Resumo: O presente trabalho tem como objetivo o estudo do acentuado e generalizado desrespeito aos direitos fundamentais vigente no sistema carcerário brasileiro oriundo de omissões sistêmicas e falhas estruturais dos órgãos públicos, na qual foi declarado recentemente como “Estado de Coisas Inconstitucional” pela Suprema Corte brasileira, através de medida cautelar proferida no julgamento da ADPF nº 347. Nessa senda, serão objetos de estudo os efeitos do reconhecimento do referido instituto e as medidas tomadas pelo Supremo Tribunal Federal para refrear esse quadro de inconstitucionalidade, dentre elas a determinação da adoção por parte do Poder Executivo de medidas administrativas e da alocação de recursos orçamentários para equacionar a situação.
Palavras-Chave: Direitos fundamentais, Estado de Coisas Inconstitucional
Abstract: This study aims to analyze the sharp and widespread disregard for the current fundamental rights in the Brazilian prison system come from systemic omissions and structural failures of public agencies, which was recently declared as "unconstitutional state of affairs" by the Brazilian Supreme Court, through an injunction issued in the trial of ADPF No. 347. In this path, are objects of study the effects of the recognition of the institute and the measures taken by the Supreme Court to curb this unconstitutionality board, among them the determination of adoption by the executive branch of administrative measures and the allocation of budgetary resources for solving the situation.
Keywords: Fundamental rights, State of Affairs Unconstitutional
Sumário: Introdução. 1. Estado Democrático de Direito e tutela dos direitos fundamentais. 2. Estado de Coisas Inconstitucional: origem e pressupostos. 3. Decisão do Supremo Tribunal Federal. 4. Críticas e opiniões favoráveis ao Estado de Coisas Inconstitucional. Conclusão. Referências.
Introdução
O instituto do Estado de Coisas Inconstitucional possui sua origem vinculada a julgados da Corte Constitucional Colombiana proferidos na década de 90, em face do reconhecimento de graves e contínuas lesões a direitos fundamentais, tendo como finalidade a elaboração de mecanismos eficientes destinados à suplantação deste reprovável quadro que se instalou, sobretudo, em face de omissões do poder público.
No Brasil houve o reconhecimento deste instituto apenas no ano de 2015, nos autos da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347, ocasião em que o sistema carcerário brasileiro contava com níveis alarmantes de violações aos direitos constitucionais dos detentos, agravado ainda por bloqueios políticos e inconstitucionais, como: saúde pública e saneamento básico deficientes.
É cediço que a República Federativa do Brasil adotou, de forma expressa no texto constitucional, mais precisamente em seu preâmbulo, bem como em seu artigo 1º, a política do Estado Democrático de Direito. Sendo assim, a garantia dos direitos fundamentais tornou-se questão primordial, como meio de proteção e respeito ao cidadão.
Acrescenta ainda a Carta Magna, em seu artigo 5º, inciso XLIX que: “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.
A análise da jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal nos últimos anos permite que cheguemos à constatação de houve uma evolução significativa na atuação da Suprema Corte no controle de constitucionalidade das normas e de políticas públicas.
Assim, a Suprema Corte brasileira, como guardiã da Constituição da República, com base, dentre outros, nos dispositivos constitucionais acima, proferiu o importante julgado que recepcionou o “Estado de Coisas Inconstitucional” no ordenamento jurídico brasileiro.
Nesse contexto, esse trabalho visará a análise do “Estado de Coisas Inconstitucional” nos seus peculiares contornos definidos pelo Supremo Tribunal Federal, notadamente em relação às providências determinadas por essa Corte, trazendo à baila argumentos contrários à referida decisão, baseados na separação dos poderes, ativismo judicial e reserva do financeiramente possível e argumentos favoráveis.
O objetivo do presente trabalho é, pois, analisar os elementos normativos e fáticos que dão sustentação ao ECI, bem como apresentar um conceito segundo o Direito brasileiro.
1 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E TUTELA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
A Constituição Federal de 1988 consubstanciou expressamente em seu texto a adoção de um modelo de Estado Democrático de Direito, e, com isso o Estado passou a sujeitar-se a uma série de fins diretivos, no qual buscam a persecução e a concretização da justiça social.
Com o advento desse modelo de regime político, houve a ampliação do rol de direitos fundamentais inseridos no texto constitucional, assim como instrumentos para torná-los efetivos. Ademais, função do Estado na tutela de tais direitos foi alterada, conferindo-se importante valor à soberania popular. A partir de então, esses direitos passaram a ser oponíveis ao Estado e aos demais indivíduos.
O Estado e a sociedade deixaram de ser realidades diversas e opostas, tornando-se institutos que se correlacionam a fim de, dentre outros fins, possibilitar a materialização da democracia.
