Sanção política do estado na apreensão de mercadoria importada pelo descumprimento de obrigação tributária

Resumo: O presente artigo traz ao leitor profunda abordagem sobre o direito fundamental a propriedade e seu exercício pleno amparo por norma Constitucional, bem como pela função social que todo o homem deve cumprir em sociedade ao exercer este direito, logo há claro direito de defesa constitucional contra o excesso de poder do legislador ordinário, especialmente no Regulamento Aduaneiro ao impor sanções políticas que foram convalidadas em 2009 pelo art. 7º, § 2º, da Lei n. 12.016, ao vedar a concessão de provimento liminar em writ quando da entrega de mercadoria importada ao Importador. Estuda-se, neste passo, sobre a inconstitucionalidade latente neste dispositivo por ofender postulados constitucionais que agem em prol da proteção ao núcleo da propriedade.

Palavras-chave: Direito Tributário. Importação. Função Social. Sanção Política. Inconstitucionalidade.

Abstract: This article brings the reader deep approach on the fundamental right to property and its exercise full support for constitutional standard as well as the social function which every man must fulfill in society to exercise this right, so there is clear constitutional right to defense against excessive power of the ordinary legislature, especially in the Customs Regulations to impose political sanctions which were convalidadas in 2009 by art. 7, § 2 of Law n. 12,016, to seal the injunction provision in writ upon delivery of goods imported to the Importer. Is studied in this step, the latent unconstitutional on this device for offending constitutional postulates that act in favor of protecting the core property

Keywords: Tax Law. Import. Social function. Sanction Policy. Unconstitutional.

Sumário: 1. Introdução; 2. Direito fundamental à propriedade e sua função social; 3. Dos procedimentos da importação e das penalidades aplicadas ao Importador; 4. Do mandado de segurança e do provimento acautelatório; 5. Da inconstitucionalidade do art. 7 2 da Lei n. 12.016/2009 por ofensa literal à Constituição Federal; 6. Conclusão.

Epígrafe: “[…] a propriedade é inerente à natureza humana, sendo uma dádiva de Deus aos homens, para que possam prover às suas necessidades e às da família. A propriedade individual, dizem, é condição da existência e da liberdade de todo o homem.” (GONÇALVES, 2012, p. 249)

1. Introdução

Cumpre, a priori, salientar que, far-se-á estudo aprofundado sobre o direito fundamental a propriedade e sua função social, encontrando amparo Constitucional ao exercer sobre o legislador ordinário conformação para ver atendido seu fito. Em seguida explicitará sobre o mandado de segurança e o provimento liminar, bem como sobre o excesso de poder exercido pelo legislador ordinário ao vedar concessão de liminar em mandado de segurança que objetiva entrega de mercadoria importada, e ao impor retenção do bem com pena de perdimento, condicionada ao pagamento de tributos e multas pecuniárias, configurando sanção política inconstitucional.

Acerca da metodologia de pesquisa empregada na execução deste mister, objetivou-se pesquisa observatória, bibliográfica, consulta de acórdãos, decisões judiciais, e doutrinas.

No presente trabalho, procurou-se explicitar informações concernentes ao tema, observando-se, sempre, a verossimilhança com sua respectiva presteza para o alcance do objetivo deste artigo acadêmico, contribuindo, assim, com o acervo jurídico pátrio.

2. Direito fundamental à propriedade e sua função social.

Neste tópico, aludir-se-á sobre a evolução história da função social da propriedade e proteção de seu núcleo constitucional, face o caráter conformativo exercido sobre o legislador ordinário, como verdadeiro direito de defesa contra abusos, em prol da justiça social vez que estamos diante de um Estado Social Democrático de Direito, conforme se verificará avante.

Inicialmente, deve-se mencionar que a função social da propriedade encontrou sua primeira disposição constitucional em 1934 no artigo 113, § 17[1].

Cumpre aduzir que os direitos e garantias individuais são direitos fundamentais[2] desde a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1.937, e àquela época já se previa em seu artigo 122, o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade.

Estes direitos foram colocados nesta ordem para possibilitar a seguinte interpretação pelo intérprete: todo o cidadão deve exercer com plena liberdade o seu direito à propriedade, devendo ser protegido contra as injustas investidas de terceiros, face à segurança individual.

Sílvio Luís Ferreira da Rocha, (2005, p. 77), aponta verdadeiro traço histórico sobre a previsão constitucional da função social da propriedade de 1946 à 1969, consoante se analisa:

“A Constituição Federal de 1946, no art. 147, condicionou o uso da propriedade ao bem-estar social.

Coube, no entanto, à Constituição Federal de 1967 estatuir de modo expresso a função social da propriedade, embora como princípio expresso na ordem econômica no art. 157, III, o que foi mantido na Emenda n. 1 de 1969, no art. 160, III.”

“É dever do legislador ter em conta a necessidade de proteção dos direitos, liberdades e garantias nas relações jurídico-privadas.” (CANOTILHO, 2004 , p. 92)

Já Duguit, (apud, ROCHA, 2005, p. 71), aduzia que a propriedade é anterior a concepção de Estado, assim todo o homem possui uma função social a cumprir, senão vejamos:

“[…] o homem não tem direitos. A coletividade tampouco. Porém, todo indivíduo tem na sociedade uma certa função a cumprir, uma certa tarefa a executar. Este é precisamente o fundamento da regra de direito que se impõe a todos. Em relação à propriedade, a função assinalada é dupla: de um lado, o proprietário tem o dever e o poder de empregar a coisa que possui na satisfação das necessidades individuais e especialmente nas suas próprias, de empregar a coisa no desenvolvimento de sua atividade física, intelectual e moral. De outro lado, o proprietário tem o dever e, por conseguinte, o poder de empregar a sua coisa na satisfação de necessidades comuns, de uma coletividade nacional inteira ou de coletividades secundárias.”

Neste sentido cumpre transcrever lição de José Joaquim Gomes Canotilho, (2004, p. 37) acerca da técnica de positivação aos igualmente livres, in litteris:

“Nesta perspectiva, consideraremos que a técnica de positivação dos vulgarmente chamados <<direitos a prestações>> constitui uma <<eleição racional>> de <<enunciados semânticos>> ou <<ditos constitucionais>> e foi feita, quer pelos constituintes portugueses quer pelos constituintes espanhois, em situação de liberdade hipoteticamente igual.”

O artigo 5º, caput, XXII, da Constituição Federal vigente, novamente traz em seu bojo a garantia do direito fundamental a propriedade; já no inciso XXIII, prevê o atendimento à função social da propriedade, a fim de que o titular deste direito possa exercê-lo livremente contra investidas ilícitas, configurando-se verdadeiro direito de defesa, proporcionado pelos status negativos e positivos dos direitos fundamentais.

Neste passo, SARLET (apud, MENDES, 2006, p. 06), preleciona acerca dos status negativos e positivos dos direitos fundamentais, in verbis:

“Vinculados à concepção de que o Estado incumbe, além da não-intervenção na esfera da liberdade pessoal dos indivíduos, garantida pelos direitos de defesa, a tarefa de colocar à disposição os meios materiais e implementar as condições fáticas que possibilitem o efetivo exercício das liberdades fundamentais, os direitos fundamentais a prestações objetivam, em última análise,a garantia não apenas da liberdade-autonomia (liberdade perante o Estado), mas também da liberdade por intermédio do Estado, partindo da premissa de que o indivíduo, no que concerne à conquista e manutenção de sua liberdade, depende em muito de uma postura ativa dos poderes públicos. Assim, enquanto direitos de defesa (status libertatis e status negativus) dirigem-se, em princípio, a uma posição de respeito e abstenção por parte dos poderes públicos, os direitos a prestações, que, de modo geral, reconduzidos ao status positivus de Jellinek, implicam uma postura ativa do Estado, no sentido de que este se encontra obrigado a colocar à disposição dos indivíduos prestações de natureza jurídica e material.”

