Resumo: O controle social institucionalizado, realizado pelo jus puniendi, com instrumentalização dada pelo Sistema Penal, carece, hodiernamente, de fundamentação teórica e filosófica que lhe dê sustentação, legitimidade. Neste sentido, o presente trabalho tem por objetivo analisar, na esteira da teoria crítica no direito, o Sistema Penal vigente, na busca por saídas que se mostrem eficazes frente à falência detectada de todas as instâncias que fazem parte do jus puniendi. No referencial da teoria critica busca-se o desvencilhamento da dogmática que campeia o mundo jurídico penal. A legitimidade que o Direito Penal procura ter é nada mais que legalidade formal. Na problematização, fez-se necessário o estudo das teorias que tentam tirar do Sistema Penal qualquer forma que justifique seu poder punitivo; fala-se das teorias deslegitimadoras, que aparecem na esteira da criminologia crítica, são o abolicionismo penal imediato e o abolicionismo penal mediato. A crise do sistema prisional, como reflexo direto da falência do Sistema Penal, é o referencial empírico utilizado que veio a solidificar os objetivos pretendidos. Da análise, e na esteira do abolicionismo mediato de Alessando Baratta, sugere-se, ao final, que institutos como a descriminalização, a despenalização e a desjudiciarização venham a ser alternativas às penas que o sistema tradicional propugna.
Palavras-chave: Direito Penal, Sistema Penal, Abolicionismo penal, Políticas Criminais.
Sumário: 1.Introdução. 2.o direito penal no contexto social. 2.1. A evolução do direito penal na sociedade. 2.2. O direito penal tradicional versus direito penal moderno. 2.3. O ‘dever ser’ do direito penal e do sistema penal. 2.4 controle social e sistema penal – por uma justificativa do jus puniendi. 2.4.1 Legitimidade ou legalidade? 3. Funções do direito penal. 3.1. Teorias legitimadoras do sistema penal. 3.1.1. Teorias absolutas ou retributivas. 3.1.2. Teorias relativas ou prevencionistas. 3.1.3. Teorias unitárias, ecléticas ou mistas. 3.2. Teorias deslegitimadoras do sistema penal. 3.2.1. A criminologia radical. 3.2.2. Abolicionismo penal imediato. 3.2.3. Abolicionismo penal mediato – O minimalismo radical. 4. A crise do sistema penal: falência da pena de prisão. 4.1. A prisão como fator criminógeno – subcultura carcerária. 4.1.1. A prisionalização. 4.2. O custo da pena de prisão. 4.3. A cifra negra ou delinquencia oculta. 4.4. A superlotação do cárcere. 4.5. A insinceridade do discurso: prevenção, recuperação e ressocialização. 5. Em busca de uma resposta além do castigo. 5.1. Descriminalização. 5.2. Despenalização. 5.3 desjudiciarização ou diversão. 5.4. Mitigação da pena de prisão – ultima ratio. 5.4.1 A privatização do cárcere. Conclusão. Refereências.
1. INTRODUÇÃO
O homem não vive isoladamente, se insere em sociedade, em determinada ordem social, e por ela é absorvido. A ordem social, ao seu turno, submete seus integrantes a determinadas condutas e comportamentos determinados pelo grupo dominante, na busca utópica da sobrevivência da própria sociedade mediante o que se chama de controle social.
Outrossim, para o estabelecimento do controle social é necessária a eleição de certas condutas reputadas danosas ao convívio comunitário, esta seleção de condutas é realizada segundo critérios que são mutáveis, tendo em vista que a realidade social é dinâmica. As condutas relevantes para ser eleitas como danosas ao convívio devem respeitar o momento histórico-cultural de determinada comunidade, adequar-se razoavelmente ao contexto histórico.
O ordenamento jurídico surge nesse contexto, onde é imperioso o estabelecimento de instrumentos formais de controle social. Ademais, entre as instâncias formalizadas de controle social, aparece o Direito Penal, inserido no Sistema Penal, como sendo a maneira mais aflitiva, coativa e violenta do exercício do poder estatal.
Do controle social exercido institucionalmente pelo Sistema Penal, advém a necessidade teórica e filosófica de se racionalizar o exercício do poder punitivo, que aplica a pena, excluindo a vítima, e criminalizando condutas. Para tal mister foram desenvolvidos discursos que buscam legitimar o poder de punir do Estado, os quais se revelam nas funções do Direito Penal ou teorias das penas – que refletem no hodierno sistema punitivo; atribuindo, falaciosamente, ao próprio Sistema Penal características meramente formais, simbólicas e retóricas.
Certo é que o jus puniendi pertence ao Estado, de tal forma que, no campo do Direito Penal, imprescindível se faz a ‘ingerência’ de todos os três Poderes do Estado. O Legislativo, na elaboração das leis penais, o fazendo à medida que seleciona tipos e tipifica o que é e o que não é crime, fixando as respectivas penas. O Judiciário, a quem incumbe a aplicação de tais leis aos fatos concretos. E, indiscutivelmente, o Executivo, ao zelar observância e execução das leis, mantendo, administrando os estabelecimentos prisionais e, acima de tudo, incrementando políticas públicas.
Para tanto, faz-se necessária a legitimação de tal poder punitivo. Porém, constatável é que o mesmo encontra-se em profunda crise, uma vez que não há simetria entre o discurso legitimante e os dados da realidade social, o que resulta em um discurso meramente simbólico, incapaz de demonstrar a realização empírica da finalidade da pena.
Do simbolismo do discurso resulta a constatação, historicamente reiterada, da incapacidade do Estado em satisfazer o ideal da pena privativa de liberdade, principal reflexo do Sistema Penal. Ideais estes que podem resumir-se à reinserção social, reeducação e ressocialização do condenado.
Sendo assim, o estudo em questão tem por escopo realizar uma análise crítica, despretensiosa, do Sistema Penal vigente; partindo do questionamento à dogmática jurídico-penal e de seu viés ideológico e, pensando o Direito de acordo com os ditames da filosofia crítica ou teoria crítica no Direito.
A problematização do estudo reside na explícita falência do Sistema Penal vigente. O que se busca é encontrar saídas alternativas à crise e fazer com que o mundo acadêmico saia da situação confortável de dentro da ‘cartola do mágico’.
Parte-se do exato momento em que se rompe com os paradigmas tradicionais justificadores da ordem jurídica penal em busca por novos paradigmas que saiam do inevitável campo ideológico e adentrem à realidade.
Procurar-se-á criticar os fundamentos teóricos dos discursos legitimantes da pena; estudando, ainda, as modernas teorias referentes à fundamentação da deslegitimação do poder de punir, a fim de dar subsídios para a construção de uma nova política criminal socialmente útil, de modo a apontar-lhe um sentido condizente com os ideais de um sistema punitivo próprio do Estado Democrático de Direito.
Objetiva, ademais, sem pretensões aprofundadas, a contribuir de forma direta ou indireta na formação do saber jurídico, seja ele na esfera acadêmica ou do Poder, responsável direto pela incrementação de políticas criminais.
Propugna que o saber jurídico-penal pautado na sempre dogmática-jurídica ceda espaço para a teoria crítica a fim de ‘desalienar’ o operador do Direito que não deve ser meramente aplicador da lei e sim intérprete dos problemas que afligem a sociedade, adequando os mandamentos legais à realidade que muda a cada dia.
A relevância jurídica do tema revela-se no momento em que a sociedade padece com as mazelas que produz o sistema em questão quando, na busca da pretendida segurança jurídica, comete atrocidades, virando as costas para políticas criminais que surtiriam efeito diretamente no foco do problema.
A metodologia empregada no presente estudo, própria da pesquisa jurídica, desenvolveu-se por meio da análise e interpretação dos dados obtidos em investigação de documentos e revisão bibliográfica (livros, periódicos, relatórios, teses, dissertações etc), privilegiando, dessa forma, a documentação indireta. O estudo tem por referenciais teóricos a Criminologia, o Direito Penal, o Direito Constitucional e a Política Criminal. Dada a extensão da pesquisa em evidência, foi imprescindível, ainda, a consulta em bancos de dados por meio da rede mundial de computadores, que veio a enriquecer empiricamente o estudo.
Para tal mister, se partiu da análise do Direito Penal no contexto social. Buscar-se-á distinguir o campo de atuação do Direito Penal e do Sistema Penal, como também entre a legalidade e legitimidade deste.
Em um segundo momento buscar-se-á esmiuçar, sem a pretensão de exaurir tão rico tema, as teorias da pena deslegitimadoras (abolicionismo penal imediato e mediato).
Na esfera pragmática da análise, será feita pesquisa interpretativa acerca da realidade do sistema prisional, com especial enfoque ao sistema penitenciário, reflexo principal do Sistema Penal e que se encontra em profunda e ‘irremediável’ crise.
Por fim, buscar-se-ão saídas efetivas à crise em questão, por meio de medidas alternativas à política criminal vigente. Medidas essas já comprovadas empiricamente e pelas quais possa se cumprir o ideal pretendido pela função punitiva estatal.
2 O DIREITO PENAL NO CONTEXTO SOCIAL
“O Homem é um animal social”. Aristóteles
A vida em sociedade é uma marca da civilização. O existir humano no mundo desenvolveu-se ao longo da história através de mecanismos de convivência social, organizada sob diversos símbolos e códigos.
Ensina-nos o Direito comparado que o ponto de partida da história da pena coincide com o ponto de partida da historia da humanidade[1].
Assim, o homem não vive isoladamente, reúne-se em grupos, é um ser social e sempre aparece em sociedade, interagindo de maneira muito estreita com outros homens[2]. Na esteira da mais abalizada filosofia alemã, profetiza Hannah Arendt[3]: “Nenhuma vida humana, nem mesmo a do eremita em meio à natureza selvagem é possível sem um mundo que, direta ou indiretamente, testemunhe a presença de outros seres humanos […]”.
A vida em sociedade se sujeita a uma multiplicidade de regras de convivência que surgem naturalmente das múltiplas interações sociais que nela se processam. Por outro lado, antes do surgimento do Estado, não havia quem interviesse na forma de vida, na conduta dos indivíduos, nas relações sociais. AAs pessoas gozavam de plena liberdade. E só no momento em que o cidadão renunciou a uma parcela de sua liberdade que o Estado surgiu o que fez ocorrer uma troca da liberdade pela proteção de bens jurídicos relevantes.[4]
Destarte, a formação do Estado e a sua conseqüente centralização, monopolização e organização do poder político de natureza coercitiva, que caracteriza a sua soberania, conjugada com os princípios iluministas que afloraram no século XVIII, provocou a necessidade teórica e filosófica de se racionalizar o exercício do poder punitivo, que institucionaliza a aplicação da pena, excluindo a vítima e criminalizando condutas.
No contexto histórico do iluminismo aflora o contratualismo de Rousseau, que pregava a origem do Estado em um pacto social entre os homens, ocorrendo a sistematização do Direito. O que nos leva a perceber que do contrato entre os homens surge a norma.
Nesse sentido, trazemos à baila ensinamento do saudoso filosofo Miguel Reale:
“O contratualismo é a alavanca do Direito na época moderna. Por que existe a sociedade? Porque os homens concordaram em viver em comum. Por que existe o Direito? O Direito existe, respondem os jus naturalistas, porque os homens pactuaram viver segundo regras delimitadoras dos arbítrios”.[5]
Podemos, mediante o exposto, inferir que os conflitos, no interior da sociedade, se resolvem segundo uma dinâmica que vai configurando a estrutura do poder existente, em parte institucionalizada, em parte difusa. Conforme esta estrutura, controla-se socialmente a conduta dos homens. À influência da sociedade delimitadora do âmbito de conduta do indivíduo dar-se o nome de ‘controle social’.
Por fazer parte do sistema social e sendo política e socialmente pensado, não se pode prescindir do papel de controle social exercido pelo Direito, em particular o Direito Penal. As normas penais, consideradas neste contexto, funcionam como um dos muitos instrumentos de controle, disponíveis dirigidos à socialização do homem.
O Direito Penal, portanto, constitui um subsistema de controle social, confirmador de outras instâncias bem mais sutis (família, escola, etc). Tal subsistema não é e nem deve ser encarado como o mais importante no contexto do sistema de controle social. Ocupa, a bem da verdade, um papel menor, secundário, já que a função é subsidiar a vigência, em último caso, de outras instâncias de controle.
O Direito Penal somente deve ser chamado a intervir quando fracassem outras instâncias de controle – Direito civil, Direito administrativo, Direito do trabalho – daí decorrendo sua subsidiariedade.
2.1 O “DEVER SER” DO DIREITO PENAL E DO SISTEMA PENAL
Para que se entenda do objeto de estudo deste, é inevitável que se compreenda o ideal (leia-se: dever-ser) conceito e significado para Direito e Sistema Penal. Fazendo distinção da função inerente a cada um e como os conceitos de ambos se inter-relacionam e se integram.
Conceitua-se o Direito Penal como o conjunto de princípios e regras jurídicas que definem as condutas criminais, as penas a elas correspondentes e as condições para que tais penas sejam aplicáveis. O Direito Penal, nesse sentido, nada mais é do que um subsistema jurídico (dentro do Direito) com regras, princípios, conceitos próprios.
Para Zaffaroni[6], o Direito Penal (legislação penal) é:
“O conjunto de leis que traduzem normas que pretendem tutelar bens jurídicos, e que determinam o alcance de sua tutela, cuja violação se chama ‘delito’, e aspira a que tenha como conseqüência uma coerção jurídica particularmente grave, que procura evitar o cometimento de novos delitos por parte do autor. No segundo sentido, Direito Penal (legislação penal) é o sistema de compreensão (ou interpretação) da legislação penal.”
Damásio de Jesus[7], ao seu turno, define, dogmaticamente, o Direito Penal como:
“Conjunto de normas que ligam ao crime, como fato, a pena como conseqüência, e disciplinam também as relações jurídicas daí derivadas, para estabelecer a aplicabilidade das medidas de segurança e a tutela do Direito de liberdade em face do poder de punir do Estado.”
Em seu tratado de Direito Penal alemão, Liszt[8], trata o Direito Penal como:
“Conjuncto das prescripções emanadas do Estado que ligam ao crime como facto a pena como conseqüência. Como facto peculiar ao Direito Penal, o crime constitue uma espécie particular do injusto (delicto), isto é, da acção culposa e illegal; e como effeito especial ao Direito Penal, a pena distingue-se dos outros effeitos jurídicos em ser um mal que o Estado inflige ao culpado. O crime e a pena são, pois, as duas idéas fundamentaes do Direito Penal”.