Nos ensinamentos de Jorge Miranda:
“Numa primeira noção, Estado constitucional significa Estado assente numa Constituição fundadora e reguladora tanto de toda a sua organização como da relação com os cidadãos e tendente à limitação do poder”. [1]
Destarte, o Estado Democrático de Direito preconiza a existência de determinados direitos que são indispensáveis à própria existência dos indivíduos e ao desenvolvimento da personalidade humana e que, por isso, representam, verdadeiros instrumentos de proteção contra arbitrariedade do poder estatal.[2]
É por isso que José Afonso da Silva afirma que os valores básicos desse modelo de organização política são: constitucionalidade, legalidade, democracia, justiça social, igualdade, separação de poderes, segurança jurídica e, especialmente, o sistema de direitos fundamentais.[3]
Os direitos fundamentais são tidos como direitos essenciais à pessoa humana, pois dão a um indivíduo a condição de pessoa, trabalhador, cidadão, e administrado. Por essa razão, são reconhecidos e vinculados à esfera do direito constitucional de determinado Estado.
Conceituando os direitos fundamentais, José Afonso da Silva esclarece que se referem às situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobreviver.[4]
Esses direitos são previsões de essência em todas as constituições que se intitulam democráticas, porquanto consagram o respeito à dignidade humana e garantem controle do poder estatal, evitando que sejam perpetrados abusos do Estado para com os indivíduos.
Gilmar Mendes aduz que a evolução que o direito constitucional denota é: “resultado, em boa medida, da afirmação dos direitos fundamentais como núcleo da proteção da dignidade da pessoa e da visão de que a Constituição é o local adequado para positivar as normas asseguradas dessas pretensões”. [5]
Quanto à constitucionalização dos direitos humanos, Alexandre de Morais revela que esta não significou mera previsão formal de princípios, mas efetiva positivação de direitos, permitindo ao indivíduo exigir sua tutela perante o Poder Judiciário para a concretização da democracia. Notabiliza ainda o autor que: “a proteção judicial é absolutamente indispensável para tornar efetiva a aplicabilidade e o respeito aos direitos humanos fundamentais previstos na Constituição Federal”. [6]
A Constituição Federal contemplou em seu texto esses valores fundamentais, através de um extenso rol, garantindo, dentre outros, o direito à vida, liberdade, igualdade, segurança, propriedade.
Há que se destacar que a Carta Magna dispôs no §2º, de seu artigo 5º, que o rol de direitos por ela evidenciados é exemplificativo, permitindo-se a existência de outros ao longo de todo texto constitucional, bem como a identificação de diretos fundamentais implícitos, desde que resultantes dos fundamentos adotados, notadamente a dignidade da pessoa humana.
Esse rol exemplificativo corrobora com a essência do Estado Democrático de Direito que propõe uma amplitude máxima e em contínua expansão dos direitos fundamentais, que na visão de Willis Santiago Guerra Filho: “devem ser tidos como o fundamento do Direito e do Estado qualificáveis como democráticos”.[7]
Além disso, os direitos fundamentais previstos na Carta Constitucional são assegurados a todas as pessoas físicas e jurídicas, inclusive estrangeiros, sejam estes turistas residentes no Brasil ou de passagem pelo País. Sendo assim, a Constituição não poderia olvidar daqueles indivíduos que exercem o cumprimento de pena dentro do sistema carcerário brasileiro.
Com efeito, o artigo 5º, inciso XLVII, alínea “e”, da Carta Magna veda a imposição de penas cruéis aos condenados e, mais adiante, o inciso XLIX deste artigo assegura aos presos o respeito à sua integridade física e moral.
No mesmo sentido, o artigo 38, do Código Penal estabelece que: “o preso conserva todos os direitos não atingidos pela pena da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral.
2 ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL: ORIGEM E PRESSUPOSTOS
Originou-se na Corte Constitucional da Colômbia a noção de que temos hoje de “Estado de Coisas Inconstitucional”, aliada à ideia de que a Suprema Corte do País pode atuar na correção desse panorama.
A primeira decisão da Corte Constitucional colombiana reconhecendo o ECI foi decretada em 1997 (Sentencia de Unificación – SU 559, de 6/11/1997), diante de uma reivindicação realizada por vários professores dos municípios de María La Baja e Zambrano ao terem violados seus direitos previdenciários, de forma sistemática.[8]
Ao constatar que o descumprimento das obrigações previdenciárias ocorria de forma generalizada e que atingia um número elevado de educadores, a Suprema Corte da Colômbia estabeleceu que as autoridades públicas municipais devessem superar o cenário de inconstitucionalidades em prazo hábil, determinando também o envio de cópias da decisão aos Ministros da Educação e da Fazenda e do Crédito Público, aos governadores e Assembléias, aos prefeitos e aos Conselhos Municipais e ao diretor do Departamento Nacional de Planejamento a fim de que adotassem soluções práticas e orçamentárias.
A partir desse caso o Tribunal colombiano desenvolveu e aperfeiçoou o conceito de “Estado de Coisas Inconstitucional”, aplicando-o a outros casos, inclusive diante de graves deflagrações de violação aos direitos dos presos.