Há uma enorme dificuldade em subjetivar um direito positivo do Estado de forma que seja preservado o núcleo do direito fundamental disposto em norma Constitucional, conforme J.J. Canotilho (2004, p. 50-51), vide:

“[…] se verifica que a dificuldade de subjectivação de um direito a um facere do Estado não é apenas um fenómeno do moderno <<Estado Social>>, pois o direito à protecção jurídica através do Estado (=acesso ao direito à via judiciária) constituiu sempre um dos leit motiv fundamentais do Rechsstaat e da compreensão liberal dos direitos fundamentais.”

Estas interferências do Poder Público que se pretende proteger são aquelas manifestamente ilegítimas, cujo o ato tem por fito lesar o conteúdo expresso dos direitos fundamentais constantes na Constituição Federal, especialmente o direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CRFB) que é tido como autentica garantia institucional do Constituinte, portanto, é essencial que haja um dever de legislar (Verfassungsaufrag), em conformidade com o animus do Constituinte por se tratar de norma de conformação[3].

Há além da intervenção estatal uma proibição de excesso e omissão contra os atos que ferirem direitos fundamentais, vez que estes são protegidos[4] pela Constituição Federal, (CANARIS, 1989, p. 161). Esclarece-se que todo o excesso configura verdadeira ofensa ao princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade, segundo preleciona Pedro Lenza, (2011, p.150), in versis:

“[…] o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, em essência, consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive de âmbito constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral do direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico”.

PAPIER, (in, MAUNZ-DURIG, 1970, p. 503), aduz sobre a preservação do núcleo da garantia constitucional a propriedade, devido a sua função social, visto que é fechado, porém admite elasticidade proveniente à aplicação do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, in verbis:

“A garantia constitucional da propriedade assegura uma proteção das posições privadas já configuradas, bem como dos direitos a serem eventualmente constituídos. Garante-se, outrossim, a propriedade enquanto instituto jurídico, obrigando o legislador a promulgar o complexo normativo que assegura a existência, a funcionalidade, a utilidade privada desse direito.

Inexiste, todavia, um conceito constitucional fixo, estático, de propriedade, afigurando-se, fundamentalmente, legítimas não só as novas definições de conteúdo como a fixação de limites destinados a garantir a sua função social. É que, embora não aberto, o conceito constitucional de propriedade há de ser necessariamente dinâmico.

[…] Isso não significa, porém, que o legislador possa afastar os limites constitucionalmente estabelecidos. A definição desse conteúdo pelo legislador há de preservar o direito de propriedade enquanto garantia institucional. Ademais, as limitações impostas ou as novas conformações conferidas ao direito de propriedade hão de observar especialmente o princípio da proporcionalidade, que exige que as restrições legais adequadas, necessárias e proporcionais.”

Os direitos fundamentais são verdadeiras garantias constitucionais e devem ser observados por todos, tendo em vista que todo o cidadão está inserido numa sociedade livre, justa e solidária[5] que visa promover o bem de todos, (preâmbulo e art. 3º, I, IV, da CRFB), logo todos são aptos a decidir sobre os interesses sociais, por meio de representantes elegidos, (art. 14, da CRFB), face a presença do Estado Social Democrático de Direito, bem como o direito ativo e não-ativo[6] pertencente aos cidadãos.

ALEXY, (apud, MENDES, 2006, p. 27), fornece brilhante lição sobre a teoria dos princípios como reclame da sociedade em garantia aos direitos fundamentais dispostos em texto magno, ainda realiza comparação entre a teoria da regra, vide:

“A grande vantagem da teoria dos princípios reside no fato de que ela pode impedir o esvaziamento dos direitos fundamentais sem introduzir uma rigidez excessiva. […] Ela permite uma via intermediária entre vinculação e flexibilidade. A teoria da regra somente conhece a alternativa validade ou invalidade. Para uma Constituição como a brasileira, que formulou tantos princípios sociais generosos, surge, como base nesse fundamento, uma pressão forte para, desde logo, se dizer que as normas que não possam ser aplicáveis sejam declaradas como não vinculantes, isto é, como simples normas programáticas. A teoria dos princípios pode, em contrapartida, levar a sério a constituição sem exigir o impossível. Ela pode declarar que normas não executáveis são princípios que, em face de outros princípios, hão de passar por um processo de ponderação. E, assim, ‘sob a reserva do possível, examinar aquilo que razoavelmente se pode reclamar e pretender da sociedade’. Assim, a teoria dos princípios apresenta não apenas uma solução para o problema da colisão, como também para o problema da vinculação dos direitos fundamentais”

Ciente do importante papel da função social da propriedade que atribui características de bem público, cuja preservação se sobreleva diante dos interesses dos particulares e entidades públicas, face a supremacia do interesse público sobre o privado, bem como pela proteção da teoria dos princípios que têm como fito precípuo a estrita observância dos direitos fundamentais.

Assim, a “[…] propriedade é um direito primário ou fundamental, ao passo que os demais direitos reais nele encontram a sua essência”, (GONÇALVES, 2012, p. 242), por esta razão o direito de propriedade constitui a imanência do direito real, desta feita os demais direitos gerais circundam seu cerne, face a obediência ao seu conceito.

Corroborando o acima esposado, cumpre tecer brevemente sobre a teoria da natureza humana acerca da propriedade, posto que constitui “[…] o instituto da conservação que leva o homem a se apropriar de bens seja para saciar sua fome, seja para satisfazer suas variadas necessidades de ordem física e moral.” (DINIZ, 2012, p. 127)

Neste passo, cumpre explicitar os elementos constitutivos[7] da propriedade que são imanentes ao proprietário, os verbos: usar, gozar, dispor e reaver, conforme preleciona o art. 1.228, caput, do CC. Logo quando estão presentes todos estes elementos a propriedade é plena, atendendo ao previsto no artigo 1.231, do CCB; e artigo 525, do CC/16[8], desta feita a função social da propriedade “[…] é tomada como necessidade de que o uso da propriedade responda a uma plena utilização, otimizando-se ou tendendo-se a otimizar os recursos disponíveis em mãos do proprietários […]” (ROCHA, 2005, p. 76)

Cumpre repisar que, a propriedade é definida como conceito, e não tipo, por se tratar de definição fechada, porém passível de elasticidade, consoante preleciona Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 229), in verbis:

 “[…] o conceito de propriedade, embora não aberto, há de ser necessariamente dinâmico. Deve-se reconhecer, nesse passo, que a garantia constitucional da propriedade está submetida a um intenso processo de relativização, sendo interpretada, fundamentalmente, de acordo com parâmetros fixados pela legislação ordinária.”