Ademais, relevante frisar que por tentar tutelar bens jurídicos contra ataque que os afetam, fazendo lesar a segurança jurídica, o Direito Penal é, no plano da idealidade, Direito em que intervém diretamente o Estado, é, pois, ramo do Direito público. Dito de outra forma, o jus puniendi – Direito que tem o Estado de atuar sobre os delinqüentes na defesa da sociedade contra o crime – é Direito subjetivo do Estado, função preponderantemente estatal.
O festejado Magalhães de Noronha apud Damásio de Jesus, ao discorrer sobre o tema, diz ser o Direito Penal ciência cultural, valorativa e finalista. Cultural porque pertence à classe do ‘dever ser’ e não do ‘ser’; normativa, pois tem por finalidade o estudo da norma; valorativa, pois incumbe a ele a tutela das normas de valores mais elevados; finalista por atuar na defesa da sociedade protegendo os bens jurídicos fundamentais[9].
Por fim, acrescentaria, na esteira da referida doutrina tradicional, que o Direito Penal é sancionador na medida em que, através da sanção, protege outra norma jurídica de natureza não penal. Ou seja, é um conjunto complementar e sancionador de normas jurídicas.
Outrossim, pode-se constatar outros conjuntos de normas integrantes do Direito Penal, que se encontram na esfera forense, são eles: o Direito Processual Penal, a Organização Judiciária, e a Lei de Execução Penal.
Para a prevenção da criminalidade, existem ‘as polícias militares’ que exercem uma atividade preventiva, encarregadas do policiamento ostensivo e da preservação da ordem pública. O exercício da polícia judiciária e a apuração das infrações penais é atribuição adequada ao perfil da polícia civil. Ao Poder Judiciário incumbe o controle da legalidade de todas as detenções. E como titular exclusivo na maior parte dos casos e como custos legis atua o Ministério Público.
Portanto, diante dos referidos conjuntos de normas que formam o Direito Penal, pode-se afirmar que o indivíduo autuado – até ser submetido ao cumprimento de uma sanção criminal – percorre as etapas de investigação, processo e execução pelos órgãos: policia, Ministério Público, Judiciário e funcionários da execução penal. Atribui-se ao conjunto dessas instituições, que têm por finalidade a efetivação do Direito Penal, a denominação de Sistema Penal.
Por um conceito fidedigno para Sistema Penal trazemos à baila o pensamento de Zaffaroni[10]:
“Chamamos ‘Sistema Penal’ ao controle social punitivo institucionalizado, que na prática abarca a partir de quando se detecta ou supõe detectar-se uma suspeita de delito ate que se impõe e executa uma pena, pressupondo uma atividade normativa que cria a lei que institucionaliza o procedimento, a atuação dos funcionários e define os casos e condições para esta atuação”.
Essa idéia acima exposta pelo mestre argentino, nos traz o entendimento geral do Sistema Penal em sentido limitado, ou seja, engloba a atividade do legislador, do público, da polícia, dos juízes, promotores e funcionários e da execução penal. Porém, em sentido amplo, Sistema Penal como mero controle social punitivo institucionalizado, tem em seu conceito incluídas ações controladoras e repressoras que nada têm a ver com o Sistema Penal ideal.
Nesse sentido, o papel exercido pelo Direito Penal seria singular (mais simbólico do que material): trataria ele daquelas situações em que as pessoas extrapolam os limites do razoável, agindo no exercício de sua liberdade com tal demasia que os danos a Direitos de terceiros teriam uma magnitude maior. Tendo elas como resposta jurídica a punição dos ‘desvios’.
Do exposto, concluí-se que a estrutura de poder tende a sustentar-se através do controle social e de sua parte punitiva (leia-se Sistema Penal). Ou seja, o Sistema Penal cumpre, ao menos em parte, essa função ao criminalizar seletivamente os marginalizados para conter os demais. Porém, é de fácil visualização que essa sustentação da estrutura do poder social através do Sistema Penal é simbólica, podendo se realizar mediante outros meios menos violentos.
Esse papel simbólico do Direito Penal tem ficado enfraquecido nas últimas décadas, em que se desnuda a inflação legislativa penal (exagero de figuras previstas como crimes) e a inoperância do Sistema Penal para responder às condutas criminosas.
2.4 CONTROLE SOCIAL E O SISTEMA PENAL – POR UMA JUSTIFCATIVA DO JUS PUNIENDI
Toda sociedade apresenta uma estrutura de poder, político e econômico, consolidada e composta por grupos dominantes e grupos dominados, visando o controle social da conduta dos homens. Esse é o significado literal para controle social, a influência da sociedade delimitando a conduta dos indivíduos.
É inquestionável que, no mundo, há uma estrutura de poder que se vale de ideologias. Tal poder as instrumentaliza na parte em que estas lhe são úteis e as descarta onde não são. Mister se faz, entretanto, que esclareçamos qual a acepção para o vocábulo ‘ideologia’ aqui empregado. Nos utilizando do pensamento marxista, diríamos que ideologia é toda superestrutura que encobre a realidade, mas mais fiel ao que se propõe a discussão seria dotar o termo do seguinte sentindo: ideologia é toda crença adotada para o controle dos comportamentos coletivos.
Em face de tal conceito, nos arriscaríamos a afirmar que ao longo da História as ideologias sempre existiram com o intuito maior de justificar as atrocidades cometidas.
O controle social exercido pelo Poder do Estado de punir, o jus puniendi, haverá de ser analisado como poder impregnado de ideologias de uma classe dominante que pretende justificar seus meios e induzir a vassalagem de seus ‘fiéis’. Tal controle exercido pelo Sistema Penal é a parte do controle social que resulta institucionalizado em forma punitiva e com discurso punitivo.
Com efeito, o conceito de jus puniendi definido como o Direito que tem o Estado de aplicar a pena cominada no preceito secundário da norma penal incriminadora, contra quem praticou a ação ou omissão descrita no preceito primário, causando um dano ou lesão jurídica, deve ser entendido com todas as ressalvas feitas. Deve ser analisado levando em conta a ideologia nele presente, ideologias que pretendem envolver a realidade de uma pseudo-legitimidade.
Feita essa análise introdutória do Sistema Penal, imprescindível o questionamento acerca de sua legitimidade. O Sistema Penal alicerçado em bases puramente formais, cuja essência dita como legal é a que vem justificá-lo, será tido também como legítimo? Puro engodo.
Para o perfeito entendimento do que se propõe é relevante fazer a distinção entre legitimidade e legalidade. A legitimidade decorre de um consenso social. Não obstante o enorme valor da lei, o Direito não pode pretender a confusão dos dois institutos, como proposto por Kelsen[11], para o qual não há que se falar em legitimidade, mas apenas em legalidade, já que Estado e Direito se confundem.
Para o austríaco, pai da Teoria Pura do Direito, o que fundamenta a unidade de uma pluralidade de normas é a norma fundamental, mais precisamente a validade dessa norma fundamental, norma superior. Ou seja, a norma fundamental (leia-se Constituição) haverá de ter sido proferida por ‘alguém’ competente (Poder constituinte originário). O jus filósofo[12] explicita que a validade de uma norma não diz respeito ao seu conteúdo (ser) e sim a forma pelo qual ela foi criada. Senão vejamos:
“Uma norma jurídica não vale porque tem um determinado conteúdo, quer dizer, porque o seu conteúdo pode ser deduzido pela vida de um raciocínio lógico do de uma forma determinada – em ultima análise, por uma forma fixada por uma norma fundamental pressuposta”.
Com base nesse entendimento, infere-se que a legitimidade que busca o Direito Penal é a mesma apregoada por Kelsen, ou seja, é legítimo porque condizente e submetido aos ditames constitucionais. A legitimidade se confunde com a legalidade.
A bem da verdade, a legitimidade está ligada à vontade geral (consenso), com a ressalva de que esta deve ser livre, não condicionada ao poder e ao seu discurso. A legalidade, ao seu turno, é tudo aquilo que esta em consenso com o legal, com a lei.
A legitimação do Sistema Penal passa pela aceitabilidade social que o mesmo venha a ter, e sua justificação se dá através dos fins perseguidos ou demandados. Em um contexto ideal, a legitimação deve transcender, em última instância, os critérios de legalidade, expandindo-se em direção aos critérios axiológicos, fundados na justiça, razoabilidade, verdade e utilidade.
São vários os discursos que buscam legitimar o poder de punir do Estado, os quais se revelam nas teorias das penas – que refletem no hodierno sistema punitivo, de maneira a atribuir à pena uma finalidade precípua para a defesa social, de acordo com os princípios intrínsecos que permeiam o conceito de justiça.
Com já ressaltado, o que se constata é a busca por tal legitimação nos diplomas constitucionais, ou seja, uma legitimidade formal das normas penais. O conceito de validade se mistura ao de legitimidade. O fato do Direito Penal prestar obediência à ordem constitucional o torna legal, apenas.
A legitimidade que busca o Direito Penal na Constituição não passa de mera legalidade, visão virtual de uma legitimidade que não se concretiza, ficção jurídica. Fazendo crer em uma utópica legitimidade do Sistema Penal ao fundir os princípios da legalidade e legitimidade e comprovando sua ausência quando o sistema em questão se refugia no ‘dever ser’ e abandona o ‘ser’.
Neste ponto cai por terra a fundamentação pautada na legalidade, haja vista que um princípio de importância crucial para a legitimação pretendida pelo poder punitivo não pode, em nenhuma hipótese, operar somente no âmbito formal, sem referência aos princípios, valores e bens inerentes a todos os membros da sociedade. Ao ser reduzido somente ao modo de produção legislativa, o princípio da legalidade não é mais que expressão funcional do poder que pretende legitimar-se através da elaboração formalmente correta das leis.
E, assim sendo, nada do que seja proposto na seara punitiva, em nome da proteção da sociedade como um todo, em nome da defesa de bens jurídicos universais, em nome da paz e da harmonia social pode ser considerado como uma proposta séria, uma vez que sempre é direcionada para fins de interesse do poder estabelecido que objetivam permitir a sobrevivência do sistema em momentos agudos de crise.
Constata-se, dessa forma, que não é cabível legitimar a potestade punitiva do Estado, posto que longe de confirmar na prática os mitos defendidos teoricamente como bases justificadoras – legalidade, igualdade e universalidade. Seu grande desiderato é a manutenção de um sistema sócio-econômico injusto, o que não pode produzir justiça, muito menos justiça penal.
3 TEORIAS DESLEGITIMADORAS DO SISTEMA PENAL
“As idéias dominantes nada mais são que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as relações materiais dominantes concebidas como idéias; portanto, a expressão das relações que tornam uma classe a classe dominante, as idéias de sua dominação.” Karl Marx
A legitimidade do sistema penal, num Estado social e democrático de direito, encontra-se condicionada à sua capacidade de alcançar as finalidades protetoras, no sentido de diminuir a violência que grassa na sociedade (seja ela privada ou estatal), ao mesmo tempo em que cumpre os fins de garantia formal e material a ele assinalados, sem que, para isto, extrapole os limites estabelecidos por este tipo de Estado.
O Direito penal perspectivado constitucionalmente, reafirma-se, é somente um ao lado de tantos outros instrumentos de que se serve o Estado, para perseguir uma de suas funções que é a de diminuir a violência que atinge indivíduos e sociedade.
Dar-se-á enfoque especial às latentes ou ocultas funções que visam deslegitimar o sistema penal. Tratados assim o abolicionismo penal (Louk Hulsman) e o minimalismo radical (Alessandro Baratta). Aquele com fim de supressão total do sistema penal vigente e este com fim imediato em uma máxima contração do âmbito da intervenção penal e como objetivo imediato ou semelhante à proposta abolicionista.
A diferença entre as duas propostas consiste no fato de que o minimalismo propugna a máxima redução do sistema penal, preservando-o em caráter provisório e abolindo-o mediatamente; o abolicionismo, ao seu turno, vai além e rechaça toda a justificação do jus puniendi, pois a julga edificada sob falsas bases e propõe a imediata supressão de toda e qualquer forma de controle social.
O abolicionismo e o minimalismo são vertentes da nova criminologia, também chamada de criminologia crítica ou radical, envolvida também pelo tema de criminologia da reação social, surgida nos Estados Unidos por volta dos anos 60 e 70. Tal criminologia se fundamenta na filosofia crítica do Direito Penal proposto e exposto por Quinney. A partir desse enfoque crítico, pode-se conceber o delito de uma maneira diferente.
O minimalismo e o abolicionismo, que passaremos a analisar, se situam nesse contexto, considerando o sistema penal estruturalmente seletivo, criminógeno e ineficaz quanto às funções que lhe são atribuídas. Sendo mais do que teorias deslegitimadoras do sistema penal, são legitimadoras da supressão de tal sistema.
3.2.2 Abolicionismo penal imediato
A doutrina abolicionista confere ilegitimidade ao Direito Penal, não concebendo nenhum objetivo com o fim de que se justifique os tormentos decorrentes do apenamento. O abolicionismo penal imediato propugna por uma supressão total e imediata de todo o aparato do sistema penal.
3.2.2.1 Generalidades e contexto histórico
O Direito Penal é o meio de controle social mais desumano dentre os demais instrumentos disponibilizados pelo sistema jurídico, sobretudo se tratar de pena de prisão, pois se sabe da realidade do sistema carcerário mundial.
É com base nesse pressuposto que se insurge no meio jurídico, a doutrina abolicionista. Sendo, assim, uma proposta alternativa à política criminal e não uma política criminal alternativa.
O Abolicionismo penal é uma vertente libertária (situação limite entre anarquismo e contrato social) que investe na crítica à punição e ataca a legitimação do sistema de punições estatal. Recusa, assim, legitimidade a toda premissa na qual assente o Direito Penal, propondo a imediata abolição de todo sistema penal, tendo em vista que o mal que o Direito Penal pretende evitar é menor do que aquele acarretado pela intervenção punitiva.
Tomou contornos definidos como uma força social crítica no século XX, mais precisamente no pós-Segunda Guerra, evidenciando as intencionalidades políticas dos mecanismos jurídico-policiais de repressão daqueles eventos sociais tipificados pela lei penal como crimes. Ganhou força nas décadas de 60 e 70, coincidindo com a eclosão, como já dito, da criminologia radical ou crítica.