George Marmeistein aduz que com o desenvolvimento da jurisprudência colombiana foi possível que o ECI deixasse de ser uma mera ferramenta utilizada para transformar uma demanda individual em coletiva e passasse a tomar o papel de um instrumento complexo para superar graves e sistemáticas violações a direitos fundamentais, com base em diálogos institucionais, nos quais diversos órgãos trabalhariam conjuntamente na resolução de um problema estrutural, podendo nessa perspectiva o modelo ser altamente promissor para o direito brasileiro. [9]
Segundo o autor, esse progresso jurisprudencial aconteceu no julgamento de um caso paradigmático realizado em 1998 (T 153/98), relacionado a problemas carcerários, em que muito se assemelhavam às adversidades do sistema penitenciário nacional – superlotação e supressão de direitos fundamentais.
A Corte Colombiana estendeu os efeitos de demanda individual intentada por um detento vítima de violações de seus direitos humanos, observando que essas ocorrências não se limitavam ao presídio em que o requerente se encontrava, de forma a contemplar todo o sistema carcerário da Colômbia. Através disso, o Tribunal determinou várias diligências a fim de proferir um diagnóstico desse panorama e passou a realizar diálogos institucionais entre todos os órgãos envolvidos com o problema.
George Maneisten aduz que:
“Esse processo de diálogo institucional é o que se pode extrair de mais valioso do modelo colombiano. A declaração do Estado de Coisas Inconstitucional é, antes de mais nada, uma forma de chamar atenção para o problema de fundo, de reforçar o papel de cada um dos poderes e de exigir a realização de ações concretas para a solução do problema.” [10]
Noutra senda, consoante Dirley da Cunha, a Corte da Colômbia definiu, de forma fundamentada, determinados parâmetros para caracterização do “Estado de Coisas Inconstitucionais, sendo estes:
“(a) a grave, permanente e generalizada violação de direitos fundamentais, que afeta a um número amplo e indeterminado de pessoas; (b) a comprovação da omissão reiterada de diversos e diferentes órgãos estatais no cumprimento de suas obrigações de proteção dos direitos fundamentais, que deixam de adotar as medidas legislativas, administrativas e orçamentárias necessárias para evitar e superar essa violação, consubstanciando uma falta estrutural das instâncias políticas e administrativas (isto é, não basta, para caracterizar o ECI, a omissão de apenas um órgão ou uma autoridade); (c) a existência de um número elevado e indeterminado de pessoas afetadas pela violação; e (d) a necessidade de a solução ser construída pela atuação conjunta e coordenada de todos os órgãos envolvidos e responsáveis, de modo que a decisão do Tribunal é dirigida não apenas a um órgão ou autoridade, mas sim a uma pluralidade órgãos e autoridades, visando à adoção de mudanças estruturais (como, por exemplo, a elaboração de novas políticas públicas).” [11]
Quanto ao primeiro parâmetro, é certo que não basta a ocorrência de uma proteção insuficiente por parte do Estado. Por força do princípio da proibição de proteção deficiente, tão pouco a lei ou o Estado podem apresentar insuficiência em relação à tutela dos direitos fundamentais, ou seja, tal princípio institui um dever de proteção para o Estado, o qual não pode abrir mão dos mecanismos de tutela para assegurar a proteção de um direito fundamental.
Todavia, para a caracterização do ECI é necessário que em decorrência da insuficiência da atuação estatal haja uma lesão massiva e sistêmica aos direitos constitucionais, de forma que afete um número amplo de pessoas.
Essa violação massiva a direitos fundamentais decorre, não só de atos omissivos, como também pode derivar de atos comissivos praticados por distintas autoridades públicas, acentuados em razão da inércia reiterada das mesmas autoridades, de forma que somente mudanças basilares na atuação dos poderes são capazes de superar a conjectura de inconstitucionalidade.
Com isso, a competência para a declaração do Estado de Coisas Inconstitucional cabe o órgão da cúpula máxima do Poder Judiciário que, diante da seriedade e importância especial do quadro, implementa políticas públicas, determina a alocação de capitais e estrutura as providências necessárias para remover o estado de inconstitucionalidades. A Corte desempenha, assim, condutas de ativismo judicial estrutural em face da omissão dos Poderes Executivo e Legislativo, que não adotam medidas concretas para solucionar o problema, geralmente por falta de vontade política.