Assim sendo, a “[…] propriedade – instituto sobre o qual repousa a caracterização político-social do Estado – independentemente do modelo capitalista ou socialista adotado, é tida como expressão de riqueza.” (QUADROS, 1997, p. 9)

Portanto, ciente de que a propriedade constitui direito fundamental e antecessora a qualquer normatização, por isso tem garantida sua proteção pelo Constituinte por meio da função social que todo o homem deve cumprir, vez que o exercício de determinado bem lhe atribui características de bem público, logo o exercício da propriedade deve ser amplo e pleno.

3. Dos procedimentos da importação e das penalidades aplicadas ao Importador.

Neste item, abordar-se-á sobre o imposto de importação e seu procedimento, bem como sobre as penalidades imputadas ao importador, em especial apreensão e perdimento da mercadoria, em afronta ao Texto Constitucional por ofensa direta ao direito da propriedade e sua função social, consoante se analisa a seguir.

“Imposto dos mais antigos do mundo, o de importação evolveu de receita puramente fiscal para instrumento extrafiscal destinado à proteção dos produtores nacionais e, mais tarde, também a do câmbio e do balanço de pagamentos.” (BALEEIRO, 2010, p. 212)

Este imposto é incidente sobre mercadorias e serviços advindos do exterior que penetram por qualquer via de acesso de forma definitiva em nosso território nacional, nos termos do art. 1º, do Decreto-Lei n. 37/1966; art. 19, do CTN, face aspecto material da hipótese de incidência prevista no art. 153, I, da CRFB.

“Mas, em seu sentido jurídico, não basta o simples ingresso físico. É imprescindível a entrada no território nacional para a incorporação do bem à economia interna”, segundo leciona Fátima Fernandes Rodrigues de Souza, (in, MARTINS, 1988, p. 166)

Leandro Paulsen e Jose Eduardo Soares Melo (2011, p. 26), aduzem que o registro do bem no SISCOMEX configura declaração de importação, vide:

“O recolhimento do Imposto sobre a Importação, através do SISCOMEX, constitui ato contínuo ao registro da declaração de importação, ocorrendo eletronicamente, on line, mediante débito na conta do importador. Isso porque o Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759/2009), em seu art. 107, determina que o imposto será pago na data do registro da declaração de importação. Aliás, o pagamento do Imposto sobre a Importação, assim como o de Imposto sobre Produtos Industrializados e do ICMS, é condição para o desembaraço aduaneiro do produto, sem que, com isso, haja qualquer ofensa à Súmula 323 do STF.”

Neste turno, Aliomar Baleeiro, (2010, p. 213), explicita o procedimento realizado pelo importador para adquirir a mercadoria importada, in verbis:

“O importador, de posse do certificado de cobertura cambial, da fatura comercial visada pelo cônsul brasileiro no país da procedência da mercadoria e do ‘conhecimento’ do transportador, propõe o despacho em cinco vias de nota de importação, por meio dum despachante aduaneiro afiançado e titulado pelo Ministério da Fazenda. Faz-se o prévio recolhimento dos direitos aduaneiros, segundo a classificação da mercadoria na tarifa, proposta pelo despachante e, em seguida, pesado o volume, é aberto e verificado pelo conferente da alfândega, examinando-se os seus característicos.”

O artigo 20, III, do CTN[9], delineia a base de cálculo do imposto nos casos em que o produto é apreendido ou abandonado, levando-se a leilão para arremate do bem, e sempre quando for conhecido o importador será convidado para pagar as diferenças eventuais do valor arrematado, senão cobrir os tributos e despesas.

Há casos em que pode haver aplicação da pena de perdimento, nos termos do art. 514, XVIII, do Regulamento Aduaneiro, e nestes casos é inviável a incorporação do bem importado, segundo prelecionam Leandro Paulsen e José Eduardo Soares Melo, (2011, p. 23), vide:

“Cabe destacar que, quando o produto é submetido à pena de perdimento, inviabiliza-se a sua incorporação à economia nacional, de modo que a importação não chega a ser concluída, não configurando fato gerador do Imposto de Importação. Descabida, nestes casos, a cobrança do Imposto de Importação que, já tendo sido recolhido ou depositado, deve ser restituído ou liberado.”

Ora, se é inviável a incorporação do bem ao cenário nacional não deveria haver apenamento ao perdimento de bens, conforme dispõe art. 689, e seguintes do Decreto n. 6.759/2009, pois configura verdadeira ofensa à função social da propriedade, bem como ao livre exercício da propriedade, conforme aduzido no item 2.

Cumpre repisar mediante ensinamento de Hugo de Brito Machado, (2010), advertindo que o artigo 110, do CTN, é explicitação da Constituição Federal vigente, confirmando a conformação que o legislador ordinário deve ter em relação ao texto magno, in verbis:

“Hoje já não se pode ter dúvida de que o art. 110 do Código Tributário Nacional é simples explicitação da supremacia constitucional, posto que desta é que na verdade resulta a inalterabilidade dos conceitos utilizados pela Lei Maior. Inalterabilidade que evidentemente não está restrita à matéria tributária. Nenhum conceito utilizado em norma da Constituição pode ser alterado pelo legislador ordinário para, por via oblíqua, alterar a norma de superior hierarquia.”

Continua Gilmar Ferreira Mendes (206, p. 116), aduzindo sobre a vinculação do legislador ordinário aos direitos fundamentais prescritos em Constituição Federal, face o princípio da reserva legal, bem como observância dos limites dos limites, consoante se examina:

“A exigência de que o âmbito de proteção de determinado direito somente pode sofrer restrição mediante lei ou com fundamento em lei (reserva legal) já seria suficiente para ressaltar a importância vital da vinculação do legislador aos direitos fundamentais. Se a ele compete, em certa medida, fixar os contornos de um direito fundamental, mediante o estabelecimento de limitações ou restrições, mister se faz que tal tarefa seja executada dentro dos limites prescritos pela própria Constituição. O legislador deve ater-se aqui não só ao estabelecido na Constituição (reserva legal simples/ reserva legal qualificada), mas também aos chamados limites dos limites (Schranken- Schranken), especialmente ao princípioda proteção do núcleo essencial (Wesensgehaltsgarantie) e ao princípio da proporcionalidade (Verhältnismässigkeitsprinzip).”

Desta feita, se há vinculação do legislador ordinário às normas constitucionais, tendo em vista que estas configuram direitos de defesa contra a vontade do legislador não poderia haver qualquer restrição ou limite ao direito da propriedade do bem importado, face sua função social que lhe atribui características de bem público. Ainda mais quando o bem importado não é incorporado a economia interna.

No entanto, este fixa no Decreto n. 6.759/2009, penalidades de perdimento da mercadoria importada juntamente com multa pecuniária calculada em 50% do valor aduaneiro da mercadoria, além de infração por dano ao erário, com esteio nos art. 689, §§ 1º a 3º, vide:

“§ 1º A pena de que trata este artigo converte-se em multa equivalente ao valor aduaneiro da mercadoria que não seja localizada ou que tenha sido consumida (Decreto-Lei no 1.455, de 1976, art. 23, § 3o, com a redação dada pela Lei no 10.637, de 2002, art. 59). 

§ 2º A aplicação da multa a que se refere o § 1o não impede a apreensão da mercadoria no caso referido no inciso XX, ou quando for proibida sua importação, consumo ou circulação no território aduaneiro (Decreto-Lei no 1.455, de 1976, art. 23, § 4o, com a redação dada pela Lei no 10.637, de 2002, art. 59). 