Ademais, surge em repulsa,( v.g),ao pensamento penal facista, que instituía na Itália o Código Rocco e nele restabelecia a pena de morte. Sobre a nefasta época, Evandro Lins e Silva se[13] faz ecoar: “A repressão impiedosa do nacional-socialismo, que repudiou o princípio da reserva legal, institucionalizou a tortura, criou os campos de concentração e extermínio, executou reféns, foi o triste exemplo de uma época de violações dos direitos dos cidadãos e da dignidade humana.”
O citado advogado distingue o Código Rocco dos demais pela gravidade de suas penas, especialmente para os delitos políticos, rigidez legalista e redução das faculdades do juiz o que fazia ruir o sistema de garantias constitucionais. Importante ressaltar que, em que pese tais comentários a respeito do Código facista o mesmo influenciou outras legislações, senão vejamos: “O nosso Código Penal de 1940, ainda em vigor, se bem que reformado em 1984, para melhor, na parte geral, teve como modelo imediato o código italiano. Daí os fortes resíduos autoritários incrustados em nossa legislação […]”.[14]
De fato, tamanha foi a influência facista que se formou entre alguns jurispenalistas a escola técnico-jurídica, gerando dogmáticos, verdadeiros pandetistas do Direito Penal. Tentam, os afiliados a tal filosofia-jurídica, distanciar o direito de sua realidade humana e social; partem, portanto, de meros esquemas abstratos destituídos de qualquer valor.
Hungria apud Evandro Lins e Silva, deixa claro que:
“O crime não é apenas uma abstrata noção jurídica, mas um fato do mundo sensível, e o criminoso não é um impessoal “modelo de fábrica”, mas um trecho flagrante da humanidade. A ciência que estuda e sistematiza o Direito Penal não pode fazer-se cega à realidade, sob pena de degradar-se num formalismo vazio, numa planitude obsedante de mapa mural de geometria. Ao invés de librar-se aos pináculos da dogmática, tem de vir para o chão do átrio, onde ecoa o rumor das ruas, o vozeio da multidão, o estrépito da vida, o fragor do mundo, o bramir da tragédia humana”.
Deste modo, surge em oposição à referida fase tecnicista, após a Segunda Grande Guerra, com forte reação humanitária e humanista, cujo idealizador foi o advogado e professor italiano Filippo Gramática (movimento da Defesa Social), a base do que mais tarde vem a ser, nas ‘mãos’ de Louk Houslman, o Abolicionismo Penal.
Nesse contexto, o movimento abolicionista visa acuar o Direito Penal e questionar os princípios de uma sociabilidade autoritária pautada na centralidade de poder. Pretende discutir a discursividade penalizadora ancorada numa profusão de reformas que atestam e publicizam a inoperância da melhor punição e de seus efeitos disciplinares e de controle.
Insere-se como forma de saber que abandona o universalismo para encontrar, no presente, conceitos que se revejam no decorrer de cada caso em concreto; busca ‘respostas-percurso’ para cada ‘situação-problema’.
Não se furta ao diálogo com o humanismo de final de século, norteado por esta ética da fraternidade. É seu interlocutor privilegiado, questionando os limites das políticas humanistas, pois interessa-lhe saber como reparar as vítimas e compreender os infratores envolvidos em situações-problema tidas como delituosas.
Assim, os eventos criminalizados pela justiça penal deixam de ser vistos como crimes (o que pressupõe a possibilidade de que cada acontecimento seja reduzido a um modo totalizador de análise e solução) para vê-los como situações-problema a serem abordadas em suas especificidades.
Evidenciando-se que o abolicionismo penal está interessado na vítima e no agressor, reduzidos a primeira à condição de testemunha e o segundo de réu pelo sistema penal. Não acredita que o fim das prisões seja uma das utopias da sociedade justa e igualitária e pretende mostrar que é possível suprimi-la a qualquer momento.
Para os defensores das teorias abolicionistas, a aflição decorrente da pena não pode ser moralmente aceita, em face dos princípios do Estado de Direito. Para eles, o sistema penal é simbólico e apenas possui a função de assegurar a hegemonia de um setor social. O ideário abolicionista propõe a substituição da aplicação da pena pelo Estado por soluções informais, pedagógicas e comunitárias, de maneira a aproximar o infrator da sociedade, buscando, com isso, a concretização da pacificação social.
Porém, cumpre ressaltar que não existe uma uniformidade ideológica e até mesmo uniformidade quanto aos meios propostos para a consecução dos fins abolicionistas entre seus teóricos. Assim é que existe, por exemplo, a concepção abolicionista fenomenológica (Hulsman); marxista (Mathiensen); fenomenológica-historicista (Christie) ou estruturalista (Foucault).
Entre as concepções filosóficas citadas, este despretensioso estudo irá primar pela concebida pelo professor Louk Hulsman, – considerado o pai e maior difusor do movimento. Ademais, será dada especial atenção à obra “Penas perdidas – O sistema penal em questão”, obra essa tida como a inaugural do movimento e que traz as maiores diretrizes do que propõe.
3.2.2.2 Proposta abolicionista
O movimento abolicionista visa uma solução para a violência que não seja baseada em violência. Tem, porém, por objetivo mais do que transferir os conflitos da jurisdição penal para a civil, supondo que a conciliação neste solucionaria os problemas daquele.
Busca pacificar os conflitos sociais através de modelos de atuação que pressupõem o princípio do acordo indivíduo-indivíduo, privilegiando o diálogo e substituindo a disciplina. Quer preservar a cidadania de ambas as partes, não precisando suspender a de ninguém.
Propõe, ainda, a criação de microorganismos sociais baseados na solidariedade e fraternidade, objetivando a reapropriação social dos conflitos entre agressores e ofendidos, e a criação espontânea de métodos ou formas de composição.
Não se fala, nesta ideologia, de sanções alternativas, mas sim, em alternativas para o processo de Justiça Criminal, que podem ser de natureza predominantemente legal, ou seja, pelo direito positivo (direito civil, administrativo), ou predominantemente não-legal.
Tais alternativas utilizadas para solucionar os problemas precisam adaptar-se à realidade dos envolvidos, visto cada fato ter sua dinâmica própria. Nesse sentido, a justiça penal deverá tornar-se totalmente não-legal, deixando que os próprios envolvidos encontrem solução para as situações-problema.
A proposta abolicionista aponta possíveis modelos de resposta, ou como propõe a professora Salete M. Oliveira[15]: respostas-percurso, às situações-problema, quais sejam:
1) Compensação: Baseia-se na capacidade de um indivíduo de oferecer algo a outro como meio de reparação. Essa aceitação é puramente intrínseca, demonstra que os ânimos na contenda já se acalmaram, e que o ofendido não mais está ansioso por vingança. Dessa forma, procura-se resolver a situação problema de tal forma que, a paz novamente seja restaurada na sociedade, controlando-se o desejo de vingança e revolta, que obviamente acarretaria maior criminalidade.
2) Meio Terapêutico: Nessa concepção de terapia, abomina-se a aplicação do tratamento sob cárcere, mas defende a estimulação do talento e do potencial do envolvido na situação problema. Ao encarcerar o homem, encarcera-se também sua chance de renovação e mutação, inibe-se sua chance de ressocialização. A terapia deve ser aplicada, em situações que promovam a readaptação do comportamento do indivíduo às expectativas sociais, utilizando-se para tanto do talento inerente a todo ser humano e do potencial do envolvimento na situação problema.
3) Punição Revisitada: Investe no acordo entre as partes para a realização do banimento, nunca reiterando a necessidade de prisão. Aceita-se o banimento sem determinar-se um lugar a ser ocupado por esse corpo. Através desse modelo, alcança-se a devida punição, sem utilizar-se de maneiras sórdidas de castigo. Deixando ainda, a chance de nova integração ao indivíduo banido, procurando promover uma mudança no comportamento do agente da ofensa, evitando reincidências e levando a paz social, que é a real busca da justiça penal.
4) Conciliatório: Pressupõe o princípio do acordo entre os indivíduos envolvidos na situação-problema, privilegiando o entendimento e o diálogo como meio de resolução dos problemas. O diálogo ajuda a apaziguar os ânimos, dando espaço ao entendimento. O ofensor e o ofendido podem, através de uma conversação, chegar à solução mais apropriada.
5) Educação: Consiste na sociabilidade pautada na descentralização da autoridade. Ao descentralizar, o trabalho de ressocialização tornar-se-á mais efetivo e produtivo, pois proporcionará ao indivíduo a chance de a possibilidade de reeducar-se enquanto integrado ao seu grupo social.
Estão em jogo, como exposto, respostas-percurso que envolvem o uso da terapia, a educação (em sentido amplo de sociabilidade, distinto da instrução cujo limite é a laborterapia), a compensação (o que não implica transformar o agressor em escravo da vítima) e a conciliação.
3.2.2.3 Críticas formuladas pelo abolicionismo
A teoria abolicionista, pois, combate o sistema penal como disposto na atualidade e promove, como solução aos problemas sociais encontrados hoje, modelos alternativos às situações problemas.
Adiante serão expostas algumas críticas que fundamentam os argumentos da doutrina abolicionista e tornam adequada a proposta de extinção, não apenas da pena privativa de liberdade, mas sim de toda a máquina que movimenta o Direito Penal.
1) Inidoneidade funcional ou motivadora da norma penal – a prevenção de novos delitos:
Em suma, argumenta-se que o sistema penal é incapaz de prevenir, por meio da cominação e execução das penas, quer em caráter geral, quer em caráter especial, a prática de novos delitos. Senão vejamos.
É função do Estado precaver-se de situações problema na sociedade. Doutrinadores amantes do direito positivo nos moldes atuais acreditam que, prevendo-se os delitos que poderão acontecer, e apenando-os duramente, os membros da sociedade ficariam intimidados e inibirão seus impulsos ao crime. É a chamada educação por meio do medo.
Há milênios os homens têm aplicado este sistema, e há milênios não surtiram os resultados desejados. A prevenção só poderá ser conseguida pela educação cauteladora, educação essa que necessita integrar-se ao sentido intrínseco e estritamente pessoal de dever do indivíduo.
A pena privativa de liberdade não intimida. É fácil constar-se este fato ao prestarmos o mínimo de atenção nos presídios e delegacias abarrotados de pessoas que não se amedrontaram diante pena, e nos incontáveis indivíduos que circulam livremente pelas ruas praticando toda sorte de delitos, mesmo conhecendo a possibilidade de serem punidos.
O homicídio, o aborto, o roubo, o tráfico de entorpecentes e outros delitos são praticados com relativa regularidade, como ocorreria se não houvesse proibição alguma. A intervenção penal do Estado é, destarte, irrelevante.[16]
A prevenção, seja ela geral ou especial, serve só à legitimação do discurso e da atuação do sistema punitivo estatal, ou seja, é mera falácia. Nesse sentido mister se faz o pensamento de Steinert apud Queiroz[17]: “[…] a lei penal conflita com sua função liberal e resulta irreal, visto que, ao revés de restringir a intervenção do Estado, se converte, em realidade, em uma autorização para que essa intervenção se legitime.”
Não menos brilhante e imprescindível é o raciocínio do referendado Queiroz[18]:
“[…] em realidade o verdadeiro e real poder do sistema penal não é o repressivo (poder negativo), e sim configurador disciplinario (positivo), arbitrário e seletivo, vez que, renunciando à legalidade penal, confia-se às agências do sistema penal um controle social militarizado e verticalizado de uso cotidiano e exercido sobre a maioria da população […]”
Do exposto, há de concluir-se: a norma penal não intervém no processo motivacional de formação de vontade de delinqüir; já que, quando alguém se abstém de praticar crime, assim o faz por motivos de outra ordem (moral, religioso, cultura etc.) e não pela imposição derivada do sistema penal.
2) Seletividade arbitrária do sistema penal – A igualdade formal versus a desigualdade material:
O sistema penal seleciona sua clientela entre os grupos mais vulneráveis o que resta a reproduzir desigualdades sociais materiais. Queiroz[19] mais uma vez se torna pertinente: “[…] o fato de se acharem as penitenciárias superlotadas de pessoas pobres é algo inerente à lógica funcional do modelo capitalista de produção, em cujo sistema o acesso aos bens e à riqueza não se dá eqüitativamente”.
Dito de outro modo, é dizer que o Direito Penal privilegia os interesses das classes dominantes e isenta do processo de criminalização comportamentos socialmente danosos típicos dos indivíduos pertencentes a elas e ligados funcionalmente à existência da acumulação capitalista.
O sistema penal atua sempre seletivamente, e seleciona estereótipos fabricados pelos meios de comunicação. Cria e reforça as desigualdades sociais e é, ademais, um sistema desigual por excelência.
3) O sistema penal opera à margem da legalidade:
O sistema penal está estruturado para que, de fato, não funcione. Outra não haverá de ser a conclusão ao se analisar a infinidade de condutas criminalizadas pelo mesmo que só fazem sobrecarregar os órgãos incumbidos da repressão criminal.
Assim, a disparidade entre o exercício do poder constante do discurso estatal e a capacidade operacional das agencias é abismal. Ademais, se assim não o fosse se chegaria ao absurdo de penalizar várias vezes a toda a população.
Essa desproporção entre discurso e prática faz latente a violação ao principio da legalidade e a aos direitos humanos. Uma vez que seus órgãos agem, no mais das vezes, por meio de execuções sem processo, atos de tortura, prisões provisórias que se tornam definitivas etc.
Portanto, claro se demonstra a ilegitimidade do sistema penal no momento em que sua máquina fere um princípio constitucional. Não havendo condições de sanear tal problema, e se houvesse, seria em vão, visto que, o próprio sistema induz aos delitos praticados pelos seus órgãos competentes.
4) As ‘cifras negras’ da criminalidade – a excepcionalidade da intervenção penal:
Entenda-se por “cifra negra” da criminalidade todo o montante de condutas criminalizáveis que deixam de ingressar no sistema penal estatuído. É a diferença entre o número de crimes efetivamente praticados e o número de delitos submetidos à efetiva atuação do sistema penal
Sabe-se que o número de casos atendidos pelos braços da máquina penal é irrisório perto dos acontecimentos reais. Ou seja, se tiver em conta os números da criminalidade não registrada, verificar-se-á que ela é irrisória e desprezível.
Da leitura de Louk Hulsman[20] tira-se tal entendimento:
“Como achar normal um sistema que só intervém na vida social de maneira tão marginal, estatisticamente tão desprezível? Todos os princípios e valores sobre os quais tal sistema se apóia (a igualdade dos cidadãos, a segurança, o direito à justiça, etc…) são radicalmente deturpados , na medida em que só se aplicam àquele número ínfimo de situações que são os casos registrados”.
