da polícia e rebeliões simultâneas em diferentes estados. A situação crítica seguiu agravada pela crescente falta de vagas, já que o déficit de vagas ultrapassa os 65 mil em todo o Brasil, segundo dados do próprio Ministério da Justiça.
Com todas estas perspectivas volta o debate sobre a privatização do sistema carcerário brasileiro, já apresentando sinais de querer seguir o modelo norte americano. Nos EUA a transferência da manutenção das penitenciárias para a iniciativa privada começou ainda no governo Ronald Reagan, seguindo a política de aumentar as prisões e reduzir custos, hoje o setor carcerário americano revela-se um negócio bilionário que no ano de 2005 movimentou cerca de 37 bilhões de dólares* e mantém gigantes como a Corrections Corporation of América (CCA).
O Brasil já possui prisões funcionando nesse modelo, é o caso da Prisão Industrial de Guarapuava – PIG, onde a administração foi parcialmente terceirizada, envolvendo serviços como a alimentação, assistência médica, psicológica e jurídica dos presidiários, contudo, alguns projetos envolvem um repasse maior ao setor privado, como alguns projetos em estudo pelo governo de São Paulo de uma penitenciária industrial, onde o parceiro privado construiria o presídio e lucraria com o trabalho dos internos.
Mesmo com as vantagens que os entusiastas das PPPs apontam, como o aporte de recursos financeiros imediatos, incentivo a geração de empregos, geração de receita fiscal e a transferência da responsabilidade por detentos perigosos (como o traficante Fernandinho Beira-mar) para a iniciativa privada, não se pode esquecer o risco que envolve a privatização de um setor tão problemático como o nosso sistema carcerário, num país onde a simples compra de ambulâncias dá margem a desvios e favorecimentos.
A finalidade última da repressão penal é inibir o cidadão de transgredir a norma, porém, a partir do momento em que um determinado grupo lucra com uma população carcerária cada vez maior, que interesse teria esse capital em reduzir os altos índices de criminalidade? Também nesse sentido, escreve o professor Luiz Flávio Gomes, no artigo A Indústria das Prisões, “A presença massiva de miseráveis e marginalizados nas cadeias gera a construção de mais presídios privados, mais renda para seus exploradores, movimenta a economia, dá empregos, estabiliza o índice de desempregados, etc.”.
Na esfera legislativa o risco fica por conta do lobby que os parlamentares sofrerão para aprovar reformas na legislação penal, tal qual ocorre hoje com os bancos, a iniciativa privada só interessaria leis mais rígidas e penas mais longas, interesse esse que muito provavelmente encontraria respaldo na opinião popular, que buscando uma falsa segurança é cada vez mais inclinada a aprovar projetos como a redução da maioridade penal ou a Lei de Crimes Hediondos, sem o devido e necessário debate. Receio este que já apresenta sinais em alguns estados norte americanos, onde há relatos onde os agentes penitenciários de penitenciárias privadas revelam a pressão para punir com rigor inclusive faltas leve levando ao adiamento ou a impossibilidade de uma possível liberdade condicional.
A despeito dos riscos de corrupção no sistema, a privatização do setor carcerário apresenta flagrantes ilegalidades, nesse sentido, a Ordem dos Advogados do Brasil já se manifestou condenando a proposta de privatização, alegando que a privatização do sistema penitenciário representa um retrocesso em termos de desenvolvimento da política criminal; pois a execução da pena é função pública intransferível; que a política de privatização carcerária daria margem a uma contínua exploração do trabalho prisional e que tal proposta violaria direitos e garantias constitucionais dos presos.
Com efeito, pode-se constatar que alguns dos projetos brasileiros de implantação das parcerias público-privadas nas penitenciárias prevêem a vigilância armada dos detentos prestada por empresas privadas, violando o poder de polícia do Estado.
Enfim, a execução penal existe como função do Estado, e se não atinge seus objetivos com eficiência, cabe ao Estado buscar soluções que permitam o cumprimento da pena ressocializando e garantindo os direitos do preso, e não apenas terceirizar suas atribuições básicas, se fosse este o caso, um bom começo seria privatizar o Congresso, muito mais eficiente que instaurar infinitas CPIs, seria demitir.
Acadêmico de Direito das Faculdades Integradas Curitiba.
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