§ 3º Na hipótese prevista no § 1o, após a instauração do processo administrativo para aplicação da multa, será extinto o processo administrativo para apuração da infração capitulada como dano ao Erário (Lei no 10.833, de 2003, art. 73, caput e § 1o).” 

Portanto, há verdadeiro abuso de direito liquido e certo passível de impetração de remédio constitucional (art. 5º, LXIX, CRFB; e Lei n. 12.016/2009), pois o legislador ordinário determinar aplicação penas desarrazoadas ao Importador, principalmente ao reter e restringir o direito ao exercício livre e pleno da propriedade, ferindo, consequentemente, bem público, conforme se verificará a seguir.

4. Do mandado de segurança e do provimento acautelatório.

Neste tópico, abordar-se-á sobre a natureza jurídica, a finalidade, direito liquido e certo do mandado de segurança, bem como as providencias cautelares requeridas no writ e seus requisitos, dando-se continuidade ao estudo proposto acima.

Impetra-se o presente remédio constitucional com o escopo de se socorrer ao Poder Judiciário a fim de ver reconhecido o abuso de direito exercido pela Autoridade Coatora, razão pela qual não pode ter a via judiciária afastada ou negada diante do caso concreto, haja vista que necessita urgentemente da concessão da liminar a fim de que seja liberada a mercadoria dando continuidade no exercício da função social da propriedade.

 Ato contínuo, cumpre elucidar que o Brasil adotou o sistema de jurisdição única, cabendo, unicamente, ao Poder Judiciário, de forma definitiva, declarar o direito, diante de um caso concreto, quando provocado por alguém que se veja diante de uma pretensão resistida, especialmente nos casos em que se imprime urgência.

 Significa o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional que a Constituição Federal assegura a todos a possibilidade de acesso ao Judiciário, donde, toda vez que, por algum motivo, o cidadão não conseguir obter, espontaneamente, a satisfação de um interesse, poderá socorrer-se do Poder Judiciário e deduzir pretensão.

 Este direito constitucional de ação implica, ainda, como corolário lógico, o direito ao processo, ou melhor, ao devido processo constitucional, conforme EC n. 45/2004; e art. 5º, LIV, da CRFB, porque aquele que busca acesso ao Judiciário pretende, na realidade, a obtenção da prestação jurisdicional, a qual, por seu turno, atua por meio do processo, em prol da persecução da Justiça Social, (preambulo e art. 3º, I, IV, Carta Magna), neste Estado Social Democrático de Direito.

Desta feita cumpre lecionar o entendimento de Hely Lopes Meirelles, (2008, p. 35), sobre a natureza jurídica do mandado de segurança, in verbis:

“O mandado de segurança, como a lei regulamentar o considera, é ação civil de rito sumário especial, destinada a afastar ofensa a direito subjetivo individual ou coletivo, privado ou público, através de ordem corretiva ou impeditiva da ilegalidade, ordem, esta, a ser cumprida especificamente pela autoridade coatora, em atendimento da notificação judicial. […] Distingue-se das demais ações apenas pela especificidade de seu objeto e pela sumariedade de seu procedimento, que é próprio e só subsidiariamente aceita as regras do Código de Processo Civil.”

Quanto ao fito do writ, expõe brilhante lição de Alexandre de Moraes, (2007, p. 147), que aduz sobre a proteção de direito líquido e certo, in verbis:

“O mandado de segurança é uma ação constitucional, de natureza civil, cujo objeto é a proteção de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de omissão de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.”

Neste passo, cumpre mencionar que o direito líquido e certo[10] do mandado de segurança é aquele inequivocamente comprovado por mediante robusta prova documental, tornando o fato incontroverso[11], (art. 334, do CPC; e art. 1º, da Lei n. 12.016/2009), devido à observância da segurança jurídica, nos termos do art. 5º, XXXV, da CRFB.

Quanto aos requisitos para o provimento liminar da medida, (arts. 797 e 798, do CPC), são os seguintes: a) fumus boni iuris (fumaça do bom direito), ou seja, é a plausibilidade do direito devido a análise superficial dos fatos narrados, razão pela qual deve se tratar de fato incontroverso comprovado documentalmente; e b) periculum in mora (perigo da demora) consistindo no risco da demora o que gera o justo receio a ineficácia da presente medida, face o abuso do direito de defesa exercitado pela Autoridade Coatora.

Faz-se inerente transcrever o entendimento dos doutrinadores Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini, acerca da essencialidade da concessão da liminar em tela, sob pena de ineficácia do processo, senão vejamos:

“[…] Trata-se de processo em que, com base na verificação de que há fumus e periculum, se preserva a parte do risco de ineficácia do processo principal. Essa preservação ocorre seja por meio da liminar […]

Não há dúvidas de que existe alguma diferença entre: (i) providencias destinadas a proteger o resultado prático do pronunciamento final (principal) mediante a mera conservação de uma situação (medidas que buscam resguardar a eficácia do pronunciamento final mediante o próprio adiantamento de efeitos que, em princípio só se produziriam ao final (medida antecipatória) […] é inegável que ambas integram uma mesma categoria geral, das medidas urgentes, e têm muito mais pontos em comum do que diversidades.

[…] Na atividade jurisdicional urgente, cognição e execução reúnem-se no mesmo processo como reflexo de interesse de agir único e indivisível. Quem precisa de providência cautelar (e isso vale para a generalidade das medidas de urgência), necessita não apenas de provimento cognitivo reconhecendo a plausibilidade de seu direito, mas principalmente da imediata concretização da medida.”

Neste sentido, expõe entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, senão vejamos:

“A noção de direito líquido e certo, para efeito de impetração de mandado de segurança, ajusta-se, em seu específico sentido jurídico, ao conceito de situação que deriva de fato incontestável, vale dizer, de fato passível de comprovação documental imediata e inequívoca.” (STF – Pleno – MS n. 21.865-7/RJ, Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 1º-dez-2006, p. 66)

“[…] cumpre registrar, finalmente, que já existem, em nosso sistema de direito positivo, ainda que de forma difusa, diversos mecanismos legais destinados a acelerar a prestação jurisdicional (CPC, art. 133, II e art. 198; LOMAN, art. 35, incisos II, III, VI, art. 39, art. 44 e art. 49, II), de modo a neutralizar, por parte de magistrados e Tribunais, retardamentos abusivos ou dilações indevidas na resolução dos litígios.” (STF – Mandado de Injunção n. 715/DF – Rel. Min. Celso de Mello)

Alexandre de Moraes, (2007, p. 148-149), alude que a Lei n. 12.016/2009, deve ser aplicada com base no preceito constitucional (norma de conformação) para que seja realizada a proteção do direito liquido e certo, in verbis:

“Ocorre que a referida lei deve, por óbvio, ser interpretada de acordo com a garantia constitucionalmente deferida à proteção do direito líquido e certo. Portanto, sempre será cabível o mandado de segurança se as três exceções previstas não forem suficientes para proteger o direito líquido e certo do impetrante.”

Além disto, para colaborar com o Judiciário no atendimento ao princípio do controle ou da tutela, posto que incumbe à Administração Pública fiscalizar as atividades de todos os entes públicos e servidores investidos, com o fito de garantir suas finalidades públicas primordiais, bem como os direitos fundamentais.

 Logo, o mandado de segurança deve ser manejado sempre que houver afronta a direito inequívoco de sujeito de direito, in casu o direito a propriedade, neste caso haverá a necessidade de reconhecimento do ato abusivo de direito para que a Administração Pública possa exercer o controle de todos os atos administrativos.

