Resumo: O presente artigo aborda o aspecto simbólico que se faz presente em alguns instrumentos normativos penais, demonstrando, assim, a sua ineficiência instrumental. Neste trabalho foi realizada uma análise bibliográfica desta eficiência penal em âmbito ambiental.
Palavras chave: Direito Penal; Direito Ambiental; Direito Penal Simbólico; Eficácia da norma penal.
Abstract: This article discusses the symbolic aspect that is present in some criminal normative instruments , thereby demonstrating their instrumental inefficiency. This work will be restricted to an analysis of criminal efficiency in environmental context .
Keywords: Criminal Law ; Environmental Law ; Symbolic Criminal Law ; Effectiveness of criminal law.
Sumário: Introdução; 1. Direito Penal Simbólico; 2. Análise do Simbolismo da Lei 9.605/98; 3. Conclusão
Introdução
Desde o surgimento da figura do direito penal o seu fim esteve sempre bem claro, qual seja, a proteção de algum bem jurídico relevante a alguma sociedade em algum determinado período da história.
Logo a tutela penal, tem como objetivo proteger lesões à bem jurídicos, quando estes sofrem algum dano ou prejuízo por outrem. Porém, quando se trata de meio ambiente, qual bem jurídico estaria em jogo?
O artigo 225, da Constituição Federal de 1988, vem assim tipificado:
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as atuais e futuras gerações.”
Extrai-se o poder dever do Estado em zelar pelo meio ambiente, enquanto direito difuso e essencial.
Contudo o uso exacerbado de tipos penais para criminalizar todo tipo de conduta acabou por banalizar a utilização de tal instrumento normativo.
Tal ideia encontra guarida junto ao ilustre magistrado alemão HASSEMER apud COSTA e COSTA JR[1], que critica a presença penal na esfera ambiental, pois este primeiro atuaria de forma simbólica, desobrigando os poderes públicos de pensarem em uma política de proteção ao meio ambiente realmente eficaz.
1. Direito Penal Simbólico
O termo direito penal simbólico foi difundido, inicialmente, na Alemanha durante a década de 80. Já no Brasil, a ideia do simbologismo do direito penal passou a ser discutida na década de 90.
Contudo, desde meados do século XX, Giorgio Del Vecchio[2] já tratava de uma visão deturpado do direito penal:
“O mal no mundo tem raízes tão vastas e profundas, que o direito, como deve ser reconhecido pelos juristas, não pode constituir defesa suficiente contra o mesmo. O preconceito ilusório que a luta contra o delito deva ser conduzida exclusivamente com sanções jurídicas, e que a atividade criminal ache nelas forma adequada de repressão, é provavelmente uma das causas pelas quais outros institutos e meios de tutela, de reação e de prevenção, não tiveram até aqui o desenvolvimento que deveria ter em função de um fim tão importante. Reconduzir o direito penal aos próprios limites, assinalados por um ideal mais alto e verdadeiro de justiça, não significa, porém, em nenhum modo abandonar essa luta; mas pode ser, antes, incentivo a intensificar aquela outra obra social e moral, que conduz ao mesmo fim, provavelmente com eficácia muito maior.”
Seu conceito, propriamente dito, vem elucidado por Helena Regina Lobo Costa[3], através de uma breve síntese:
“A expressão “direito penal simbólico” é geralmente usada como reprovação, crítica ou denúncia do uso ilegítimo de criminalizações para obter efeitos meramente “ilusórios”, sem que se empreendam esforços para alcançar efeitos “instrumentais”.
Ou, nas palavras de Antonio Carlos Santoro Filho[4]:
[…] direito penal simbólico, uma onda propagandística dirigida especialmente às massas populares, por aqueles que, preocupados em desviar a atenção dos graves problemas sociais e econômicos, tentam encobrir que estes fenômenos desgastantes do tecido social são, evidentemente entre outros, os principais fatores que desencadeiam o aumento, não tão desenfreado e incontrolável quanto alarmeiam, da criminalidade.
Em linhas gerias, uma lei torna-se simbólica quando ela passa a ser mais importante do que a conduta que esta preleciona, ou seja, o fim da norma não será propriamente o que está tipificado e sim um fim latente.
Segundo Costa, em momentos quando o Estado está enfraquecido e pressionado, o uso do direito penal simbólico é uma estratégia cada vez mais frequente. Ainda segundo a autora, a identificação de uma norma simbólica se da através de três características, quais sejam:
“A inefetividade instrumental da norma para cumprir suas funções manifestas é um primeiro indicativo.
[…] Ao lado dela, deve-se analisar a incapacidade estrutural da norma penal simbólica de produzir resultados instrumentais manifestos.
[…] Um terceiro indicador são as circunstâncias em que a norma é criada.”
Logo, conforme a autora, se uma determinada lei for desprovida de efetividade, ou seja, esta não evite o descumprimento do instrumento mandamental, este será o primeiro pré-requisito para o caráter simbólico da lei.
Além disso, se não houver capacidade de se fazer efetivar a pretensão normativa, ou seja, se não houver aptidão instrumental, outro requisito estará cumprido.