Regendo, portanto, o sistema penal casos esporádicos e excepcionais dele podendo se prescindir.
5) Neutralização da vítima pelo sistema penal:
O sistema não leva em conta as pessoas em sua singularidade, opera em abstrato, causando dano a quem deveria proteger. Argumenta-se que passando às mãos do Estado toda a responsabilidade e direitos de solucionar o problema, estaria se evitando atitudes vingativas da vítima. É como se o Estado roubasse da vítima o direito de participação em seu próprio conflito, sendo assim (a vítima) um perdedor duplo, em face de ofensor e em face do Estado.
Referindo-se à reitificação do conflito, Queiroz[21] propaga: “O sistema penal, enfim, coisifica a um tempo, o drama de que se ocupa, o delito, e os seus protagonistas: ofensor e ofendido. Dá-se ao fenômeno criminal, sob todos os ângulos, uma resposta insatisfatória e irracional”.
Sob essa perspectiva, o abolicionismo propõe o uso da expressão ‘situação-problema’ ao tradicional delito ou crime, num modelo alternativo de justiça. Visando a sua efetiva utilização e não seu uso simbólico.
6) Caráter definitorial do delito – o crime carece de consistência ontológica:
Adotando a teoria do labeling approach (teoria do etiquetamento), ou seja, sob a etiqueta de delito agrupam-se vários comportamentos que em comum só têm o fato de estarem criminalizados.
Outrossim, a criminalidade não é realidade dada e sim criada; é construída por meio de processos de definição e interação. Se vale de consistência formal em detrimento da material.
Discorrendo sobre o falso caráter ontológico do crime, Queiroz[22] assinala: “[…] nada haveria na natureza do fato, na sua formação intrínseca, que permitisse reconhecer se trata, ou não, de um crime, exceto a competência formal do sistema para intervir em determinadas situações”.
A lei penal cria o crime. Sendo ele não objeto do sistema penal e sim resultado do seu funcionamento.
7) A culpabilidade no sistema penal – o sistema penal intervém sobre pessoas, e não sobre situações:
Todo o sistema penal gira em torno da idéia de culpabilidade (individual) e despreza o sistema social que está inserido. A justificativa da intervenção penal, destarte, está atrelada à culpabilidade do agente.
A pessoa é assim considerada pelo sistema penal como algo independente de seu contexto, a parte da situação criada. “Vale dizer, a lei penal trabalha com imagens falsas, pois se baseia em ações, em vez de interações, funda-se em sistemas de responsabilidade biológica, e não em sistema de responsabilidade social” [23].
8) Caráter sintomatológico e não etiológico da intervenção penal – o sistema penal só atua mediatamente:
Argumenta-se que o sistema penal constitui uma resposta aos sintomas (conseqüências) e não às suas causas. Atua sobre os efeitos e não sobre as causas da violência.
Outrossim, o resultado prático da intervenção penal (leia-se: execução da sentença) só ocorre muito posteriormente ao delito. Há um atraso no processo de intervenção do sistema de justiça criminal. Ademais, mesmo em face de tamanha distancia entre o momento em que foi praticado o crime e o momento do juízo, considera-se o individuo infrator como o mesmo em ambos momentos. Fato este que acaba por não corresponder à realidade.
Por fim, diriam os abolicionistas de plantão que o sistema penal é um subsistema de reprodução das desigualdades materiais, sendo seletivamente e inutilmente imposto a categorias certas de pessoas. As penas, sendo elas legais ou não, se tornam penas perdidas.
Esses são apenas algumas das críticas em que se legitima o abolicionismo a fundamentar a supressão do poder punitivo estatal.
3.2.2.4 Dos obstáculos ao abolicionismo
O mentor intelectual do garantismo, alhures citado, é um dos ferrenhos críticos à doutrina supressora. Ressalta o doutrinador italiano que tal teoria menospreza o enfoque garantista, e confunde modelos penais autoritários e modelos penais liberais. Ademais, não oferece nenhuma contribuição à solução dos graves problemas relacionados à limitação e ao controle do poder punitivo.[24]
A idéia de incluir o ‘criminoso’ no seio social assusta. A quebra com o paradigma tradicional, onde a prisão é tida como um dos modos pelo qual se faz possível eliminar a criminalidade, é um obstáculo a ser ultrapassado para a efetiva implantação do abolicionismo.
Um dos argumentos dos críticos da proposta em comento é de que a supressão do controle social atingiria em primeiro lugar as classes mais baixas e mais sofridas da população, visto serem estas as que, apesar do sofrimento imposto pelo sistema penal, ainda suportam as drásticas conseqüências das ações delitivas.
Uma reforma intrínseca é necessária, antes que se implante a abolição penal. È impossível chegar-se a soluções privadas que restabeleçam o equilíbrio real entre os implicados, em uma sociedade pluralista, conflitiva e desigual.
Donde se conclui que, se a sociedade não estiver preparada para receber a abolição penal, e por fim esta vir a falhar, corre-se o risco de regredir de tamanha forma, que até mesmo as poucas conquistas (garantias) obtidas até hoje se perderiam. A desestrutura social existente é pois um grande obstáculo para a final abolição do sistema penal.
Outro enfoque crítico dirigido à corrente abolicionista é o que concerne ao profundo temor de que a abolição penal ocasione o caos da vingança ao invés da harmonia da conciliação. Nessa esteira, Queiroz ao citar Ferrajoli diz que: Abolir o Direito Penal seria, a seu ver, abolir a liberdade mesma, dando lugar a controles autoritários (individuais, coletivos ou estatais) e sem limites[25].
Objeções inúmeras são feitas ao abolicionismo baseadas em uma previsão de eclosão de reações vingativas, descontroladas contra os crimes praticados com violência. É pouco provável que as mesmas reações propostas pelo modelo supressor fossem pacificamente aceitas se em face de um crime, (v.g.,) seqüestro seguido de morte ou atos de terrorismo.
Porém, há de se aceitar, em que pese a competência e oportunidade das críticas acima descritas, que a ciência penal não é a descrição do direito como é, e sim a projeção do direito que deve ser.
3.2.3 Abolicionismo penal mediato – O minimalismo radical
A origem da doutrina do Direito Penal mínimo está completamente relacionada à teoria abolicionista. O abolicionismo, cediço é, surgiu quando percebeu-se insano o sistema penal praticado, e foi recebido com louvor ao demonstrar-se apto a aniquilar torturas, a pena de morte e todos os rituais macabros utilizados em nome de uma pseudo justiça.
O minimalismo penal segue assim, com ressalvas, a mesma linha de política criminal proposta pelo funcionalismo, na medida em que propugna a adoção de um sistema penal mínimo. O minimalismo leva em consideração a dura intervenção que o Direito Penal realiza sobre os criminosos, que na maioria das vezes provém de classes menos abastadas, mostrando a conveniência de tal punição para a manutenção das desigualdades sociais.
O Movimento minimalista – a pena como mal necessário – nasce a partir das propostas elaboradas principalmente por Luigi Ferrajoli e Alessandro Baratta. Eugenio Raul Zaffaroni também é grande propulsor deste movimento.
Os postulados do Minimalismo penal muito se aproximam das idéias de Beccaria. Tal modelo engloba inúmeras propostas, todas vinculadas, entretanto, à defesa da contração, em maior ou menor nível, do Direito repressivo.
O minimalismo penal nega de forma cristalina a legitimidade ao sistema, assim como o faz o abolicionismo, no entanto, ao revés deste, aquele não postula a solução dos conflitos sociais através de instâncias ou mecanismos informais, mas sim propõe a aplicação mínima do Direito Penal, como um mal menor necessário.
Queiroz[26] ao analisar o movimento de política criminal discorre:
“A perspectiva minimalista radical reconhece o sistema penal como um subsistema de reprodução seletiva de desigualdades materiais, criminógeno e incapaz de realizar suas funções declaradas, mas considera impossível a supressão desse sistema sem que se desencadeiem, previamente, mudanças sociais estruturais, razão porque a preservação tática do Direito Penal é necessária enquanto não se operam tais mudanças.”
Tal movimento decorre do caráter subsidiário que, juntamente com a natureza fragmentária, dá o contorno do princípio da intervenção mínima, e representa o modelo de Direito Penal criado a partir das posturas minimalistas, conforme a seguir se discorrerá.
O pensador italiano, para sustentar a sua teoria de deslegitimação do sistema penal e da inegável crise do discurso jurídico-penal, em estudos de criminologia crítica, procura enfatizar as diversas correntes existentes: as teorias psicanalíticas, que negam o princípio da legitimidade; as teorias estrutural-funcionalistas, que negam o princípio do bem e do mal; as teorias das subculturas criminais, que negam o princípio da culpabilidade; as teorias da rotulação, que negam o princípio da prevenção alemã da rotulação, que nega o princípio da igualdade; e a ‘sociologia do conflito’, que nega os princípios do interesse social e do ‘direito natural’.
O Movimento minimalista não se confunde com o Garantismo, embora ambos sejam convergentes, vez que se baseiam nos mesmos ideais e pressupostos. Este, no entanto, é mais abrangente.
“O minimalismo penal legitima-se unicamente por razões utilitárias, que são a prevenção de uma reação formal ou informal mais violenta contra o delito, quer dizer, para o Direito Penal mínimo o fim da pena seria a minimização da reação violenta contra o delito. Esse Direito Penal se justificaria como instrumento apto a impedir a vingança”[27].
Em tese, o minimalismo propõe que seja obtida a operatividade do Direito Penal, mais efetiva e menos violenta e que contribua de maneira fundamental, para a redução da criminalidade e reintegração social dos que foram deixados à margem pelo sistema penal. Surgiria então, na expressão de Sánchez[28], “um Direito Penal de duas velocidades”, onde um continuaria punindo os crimes mais graves enquanto o outro aplicaria medidas alternativas para a solução de situações menos ofensivas.
A principal proposta minimalista é de criar outras formas de contração do sistema menos violentas do que o Direito Penal. Essa contração operar-se-á por meio da descriminalização – principalmente – despenalização; diversificação; adoção do princípio da oportunidade além da adoção de penas alternativas à prisão com vistas à sua abolição.
Por descriminalização entenda-se a renúncia formal, isto é, jurídica, de agir em um conflito por via do sistema penal. Despenalização seria, outrossim, a degradação da pena de um delito sem descriminalizá-lo. Diversificação, ao seu turno, é a possibilidade legal de que o processo penal seja suspenso em certo momento, sendo solucionado o confllito de forma não punitiva. Exemplo claro de diversificação na legislação pátria é o instituto da ‘suspensão condicional do processo’ previsto a partir da Lei que instituiu os Juizados especiais, lei 9099/95.
O papel do proposto Direito Penal residual e mínimo consistiria em uma política criminal que visasse à transformação das estruturas sociais e de poder, salientando que entre os instrumentos de política criminal, o Direito Penal é mais inadequado. Ou seja, a melhor política de transformação social é uma não-penal, cujas intervenções vão às raízes dos problemas, respondendo etiologicamente ao mesmo.
Deve-se entender que o Estado deve interferir na resolução das situações problemas que surgem na vida dos membros da sociedade, o menos possível. O Direito Penal apenas deve manifestar-se quando os demais ramos de direito, e tendo-se total certeza desta condição, não puderem proteger aqueles bens considerados da maior importância.
Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas e não as penais. Refletindo o caráter subisidiário que o Direito Penal deve ter. A pena criminal não proporciona a readaptação em sociedade , devendo ser, portanto, a última hipótese possível a ser aplicada, e não o reverso.
Baratta apud Queiroz[29] conclui que:
“[…] dentro de um modelo integrado de política criminal alternativa, assinala ao Direito Penal um papel – relativo e provisório- tríplice: a) defesa de garantias liberais fundamentais; b) defesa frente ao Direito Penal mesmo pela redução do seu campo de intervenção; c) defesa de certos interesses sociais ante à falta de alternativas.”
No ordenamento jurídico pátrio é reflexo da doutrina em comento a Lei nº. 9.099/95, a qual trouxe à vida jurídica o Juizado Especial Criminal e a Lei nº. 9.714/98 que introduziu ao repertório legislativo penal medidas alternativas à pena privativa da liberdade, são exemplos de iniciativas legislativas que visam uma reforma séria e a implantação das proposta minimalista.
4 A CRISE DO SISTEMA PENAL: FALENCIA DA PENA DE PRISÃO
“Que outros falem da sua vergonha, eu falo da minha.” Bertolt Brecht
Podemos inferir, a esta altura da análise, que o que nos serviu de paradigma até hoje no campo do Direito Penal, com o racionalismo, as idéias trazidas pela modernidade, encontra-se em evidente crise.
Esta crise apresenta-se como ruptura, corte, desequilíbrio com o modelo ideal proposto de sistema penal. Aquilo que nos servia de exemplo a seguir, sofre um desligamento da realidade vivida. Não há como tomar por modelo, idéias que se têm mostrado insuficientes para lidar com o surgimento de novas situações. Assim os elementos essenciais ligados ao conceito de crise são as idéias de ruptura e de desequilíbrio.
Ruptura significa corte, divisão, rompimento. É a quebra, o abandono de algo, especialmente de idéias que deverão ser substituídas por outras e dando, portanto, surgimento ao novo. Por outro lado, desequilíbrio é instabilidade, perda do controle que leva à insegurança, à incerteza. É o sentimento de que alguma coisa precisa ser feita para restaurar, ou, para implantar o equilíbrio, a segurança, a certeza, a crença.
Ideologicamente é construída uma realidade segundo a qual os bens jurídicos, protegidos pelo Direito Penal, representariam interesses fundamentais de todos os cidadãos, na proporção em que as lesões aos mesmos se constituiriam em um atentado às condições essenciais ao funcionamento e existência de toda a sociedade.
Desta forma, o paradigma do Direito Penal posto é a idéia fictícia e utópica do sistema penal, constituído pelos aparelhos policial, ministerial, judicial e prisional o faz aparecer como um sistema que protege bens jurídicos gerais e combate a criminalidade (o “mau”) em defesa da sociedade (o “bem”). Tudo isso através da prevenção geral (intimidação dos infratores potenciais pela ameaça da pena cominada em abstrato na lei penal) e especial (ressocialização dos condenados pela execução penal) e, portanto, como uma promessa de segurança pública. Aparece, simultaneamente, como um sistema operacionalizado nos limites da legalidade, da igualdade jurídica e dos demais princípios liberais garantidores e, portanto, como uma promessa de segurança jurídica para os criminalizados; ou seja, de que a criminalização está imunizada contra o arbítrio.
