Em fevereiro de 1969 sofri um grave acidente em São José do Calçado (ES). Num domingo, acompanhado de minha mulher, meus compadres e meu afilhado, fomos fazer um piquenique nas imediações da cidade.
Em trajes esportivos, levando conosco as competentes guloseimas, próprias de tais passeios, lá fomos os cinco.
Andávamos pelo mato, cheiro de plantas silvestres, aragem soprando, passarinhos cantando, relaxamento, alegria. Como sempre muito distraído, fiquei para trás do grupo. E mais distraído ainda, escorreguei numa pedra e fui de cabeça numa poça d´água.
Emborcado na água, isso de morrer era questão de momentos. Mas eis que passa no local, justo naquele instante, um morador da região. Vendo o que ocorria, aproximou-se rapidamente e tirou de dentro da água a cabeça daquele ser humano que era seu próximo.
Fiquei sabedor de tudo isso depois porque, uma vez emborcado na água, comecei a me afogar e perdi os sentidos.
Ainda fiquei por uns dois dias meio zonzo mas depois recuperei plenamente a memória e até me lembro das visitas que recebi.
Retomando o cotidiano do Fórum, quis logo agradecer à pessoa que me salvou. Pedi que fosse localizado e tivesse a gentileza de vir a minha presença.
E foi então que conheci o senhor Orlando Padilha, a boa alma responsável pelo meu salvamento.
Tendo na minha frente aquele que impedira minha morte, disse ao meu benfeitor:
“O senhor salvou minha vida. Para este ato, não existe pagamento possível. Mas eu queria saber como eu poderia testemunhar-lhe minha gratidão.”
Com aquela sabedoria, que não se aprende na universidade, o senhor Orlando Padilha disse:
“Doutor João – Quando eu o vi naquela situação, eu não sabia que ali estava o Juiz de nossa Comarca. Eu fiz pelo senhor o que o senhor faria por mim, numa situação inversa.
Assim, o senhor não tem que retribuir nada, nem agradecer coisa alguma. Agradeça a Deus que me colocou no seu caminho, para que eu o socorresse, porque aquela não era a sua hora.
Eu apenas lhe peço para me dar uma declaração de que eu salvei a sua vida.”
Emocionado com o gesto daquele senhor, passei uma declaração, em papel com o timbre oficial do Juizado da Comarca. Guardo cópia do documento em meu arquivo. Foi lavrado nos seguintes termos:
“Atesto, por informações fidedignas, que o Sr. Orlando Padilha, brasileiro, casado, lavrador, residente na localidade “Fazenda Velha”, distrito da sede deste Município e Comarca, participou ativamente dos primeiros socorros ao atestante, evitando que o mesmo perecesse afogado, em virtude de lamentável acidente ocorrido em fevereiro de 1969, às margens do Rio Calçado, próximo ao imóvel rural “Amora”, de propriedade do Sr. José da Silva Cravinho, por ocasião de um piquenique que ali se realizava.
Atesto mais que dito cidadão tornou-se credor de minha imorredoura gratidão e admiração, a par também de suas virtudes de cidadão probo e trabalhador.”
O senhor Orlando Padilha sempre conduzia em seu bolso essa declaração e, em tom de brincadeira, exibindo o documento, dizia aos amigos e às pessoas em geral:
“Aqui está. Não mexam comigo. Eu salvei a vida do Juiz.”
Na cidade do interior, aquela atestação tinha, sem dúvida, força superior a qualquer mandado judicial formal.
Livre-docente da Universidade Federal do Espírito Santo e escritor
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