E por fim, caso determinada norma nasça de uma manobra política ou social, como por exemplo, ante a uma forte pressão popular e como consequência o legislador, ou mesmo o poder executivo tentar apresentar uma resposta o quanto antes, a fim de se demonstrar seriedade, a norma já nascerá simbólica.
José Ribamar Prazeres[5] tece comentários sobre esse ponto, em sua obra “O Direito Penal Simbólico Brasileiro”. Prazeres infere que será caracterizado como um “direito penal simbólico” aquelas normas elaboradas através de um clamor público, por vezes suscitados em função de crimes violentos, ou envolvendo pessoas “famosas”, onde a mídia da grande repercussão ao fato, não se levando em conta as causas históricas, sociais e políticas da criminalidade, apresentando, assim, à sociedade, novos e mais rigorosos tipos penais.
Há ainda mais um componente fundamental para a identificação do simbolismo da lei, qual seja, o componente de engano contido na norma, que segundo Helena Regina[6] adotando a concepção de Hassemer seria a predominância de funções latentes da norma sobre as manifestas, em síntese, o resultado da aplicação de determinada norma será algo diverso do que nela se estipula.
Hassemer quer dizer que toda norma penal tem certo efeito simbólico, todavia o que diferencia uma norma penal simbólica da não simbólica é a prevalência da característica latente da norma sobre o tipo propriamente dito.
Conclui-se, em linhas gerais, nas palavras de Maurício Neves de Jesus[7]:
“[…] com esta força do simbolismo, o Direito Penal tem sua essência deturpada: incita a criminalidade em vez de retribuir a conduta ilícita, fomenta ao invés de sanar[…]”
2. Análise do simbolismo da Lei 9.605/98
Utilizando-se tais critérios, quais sejam, a inefetividade instrumental, incapacidade estrutural e circunstâncias em que a norma é criada, pode-se fazer uma primeira analise a fim de que se verifique se a proteção penal de uma determinada normal é meramente simbólica.
Helena Regina Costa[8], utilizando-se desses critérios, analisou a lei de crimes ambientais (Lei 9.605/98), senão veja-se:
“Já na análise do primeiro indicador, qual seja, a inefetividade instrumental da norma, depara-se com a ausência de estatísticas oficiais e estudos empíricos com relação ao direito penal ambiental brasileiro […] Ainda assim, pode-se afirmar uma fundada suspeita de baixa efetividade do direito penal ambiental brasileiro no que se refere à proteção do meio ambiente, a partir de algumas observações esparsas, mas que atingem pontes relevantes da questão ambiental […]”
Um estudo realizado no Rio Grande do Sul[9] é bem elucidativo no que se refere a demonstração da inefetividade da norma no plano concreto, senão veja-se:
“verifica-se, no critério seletivo das condutas ambientais para a esfera penal, uma primeira fase de fiscalização do poder de polícia, a qual selecionava, através do que lhe é visível, pelo maior e melhor acesso. Nessa primeira etapa, os maiores selecionados referem-se a delitos de pessoas físicas como pesca (46%) e pássaros em cativeiro (16,3) em um universo de 572 casos analisados. Numa segunda fase, já dentro dos aparelhos encarregados de iniciar a instrumentalização penal (Ministério Público, delegacias e até mesmo os juizados especiais) existe uma seleção baseada em critérios éticos, como reincidência [ no sentido de reiteração, não no técnico], descumprimento de acordos [termos de ajustamento de conduta] e o enfoque da mídia. […] Destes “responsáveis” apurados não se vê nenhum poluidor de peso. [destaques meus]”
Nota-se, portanto, quem realmente está na mira destes tipos penais, grandes empresas e corporações não são atingidas, justamente pelo que se fala inefetividade instrumental, onde pessoas físicas que causam pouco ou nenhum impacto ao meio ambiente são punidas, ao passo que grandes corporações ficam impunes.
Passa-se ao próximo critério segundo Helena Costa[10]:
“No que tange à incapacidade estrutural para produção de efeitos instrumentais, importa notar que a lei n. 9.605/98 se caracteriza por uma grande abrangência material e por almejar objetivos extremamente amplos, como, por exemplo, evitar até mesmo o dano culposo a plantas de ornamentação […]”
Esse fato é denominado segundo Miguel Reale Jr[11] como “ilusão penal”, isto é, quando a sociedade bem como as autoridades, acreditam que serão mais respeitadas por meio de uma “intimidação penal”.
A consequência direta são leis tão amplas como a nº 9.605/98, que querem proteger tudo, e acaba não tendo efeitos instrumentais, deixando por vezes de proteger o meio ambiente.
Por fim, tem-se o último critério adotado pela supracitada autora:
“Passando às circunstâncias de criação da norma, importa recordar que, em janeiro de 1998, a imprensa brasileira começou a noticiar a ocorrência de um incêndio no Estado de Roraima. […] O período eleitoral se aproxima – o primeiro turno das eleições realizar-se-ia no começo de outubro – e foi solicitada, pelo Presidente da República, urgência na votação da Lei de Crimes Ambientais, cujo projeto já estava em tramitação[…] Somando-se a presença da pressão pública, atenção dos meios de comunição e proximidade eleitoral, constata-se uma grande probabilidade de ocorrência desse indicador, especialmente porque a fase de discussões do projeto foi abreviada, aprovando-se a lei mais rapidamente.”