Porém, o sistema penal cumpre funções latentes opostas às declaradas. Razão pela qual caracteriza-se por uma eficácia instrumental inversa à prometida à qual uma eficácia simbólica (legitimadora) confere sustentação.
A ideologia penal dominante legitima o sistema, ao (re) produzir uma imagem idealizada do seu funcionamento socialmente útil, a saber, segurança contra a criminalidade (segurança pública) e segurança para os criminalizados (segurança jurídica); ao tempo em que oculta suas reais e invertidas funções.
Para Zaffaroni, a função que cumpre o sistema penal na realidade social, segundo a criminologia e a sociologia do Direito Penal, pode ser resumida em função da segmentação e dominação. Senão vejamos:
“Para uns o sistema penal cumpre a função de selecionar, de maneira mais ou menos arbitrária, pessoas dos setores sociais mais humildes, criminalizando-as, para indicar aos demais os limites do espaço social. Para outros, cumpre a função de sustentar a hegemonia de um setor sobre outro.”[30]
Nesse sentindo, a função que o sistema penal cumpre (idealmente) na realidade social é a de selecionar, arbitrariamente, pessoas socialmente humildes, criminalizando-as, para indicar os limites da sociedade. Ademais, teria também a função de sustentar a hegemonia de um setor sobre o outro, o dominante sobre o dominado, visão marxista.
Entende-se, portanto, que o sistema penal, diante do crescimento do crime organizado que atinge todos os níveis sociais, opera de forma seletiva em face dos interesses específicos dos grupos sociais que se encontram no ápice da pirâmide social, priorizando o uso do Direito Penal com o precípuo fim de reprimir e marginalizar os grupos sociais subalternos como meio de manutenção do poder e, conseqüentemente, do status quo.
Essa seletividade oportunista é verificada em todo aparato punitivo estatal. Ou seja, isto se verifica, desde o início do processo de criminalização, tanto com a definição dos tipos penais pelo legislador como pela concreta aplicação da lei pelos agentes do sistema penal. Tudo isto eivado pelo subjetivismo estigmatizante que lhe é peculiar, até o fim da atuação deste sistema através das penas, momento culminante da irracionalidade punitiva, afirma-se com convicção. Uma lástima.
Reflexo explícito e notório de tal sucumbência das pretensões punitivas do Estado está no sistema prisional. Senão vejamos.
Nos primórdios da humanidade se prendiam pessoas pelos pés, pelas mãos, pelos pescoços, os bárbaros chamavam as fossas de prisão.
Os antigos gregos e romanos segregavam em estabelecimentos especialmente apropriados para prender infratores, cárcere vem de carcer (local do circo em que os cavalos aguardavam o sinal para a partida). Porém, neste contexto histórico, na antiguidade, a prisão era uma espécie de ante-sala de suplícios, ou seja, servia para a guarda de réus para preservá-lo fisicamente até o momento do julgamento ou execução. A função da prisão era, pois, eminentemente de custódia.
Na Idade Média, a idéia da pena privativa de liberdade não aparece[31]. Ela continua a ter um fim custodial. No entanto, nessa época surge a prisão do Estado (destinava-se aos inimigos do poder que tivessem cometido delitos de traição, ou aos adversários políticos dos governantes) e a prisão eclesiástica (destinava-se aos clérigos rebeldes).
A prisão-custódia só passa a ser encarada como prisão-pena quando da criação das casas correcionais na cidade de Amsterdã (final do século XVI) que eram destinadas para o específico cumprimento de pena, com caráter educativo.
No século XVIII, enfim, dar-se início ao Período Humanitário, que vinha a combater a dureza nas prisões, como alhures já ressaltado. Outrossim, a prisão, como método penal, é criação relativamente recente.
Antes de ser feita qualquer análise axiológica acerca da prisão em si ou dos efeitos acarretados por ela, urge que seja traçada a sua natureza fundamental, qual seja a de ‘instituição total’. É, pois, o lugar de residência e ‘trabalho’ de grupos de pessoas que fora da sociedade por um considerável período de tempo, encontram-se compartilhando uma situação comum, transcorrendo parte de sua vida em um lugar fechado e formalmente administrado.
O sociólogo americano Erving Goffman ao tratar do tema[32] situa a prisão dentro do terceiro tipo de instituições totais, ou seja, é aquela com que se visa proteger a comunidade contra os que constituem intencionalmente um perigo para a mesma. Não tem como finalidade imediata, como se observa, o bem estar dos internos, ao contrário, os transforma em seres passivos. Feitas as referidas ressalvas a respeito da prisão enquanto instituição total, voltemos à análise dos efeitos da mesma.
Quando a prisão converte-se em resposta penológica principal, especialmente a partir do século XIX, o “deve-ser” da mesma residia no fato de conseguir a reforma positiva do delinqüente.
Porém, tal otimismo inicial sucumbiu em detrimento de um pessimismo realista e aterrorizador: os efeitos que a prisão traz são, apenas e tão somente, negativos.
É como bem profetiza Edmundo Oliveira[33]:
“O grande lamento é que […] a prisão continue a se apresentar como um espetáculo deprimente, atingindo além da pessoa do delinqüente: orfana filhos de pais vivos; enviúva a esposa de marido combalido; prejudica o credor do preso tornado insolvente; desadapta o encarcerado à sociedade; suscita graves conflitos sexuais; onera o Estado; amontoa seres humanos em jaulas sujas, úmidas, onde vegetam em olímpica promiscuidade”.
Ademais, não cumpre o papel ressocializador e reabilitador a que se atribui a sua existência; pelo contrário, os altos índices de reincidência demonstram que ela produz rupturas significativas dos laços sociais. Alguns chamam esse processo de prisionalização, no qual os internos adquirem hábitos e valores condizentes com o ambiente prisional, diferindo ética e moralmente dos valores sociais incentivados.
Citado oportunamente por Bitencourt, Garcia-Pablos diz que é mais difícil ressocializar a uma pessoa que sofreu uma pena do que outra que não teve essa amarga experiência e que a sociedade não pergunta por que uma pessoa esteve em um estabelecimento prisional e sim se esteve lá ou não.[34]
A observação que faz o inesquecível Evandro Lins e Silva[35] se torna imprescindível: “Hoje, não se ignora que a prisão não regenera nem ressocializa ninguém; perverte, corrompe, deforma, avilta, embrutece, é uma fábrica de reincidência, é uma universidade às avessas onde se diploma o profissional do crime.”
Isto posto, as prisões pertencem a uma lógica da exclusão, são depósitos do lixo humano. Tem sua ascensão atrelada à ‘sensação’ de insegurança propagada pela mídia e, como resposta, o Estado endurece a legislação e constroe prisões.
Com efeito, a prisão é um dos instrumentos que integram o sistema penal, em sua dupla dimensão:
1) Dimensão progamadora – define a conduta delitiva, as regras para as suas ações e decisões e os próprios fins perseguidos;
2) Dimensão operacional – deve realizar o controle do delito com base na citada programação.
Tais dimensões são meramente simbólicas, distantes da real condição e, fazendo nossas as palavras de Bitencourt[36], diríamos: “Definitivamente, deve-se mergulhar na realidade e abandonar, de uma vez por todas, o terreno dos dogmas, das teorias, do dever ser e da interpretação das normas”.
Inúmeros são os ângulos sob os quais podem ser analisadas as causas ou da crise prisional como reflexo da deslegitimação do sistema penal. Adiante passaremos a esmiuçar apenas algumas das inúmeras contradições reinantes no seio da institucionalização da pena privativa de liberdade – a prisão.
4.1 A prisão como fator criminógeno – Subcultura carcerária
Afirmar que o cárcere é verdadeiro fator criminógeno, é dizer que o mesmo é agente produtor de crimes. Tal constatação acerca do sistema prisional não é nova. De outra forma não poderia ser, pois como remédio opressivo e violento que é, a exteriorização da pena privativa de liberdade deixa conseqüências devastadoras sobre a personalidade humana.
A influencia negativa da prisão é vista em Ramirez apud Bitencourt ao propagar: “Considera-se que a prisão em vez de freiar a delinqüência parece estimulá-la, convertendo-se em um instrumento que oportuniza toda espécie de desumanidades. Não traz nenhum benefício ao apenado, ao contrário, possibilita toda a sorte de vícios e degradações”.[37]
Nos dizeres de Nélson Hungria, a prisão é uma universidade do crime[38]. Uma escola de recidiva; destroe, deforma e corrompe a personalidade do preso. Cumpre papel oposto ao que lhe é destinado, ou seja: fabrica carreiras criminosas. E a quantidade delas cresce na medida e na proporção em que for maior o número de presos ou condenados.
É de Jeremias Bentham apud Bitencourt[39] a afirmação: “Em relação à moral, uma prisão é uma escola onde se ensina a maldade por meios mais eficazes que os que nunca poderiam empregar-se para ensinar a virtude: o tédio, a vingança e a necessidade presidem esta educação de perversidade”.
Ou seja, os clientes das penitenciárias se unem em uma mesma consciência coletiva e se constroe a chamada subcultura carcerária que já encontrava ecos nas idéias do humanista citado, senão vejamos:
“A opinião que nos serve de regra e de princípio é a das pessoas que nos cercam. Estes homens segregados assimilam linguagem e costumes e, por um consentimento tácito e imperceptível, fazem próprias leis, cujos autores são os últimos dos homens: porque em uma sociedade semelhante os mais depravados são mais audazes e os mais malvados são mais temidos e respeitados. Composto deste modo, esta população apela da condenação exterior e revoga suas sentenças.”[40]
Neste diapasão, os fatores que imprimem ao cárcere um caráter criminógeno são os de ordem material (deficiência de alojamento, alimentação e saúde); de ordem psicológica (a vida que se desenvolve em uma instituição [a prisão, no caso] total facilita a aparição de uma consciência coletiva que supõe a estruturação definitiva do amadurecimento do criminoso); de ordem social (diante do acelerado ritmo de transformações que a vida ‘moderna’ passa, é inviável a reinserção do ora apenado à vida em comunidade).
Com efeito, ao deformar a personalidade dos seus clientes, a prisão ajusta a mesma à subcultura prisional, acontecendo, como já dito, o fenômeno da prisionalização. Ou seja, estes homens segregados assimilam linguagem e costumes, fazendo suas próprias leis.
Sobre a subcultura prisional como efeito do sistema social originado na prisão, com maestria, afirma Bitencourt que é impossível admitir a possibilidade de ressocialização do recluso, com a existência de um subsistema social que contradiz totalmente os propósitos ressocializadores.[41]
A origem da subcultura carcerária explica-se através das peculiares condições em que se desenvolve a pena privativa de liberdade, em especial nas prisões de segurança máxima; onde, o interno se vê obrigado a criar suas próprias regras que lhe permita responder ao castigo imposto.
4.1.2 A Prisionalização
A prisionalização é a conseqüência mais importante que o subsistema social produz no recluso. É a forma como a cultura carcerária é absorvida pelo detento. Ou seja, o detento é submetido a um processo de aprendizagem que lhe permitirá integrar-se à subcultura carcerária.
Tal efeito produz graves dificuldades aos esforços daqueles que pretendem, utopicamente, a prisão como uma possibilidade de tratamento ressocializador. É da inteligência das palavras de Bitencourt[42] que retiramos o seguinte entendimento:
“A prisionalização é um processo criminológico que leva a uma meta diametralmente oposta a que pretende alcançar o objetivo ressocializador […] o recluso adapta-se às formas de vida, usos e costumes impostos pelos próprios internos no estabelecimento penitenciário, porque não tem alternativa. Adota, por exemplo, uma nova forma de linguagem, desenvolve hábitos novos no comer, vestir, aceita papel de líder ou papel secundário nos grupos de internos […] A prisionalização, enfim, tem efeitos negativos à ressocialização que o tratamento dificilmente poderá evitar”.
Na esteira da mais abalizada doutrina penitenciária, tem-se que o tempo de duração da pena é diretamente proporcional ao grau de prisionalização do apenado. A isto, adicionem-se outros fatores como: personalidade instável, aceitação dogmática da sociedade carcerária, poucas relações com o mundo de fora da prisão, entre outras. Em que pese a tese de Clemer que sistematizou da forma exposta as causas da prisionalização, a mesma não foi empiricamente comprovada, havendo inúmeras teses contrárias que dão outros entendimentos ao fenômeno em questão.[43]
É inquestionável que a prisionalização seja um fator que obstaculariza seriamente a ressocialização do delinqüente. Sendo, pois, indubitavelmente, um motivo que comprova a inércia do discurso que pretende justificar o sistema penal via sistema prisional.
4.2 O CUSTO DA PENA DE PRISÃO
Sem dúvida, a pena de prisão é cara e ineficaz. Urge que seja feita uma avaliação do custo-benefício da pena de prisão. Outras haverão de ser as alternativas menos onerosas aos cofres públicos na utópica busca pela ‘segurança’ prometida.
Hoje, o país não possui um banco de dados com informações constantemente atualizadas sobre o sistema penitenciário, fato este que dificulta a identificação exata de como está a situação carcerária; porém, analisando o passado prever-se-á o futuro.
É o Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN – o responsável por construção, reforma, ampliação de estabelecimentos penais; formação, aperfeiçoamento e especialização do serviço penitenciário; aquisição de material permanente, equipamentos e veículos especializados imprescindíveis ao funcionamento dos estabelecimentos penais; formação educacional e cultural do preso e do internado; programas de assistência jurídica aos presos e internados carentes; e demais ações que visam o aprimoramento do sistema penitenciário em âmbito nacional. Enfim, objetiva proporcionar recursos e meios para financiar e apoiar as atividades de modernização e aprimoramento do Sistema Penitenciário Brasileiro.
O Fundo Penitenciário Nacional foi criado pela Lei Complementar nº. 79, de 7 de janeiro de 1994, com a finalidade de proporcionar recursos e meios para financiar e apoiar as atividades de modernização e aprimoramento do Sistema Penitenciário Brasileiro. Encontra regulamentação no Decreto nº. 1.093, de 3 de março de 1994.