Caso haja necessidade de provimento urgente diante do ato abusivo, v.g., perda ou retenção injusta da propriedade, roga-se a concessão de provimento liminar, a fim de salvaguardar o direito da parte, ainda que provisoriamente, sempre que presentes os requisitos liminares, conferindo-lhe prioridade no julgamento, com esteio no art. 7º, § 4º, da Lei n. 12.016/2009.

5. Da inconstitucionalidade do art. 7º, § 2º, da Lei n. 12.016/2009 por ofensa literal à Constituição Federal.

Neste tópico, explanar-se-á sobre a inconstitucionalidade do art. 7º, § 2º, da Lei n. 12.016/2009 por ofensa direta a preceitos fundamentais e princípios constitucionais, entre eles função social da propriedade e o direito a propriedade por inobservância do fito do mandado de segurança pelo legislador ordinário excedendo o poder de conformação imposto pelo Constituinte.

Após estudarmos o fito precípuo do mandado de segurança, bem como de seu provimento liminar acautelatório que consubstanciam atendimento de inúmeros pressupostos constitucionais, especialmente direitos fundamentais prescritos no artigo 5º, da CF/88.

 Cabe narrar que o art. 7º, § 2º, da Lei n. 12.016/2009, veda a concessão de liminar nos casos de entrega de mercadoria importada, segundo se examina:

“Art. 7º Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:[…]

§ 2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes de exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.”

Visto a proibição de concessão de liminar há ofensa direta a preceitos constitucionais, tais como: isonomia, proporcionalidade, razoabilidade, função social da propriedade, propriedade, justiça social, solidariedade, entre outros, logo deve ser decretada a inconstitucionalidade do parágrafo em comento.

Neste caminho, José Joaquim Gomes Canotilho (1982, p. 381-382), elucida sobre a importância do princípio da isonomia, pois é injusta a negativa de concessão de medida liminar para liberar mercadoria importada, in litteris:

“O princípio da isonomia pode ser visto tanto como exigência de tratamento igualitário (Gleichbehandlungsgebot) quanto como proibição de tratamento discriminatório (Ungleichbehandlungsverbot). A lesão ao princípio da isonomia oferece problemas sobretudo quando se tem a chamada exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade (willkürlicher Bergüngsausschluss).”

Esta exclusão é concludente ou expressa, pois se efetivou na Lei n. 12.016/2009, em seu art. 7º, § 2º[12], ao impossibilitar o magistrado de conceder provimento liminar quando se tratar de mercadoria importada, independentemente da pena que for culminada, v.g., perda da propriedade de mercadoria importada.

A Lei n. 12.016/2009, promove verdadeira ofensa a inúmeros postulados constitucionais, conforme se examina, posto que acomete o âmbito de proteção[13] das normas fundamentais previstas no art. 5º, caput, XXIII, LXIX, da CF/88. Assim cumpre transcrever entendimento de Gilmar Ferreira Mendes (2006, p. 13-14), atinente ao âmbito de proteção dos direitos fundamentais, vide:

“O âmbito de proteção de um direito fundamental abrange os diferentes pressupostos fáticos (Tatbeständen) contemplados na norma jurídica (v.g., reunir-se sob determinadas condições) e a consequência comum, a proteção fundamental. Alguns chegam a afirmar que o âmbito de proteção é aquela parcela da realidade (Lebenswirklichkeit) que o constituinte houve por bem definir como objeto de proteção especial ou, se se quiser, aquela fração da vida protegida por uma garantia fundamental. Alguns direitos individuais, como o direito de propriedade e o direito à proteção judiciária, são dotados de âmbito de proteção estritamente normativo (âmbito de proteção estritamente normativo = rechs- oder norm- geprägter Schutzbereich).[…]

Isso significa que o âmbito de proteção não se confunde com proteção efetiva e definitiva, garantindo-se apenas a possibilidade de que determinada situação tenha a sua legitimidade aferida em face de dado parâmetro constitucional.

Na dimensão dos direitos de defesa, âmbito de proteção dos direitos individuais e restrições a esses direitos são conceitos correlatos. Quanto mais amplo for o âmbito de proteção de um direito fundamental, tanto mais se afigura possível qualificar qualquer ato do Estado como restrição. […]”

Não poderia o legislador ordinário na Lei n. 12.016/2009, restringir o direito a concessão de medida liminar, porque esta somente visa proteger o âmbito do núcleo da norma constitucional (direito a propriedade) que é marcada por sua função social, este conceito jurídico indeterminado, por sua vez, constitui importante balizamento a conformação de um direito ao telos do Constituinte[14], observando-se o princípio da proporcionalidade[15].

Cumpre tecer sobre o princípio da função social da propriedade, segundo Sílvio Luís Ferreira da Rocha, (2005, p. 72), in verbis:

“Como princípio normativo o princípio da função social afeta o mecanismo de atribuição do direito de propriedade e o regime de exercício. A atribuição do direito de propriedade não se efetua de modo incondicionado, mas submetida ao cumprimento, por parte do proprietário, da orientação social que contém. A função social implica que se reconheça ao direito de propriedade a ausência de determinadas faculdades, o exercício condicionado de outras e o dever de exercitar algumas livremente ou de acordo com determinados critérios.”

Portanto, a “[…] função social da propriedade pode ser concebida como um poder-dever ou um dever-poder do proprietário de exercer o seu direito de propriedade sobre o bem em conformidade com o fim ou interesse coletivo[16].” (ROCHA, 2005, p. 71)

Com essa injusta limitação pelo legislador ordinário na Lei em comento configura ofensa ao direito a propriedade e sua função social, bem como à separação dos poderes, logo há uma manipulação da lei pelos órgãos legislativos por encampar ato ilícito, segundo José Joaquim Gomes Canotilho (1.982, p. 614), vide:

“As razões materiais desta proibição sintetizam-se da seguinte forma: (a) as leis particulares (individuais e concretas), de natureza restritiva, violam o princípio material da igualdade, discriminando, de forma arbitrária, quanto à imposição de encargos para uns cidadãos em relação aos outros; (b) as leis individuais e concretas restritivas de direitos, liberdades e garantias representam a manipulação da forma da lei pelos órgãos legislativos ao praticarem um ato administrativo individual e concreto sob as vestes legais (os autores discutem a existência, neste caso, de abuso de poder legislativo e violação do princípio da separação dos poderes;(c) as leis individuais e concretas não contêm uma normatização dos pressupostos da limitação, expressa de forma previsível e calculável e, por isso, não garantem aos cidadãos nem a proteção da confiança nem alternativas de ação e racionalidade de atuação.”

Isto, outrossim, porque eventual limitação a direito fundamental deve ser expresso somente em artigo da Constituição Federal, v.g., arts. 5º, XV (reunir-se pacificamente, sem armas) e XVI (locomoção no território nacional em tempos de paz), como defesa a proteção ao núcleo de direito fundamental.