Há ainda que se falar no componente de engano, que segundo a autora se faria presente “a aprovação da lei prestou-se a expressar prontidão, celeridade e habilidade no trato de uma questão que estava no centro das atenções do público, em período próximo à campanha eleitoral”.
Assim, quer dizer Helena, que todas estas características que o legislativo quis demonstrar ao público em geral, tomam para si o foco da lei, deixando em segundo plano o que o tipo realmente almeja.
3. Conclusão
Nota-se, que o uso simbólico no direito penal, especialmente na área ambiental é extremamente danoso, primeiramente ante a falta de efetiva proteção ambiental, e em segundo lugar, por passar a falsa impressão de que o problema esta sendo resolvido da forma mais efetiva possível.
E nesse mesmo sentido, a autora conclui[12]:
“Diante do analisado até aqui, podem-se apontar fortes indícios de uso simbólico do direito penal brasileiro na seara ambiental. Além de não ser efetivo no sentido de evitar condutas lesivas ao meio ambiente, um direito penal com tais características é amplamente contraprodutivo, pois bloqueia o discurso e a busca por outros meio de tratamento da questão, provavelmente mais efetivos em razão das características da matéria ambiental”
Estando, de fato, caracterizada a presença do simbolismo do direito penal na seara ambiental, tem-se a primeira indagação, qual seria a solução? Extirpar a direito penal da tutela ambiental?
Levando-se em conta os princípios da subsidiariedade e da ultima ratio, a solução seria a limitação da tutela penal, e a correta utilização de outros instrumentos jurídicos para a efetiva proteção ambiental, e complementa Fábio Roberto D’avila[13], em entrevista junto ao IMED:
“Não adianta simplesmente alterar ou criar leis se o Estado não possui condições de colocá-las em prática. E, para isso, no que tange principalmente ao direito penal ambiental, é necessário melhorar e qualificar a estrutura dos órgãos responsáveis, principalmente, pela fiscalização administrativa prévia, evitando assim ocorrências penais, isto é, a ocorrência de fatos graves, mas também dos órgãos responsáveis pela persecução penal. Somente uma lei que encontra respaldo institucional para a sua efetivação é que pode ambicionar algum grau de eficácia no controle e proteção dos bens ambientais”.
Do que fora analisado infere-se que a atuação penal na seara ambiental deve ser rigidamente limitada, fazendo-se necessária somente em casos rigidamente definidos, e como ultima ratio. Além disso, faz-se necessária uma atuação conjunta com os demais ramos do direito, administrativo e civil, bem como uma reestruturação destes últimos para uma maior instrumentalidade destes.
Além de uma correta aplicação do direito para efetivar a tutela ambiental, é necessário e indispensável, a chamada “educação ambiental[14]”, eis que, de nada valeria instrumentos jurídicos totalmente hábeis à proteção ambiental, se própria população não olhasse para a natureza com outros olhos, como um recurso extremamente necessário para a vida humana, e indispensável para as futuras gerações.
Conclui-se que mais vale uma obra embargada por falta de comprimento de norma administrativa, por exemplo, do que uma pessoa encarcerada por um desastre ambiental. Quando se trata de meio ambiente, a prevenção é o melhor remédio.
Referências;
COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção Penal Ambiental: viabilidade – efetividade – tutela por outros ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010.
D’avila, Fábio Roberto. Os limites do Direito Penal Ambiental. Entrevista concedida ao IMED. 25 de fevereiro de 2010. Porto Alegre, RS; IMED, 2010.
JESUS, Maurício Neves de; GRAZZIOTIN; Paula Clarice Santos. Direito Penal Simbólico: o anti-Direito Penal. Disponível em: <http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/artigos/pdf/anti.pdf>
MILARÉ, Edis; COSTA JR. Paulo José da Costa; COSTA, Fernando José. Direito Penal Ambiental. In —-. COSTA JR, P. J. ; COSTA, F. J. Direito Ambiental – Considerações Preliminares. São Paulo; Editora Revista dos tribunais, 2013.
MORAES, Márcia Elayne Berbich de. A (In)eficiência do direito penal moderno para a tutela do meio ambiente na sociedade de risco. Apud. COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção Penal Ambiental: viabilidade – efetividade – tutela por outros ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010. Pg. 142
PRAZERES, José de Ribamar Sanches. O Direito Penal Simbólico Brasileiro. Disponível em: http://www.sedep.com.br/artigos/o-direito-penal-simbolico-brasileiro/
REALE JÚNIOR, Miguel. O terror Penal. Folha de São Paulo. 07 de maio de 2003
SANTORO FILHO, Antonio Carlos. Bases críticas do direito criminal. Leme: LED, 2002.
VECCHIO, Giorgio Del. La justice – La Vérite. Paris: Daloz, 1955.
Notas:
Advogado, Graduado pela Universidade Federal de Mato Grosso
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