Essencialmente, o Fundo é constituído com recursos que possuem origem nas dotações orçamentárias da União, custas judiciais recolhidas em favor da União, arrecadação dos concursos de prognósticos, recursos confiscados ou provenientes da alienação dos bens perdidos em favor da União Federal, multas decorrentes de sentenças penais condenatórias com trânsito em julgado, fianças quebradas ou perdidas, e rendimentos decorrentes da aplicação de seu patrimônio. Outrossim, é do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN – a competência legal para gerir dos recursos do Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN.
O gráfico, abaixo exposto, da execução orçamentária do FUNPEN, nos anos de 1995 a 2003, explicita a realidade brasileira hodierna:
A execução orçamentária do FUNPEN pode ser classificada conforme a modalidade de aplicação dos recursos – Transferência aos Estados, Transferência a Entidades Privadas, Transferência ao Exterior e Aplicação Direta – e conforme o grupo da despesa – despesas correntes e investimentos.[44]
Verifica-se que em todos os exercícios – à exceção de 2001 – grande parte da dotação orçamentária autorizada não foi utilizada. Fato este justificado pelo Ministério da Justiça como decorrente de dois fatores – contingenciamento de orçamento e descompasso entre os limites orçamentários e financeiros. Dito de outro modo: dotação orçamentária há – diferentemente como muitos propagam – porém, insuficiente. Fato este que se reflete diretamente na situação precária dos presídios.
Em relação à transferência da dotação orçamentária da União para os estados-membros, o quadro abaixo é elucidativo:
Dados extra-oficiais dão conta que o ente federativo responsável por uma contraparte dos recursos do sistema prisional de seu estado gasta entre R$1.200,00 a R$2.000,00 por mês por cada detento. Ou seja, independentemente de qual infração tenha levado o cidadão ao presídio, o mesmo onera os cofres públicos em torno de 3 (três) a 6 (seis) salários mínimos.
Fato este lastimável, para não dizer trágico. Ora, como conceber tamanho gasto formalmente empregado (diga-se de passagem), se a situação prisional vigente é de total precariedade nas condições das prisões e déficit de vagas nas penitenciarias de todo o país?
4.3 A cifra negra ou delinqüência oculta
Grande parte dos eventos, acidentes, incidentes, desordens, incivilidades, conflitos e violências a que está submetida a população tem como resposta soluções civis não penais. Este fenômeno é designado comumente pelo termo cifra negra ou delinqüência oculta.
A par disso, pode-se inferir, com plena convicção, que as estatísticas de que se vale o sistema penal, no tocante à realidade prisional (das quais passaremos adiante a delinear), não passam de puro engodo. Ou seja, existem uma criminalidade legal, uma criminalidade aparente e uma criminalidade real.
A criminalidade legal é aquela registrada nas estatísticas oficiais; criminalidade aparente é toda aquela conhecida pelos órgãos de controle social que ainda não aparecem nos registros oficiais (porque o processo ainda não transitou em julgado); criminalidade real é a quantidade de delitos verdadeiramente cometidos em determinado momento e que não é, porém, conhecida na sua real extensão.
Entre a criminalidade real e a criminalidade aparente existe uma enorme quantidade de casos que jamais serão conhecidos pela polícia, essa diferença é a chamada cifra obscura, cifra negra ou delinqüência oculta.
Decorrente de dados obtidos na Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP – pode-se inferir que boa parte da cifra oculta é oriunda da decisão da população de não registrar nos órgãos de segurança pública os eventos a que tenham sido vítimas. A figura abaixo explicita bem a realidade em questão:
Da análise de tal figura conclui-se que, em relação à operatividade do sistema penal, nos seus primeiros níveis (descobrimento do fato, atitude da vítima e atitude da polícia) é onde se encontra o filtro mais importante da cifra negra.
Castro[45] afirma que muitos fatos não são levados pela vítima ao conhecimento da polícia por inúmeros fatores, entre eles destacaríamos: 1. o fato não foi ainda descoberto; 2. a vítima não valora o fato ocorrido como criminoso; 3. não confiança na esfera policial; 4. por entender que a condenação que se infligiria seria mais grave que o dano causado ou 5. porque há possibilidade de se obter reparação por outra via.
Nesse sentido oportuna se faz a transcrição de Azevêdo[46] ao tratar sobre o tema:
“As estatísticas oficiais criminais traduzem apenas a atividade das instâncias formais do sistema penal (Polícia, Ministério Público, Tribunais, Penitenciárias). As pesquisas sobre a cifra oculta permitiram significativa mudança no conceito de criminalidade, mostrando não ser esta um comportamento minoritário, mas, inversamente, o da maioria da sociedade.”
Nem todo delito é perseguido, nem todo delito é registrado, nem todo delito é investigado, nem todo delito é denunciado, nem toda denúncia é recebida e nem toda denúncia recebida resulta em condenação.[47]
Do exposto conclui-se que as estatisticas criminais não refletem a criminalidade real, ao revés disso induzem o entendimento de que a mesma se concentra nos estratos inferiores da sociedade; enquanto que, nos estratos superiores, em virtude de pressão do poder, reinasse sua visível ausência. Falacioso induzimento.
Existem também as cifras douradas da delinqüência que são tratadas por Castro[48] como aquela que: “[…] detém o poder público e o exercem impunemente, lesando a coletividade e cidadãos em benefício de sua oligarquia, ou que dispõem de um poderio econômico que se desenvolve em detrimento da sociedade”. Estaria a renomada criminóloga, em que pese suas citadas palavras terem sido escritas em 1983, prevendo os demandos públicos dos representantes ‘legitimados’ pelo povo? Ou estaria ela repugnando sutilmente a imunidade (?) parlamentar destes nossos insignes representantes?
4.4 A superlotação do cárcere
Partindo de uma imprescindível análise comparada[49], cediço é que os EUA são o segundo maior encarcerador do mundo, perdendo apenas para a Rússia. Têm uma legislação penal muitíssimo severa, e a população de presos vem crescendo em proporção geométrica. Manter um preso nos EUA custa mais do que manter um aluno em Harvard, uma das universidades norte-americanas mais caras. Porém, as taxas norte-americanas de criminalidade violenta, v.g., são as mais altas entre os países do mundo desenvolvido. Donde se conclui que criminalidade não se resolve com leis severas e cadeias superlotadas.
A realidade brasileira não é diferente, senão mais grave. Com a propagação, pelos meios de comunicação, da ideologia ludibriante de que leis penais mais severas resolvem o problema de criminalidade do país, o fenômeno da superlotação dos presídios se torna evidente.
A partir do momento que se infla a legislação penal em prol e em vista do clamor social na busca da segurança prometida, se tipifica uma imensidão de condutas e a outras é dado um tratamento mais severo. A conseqüência evidente disso é a falta de condições do sistema prisional em suportar tal demanda.
Com efeito, a insuficiência de prisões aliada ao fato das existentes estarem em péssimas condições, resulta um dos mais aberrantes motivos que vem justificar a falência da pena de prisão: a superlotação dos presídios.
Dados do DEPEN não deixam que tais afirmações sejam inverídicas, senão vejamos:
Da análise do Gráfico 2, acima, percebe-se que, na Região Nordeste, um dos Estados com maior população carcerária é o Ceará; com um total de 10.116 apenados, só no ano de 2005.
No gráfico 3, acima, vê-se a situação do Estado da Paraíba. Donde se conclui que os índices de criminalidade (os oficiais) aumentam a cada ano que passa: 2003 > 5.414 presos; 2004 > 5.954 presos e 2005 > 6.114 presos.
O Ministério da Justiça em parceria com o DEPEN, no ano de 2006, elaborou o que chamou de “Dados Consolidados” onde busca diagnosticar e propor saídas à crise do sistema prisional. Representa dados limitados a cada ente federativo, bem como os dados gerais referentes ao país.
Da análise dos dados abaixo expostos, figura 2, conclui-se sem maiores esforços que o déficit de vagas do Sistema Prisional no ano de 2004 é de 62293 vagas. Dito de outra forma: existem um total de SESSENTA E DOIS MIL DUZENTOS E NOVENTA E TRÊS presos a mais do que o suportável pelo Sistema Prisional. O que representa em percentual um total de déficit em torno de 24%.
No ano de 2005, como se vê na figura 3, a realidade não é outra, quiçá mais dramática. A população carcerária aumenta e, proporcionalmente, o déficit de vagas também, senão vejamos: Quantidade de apenados é de 296.919, a quantidade de vagas disponíveis é de 206.347. O que nos faz concluir que o déficit é de NOVENTA MIL QUINHENTOS E SETENTA E DUAS vagas. Equivalendo, em termos percentuais, a 45% de déficit de vagas. Cômico se não fosse trágico.
No estado da Paraíba a realidade não é tão distinta do resto do Brasil. Porém, é claro, que proporcionalmente à população carcerária do ente federativo. A quantidade de presos que excedem o número ideal é de 1928, o que indica um percentual de déficit em torno de 32%.
Ainda a par dos Dados consolidados do Sistema Penitenciário do Brasil, pode-se sistematiza-lo tendo por base qual regime penitenciário cumprido:
Interessante ressaltar o crescimento vertiginoso da prisão provisória, reflexo também da falência do sistema penal; que, em detrimento do devido processo legal e em face dos interesses da mídia e de quem por detrás dela esteja, se condena antes do julgamento.
Como se percebe, mediante a análise do gráfico 6, a população carcerária total do país está em franca ascensão, entendendo-se, aqui, ascender como algo extremamente negativo. Em 2003 tínhamos um total de 308.304 presos; em 2004 sobe em torno de 9% chegando a um total de 336.358 presos; em 2005 o percentual acresce mais 7,5% e chega a um total de 361.402 apenados.
Ademais, ao adentrar ao campo do dogma legislativo, por base na Lei de Execução Penal – LEP – no: 7.210/84 percebe-se que a mesma em seu art.85 reza: “O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade”.
Mais adiante abstrai-se de tal legislação:
“Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.
Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:
a) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).
Art. 102. A cadeia pública destina-se ao recolhimento de presos provisórios.
Art. 103. Cada comarca terá, pelo menos 1 (uma) cadeia pública a fim de resguardar o interesse da Administração da Justiça Criminal e a permanência do preso em local próximo ao seu meio social e familiar.”
O que deixa patente a confirmação do simbólico e falacioso discurso justificador do Sistema Penal vigente.
Com efeito, o crescimento vertiginoso da população prisional e do déficit de vagas deve ser componente fundamental das políticas penitenciárias. Pesquisas recentes do DEPEN estimam, por exemplo, que mais de 60% (sessenta por cento) da população prisional seja composta por reincidentes (talvez não no sentido técnico-jurídico do termo, mas no sentido de que saíram do sistema e a ele vieram a retornar, em situação de reinclusão), o que aponta, dentre outras coisas, para o papel absolutamente deficitário que vem sendo desempenhado pelo assim chamado tratamento penal, nas unidades prisionais do país.
O quadro abaixo é auto-explicativo e encerra a discussão a cerca da superpopulação carcerária. Atestando a lastimável realidade.
4.5 A insinceridade do discurso: prevenção, recuperação e ressocialização
Ao evidenciar que a crise não é acidental, a insinceridade do discurso se manifesta sob duplo aspecto, quais sejam:
1) A consciência de que a lei não modifica e não reflete a realidade, não é feita para ser cumprida;
2) O interesse implícito na manutenção da criminalidade, a indústria do crime.
O sistema só seria legítimo se atuasse em conformidade com seu discurso, ou seja, se fosse sua realização possível conforme a programação. A projeção social do discurso jurídico-penal deve ser minimamente verdadeira, deve realizar-se em alguma medida.
Ademais, de acordo com o segundo aspecto, ainda há o interesse na manutenção do status quo da realidade penal e carcerária, por parte de um conjunto de atividades industriais, comerciais, intelectuais e ocupacionais.
Na esteira de Lins e Silva, indagaríamos: A quem interessa a difusão e a propaganda da insegurança, sem combater as causas? Citando o Jornalista Luiz Lobo, o advogado criminalista[50] diz:
“A paranóia, o medo e a sensação de insegurança interessam somente àqueles que exploram o crime, seja de que maneira for, interessam apenas àqueles que não estão interessados em resolver os verdadeiros motivos da violência, aos que usam a desculpa da violência para serem violentos”.
O discurso legislativo constante, v.g, na LEP dá conta que: “Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.” Mais adiante continua o legislador: “Art. 22. A assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à liberdade.”
Da interpretação de tais dispositivos se retira a falácia da prevenção, recuperação e ressocialização do ora apenado. Tenta, tal ideologia penal, justificar condutas e legitimar gastos.
São de Azevedo[51] as palavras:
“O discurso não descreve, rigorosamente, o funcionamento do sistema, o que é funcional, pois a falsidade do discurso dogmático integra seu código ideológico (ideologia liberal + ideologia da defesa social), que tem sido fundamental à legitimação e à eficiência simbólica (reprodução ideológica) do sistema penal, pela sobreposição à sua imagem real de uma imagem ideal.”
Do exposto, e por tudo o que já fora dito alhures, cumpre-nos sistematizar os princípios, funções e efeitos do cárcere:
1) Seleciona arbitrariamente seus clientes (já selecionados!);
2) Sustenta a hegemonia de um setor sobre outro;
3) “Perverte, corrompe, deforma, avilta, embrutece, é uma fábrica de reincidência, é uma universidade às avessas” [52];
4) Age na produção do crime – efeito criminógeno;
5) Prisionaliza em detrimento da ressocialização;
6) É cara: custa, aos cofres públicos, algo de 3 a 6 salários mínimos em média no país, por cada detento;
7) A população carcerária é além de sua capacidade: em 2005, v.g., o déficit de vagas foi de 45% em todo o Brasil;
8) Estimula o desemprego ao passo que se estigmatiza o apenado;
9) É dissocializante: contribui para a reincidência;
10) Alimenta, tão-somente, a indústria do crime e àqueles que dela precisa.
Dito isto, fica a certeza de que ao ex-condenado, mediante a sua não ressocialização, resta incorporar-se ao crime organizado, como sua única saída de inclusão. Sucumbindo com a função educativa de ressocialização que idealiza a prisão.
Oportuno transcrever a maestria do pensamento de Foucault:
“A prisão, essa região mais sombria do aparelho de justiça, é o local onde o poder de punir, que não ousa mais se exercer com o rosto descoberto, organiza silenciosamente um campo de objetividade em que o castigo poderá funcionar em plena luz como terapêutica e a sentença se inscrever entre os discursos do saber. Compreende-se que a justiça tenha adotado tão facilmente uma prisão que não fora entretanto filha de seus pensamentos. Ela lhe era agradecida por isso.”