George Marmeistein complementa, apresentando uma sequência temporal de linha de ação, desde a identificação do quadro de inconstitucionalidade até a determinação de medidas pelo órgão máximo do Poder Judiciário, vejamos:
“A linha de ação segue o seguinte esquema: (a) identificação e prova do quadro de violações sistemática de direitos, por meio de inspeções, relatórios, perícias, testemunhas etc. → (b) declaração do Estado de Coisas Inconstitucional → (c) comunicação do ECI aos órgãos relevantes, sobretudo os de cúpula e aos responsáveis pela adoção de medidas administrativas e legislativas para a solução do problema → (d) estabelecimento de prazo para apresentação de um plano de solução a ser elaborado pelas instituições diretamente responsáveis → (e) apresentação do plano de solução com prazos e metas a serem cumpridas → (f) execução do plano de solução pelas entidades envolvidas → (g) monitoramento do cumprimento do plano por meio de entidades indicadas pelo Judiciário → (h) após o término do prazo concedido, análise do cumprimento das medidas e da superação do ECI → (i) em caso de não-superação do ECI, novo diagnóstico, com imputação de responsabilidades em relação ao que não foi feito → (j) nova declaração de ECI e repetição do esquema, desta vez com atuação judicial mais intensa.” [12]
3 DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Tendo em vista as balizas traçadas pela Corte Constitucional Colombiana, o Supremo Tribunal Federal, a partir de 27/8/2015, proferiu decisão inédita no julgamento da Medida Cautelar na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347, de relatoria do ministro Marco Aurélio, reconhecendo o Estado de Coisas Inconstitucional no sistema carcerário brasileiro.
O requerente, Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), pleiteou que fosse o sistema penitenciário do Brasil declarado como um Estado de Coisas Inconstitucional, de modo que a Suprema Corte interferisse na elaboração e execução de políticas públicas, em designações de recursos orçamentários e na interpretação e no emprego da ordem processual penal, tendentes a mitigar os problemas da superlotação dos presídios e as condições indignas e desumanas do encarceramento.
Na exordial, subscrita pelo constitucionalista Daniel Sarmento, aludiu-se que o sistema carcerário no Brasil comporta um "Estado de Coisas Inconstitucional". Sendo assim, foram indicados os pressupostos que identificam esse ECI, quais sejam: a) violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais; b) inércia reiterada das autoridades públicas em modificar o panorama; c) situação que exige a atuação não apenas de um órgão, mas sim de uma pluralidade de autoridades para resolver o problema.
De modo específico o PSOL fez oito pedidos na ADPF, sendo estes: a) que os magistrados, na decretação ou manutenção de prisões provisórias, fundamentassem sua decisão, expressando claramente qual o motivo pelo qual estão aplicando a prisão e não uma das medidas cautelares alternativas previstas no art. 319 do CPP; b) a implemententação, no prazo máximo de 90 dias, das audiências de custódia; c) que na imposição de cautelares penais ou em decisões durante a execução penal, os magistrados considerassem, fundamentadamente, o quadro crítico do sistema penitenciário brasileiro; d) o estabelecimento, quando possível, de penas alternativas à prisão; e) o abrandamento dos requisitos temporais necessários para que o detento usufrua determinados benefícios, como progressão de regime, livramento condicional e a suspensão condicional da pena, quando se demonstrar que as circunstâncias de cumprimento da pena estão, na prática, mais severas do que as previstas na lei em decorrência do panorama do sistema carcerário; f) o abatimento do tempo de prisão pelos magistrados, quando verificado que as condições de efetivo cumprimento são, na prática, mais severas do que as previstas na lei, de modo a "neutralizar" o fato de o Poder Público estar cometendo um ilícito estatal; g) a determinação para que o Conselho Nacional de Justiça organize um mutirão carcerário para efetuar a revisão de todos os processos de execução penal em curso no Brasil em que possivelmente haja a aplicação de pena privativa de liberdade, visando adequá-los às providências requeridas nas alíneas “e” e “f” acima mencionadas e h) que a União liberasse, sem qualquer tipo de restrição, o saldo previsto no Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), com o propósito de destiná-lo à finalidade para a qual foi criado, obstando que ocorram novos contingenciamentos. [13]
O advogado do partido evidenciou na tribuna que em nenhuma outra área a diferença entre “as promessas generosas da Constituição e a realidade é maior, é mais abissal” do que na relacionada ao sistema carcerário. Destacou também que “não há talvez, desde a abolição da escravidão, maior violação de direitos humanos no solo nacional”, concluindo que “trata-se da mais grave afronta à Constituição que tem lugar atualmente no país”. O patrono aduziu ainda que o Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), criado pela Lei Complementar nº 79/1994, possui recursos reservados para a melhora do sistema penitenciário, mas que são contingenciados, de forma sistemática, pelo Poder Executivo. Segundo ele, existem recursos que não são utilizados e há R$ 2,2 bilhões disponíveis atualmente no FUNPEN.[14]
O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, ao se manifestar em Plenário, contestou afirmando que a impossibilidade da execução dos projetos não decorre do contingenciamento de recursos, mas sim da falta de capacidade de execução pelos Estados-membros, atrelada à má aplicação da legislação por esses. Consoante o advogado-geral, a solução da crise do sistema penitenciário demanda ações que já estão sendo exercidas por todos os poderes. No entanto, sustentou que seria necessário um “diálogo nacional que passe pelos três Poderes e pelos estados de forma ativa.”
Por sua vez, a vice-procuradora-geral da República, Ela Wiecko, expôs que, não obstante a importância dos pedidos realizados pelo PSOL e do tema abordado na ADPF, as medidas cautelares requeridas seriam “abrangentes e generalizadas”. Argumentou que, os estados não observam as regras do sistema prisional exigidas pelo Conselho Nacional de Política Criminal Penitenciária. Acrescendo ainda que a simples ação de descontingenciar traria uma ampla liberdade para os estados, com riscos a “abrir a porta para o descomprometimento com a obediência a essas normas e tornar esse estado de coisas ainda mais inconstitucional”.