Os “[…] clássicos direitos de defesa reconduziam-se a uma pretensão de omissão dos poderes públicos perante a esfera jurídica privada; os direitos a prestações postulam uma proibição de omissão […]”, (CANOTILHO, 2004, p. 52)

Gilmar Ferreira Mendes (2006, p. 16), elucida que o legislador ordinário deveria atender ao fito do Constituinte, e não restringir o direito à propriedade configurando ofensa direta ao preceito fundamental por sua inconstitucionalidade direta, que é marcado por sua função social, vide:

“Não raras as vezes, destinam-se as normas legais a completar, densificar e concretizar direito fundamental. É o que se verifica, v.g., em regra, na disciplina ordinária do direito de propriedade material e intelectual, do direito de sucessões (CF, art. 5º XXII – XXXI) […]

Sem pressupor a existência das normas de direito privado relativas ao direito de propriedade, ao direito de propriedade intelectual e ao direito de sucessões, não haveria que se cogitar de uma efetiva garantia constitucional desses direitos. Da mesma forma, a falta de regras processuais adequadas poderia transformar o direito de proteção judiciária em simples esforço retórico. Nessa hipótese, o texto constitucional é explicito ao estabelecer que ‘a lei não excluirá de apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’ (art. 5º, XXXV). Fica evidente, pois, que a intervenção legislativa não apenas se afigura inevitável, como também necessária. Veda-se, porém, aquela intervenção legislativa que possa afetar a proteção judicial efetiva.

Dessarte, a simples supressão de normas integrantes da legislação ordinária sobre esses institutos pode lesar não apenas a garantia institucional objetiva, mas também direito subjetivo constitucionalmente tutelado.”

Houve verdadeiro desvirtuamento da função social da propriedade ao apreender indevidamente o bem pertencente ao indivíduo e ainda por apenar o perdimento da mercadoria importada, bem como por vedar a concessão de provimento acautelatório na Lei n. 12.016/2009, segundo Francisco Eduardo Loureiro, (apud, ROCHA, 2005, p. 74), vide:

“Há serio desvio de perspectiva daqueles que confundem função social da propriedade com simples limitações ou restrições. Basta lembrar que a mesma figura da função social serve para proteger com incentivos a pequena e média empresa. Serve para subsidiar a instalação de indústrias em determinadas regiões do país. Serve para isentar do pagamento de tributos propriedades de valor histórico, preservadas ou tombadas. Serve para a concessão de crédito em condições privilegiadas para a aquisição da casa própria ou para a instalação de industrias geradoras de empregos. Serve para impedir a penhora sobre imóveis residenciais e suas pertenças. Em suma, fácil perceber que a função social pode servir de incremento e de incentivo a diversas formas proprietárias, ou de estímulo a determinadas condutas socialmente relevantes.”

 Isto por conta da função social da propriedade que é lecionada por Carlos Roberto Gonçalves, (2012, p. 244), ao dissertar sobre o entendimento doutrinário de Duguit, consoante se verifica abaixo:

“[…] a propriedade deixou de ser o direito subjetivo do indivíduo e tende a se tornar a função social do detentor de uma riqueza a obrigação de emprega-la para o crescimento da riqueza social e para a interdependência social. Só o proprietário pode executar uma certa tarefa social. Só ele pode aumentar a riqueza geral utilizando a sua própria; […]”

Deve haver uma evolução de todo o órgão jurisdicionado, elevando o Estado à função de guardião dos direitos fundamentais prescritos no art. 5º, da CF/88, porque todo cidadão se encontra numa posição jurídico-prestacional[17]. Neste passo urge colacionar o entendimento de Johannes Dietlen, (DIETLEN, 1991, p. 18), senão vejamos:

“A jurisprudência da Corte Constitucional alemã acabou por consolidar entendimento no sentido de que do significado objetivo dos direitos fundamentais resulta o dever do Estado não apenas de se abster de intervir no âmbito de proteção desses direitos, mas também de proteger esses direitos contra a agressão ensejada por atos de terceiros.

Tal interpretação do Bundesverfassungsgericht empresta sem dúvida uma nova dimensão aos direitos fundamentais, fazendo com que o Estado evolua da posição de adversário (Gegner) para uma função de guardião desses direitos (Grundrechtsfreund oder Grundrechtsgarant).”

Nessa esteira cumpre transcrever ensinamento de Paolo Barile (1984, p. 07) sobre a evolução constitucional italiana cujas disposições foram criadas pensando no futuro da sociedade, consoante se examina:

“<<La cultura dei constituenti non era una cultura del passato come qualcuno há detto, ma anzi, sorpreendentemente, del futuro. Essa li porto a scrivere una constituzione che, come Gustav Mabler diceva della sua musica, era destinata non ai contemporanei, che erano sgradevolmente colpiti dalla sua novità ma ai posteri.>>”

Quando existir o descumprimento da função social da propriedade legitimando a intervenção estatal na esfera público-privada, (art. 36, II, da Carta Magna), por meio de requisição do STF ou do STJ, uma vez que os arts. 5º, XXIII, e 170, III, da Carta Republicana, conciliam a proteção do direito fundamental à propriedade com a ordem econômico-financeira[18].

Aproveita o ensejo para colacionar o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, acerca da intervenção estatal na esfera dominial quando descumprida a função social da propriedade, vide:

“O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da República. O acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade.” (ADI 2.213-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 4-4-2002, Plenário, DJ de 23-4-2004.)

Cumpre denotar que estes atos da Administração Pública são conhecidos como sanção política, visto que se utiliza de meio coercitivo indireto para compelir o contribuinte ao pagamento abusivo de tributos ao apreender ilegalmente/inconstitucionalmente a mercadoria importada e ainda aplicar pena de perdimento art. 689, do Regulamento Aduaneiro, de acordo com Cleide Previtalli Cais, (2011, p. 294-295), senão vejamos:

“A cobrança de tributo somente pode ser feita pela Fazenda Pública, mediante o procedimento administrativo ou pela propositura da execução fiscal, em obediência aos princípios da legalidade e do direito à jurisdição. Sanção política constitui qualquer tipo de restrição ou proibição imposta ao contribuinte, que, indiretamente, forçam-no ao recolhimento do tributo. A interdição de estabelecimento, a apreensão de mercadorias e o protesto da Certidão da Dívida Ativa da Fazenda Pública constituem modalidades de sanções políticas. […] Para que se configure como sanção política a medida adotada pela Fazenda Pública deve contrariar o inciso XIII do art. 5º. e o art. 170, CF. Constitui sanção política, medida adotada pela Administração Pública que venha a contrariar direitos assegurados pela lei e pela Constituição Federal. Exemplificando: a) ato administrativo que desrespeitando os princípios que regulam a Administração Pública (caput do art. 37, CF), venha a limitar o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, parágrafo único, CF); b) ato administrativo que cerceie o amplo acesso ao Poder Judiciário pelo contribuinte e o exercício do contraditório (incs. XXV e LV do art. 5º, da CF).”

Tanto que o Supremo Tribunal Federal consagrou a proteção à propriedade, devido a sua função social, por meio da edição das Súmulas n. 323[19] e 547[20], porque ambas aduzem sobre a inadmissibilidade de qualquer apreensão de mercadoria.

 Assim, deve haver uso efetivo do bem sobre o qual recai a propriedade, in casu, a mercadoria importada deve ser entregue ao Importador para que este continue exercendo sua função social em consonância com suas finalidades sócio-econômicas, nos termos do art. 1.228, § 1º, do CC[21].

Porém com a apreensão do bem e a aplicação da pena de perdimento há verdadeiro descumprimento da função social da propriedade, conforme arts. 5º, XXIII c.c. 170, III, da Carta Magna, bem como configuração de inconstitucionalidade que deve ser decretada pelas vias difusa, mediante incidente, e pela via direta analisando a Lei em tese intentada pelos legitimados no art. 2º, da Lei n. 9.868/1999.