A intimidação pretendida pode ser realizada por outras formas de ‘punição’, inserindo a vítima como elemento chave e principal interessada em sua solução. Ademais, falar em retribuição é descer às beiras do inacreditável, é se fazer regredir, inaceitável.
Deve-se aceitar a evidência acumulada em todo o mundo de que a prisão não cura criminosos. Ao contrário, torna as pessoas piores ao serem deterioradas de tal forma que, ao sair da prisão, o retorno ao crime é, frequentemente, a única alternativa para conseguirem algum tipo de reinserção.
Urge que seja atacado o crime em suas causas, não em sua conseqüência. Mas, se assim o for, urge que seja dada outra solução alternativa à pena de prisão. Ou seja, que se encontre substitutivos eficazes a solucionar os conflitos sociais e que a prisão exista em ultima ratio.
Que modalidades alternativas seriam essas? É isso que se pretende demonstrar adiante. Algumas sugestões.
5 EM BUSCA DE UMA RESPOSTA ALÉM DO CASTIGO
“O problema fundamental em relação aos Direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político.” Noberto Bobbio
A reflexão central que aqui se propõe gravita em torno de decidir o que fazer com o ser humano que, comprovadamente, praticou uma ação típica, antijurídica e culpável, ou seja, o que fazer com a pessoa que cometeu um crime.
Desde a década de 70, como já ressaltado, a Política Criminal tem se posicionado no sentido da baixa eficácia da prisão como resposta principal para apreciável parcela de delitos. O paradoxal é que, apesar disto, a coletividade vem sido mantida na ilusão quanto às virtudes das penitenciárias e do próprio Direito Penal.
Com efeito, através das ideologias propagadas maleficamente pelos meios de comunicação, o ‘olhar’ da sociedade é desviado da crise estrutural política e econômica, onde se encontra, realmente, a mais importante raiz do problema do crime, notadamente dos delitos convencionais praticados com finalidade de ganho patrimonial, que tanto atemorizam e inquietam o corpo social.
A esta altura já não é surpresa afirmar que o controle social não se faz com força, mas com cidadania. A violência inerente ao próprio Direito Penal não pode servir de base para frear a violência dos que o desobedece.
Destarte, em prol do discurso falacioso de proteção aos bens jurídicos, não deve o Direito Penal lesar outros bens jurídicos. Inimaginável, portanto, que exista violência a serviço do controle da violência.
Por outro lado, o que se vê hodiernamente, com a ajuda dos meios de comunicação, é que o Direito Penal vem abandonando seus princípios constitucionais básicos para enveredar-se na função de instrumento de política governamental, o que o torna um Direito alheio aos interesses da população, com caráter nitidamente prevencionista, melhor dizendo, um Direito Penal de máxima interferência na vida particular do cidadão e da sociedade.
Exemplo claro desse disparate jurídico é a Lei nº. 8.072/90 que dispõe sobre os crimes hediondos e assemelhados, em cujo texto podem ser encontrados dispositivos absolutamente contrários à idéia do minimalismo penal, onde é estipulado que o cumprimento da pena privativa de liberdade se dará em regime fechado, com expressa vedação da progressão de regime.[53]
A utilização dessa problemática de espírito absolutista traz para sua responsabilidade a elucidação e resolução de todos os conflitos sociais que se formarem. O que acarreta uma inflação de figuras delituosas, ocasionando, além de uma sobrecarga de trabalho para a máquina judiciária, e sua conseqüente falência.
A ilusão de um Direito Penal instrumental já é falida, o minimalismo é uma sugestão que se põe real e adequada para o aprimoramento de nosso Sistema Penal. Uma política estatal voltada à implantação dos princípios minimalistas começaria por uma grande transformação social imediatamente. De forma mediata prepara-se para ser adotado o propugnado abolicionismo.
Importante, primeiro, é abolir o mito da demonização de qualquer um que infringe uma norma penal. Qualquer um pode, por uma razão ou outra, em algum momento, infringir uma norma penal. A grande conquista do Direito moderno é que a lei se aplica a todos, sem acepção de pessoas.
Com base no exposto, e partindo-se do pressuposto que o Direito Penal deve intervir tão-só nas situações em que ultrapasse o mínimo de tolerabilidade, em ultima ratio, busca-se caminhos prováveis por onde possa o novo Direito Penal enveredar e, justificar concretamente sua razão de ser. Ou seja, alternativas ao Direito Penal, à pena de prisão.
5.1 Descriminalização
A descriminalização implica retirada do rol dos delitos de comportamentos, embora até ilícitos, mas em relação aos quais outros ramos do Direito oferecem resposta adequada e suficiente. Não havendo, desta forma, a necessidade de socorro à extrema ratio representada pela sanção penal. Dito de outra forma seria a renuncia formal, isto é, jurídica, de agir em um conflito por via do Sistema Penal. Serve, pois, para destipificar condutas.
Observe-se que algumas dessas infrações deixam de pertencer à estrutura jurídico-penal, mas continuam a gravitar do universo do Direito, como aquelas que devem sofrer sanção administrativa.
A grande importância do movimento por uma descriminalização crescente é desmistificar a relevância e, sobretudo, a eficácia do Direito Penal como instrumento de controle social. Entretanto, no estágio atual da civilização, é inegável que, embora não se possa considerar o Direito Penal como panacéia da criminalidade há de se admitir ser minimamente necessário
Caso exemplar do fenômeno da descriminalização no ordenamento jurídico pátrio é o da Lei nº. 11.343/2006, a nova Lei de tóxicos. A referida lei altera o tratamento dado pelo Direito Penal ao usuário, afastando a hipótese de sua prisão pelo uso da substância considerada ilícita e atribuindo, a esta conduta, outras penas. Com isso, descriminaliza a conduta, pois crime, nos termos do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, “é a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa”. Ou seja, só há crime se o mesmo for punido com detenção ou reclusão. Rigorosamente, a referida lei descriminaliza, mas não despenaliza o uso de drogas (para ela devem ser aplicadas: advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programas educativos), que deixa de ser um crime, mas não um ilícito penal.
Imprescindível a ressalva que nem toda conduta ilícita é crime e, nem mesmo, um ilícito penal, ou seja, um crime ou uma contravenção. Ao descriminalizar, não se despenaliza e, muito menos, legaliza.
5.2 Despenalização
A despenalização existe para autorizar a aplicação de penas alternativas à prisão. Significa abrandar a pena de um delito sem descriminalizá-lo, isto é, sem retirar do fato seu caráter de ilícito penal. O conceito de despenalização, ademais, define todas as formas de atenuação dentro do Sistema Penal. É, pois a degradação da pena de um delito sem descriminalizá-lo.
Há uma diminuição do caráter primitivo do tipo penal em decorrência da sanção para fora dos domínios do Direito Penal.
É uma das mais eficazes saídas à crise prisional, como reflexo primeiro da crise do próprio Sistema Penal. Alternativas, desta forma, são dadas para que o individuo pague pelo crime que praticou evitando que o infrator se torne cada vez mais um aluno do mal dentro do sistema carcerário atual.
As penas alternativas são exemplo clássico da tendência a despenalização dos delitos de pequeno potencial. E são bons exemplos, pois permitem ao aplicador da lei a possibilidade de não enviar o cidadão infrator para o interior de uma cela, que todos sabemos, nos moldes praticados não tem surtido bons resultados.
Há também os sistemas APAC[54] – Associação de Proteção e Assistência Carcerária – de cumprimento de penas, na qual a presença do executor da prisão não existe, sendo que o cumprimento da pena é acompanhado por pessoal especializado, assistentes sociais, psicólogos, criminólogos, e o preso é responsável pela execução da sentença. Alias, o índice de incidência de fugas no sistema APAC é bem reduzido, como também, o índice de reincidência.
Modelo de sistema APAC pode ser visto na cidade de Itaúna e Nova Lima (cidades mineiras), onde o apenado se vê valorizado enquanto pessoa, ciente de ter errado, mas, ciente que cumprirá sua condenação com dignidade e respeito aos Direitos humanos.
5.3 A desjudiciarização ou diversÃO
Diversificação é a possibilidade legal de que o processo penal seja suspenso em certo momento, sendo solucionado o confllito de forma não punitiva.
Tem sua razão de ser no fato de as penas alternativas – algumas delas – conseqüência do fenômeno da despenalização, possam ser aplicadas por autoridades administrativas. Essas sanções alternativas, que de penas transmudam-se em penalidades, aproximam o Direito Penal, cada vez mais, do Direito administrativo. Essa aproximação, com a desjudiciarização, redundará em verdadeira transformação, em favor da celeridade e eficácia processual.
Objetiva a solução do conflito fora dos limites de atuação da Justiça penal regular. O princípio da oportunidade é, pois, imprescindível para se fazer uso da desjudiciarização; uma vez que, caberá à conveniência do caso a aplicação da diversão.
Oliveira[55] ensina que a desjudiciarização deve ser entendida como:
“[…] a forma de resolução de um conflito, humano, que tem a natureza de um problema jurídico-penal, colimando a pacificação ou reconciliação do infrator com a vítima para o bem-estar social, sem a utilização dos procedimentos normais da Justiça Penal. Assim, as situações conflituais que tenham possível solução antes da declaração da culpa ou antes da determinação da pena devem ser consideradas como diversão no sentido preciso.”
Há três tipos de diversão: simples (é solucionada imediatamente pela polícia); encoberta (consciência por parte do infrator de, v.g., indenizar a vítima para escapar do processo) e com intervenção (o processo restará suspenso sob condição de cumprimento de determinadas obrigações).
A utilização de tal medida acarreta inúmeras conseqüências positivas, quais sejam:
1) Maior dinamização da política criminal;
2) Maximização da eficácia do Poder Judiciário;
3) Otimização do caráter pedagógico da decisão com o intuito do infrator não reincidir;
4) Aplicação célere da Justiça Penal;
5) Participação direta do infrator e da vítima.
Outrossim, oportuno ressaltar o fenômeno da diversão tem de ocorrer antes do julgamento, antes de ser imposta uma pena, antes da sentença. Ficando o infrator submetido ao cumprimento de condições predeterminadas pela instância judicial. Se o infrator passar por esse período de ‘prova’, o delito por ele cometido será apagado dos registros.
Na esfera pátria, é o que ocorre com a Suspensão Condicional do Processo inserida no ordenamento brasileiro mediante a edição da Lei 9.099/95 que instaurou os Juizados Especiais Civis e Criminais. Inovação essa reflexa dos ditames mediatos do abolicionismo.
Tais institutos que criam alternativas de política criminal têm condições de gerar bons frutos aos novos horizontes de um Sistema Penal sem mitos; onde o crime não seja tido como mera abstração, mas como algo existencial e conjunturalmente histórico.
5.4 MItigação DA PENA DE PRISÃO – ultima ratio
Já profetizava o insigne alemão Rudolf von Ihering que “a história da pena é a história de sua constante abolição”. Outra não seria a realidade já que a história do próprio Direito Penal caracteriza-se por uma evolução constante, precisando estar sempre atento às revoluções que há no âmbito da sociedade.
Partindo dessa premissa, deve-se em caráter de total urgência mitigar a incidência da pena de prisão para muitas condutas ainda consideradas crimes, tal ideologicamente alardeada pela mídia. Uma vez que, de tudo que já se disse nesse despretensioso estudo, a pena de prisão é um remédio opressivo e violento que deve ser usado somente em casos excepcionais, em ultima ratio.
Ademais, o maior problema porque passa o sistema penitenciário brasileiro é a falta de uma distribuição de rendas que possa minimizar os delitos patrimoniais. Tendo em vista que, estatísticas dão conta que aproximadamente 50% são delitos contra o patrimônio, demonstrando a prevalência dessa modalidade; 15% de homicídios; 10,6% por tráfico de drogas; 6,9% de crimes sexuais, sobrando 18,2% para todas as outras modalidades de crimes. Nosso maior problema é a falta de uma distribuição de renda que possa minimizar esses delitos patrimoniais.[56]
Que se cure a ‘doença’ na sua origem e não nas suas conseqüências. E que, o cárcere só seja destinado àqueles de altíssima periculosidade, isso enquanto não se encontre um meio mais eficaz para solucionar o problema.
Nessa realidade é que se apresentam oportunas as idéias de implementação de penas alternativas, pois embora existam tais penas, na legislação pátria desde a reforma da parte geral do código penal, quando o legislador quebrou o monopólio da pena de prisão no Brasil como forma de punição penal, a sua utilização ainda é pequena.
É, pois, na visão minimalista de Baratta, abolir aos poucos o Sistema Penal que tem na pena de prisão sua maior representante. Neste diapasão, de imediato que sejam efetivadas medidas de contenção, com a adoção de penas alternativas e; a aplicação da pena de prisão ultima ratio, ou seja, a segregação só em último casos e para os perigosos.
Em contrapartida, é cediço mediante tudo o que já foi exposto, que a estrutura de nosso sistema carcerário é cara, pois se destina, em média, no País, para cada três presos, praticamente um funcionário.
5.4.1 privatização dos presídios
A questão problemática ainda, na permanência dos presídios no seio do controle social, continuaria, qual seja: a superlotação, condições mínimas de higiene etc. Nesse sentido é que se insere a possibilidade de privatização dos presídios, como forma de amenizar a crise.
Ressalte-se que a privatização dar-se-ia em parceria do Estado com a iniciativa privada. Onde o Estado chama a iniciativa privada a cooperar com o Estado na fase de execução penal.
Nesse contexto em que surge a proposta da chamada privatização dos presídios, denominação inadequada, pois não se trata de vender ações de presídios, em Bolsa, mas tão-somente chamar e admitir a participação da sociedade, da iniciativa privada, que viria colaborar com o Estado nessa importante e arriscada função, a de gerir nossas unidades prisionais.
Oportuno a análise comparada dos EUA no tocante ao assunto em debate. A experiência americana nos dá conta que o preso, enquanto está nas mãos do Estado, custa, por dia, 50 dólares, e quando esse mesmo preso é transferido para as mãos da iniciativa privada custa 25 dólares/dia, em iguais ou melhores condições. Tal fato se dá, segundo especialistas, pelo fato do empresário saber gerir melhor seu dinheiro, e dispõe de mão-de-obra barata Nesse caso, o Estado paga ao empreendedor privado 30 dólares/dia, repondo o custo de 25 dólares e pagando mais 5 dólares/dia/preso ao administrador particular.