O Tribunal, não tendo julgado até então o mérito da ação, concedeu, por decisão majoritária e de forma parcial, medida cautelar, acatando os pleitos do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) contidos nas alíneas “b”: audiência de custódia, com o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contados do momento da prisão e “h”: liberação de verbas do FUNPEN.
No tocante às alíneas “a”, “c” e “d”, ponderou que se traduziam em imposições legais já estabelecidas aos juízes. Assim, complementou o Plenário que essas diligências poderiam ser positivadas servindo como um reforço das existentes, porém que na hipótese da alínea “a”, a introdução da providência pleiteada traduzir-se-ia apenas em uma medida genérica e possivelmente incapaz de permitir a análise do caso concreto. Por fim, destacou que seria mais aconselhável operar na formação do magistrado a fim de modificar a cultura do cárcere.
De fato, a Suprema Corte reconheceu que no sistema prisional brasileiro ocorre uma violação generalizada de direitos fundamentais dos presos e que as penas privativas de liberdade aplicadas nas prisões terminam sendo penas cruéis e desumanas, o que viola expressamente a Carta Constitucional.
Nesse contexto, o Tribunal fundamentou sua decisão com base em diversos dispositivos constitucionais (artigos 1º, III, 5º, III, XLVII, e, XLVIII, XLIX, LXXIV, e 6º), normas internacionais reconhecedoras dos direitos dos presos (o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos e Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes e a Convenção Americana de Direitos Humanos) e normas infraconstitucionais como a LEP e a LC 79/1994, que criara o FUNPEN.
No tocante ao FUNPEN, o STF destacou que a União estava contingenciando recursos, de forma a, não só impedir a elaboração de novas políticas públicas, como também obstar a melhoria das já existentes, o que concorria para agravar ainda mais o quadro do sistema penitenciário. Enfatizou também que a excessiva lesão aos direitos fundamentais dos presos refletia para fora das respectivas situações subjetivas e gerava mais violência contra a própria sociedade.
No julgamento foi evidenciado que os presídios brasileiros, além de não se prestarem à ressocialização dos presos, fomentariam o crescimento da criminalidade, uma vez que transformam pequenos criminosos em delinquentes profissionais. A confirmação da falta de eficiência da política de segurança pública é feita com base nas elevadas taxas de reincidência, passando o egresso a perpetuar delitos ainda mais gravosos.
Acresceu a Corte que dentro dos cárceres ocorriam violações sistemáticas de direitos humanos dos detentos notadamente no tocante à dignidade, higidez física e integridade psíquica, sendo essas agravadas pela ausência de medidas legislativas, administrativas e orçamentárias, ocasionando verdadeira “falha estrutural” no sistema.
O ministro relator Marco Aurélio destacou em seu voto que o Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, que contava, em maio de 2014, 711 mil presos. Ressaltou que “Com o déficit prisional ultrapassando a casa das 206 mil vagas, salta aos olhos o problema da superlotação, que pode ser a origem de todos os males”. Segundo ele, a maioria dos presos enfrenta problemas como: superlotação, torturas, homicídios, violência sexual, celas demasiadamente sujas e insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas, comida imprestável, falta de água, de produtos higiênicos básicos, de acesso à assistência judiciária, à educação, à saúde e ao trabalho, assim como grande dominação dos cárceres por organizações criminosas, falhas no controle do cumprimento das penas, discriminação social, racial, de gênero e de orientação sexual.
Enfatizou Marco Aurélio que: “Os presos tornam-se lixo digno do pior tratamento possível, sendo-lhes negado todo e qualquer direito à existência minimamente segura e salubre. Daí o acerto do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, na comparação com as ‘masmorras medievais’.”
Para o ministro, a responsabilidade por esse quadro de inconstitucionalidade não ficaria a cargo de um único e exclusivo poder, mas sim dos três– Executivo, Legislativo e Judiciário, da mesma forma que não cabia exclusivamente à União, mas também a todos os Estados-membros.
Com isso, o Poder Judiciário teria, da mesma forma, responsabilidade porquanto em média 41% da população carcerária cumpriria pena provisória e, quando julgada definitivamente, a maior parte dela seria absolvida ou condenada a penas alternativas. Além do que, haveria evidência de inadequada assistência judiciária devido à manutenção de um grande número de encarcerados por lapso temporal maior do que o fixado na sanção penal.
De acordo com o STF, a lesão aos direitos fundamentais dos presos acabaria violando o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana e a garantia ao mínimo existencial, motivo pelo qual justificaria um desempenho mais assertivo do próprio Tribunal. Com isso, seria incumbência da Corte remover os demais poderes da inércia, estimular debates sobre o tema e a criação de novas políticas públicas, bem como estruturar as ações e supervisionar os resultados.