 Nesta toada, preleciona Maria Helena Diniz, (2012, p. 124), sobre o uso efetivo da propriedade como forma de cumprimento do interesse publico, sendo que este se sobreleva ao interesse dos particulares, face os reclames da justiça social que deve estar presente neste Estado Social Democrático de Direito, (preâmbulo e art. 3º, I, IV, da CF/88) consoante se verifica abaixo:

“A função social da propriedade é imprescindível para que se tenha um mínimo de condições para a convivência social. […] a função social da propriedade vincula não só a produtividade do bem, como também aos reclamos da justiça social, visto que deve ser exercida em prol da coletividade. Fácil é perceber que os bens, que constituem objeto do direito de propriedade, devem ter uma utilização voltada à sua destinação socioeconômica. O princípio da função social da propriedade está atrelado, portanto, ao exercício e não ao direito de propriedade.[…]

Deve haver, portanto, uso efetivo e socialmente adequado do bem sobre o qual recai a propriedade. Busca-se equilibrar o direito de propriedade como uma satisfação de interesses particulares, e sua função social, que visa atender ao interesse público e ao cumprimento de deveres para com a sociedade.”

No tocante, a extensão dos efeitos da propriedade ela deve abarcar toda a amplitude do bem móvel, consecutivamente não pode a pessoa de direito (público ou privado) limitá-la por meio de seu animus (art. 1.229 c.c. 1.231, do CC), ou seja, desmembrando o uso, o gozo, etc, posto que “qui dominus est soli dominus est usque ad coelos et usque ad ínferos” (quem é dono do solo é também dono até o céu e até o inferno).

Sempre que houver a ofensa à função social da propriedade com sua injusta retenção ou o descumprimento de suas finalidades sócio-econômicas, torna-se imperiosa a proteção deste direito fundamental por meio de impetração de mandado de segurança, visto que o Estado não pode lesar os direitos tutelados pela Carta Maior, segundo lição de Ary Florêncio Guimarães, (1982, p. 141), vide:

“[…] decorre o instituto, em última análise, daquilo que os publiscistas chamam de obrigações negativas do Estado. O Estado como organização sociojurídica do poder não deve lesar os direitos dos que se acham sob sua tutela, respeitando, consequentemente, a lídima expressão desses mesmos direitos, por via da atividade equilibrada e sensata dos seus agentes, quer na administração direta, quer no desenvolvimento do serviço público indireto.”

Ao suprimir o direito de propriedade com apenamento de possível perda do bem no decurso de 90 (noventa) dias contados da apreensão a Administração Pública está agindo de forma desarrazoada incorrendo no desatendimento ao princípio da moralidade, impessoalidade e da probidade, conforme art. 37, caput, da CRFB, posto que está agindo desonestamente, conforme preleciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2011, p. 69 e 365), in litteris:

“[…] Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento.[…]

O princípio da moralidade, conforme visto nos itens 3.3.11 e 18.1, exige da Administração comportamento não apenas lícito, mas também consoante com a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a ideia comum de honestidade. […]”

Dessarte, o legislador ordinário criou parágrafo exorbitando de seu poder por inobservância das normas de conformação exercidas pelo Constituinte, em especial direito a propriedade e sua função social que não podem ser limitadas ou restringidas por ausência de previsão constitucional, havendo clara e manifesta inconstitucionalidade que deve ser declarada por meio de via difusa ou concentrada.

6. Conclusão.

Este mister tem por fito demonstrar ao leitor que o indivíduo detentor de determinado bem móvel ou imóvel deve exercer o direito a propriedade de forma ampla e plena (usar, gozar, reaver e dispor), porque somente desta forma se obtém o atendimento perfeito a função social da propriedade, atribuindo características públicas ao bem sobre o qual se exerce domínio.

O direito a propriedade é direito fundamental do homem e da sociedade, sendo pré-existente a qualquer disposição normativo-constitucional, tanto que só encontrou amparo em nosso ordenamento constitucional em 1934, permanecendo desde então até a Constituição vigente, logo todo o homem tem o dever de cumprir uma função social.

Com a constitucionalização deste direito há a demonstração a todos os integrantes da sociedade que citado direito é fundamental à coletividade, merecendo proteção de seu núcleo ante a presença do Estado Social Democrático de Direito, por objetivar-se a justiça social.

Por esta razão o legislador exacerbou seu poder ao prever no Regulamento Aduaneiro aplicação de penalidades (perdimento de bens e multa pecuniária) à mercadoria importada pelo Importador, sendo que este realizou procedimento legítimo amparado pelo art. 153, I, da CRFB, configurando-se sanção política por compelir contribuinte ao pagamento de tributo por meio coercitivo indireto.

Estas penalidades denotam o torpe fito do animus do legislador ao vedar a concessão de provimento liminar em mandado de segurança quando da entrega de mercadoria importada, nos termos do art. 7º, § 2º, da Lei n. 12.016/2009, consolidando-se o abuso de direito e sua inconstitucionalidade pela flagrante lesão ao direito da propriedade e sua função social, (art. 5º, caput, XXII, XXIII, e 170, III, CRFB).

Esta lesão ao direito da propriedade e sua função social pelo art. 7º, da Lei n. 12.016/2009, bem como pelo Regulamento Aduaneiro, são claras sanções políticas para obter do Importador arrecadação aos cofres públicos desarrazoadamente.

Portanto, deve o Importador se socorrer da tutela jurisdicional para ver declarada a inconstitucionalidade pela via difusa ou aguardar pronunciamento pela via concentrada por manifestação dos legitimados, posto que pretende exercer a função social que lhe é predestinada em sua própria natureza sem qualquer restrição.

 