No tocante à constitucionalidade da medida, a Constituição foi clara e o que ela não proibiu, permitiu. Além disso, não se está transferindo a função jurisdicional do Estado para o empreendedor privado, que cuidará exclusivamente da função material da execução penal, vale dizer, o administrador particular será responsável pela comida, pela limpeza, pelas roupas, pela chamada hotelaria, enfim, por serviços que são indispensáveis num presídio. Já a função jurisdicional, indelegável, permanece nas mãos do Estado que por meio de seu órgão juiz, determinará quando um homem poderá ser preso, quanto tempo assim ficará, quando e como ocorrerá punição e quando o homem poderá sair da cadeia, numa preservação do poder de império do Estado que é o único titular legitimado para o uso da força, dentro da observância da lei.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O controle social nascido do próprio contrato social – pacto entre os homens na busca da convivência pacífica – que, no início da civilização guardava semelhança com a vingança e o castigo, passa por profundas transformações e precisa se adequar ao contexto em que atualmente está inserido.
Outrossim, mediante a ruptura diagnosticada por Hannah Arendt, se faz urgente a substituição dos tradicionais paradigmas por outros que justifiquem, não ideologicamente, e sim racionalmente, o jus puniendi e, em análise ampla o próprio Estado, o pacto social.
O método jurídico-penal não deve seguir, inquestionavelmente, a lógica da dogmática-penal (aquela que percebe a letra fria da lei como dogma e a põe superiormente qualquer valor, v.g, de ordem social, econômico); ou seja, não deve atuar intangivelmente em um mundo abstrato, utópico e surreal que se serve de ideologias em prol da classe dominante do poder. Ao revés disso, deve analisar cada caso, concretamente, com todas as nuances que se fizerem necessárias. Para tanto, que se una os princípios do Direito Penal, política criminal, sociologia jurídica, antropologia jurídica e criminologia a fim de se entender o porquê das anomalias, e, a fim de fazer efetiva e eficaz a tutela jurisidicional.
Com efeito, precisa-se romper com a idéia que campeia o mundo jurídico-penal e que não concebe a união entre criminologia, Direito Penal e política criminal. Só a partir da análise crítica, mediante a teoria crítica, é que se vai conseguir um embasamento filosófico contextualizado cientifica e politicamente do jus puniendi real.
Certamente é esse o método pretendido por Claus Roxin ao propor a aproximação do sistema dogmático com a política criminal, tornando por deixar o Direito Penal efetivamente perto das aspirações sociais.
Mediante a realidade do Sistema Penal vigente, não se pode prescindir de tal conduta, qual seja: a de questionar. Dito de outra forma: o indivíduo tem de se sentir agente capaz de transformações, desalienado politicamente.
Neste diapasão, o Direito Penal será concebido como efetivo, se estiver fundamentado antropologicamente (do homem e para o homem). O Direito Penal que encobre o homem, que se afasta de sua imagem, acaba perdendo-se porque esse Direito Penal deixa de ser útil ao homem, procurando ser útil para as coisas; é mero instrumento.
E é, nesse exato momento, que o Direito Penal perde a efetividade como órgão institucionalizado do controle social. Devendo, mediante a constatável ineficácia, fazer uso maior da força para conservar sua vigência e legitimidade.
Perdendo força, de igual modo, a estrutura de poder que tende a se sustentar através do controle social e de sua parte punitiva (leia-se Sistema Penal). Mas não poderia ser diferente, já que o Estado, através da atuação desses três Poderes, acha-se perplexo, indiferente, e inerte diante da realidade que se depara o Direito Penal.
Na medida em que, o Legislativo elabora leis penais imperfeitas, só servindo para justificar sua ideologia e estimular o crime; o Judiciário, com poucos juízes, desaparelhado, e retrógrado; e o Executivo que, além de não incrementar políticas criminais eficazes, tem em alguns de seus agentes verdadeiras escórias sociais que só servem para praticar crimes, estarrecendo até mesmo a consciência mundial.
Destarte, o Estado ao promover atitudes de apenas justificar o poder, ludibria a população e propagam a cultura da insegura. Com efeito, os meios de comunicação, ávidos por violência e audiência, de maneira propositada e tendenciosa, conclamam a população a ‘pedir’ leis e punições mais severas para condutas desviantes, no intuito de se chegar a segurança jurídica prometida, a paz social.
Prescindível a problematização no que concerne à mídia, como agente propagador das ideologias dominantes, como agente que lucra e se interessa pela indústria do crime; prescindível uma vez que, ao decorrer do estudo, já foi mais que provado tal fato.
Outrossim, imprescindível concluir que as funções intentadas pelo Sistema Penal (subsidiariedade, fragmentariedade, legalidade etc) e, aquelas que concernem precisamente às penas, notadamente as de prisão, quais sejam: ressocialização, reinserção, reeducação etc, padecem no mundo das utopias e do ‘dever ser’.
O Sistema Penal, nos moldes hoje proposto, carece de qualquer justificativa legitimante; é: dissocializante, caro, ineficaz, utópico, seletivo, estigmatizante, base para dominação de uma classe sobre outra, enfim, é a própria violência institucionalizada.
A pena de prisão, como reflexo imediato da falência do Sistema Penal como um todo, não pode ter outro destino, a realidade é aterrorizadora. Dados dão conta de que o sistema penitenciário é nada mais que uma universidade do crime, nada se presta ao que idealmente está previsto; ao contrário, é fator criminológico de prisionalização, que motiva o retorno a delinqüência.
Constata-se, dessa forma, que não é cabível legitimar a potestade punitiva do Estado, posto que longe de confirmar na prática os mitos defendidos teoricamente como bases justificadoras – legalidade, igualdade e universalidade. Seu grande desiderato é a manutenção de um sistema sócio-econômico injusto, o que não pode produzir justiça, muito menos justiça penal.
O Sistema Penal como subsistema de reprodução das desigualdades materiais, urge ser mudado e repensado; As penas, sendo elas legais ou não, se tornam penas perdidas.
A quebra com o paradigma tradicional, onde a prisão é tida como um dos modos pelo qual se faz possível eliminar a criminalidade, haverá de se fazer urgente. Nessa esteira, a filiação do Sistema Penal às, tantas quantas forem possíveis, idéias e propostas dos movimentos de política criminal insurgentes, leia-se abolicionismo penal mediato, é uma saída que se põe eficaz.
A contração do sistema operacionalizada por meio da descriminalização – principalmente – despenalização; diversificação; adoção do princípio da oportunidade além da adoção de penas alternativas à prisão com vistas à sua abolição, se torna uma viável sugestão.
Isto posto, razoável seria a adoção do papel proposto pela doutrina do Direito Penal residual e mínimo. Consistente em uma política criminal que visasse à transformação das estruturas sociais e de poder.
Porém, o que se vê é a total inércia do Poder em relação ao problema aqui exposto. Diante disso, perguntar-se-ia: Qual motivo de tanto descaso? Diante disso, responder-se-ia: Os sujeitos para os quais se dirigiriam tais políticas são sujeitos inúteis. O cidadão preso perde, cediço é, os Direitos políticos; ou seja, perde a capacidade de votar e ser votado. É uma classe inútil para aqueles que no voto vêem a perpetuação da alienação social.
Por fim, concluí-se: a ideologia penal dominante tenta legitimar o sistema atual reproduzindo, falaciosamente, uma imagem distorcida do seu funcionamento. Qual seja: segurança contra a criminalidade (segurança pública) e segurança para os criminalizados (segurança jurídica). Torna-se vital, até para o próprio conceito de Estado Democrático de Direito, abandonar o terreno dos dogmas, das teorias, do dever ser e do mito.
Portanto, que se instaurem novos paradigmas; que se ampliem as políticas criminais; que se saia do mundo do dever-ser; que olhe para o problema na causa. Etiologicamente.
O Direito Penal é ciência dos homens por excelência. O Sistema Penal é o instrumento com que o Direito Penal tutela o mais precioso dos Direitos do homem, a vida[57].
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Notas:
[1] LISZT, Franz Von. Tratado de Direito Penal allemao. Tradução José Hygino Duarte Pereira. Vol. I.. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial: Superior Tribunal de Justiça, 2006. p.5.
[2] Nesse sentido cf.: ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 60.
[3] ARENDT, Hannah. A condição Humana. Rio de Janeiro: Forense, 1995.
[4] Sobre a origem do Direito de punir cf.:BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Flório de Angelis. São Paulo: Edipro, 2000. p.17: “ Por conseguinte, só a necessidade constrange os homens a ceder uma parte de sua liberdade; daí resulta que cada individuo só consente em pôr no depósito comum a menor porção possível dela, isto é, precisamente o que era necessário para empenhar os outros a mantê-lo na posse do resto. O conjunto de todas essas pequenas porções de liberdade é o fundamento do Direito de punir. Todo exercício do poder que se afastar dessa base é abuso e não justiça; é um poder de fato e não de Direito; é uma usurpação e não mais um poder legítimo”.
[5] REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva,1999. p.646.
[6] ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Op. cit., p.84.
[7] JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. V.1. Parte geral. São Paulo: Saraiva, 1999. p.5.
[8] LISZT, Franz Von. Op. cit., p.1 e 2.
[9] Nesse sentido cf.: JESUS, Damásio E. de. Op. cit., p. 6.
[10] ZAFFARONI, Eugenio Raúl.;PIERANGELI, José Henrique. Op. cit., p. 69.
[11] Nesse sentido cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
[12] Ibidem, p.221.
[13] LINS E SILVA, Evandro. De Beccaria a Filippo Gramática. In: Sistema Penal para o Terceiro Milênio. Rio de Janeiro: Revan, 1990.
[14] Ibidem.
[15] OLIVEIRA, Maria Salete. O princípio binário no Direito Penal Moderno e no Abolicionismo. Disponível na internet: http://www.nu-sol.org.
[16] QUEIROZ, Paulo, por exemplo é da opinião que: “[…] a despeito da incriminação, o aborto, o homicídio, o uso e tráfico ilícito de entorpecentes etc., se repetem sistematicamente como se tal proibição simplesmente não existisse, não se abstendo os potenciais infratores da prática de tais crimes pelo só fato de existir uma norma penal incriminadora. A só reincidência desmenteria a função preventiva ou dissuasiva da norma penal” Op. cit., p.90.
[17] Ibidem.
[18] Ibidem.
[19] Ibidem, p.63.
[20] HUSLMAN, Louk; BERNAT de CELIS, Jacqueline. Penas perdidas: o sistema penal em questão. 2ª ed. Niterói: Luam, 1997.
[21] QUEIROZ, Paulo. Op. cit., p. 96.
[22] Ibidem, p. 98.
[23] QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito Penal: Introdução crítica. São Paulo: Saraiva, 2001. p 67.
[24] Nesse sentido, cf. FERRAJOLI apud QUEIROZ, Paulo. Op. cit., p.105.
[25] Ibidem.
[26] QUEIROZ, Paulo. Op. cit., p.101.
[27] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. En Busca de las Penas Perdidas: Deslegitimación y Dogmática Jurídico-Penal. Buenos Aires: Ediar, 1989. p.36.
[28] SÁNCHEZ, Mauricio Martinez. El problema social. “Sistema Penal”: el sistema acusado por los abolicionistas. In: Sistema Penal para o Terceiro Milênio: Atos do Colóquio Marc Ancel. Rio de Janeiro: Revan, 1990.
[29] QUEIROZ, Paulo. Op. cit., p.104.
[30] ZAFFARONI, Eugenio Raúl.; PIERANGELI, José Henrique. Op. cit., p. 76.
[31] Cf. BITTENCOURT, César Roberto. Op. cit., p.17.
[32] Cf. Ibidem, p.152; CASTRO, Lola Aniyar. Op. cit., p.180 et seq.
[33] OLIVEIRA, Edmundo. Política Criminal e Alternativas à Prisão. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
[34] BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p.143.
[35] LINS E SILVA, Evandro. Op. cit, p.33.
[36] BITENCOURT, Cezar Roberto. Op.cit., p. 142 et seq.
[37] BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p.146.
[38] LINS E SILVA, Evandro. Op. cit., p.35.
[39] BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p.52.
[40] Ibidem, p.53.
[41] Ibidem, p.158.
[42] Ibidem, p.170.
[43] Sobre o tema, ver Clemmer, Stanton Wheeler, Garabedian e Garrity (citados por Bitencourt).
[44] Cf. www.mj.gov.br/Depen
[45] CASTRO, Lola Aniyar de. Op. cit.
[46] AZEVÊDO, Jackson Chaves. Direito Humanos e (ou?) Questão Penitenciária. In: Direitos Humanos como Educação para a Justiça. São Paulo: LTr, 1998, p.242.
[47] Ibidem.
[48] CASTRO, Lola Aniyar. Op. cit., p.75.
[49] Lemgruber, Julita. Segurança não tem preço, cadeia tem custo. In: Folha de São Paulo (24/07/97). Disponível em: http://www.ucam.edu.br/cesec/artigos/Midia_body_JL12.htm.
[50] LINS E SILVA, Evandro. Op. cit, p.36.
[51] AZEVÊDO, Jackson Chaves. Op. cit., p.241.
[52] LINS E SILVA, Evandro. Op. cit., p. 33.
[53] Importante ressaltar que o STF em julgado recente (fevereiro de 2006) se posicionou pela inconstitucionalidade do art.2° da Lei em questão. Senão vejamos: EMENTA: PENA – REGIME DE CUMPRIMENTO – PROGRESSÃO – RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social. PENA – CRIMES HEDIONDOS – REGIME DE CUMPRIMENTO – PROGRESSÃO – ÓBICE – ARTIGO 2º, § 1º, DA LEI Nº 8.072/90 – INCONSTITUCIONALIDADE – EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena – artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal – a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90.
[54] A APAC é uma organização não governamental (ONG), que visa cumprimento da Lei de Execuções Penais. É um tipo de união entre sociedade civil e governo. Parceria essa de resultados positivos, mas que atingem apenas 2% dos presos no Brasil.
[55] OLIVEIRA, Edmundo. Op. cit., p.21.
[56] D’URSO, Luiz Flávio Borges. Caos e Desordem. Disponível em: http://www.campus.fortunecity.com/clemson/493/jus/m07-004.htm. Acesso em 21 de agosto de 2006.
[57] Interrompo aqui estas palavras com a indagação: Vida, que vida?
Informações Sobre o Autor
Grace Fernandes de Sousa e Tiburtino
Advogada em Belo Horizonte, MG. Pós graduanda em Direito e Processo do Trabalho.
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