Essa ingerência do Judiciário é legítima devido a ineptidão evidenciada pelos órgãos legislativos e executivos. Dessa forma, caberia a Corte superar os obstáculos políticos e inconstitucionais e nessa questão teria grande importância um diálogo entre os poderes da nação.
Entendeu a Suprema Corte que a sua decisão não se trataria de substituir os demais poderes, mas sim de oferecer incentivos, parâmetros e objetivos substanciais para atuação de cada um, tendo em vista atingir o equilíbrio entre eles e a preservação da separação dos poderes.
Importante destacar que o reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional é um instituto que não encontra previsão legal nem constitucional, e conforme trecho da ADPF nº 347, deve-se considerar que:
"confere ao Tribunal uma ampla latitude de poderes, tem-se entendido que a técnica só deve ser manejada em hipóteses excepcionais, em que, além da séria e generalizada afronta aos direitos humanos, haja também a constatação de que a intervenção da Corte é essencial para a solução do gravíssimo quadro enfrentado. São casos em que se identifica um “bloqueio institucional” para a garantia dos direitos, o que leva a Corte a assumir um papel atípico, sob a perspectiva do princípio da separação de poderes, que envolve uma intervenção mais ampla sobre o campo das políticas públicas." (grifo nosso)
4 CRÍTICAS E OPINIÕES FAVORÁVEIS SOBRE AO ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL
Boa parte da doutrina defende que o Estado de Coisas Inconstitucional é uma nova forma de ativismo judicial, uma vez que o Judiciário age para além das funções conferidas pela ordem jurídica.
O ativismo judicial pode ser definido como a atuação excessiva do Poder Judiciário, a partir de uma hermenêutica jurídica expansiva, que tem como finalidade a concretização de valores normativos constitucionais, salvaguardando direitos e atendendo às necessidades provenientes da inércia ou omissão do Poder Executivo ou do Legislativo.
Elival da Silva Ramos conceitua o ativismo judicial como o:
“exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judiciário fazer atuar, resolvendo litígios de feições subjetivas (conflitos de interesse) e controvérsias jurídicas de natureza objetiva (conflitos normativos). Há como visto, uma sinalização claramente negativa no tocante às práticas ativistas, por importarem na desnaturação da atividade típica do Poder Judiciário, em detrimento dos demais Poderes. Não se pode deixar de registrar mais uma vez, o qual tanto pode ter o produto da legiferação irregularmente invalidado por decisão ativista (em sede de controle de constitucionalidade), quanto o seu espaço de conformação normativa invadido por decisões excessivamente criativas”. [15]
Consoante Lenio Streck[16] as políticas públicas não estão à disposição do Poder Judiciário e não se constrói um estado social com base em decisões judiciais. Aduz o autor não estar negando a importância do Poder judiciário, mormente para o cumprimento dos ditames constitucionais e para o controle de constitucionalidade, contudo adverte:
“Mas, atenção. É por isso mesmo que, com a vênia da decisão do STF (ADPF 347) e dos que defendem a tese do ECI, permito-me dizer: o objeto do controle de constitucionalidade são normas jurídicas, e não a realidade empírica — vista de forma cindida — sob a qual elas incidem. Portanto, minha discordância é com o modo como a noção de ECI foi construída. Receio pela banalização que ela pode provocar. Tenho receio de um retorno a uma espécie de jusnaturalismo ou uma ontologia (clássica) que permita ao judiciário aceder a uma espécie de “essência” daquilo que é inconstitucional pela sua própria natureza-em-um-país-periférico. Uma espécie de realismo moral. E também discordo em face de outros argumentos. O ECI pressupõe uma leitura dualista da tensão entre fatos e normas, desconsiderando que o problema da eficácia do direito, sobretudo após o giro linguístico (que o direito parece querer ignorar), não pode ser mais tratado como um problema de dicotomia entre norma e realidade, um, como referi acima, verdadeiro ranço jusnaturalista, sob pena de se agravar ainda mais o problema que por meio da crítica se pretende denunciar.”
Para Streck não há no caso do ECI uma distinção entre a norma e a realidade fática, mas sim uma concepção hermenêutica e interpretativa inapropriada realizada pelo Judiciário. Ressalta que “não se pode declarar a inconstitucionalidade de coisas, mesmo que as chamemos de “estado de ou das coisas.”