Referências
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Notas:
[1] Art. 113 – A Constituição assegura a brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: […] 17) É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. […]
[2] Gilmar Ferreira Mendes (2006, p. 114), aduz sobre os direitos fundamentais e sua vinculação aos entes públicos: “Os direitos fundamentais são concebidos, originalmente, como direitos subjetivos públicos, isto é, como direitos do cidadão em face do Estado. Se se considerar que os direitos fundamentais são prima facie direitos contra o Estado, então parece correto concluir que todos os Poderes e exercentes de funções públicas estão diretamente vinculados aos preceitos consagrados pelos direitos e garantias fundamentais.
[3] Gilmar Ferreira Mendes, (2006, p. 17-18), preleciona sobre o fito das normas de conformação: “Não raro, o constituinte confere ao legislador ordinário um amplo poder de conformação, permitindo que a lei concretize ou densifique determinada faculdade fundamental. […] Por isso, assinala-se na doutrina a peculiar problemática que marca esses direitos com âmbito de proteção marcadamente normativo: ao mesmo tempo que dependem de concretização e conformação por parte do legislador, eles devem vincular e obrigar o Estado. Em outros termos, o poder de conformação do legislador, na espécie, não significa que ele detenha absoluto poder de disposição sobre a matéria. […] Eventual supressão pode lesar tais garantias, afrontando o instituto enquanto direito constitucional objetivo e as posições juridicamente tuteladas, se suprimir as normas concretizadoras de determinado instituto. Existiria, assim, para o legislador um dever de preservar.”
[4] Ingo Richter; Gunnar Folke Schuppert, (1996, p. 35-36), versam sobre o dever de proteção do Estado: “Nos termos da doutrina e com base na jurisprudência da Corte Constitucional alemã, pode-se estabelecer a seguinte classificação do dever de proteção: a) Dever de proibição (Verbotspflicht), consistente no dever de se proibir determinada conduta; b) Dever de segurança (Sicherheilspflicht), que impõe ao Estado o dever de proteger o indivíduo contra ataques de terceiros mediante adoção de medidas diversas; c) Dever de evitar riscos (Risikopflicht), que autoriza o Estado a atuar com objetivo de evitar riscos para o cidadão em geral mediante a adoção de medidas de proteção ou de prevenção especialmente em relação ao desenvolvimento técnico ou tecnológico.
[5] Sílvio Luís Ferreira da Rocha (2005, p. 72), preleciona: “O princípio da função social possui uma clara função normativa para o direito de propriedade, quando se oferece como manifestação do princípio da solidariedade, inspirador das relações entre indivíduo e sociedade em uma comunidade política, e quando o poder constituinte atribui ao legislador a missão de desenvolvê-lo através das distintas formas típicas que apresenta a propriedade em nossos dias.”
[6] José Joaquim Gomes Canotilho (2004, p. 47), versa sobre direitos ativos e não-ativo: “M2 – Direito activo contra pessoa ou pessoas determinadas 2) S tem um direito contra T a fazer x se e só se: a) S tem um poder sobre x; e b) T está obrigado a abster-se a que S faça x. […] M3 – Direito não activo contra pessoa ou pessoas determinadas 3) S tem um direito contra T a que T faça x se e só se: a) S tem um poder sobre T no sentido de este fazer x; e b) S escolhe que T faça x, estando T obrigado a fazer x.
[7] Carlos Roberto Gonçalves, (2012, p. 230), explicita todos os elementos constitutivos da propriedade: “[…] o direito de usar (jus utendi), que consiste na faculdade de o dono servir-se da coisa e de utilizá-la da maneira que entender mais conveniente […] O direito de gozar ou fruir (jus fruendi) compreende o poder de perceber os frutos naturais e civis da coisa e de aproveitar economicamente os seus produtos. O direito de dispor da coisa (jus abutendi) consiste no poder de transferir a coisa, de gravá-la de ônus e de aliená-la a outrem a qualquer título. […] o direito de reaver a coisa (rei vindicatio), de reinvindicá-la das mãos de quem injustamente a possua ou detenha […]”
[8] Artigo 525, do CC/16: “É plena a propriedade, quando todos os seus direitos elementares se acham reunidos no do proprietário; limitada, quando tem ônus real, ou é resolúvel.”
[9] Art. 20. A base de cálculo do imposto é: […]
III – quando se trate de produto apreendido ou abandonado, levado a leilão, o preço da arrematação.
[10] Cleide Previtalli Cais, (2011, p. 306), alude: Tratando-se de mandado de segurança voltado contra ato já consumado, cabe ao impetrante demonstrar que seu direito é líquido e certo mediante documentação probatória inequívoca apresentada juntamente com a vestibular. O direito é líquido e certo quando os fatos apresentados ao Poder Judiciário são incontroversos.”
[11] “A noção de direito líquido e certo, para efeito de impetração de mandado de segurança, ajusta-se, em seu específico sentido jurídico, ao conceito de situação que deriva de fato incontestável, vale dizer, de fato passível de comprovação documental imediata e inequívoca.” (STF – Pleno – MS n. 21.865-7/RJ, Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 1º-dez-2006, p. 66)
[12] Artigo 7º, § 2º, da Lei n. 12.016/2009: “Não será concedida medida liminar que tenho por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.”
[13] J.J., CANOTILHO, (1982, p. 602-203), explicita sobre o cerne do âmbito de proteção de uma norma constitucional: “a) identificação dos bens jurídicos protegidos e a amplitude dessa proteção (âmbito de proteção da norma); b) a verificação das possíveis restrições contempladas, expressamente, na Constituição (expressa restrição constitucional) e identificação das reservas legais de índole restritiva.
[14] José Afonso da Silva, (1982, p. 91), versa sobre as restrições aos direitos fundamentais: “Para indicar restrições, o constituinte utiliza-se de expressões diversas, como, v.g., ‘nos termos da lei’ (art. 5º, VI e XV), ‘nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer’ (art. 5º, XII), ‘atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer’ (art. 5º, XIII), ‘salvo nas hipóteses previstas em lei’ (art. 5º, LVIII). Outras vezes, a norma fundamental faz referência a um conceito jurídico indeterminado, que deve balizar a conformação de um dado direito. É o que se verifica, v.g., com a cláusula da ‘função social’ (art. 5º, XXIII).
Tais normas permitem limitar ou restringir posições abrangidas pelo âmbito de proteção de determinado direito fundamental.
[15] Gilmar Ferreira Mendes (2006, p. 68), elucida sobre a aplicação do princípio da proporcionalidade na limitação ao direito da propriedade, em atenção ao princípio da função social: “Consoante a firme jurisprudência do Bundesverfasungsgericht, a definição do conteúdo e a imposição de limitações ao direito de propriedade hão de observar o princípio da proporcionalidade. Segundo esse entendimento, o legislador está obrigado a concretizar um modelo social fundado, de um lado, no reconhecimento da propriedade privada e, de outro, no princípio da função social.”
[16] Fábio Konder Comparato, versa: “Quando se fala em função social da propriedade não se indicam as restrições ao uso e gozo de bens próprios. […] a noção de função, no sentido em que é empregado o termo nesta matéria, significa um poder, mais especificamente, o poder de dar ao objeto da propriedade destino determinado, de vinculá-lo a certo objetivo. O adjetivo social mostra que esse objetivo corresponde ao interesse coletivo e não ao interesse próprio do dominus, o que não significa que não possa haver harmonização entre um e outro. Mas, de qualquer modo, se se está diante de um interesse coletivo, essa função social da propriedade corresponde a um poder-dever do proprietário, sancionável pela ordem jurídica.”
[17] Robert Alexy (apud, CANOTILHO, 2004, p. 52), aduz: “1) Direitos fundamentais são posições de tal modo importantes que a sua garantia ou não garantia não pode ser deixada a simples maiorias parlamentares; 2) Um cidadão encontra-se, com base numa norma garantidora de direitos fundamentais, numa posição jurídico-prestacional, quando esta for de tal modo importante, sob o ponto de vista do direito constitucional, que a sua garantia ou não garantia não pode ser deixada a simples maiorias parlamentares.
[18] José Afonso da Silva (apud, ROCHA, 2005, p. 74), aduz sobre a função social da propriedade em consonancia com a ordem econômica: “[…] ao estabelecer expressamente a regra da função social da propriedade, como um princípio da ordem econômica, vale dizer da constituição econômica brasileira, com o fim de realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social, a Constituição Federal não estava simplesmente preordenando fundamentos a limitações, obrigações e ônus da propriedade privada.”
[19] Súmula n. 323 STF. É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.
[20] Súmula n. 547 STF. Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.
[21] Art. 1.228, § 1º, do CC: O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

Informações Sobre o Autor

Daniel Oliveira Matos

Advogado proprietário do escritório de advocacia Matos Advocacia www.matos-advocacia.adv.br especialista em direito tributário e bancário articulista em direito tributário bancário e ex-docente do Senac/SP


Equipe Âmbito Jurídico

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