Nesse contexto, Di Giorgi, Campilongo e Faria, arguem que:
“Invocar o ECI pode causar mais dificuldades à eficácia da Constituição do que se imagina. Basta fazer um exercício lógico, empregando o conceito de ECI a ele mesmo. Se assim estão as “coisas” – e, por isso, a ordem jurídica é ineficaz e o acesso à Justiça não se concretiza –, por que não decretar a inconstitucionalidade da Constituição e determinar o fechamento dos tribunais? [17]
Além disso, Streck alude parecer evidente que o ECI ameaça o princípio da separação dos poderes e indaga: “por que a teoria do direito tem de girar em torno do ativismo?”. Para o autor, o ECI cria razões extrajurídicas para que o Poder Judiciário opere de forma extrajurídica.[18]
Além de suas críticas ao ECI fundadas no princípio da separação de poderes e no ativismo judicial, Streck faz menção ao uso retórico do referido instituto, explicando que:
“Não seria necessário lançar mão desse “argumento de teoria colombiana” para tratar do que a legislação processual penal brasileira já prevê. Ora, na especificidade da questão penitenciária, o Poder Legislativo estabeleceu exigências para o uso republicano e destinação dos fundos penitenciários a cargo da administração judicial e do Departamento Penitenciário Nacional. São, portanto, exigências legais, estabelecidas pelo Poder Legislativo. E não pelo Poder Judiciário. Além do mais o Fundo Penitenciário Nacional, gerido pelo Departamento Penitenciário Nacional, foi criado por Lei Complementar (LC 79/94 e regulamentada pelo Decreto 1093/94).”
Frederico Afonso Izidoro chama atenção para a cláusula do financeiramente possível, na medida em que o ente federativo só pode prestar o serviço público com base na sua dotação orçamentária disponível. Consoante o professor, “De nada vai adiantar o Judiciário determinar algo que o ente público não tenha de onde tirar.” [19]
Não obstante as críticas, para Dirley da Cunha, a recepção do Estado de Coisas Inconstitucional tem o condão de fortalecer o procedimento de garantias dos Direitos Fundamentais, especialmente em relação aos indivíduos mais vulneráveis e reféns da inércia e do descaso dos órgãos estatais. Ressalta o constitucionalista alguns benefícios que podem vir a ser gerados pelo ECI: (a) o estímulo da utilização de medidas reais e efetivas; (b) a promoção de um sério e importante debate a respeito da ausência ou insuficiência de políticas públicas em determinadas áreas sensíveis (não apenas no sistema penitenciário, como também nos desordenados sistemas públicos de saúde, de ensino e de segurança pública); e (c) possibilitar a criação de soluções estruturais dialogadas e concertadas entre os poderes públicos, a sociedade e as comunidades atingidas.[20]
Ao tratar do tema, Carlos Alexandre de Azevedo Campos defende que o ECI é consequência de ocorrências concretas de inércia parlamentar ou administrativa quanto a determinados assuntos. Por isso, o ativismo judicial, em seu ponto de vista, evidenciar-se-ia como o único meio, embora distante do ideal democrático, para ultrapassar os bloqueios e acarretar o funcionamento da máquina estatal.[21]
Aduz o jurista que:
“No ECI, operam desacordos políticos e inconstitucionais insuperáveis, a falta de coordenação de órgãos do Estado, pontos cegos legislativos, temores de custos políticos e falta de interesse na representação de certos grupos sociais minoritários ou marginalizados. Nesse cenário de falhas estruturais e omissões legislativas e administrativas, as objeções democrática e inconstitucional ao ativismo estrutural possuem pouco sentido prático.”
Além da superação de bloqueios políticos e inconstitucionais, ressalta o Carlos Campos outro benefício da intervenção judicial, qual seja: o alargamento de deliberações e debates sobre as causas e soluções do ECI. Essas deliberações podem trazer mobilizações sociais a respeito da criação de medidas eficazes para o combate da crise e podem exercer influência, de forma positiva, no comportamento dos políticos. Com isso, menciona que o ativismo estrutural aumenta os veículos de mobilização social. Segundo ele, não haveria no que se falar em supremacia judicial, isso porque as cortes promovem o diálogo entre os poderes e a sociedade, gerando benefícios de efetividade prática.
Nessa linha de raciocínio George Maneistein afirma que:
“O ECI não implica, necessariamente, uma usurpação judicial dos poderes administrativos ou legislativos. Pelo contrário. A ideia é fazer com que os responsáveis assumam as rédeas de suas atribuições e adotem as medidas, dentro de sua esfera de competência, para solucionar o problema. Para isso, ao declarar o estado de coisas inconstitucional e identificar uma grave e sistemática violação de direitos provocada por falhas estruturais da atuação estatal, a primeira medida adotada pelo órgão judicial é comunicar as autoridades relevantes o quadro geral da situação. Depois, convoca-se os órgãos diretamente responsáveis para que elaborem um plano de solução, fixando-se um prazo para a apresentação e conclusão desse plano. Nesse processo, também são indicados órgãos de monitoramento e fiscalização que devem relatar ao Judiciário as medidas que estariam sendo adotadas.”
O doutrinador aduz ainda que pela fórmula tradicional de tutela, o Judiciário, quando suscitado, poderia proferir em casos similares decisões divergentes quanto às providências para a garantia de direitos fundamentais, com riscos a comprometer a gestão do sistema pelos demais poderes. Por isso, visando evitar determinações assistemáticas, procura-se através do ECI uma solução harmônica, que passe por entidades estatais diferentes. Com a declaração do Estado de Coisas Inconstitucional, os órgãos envolvidos controlariam melhor o problema, contribuindo para um processo decisório racional e unificado.
Conclui Maneistein que existem princípios-guias a direcionar o grau da intervenção do Poder Judiciário, senão vejamos:
“O primeiro refere-se ao grau da inação dos órgãos estatais. Quanto maior for a situação de abandono e de descaso com a solução do problema por partes dos órgãos competentes maior será a intensidade da atuação judicial. O segundo está relacionado à vulnerabilidade das pessoas envolvidas. Quanto maior for o grau de vulnerabilidade das pessoas afetadas (em razão da privação de direitos e incapacidade de articulação política) maior será a necessidade de uma atuação judicial mais rigorosa. Outro princípio importante relaciona-se à essencialidade do direito afetado: quanto maior for a essencialidade daquele (do ponto de vista do respeito e proteção da dignidade), maior deverá a busca pela sua implementação. Em todo caso, a atuação judicial deve mirar um diálogo para que a solução do problema seja construída pelos próprios órgãos responsáveis. Quanto mais sincero e efetivo for o engajamento dos demais órgãos para a solução do problema, menor deve ser a intervenção judicial.”
Para ele, é presumível que os outros poderes enxerguem nisso uma interferência incorreta da Suprema Corte em matérias governamentais. Contudo, no ECI essa intervenção é adequada e se faz necessária, desde que respeitados os limites de sua atuação, não exercendo os magistrados uma função substitutiva, mas meramente de supervisão, trazendo mais benefícios para o respeito da ordem constitucional.
Nesse diapasão, para o autor o ideal é que no reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional, a Suprema Corte deixe a cargo dos respectivos poderes “estabelecer o como agir”. A função do Judiciário dentro desse contexto seria buscar o comprometimento de todos os poderes para solucionar o problema, criando obrigações de resultado e instituindo parâmetros para a caracterização do ECI. Além disso, caberia ao STF utilizar instrumentos processuais a fim de forçar os órgãos estatais a efetivar as políticas públicas.
É nesse ponto que Ronaldo Vieira defende a busca pela ponderação e equilíbrio e o estabelecimento de balizas objetivas para decisões como a realizada na ADPF nº 347. [22]
CONCLUSÃO
Os direitos fundamentais se apresentam como resultado da personalização e positivação constitucional de determinados valores básicos, por serem reputados como essenciais à pessoa humana.
No Estado Democrático de Direito, o Poder Judiciário detém imprescindível papel na identificação de violações aos direitos fundamentais, notadamente o Supremo Tribunal Federal que assume papel de guardião da Constituição Federal.
O Estado de Coisas Inconstitucional é um instituto reconhecido pela Corte Constitucional de um país com o fim de tutelar efetivamente direitos fundamentais, quando esses direitos são alvos de graves e contínuas violações decorrentes de atos comissivos e omissivos praticados por distintas autoridades públicas, agravado pela reiterada inércia dessas mesmas autoridades. O ECI foi fruto da construção jurisprudencial da Corte Constitucional Colombiana na década de 90.
O quadro inconstitucionalidade declarado no ECI provém de falhas estruturais em políticas públicas que envolvam um grande número de pessoas, e cuja superação demande providências variadas de diversas autoridades e poderes estatais.
No Brasil, as discussões sobre a figura do “Estado de Coisas Inconstitucional” a justificar uma atuação mais categórica do Supremo Tribunal Federal no que diz respeito à execução de políticas públicas e à alocação de recursos orçamentários, obteve notabilidade, há pouco tempo, com o julgamento da ADPF nº 347, no qual se reconheceu o estado calamitoso em que se encontra sistema carcerário brasileiro, caracterizado pela sistemática e generalizada lesão a direitos fundamentais dos detentos.
Evidenciou-se no julgado o balanceamento de direitos e princípios constitucionais tutelados, com vistas a impor obrigação de fazer ao Poder Executivo no âmbito da política penitenciária, possibilitar a garantia do fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana e assegurar aos presos o respeito à sua integridade física e moral.
Através dessa decisão, surgiu uma grande polêmica quanto ao grau de interferência do Poder Judiciário na formulação de políticas públicas e na priorização e alocação de recursos orçamentários como efeito da ponderação razoável entre a tutela aos direitos fundamentais assegurados na Carta Constitucional. De um lado, sustentou-se que a decisão do STF violava o princípio da separação e harmonia dos poderes, bem como a cláusula do financeiramente possível. Por outro, foi arguido a importância do ativismo judicial estruturante para proteção dos direitos fundamentais frente à inércia dos órgãos estatais.
É certo que argumentos constitucionais, políticos e econômicos baseados nos princípios da separação dos Poderes, da soberania popular e dos limites do financeiramente possível não podem ser utilizados, de forma indiscriminada, como subterfúgio para a omissão dos Poderes Executivo e Legislativo na concretização dos direitos fundamentais da população. Contudo, deve-se buscar ponderação e proporcionalidade na atuação do Supremo Tribunal, viabilizando uma ingerência legítima e eficiente.
Advogada em Recife/PE. Graduada em direito pela Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP. Pós graduada em Direto Constitucional Aplicado pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus
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