Sumário: Introdução 1. Considerações Metodológicas 1.1. A Linguagem e seus Pressupostos 1.2. A Ciência do Direito e a descrição do direito positivo. 2. Grupos Econômicos: o problema da vaguidade. 2.1. Grupos Econômicos na Legislação. 2.1. Grupos Econômicos na Jurisprudência, 2.2. Grupos Econômicos na Doutrina 3. Análise da definição corrente 3.1 Definição Proposta. Conclusão. Bibliografia
INTRODUÇÃO
A formação dos denominados Grupos Econômicos, conjunto de sociedades empresariais que, de algum modo, coordenam sua atuação para maximizar o lucro e a produtividade, diminuir os custos e, assim, garantir posição no mercado, é tendência dentro do cenário econômico brasileiro e mundial. Considerar a empresa como algo individualizado é algo incogitável hodiernamente seja qual for o setor da economia que estejamos tratando. A diversificação de áreas de atuação dos Grupos Econômicos é tamanha que a própria noção de objeto social deverá ser alvo da atenção dos estudiosos, afinal, a necessidade de crescimento constante impõe a ruptura de barreiras de atuação antes solidificadas, algumas vezes afastando-se completamente do objeto social originário.
Não é incomum, nos dias de hoje, observar o fenômeno da ampliação das atividades de uma empresa. Aquelas que antes somente produzia certo produto, passaram também a distribuí-lo e exportá-lo, a importar os insumos necessários à sua produção ou mesmo assumir a produção de tais insumos, a instituir bancos que especulem o capital decorrente do lucro da sociedade ou construtoras que atuem frente ao mercado imobiliário, especulando com seus bens imóveis, sendo cada uma dessas atividades objeto de uma sociedade empresária específica que, no entanto, atua de forma coordenada com os demais formadores do Grupo Econômico. Em conclusão: “juridicamente independentes, mas economicamente unidas”[1]
Tal realidade econômica, como não poderia deixar de ser, traz sérias repercussões no universo jurídico, sendo, ainda, algo com poucas referências legislativas. Na Lei das Sociedades Anônimas, especificamente nos capítulos XX, XXI e XXII, o legislador pátrio tratou dos Grupos Econômicos e uniões empresariais, entretanto, deixou de lado questões referentes à responsabilidade civil solidária ou subsidiária das empresas formadoras de conglomerados, sob a justificativa de que “a experiência mostra que o credor, em geral, obtém a proteção dos seus direitos pela via contratual”.[2]
É certo que o credor privado poderá buscar proteção na via contratual, em que pese nesta decisão legislativa haja certo desprezo pelos credores menos favorecidos que não teriam, em tese, condições de avaliar o risco inerente a um conglomerado de empresas e nem mesmo descobrir a sua existência na ocasião do contrato, de toda forma, não encarou o legislador comercialista o que ocorre com os créditos sociais decorrentes da lei ou de decisões judiciais, especificamente, o que acontece com o crédito tributário, o trabalhista, o decorrente de dano ambiental? A questão sobre se há ou não tais responsabilidades, bem como se ela seria subsidiária ou solidária entre as empresas do Grupo Econômico, é combustível deste trabalho, entretanto, não é o objetivo propriamente dito.
Por hora, como se fosse um primeiro passo, discutiremos o conceito de Grupo Econômico, o modo como ele vem sendo definido na doutrina, no direito positivo e na jurisprudência. Trataremos o tema do modo mais amplo possível, recorrendo a diversos ramos do universo jurídico, colhendo a opinião de diversos especialistas, buscando especificar os critérios essenciais para a conceituação do nosso objeto para, ao final, traçar o conceito jurídico de Grupo Econômico.
Como todo trabalho que se pretende científico, há um caminho a se percorrer em direção ao objeto, um método científico de aproximação que deverá estar pautado no distanciamento da linguagem ordinária e, consequentemente, na valoração de linguagem mais elaborada e composta por signos mais precisos, decorrentes de processo de decomposição analítica[3]. Desta forma, na busca pelo conceito-objeto deste trabalho, utilizaremos os pressupostos do Neo-Positivismo Lógico e o método hermenêutico-analítico, concebidos e aperfeiçoados pelos Professores Lourival Villanova e Paulo de Barros Carvalho.
Para tanto, buscaremos uma definição de Grupo Econômico utilizada na legislação, na jurisprudência e pela doutrina atual para, ao final, aplicando o método analítico, promover a criação de uma definição que atenda aos padrões científicos estabelecidos pelo Neo-positivismo Lógico, sendo esta a conclusão deste trabalho.
1. Considerações Metodológicas
Este artigo, conforme já declarado, inicia e faz parte de uma série de estudos com um objetivo maior, trata-se aqui do que se pode chamar da primeira estaca de uma construção ou da primeira premissa para uma conclusão. O escopo final é estudar e descrever os limites da responsabilidade tributária – se houver – das sociedades empresárias formadoras dos denominados Grupos Econômicos pelos débitos de cada uma delas individualmente e, sendo o caso, o que deve ser comprovado para que haja tal responsabilização concretamente, ou seja, quais critérios devem ser satisfeitos para estabelecer-se as relações jurídicas decorrentes da norma de responsabilidade. Para lograr-se tal escopo, como primeiro passo, está a busca por uma definição criteriosa do que é, juridicamente, um Grupo Econômico, este sim objetivo específico deste estudo.
Os Grupos Econômicos, como toda e qualquer coisa formadora da realidade sensorial, é algo de alta complexidade, admitindo uma diversa gama de abordagens e, portanto, podendo ser objeto de diversos ramos científicos, por exemplo, da Economia, das Ciências Contábeis, da Sociologia, etc., cada qual com o seu método específico de aproximação. A Ciência do Direito, especificamente, à medida que observa efeitos no universo jurídico, também tem interesse sobre o estudo dos Grupos Econômicos e os efeitos que eles produzem no universo do direito positivo, conjunto de normas jurídicas que constitui seu objeto de estudo. O jurista acessa aos fatos sempre mediado por normas jurídicas e são tais normas que a Ciência do Direito estuda. De toda sorte, a pergunta que nos motiva é: como definir os Grupos Econômicos para o direito positivo brasileiro?
É certo que o direito positivo constitui-se por um corpo de linguagem, um conjunto de signos enunciados de acordo com regras próprias vigentes em uma época que, após interpretados por sujeitos autorizados pelo próprio sistema, formam juízos decorrentes desta atividade hermenêutica em estrutura hipotético-condicional, as normas jurídicas.
A linguagem do direito positivo, em que pese diferenciada em relação à linguagem social do senso comum por utilizar-se de técnicas específicas de produção, não alcança padrão científico, padecendo de certos vícios semânticos não admitidos no universo das ciências (ou que pelo menos devem ser minimizados ao máximo) e obedecendo a ditames de uma lógica específica, a Lógica Deôntica, não por outro motivo é denominada por Paulo de Barros Carvalho como linguagem técnica. A Ciência do Direito, por sua vez, também constituída por um corpo de linguagem, apresenta-se como uma metalinguagem em relação à linguagem técnica do direito positivo, diferenciando-se por conter signos mais precisos e por estar harmonizada com os ditames da Lógica Clássica[4].
Feitas tais considerações, e que fique registrado o fato da Ciência do Direito ser um metadiscurso em relação ao direito positivo, o método de aproximação da Ciência do Direito deverá ter, por essência, a capacidade de instrumentalizar essa pretendida depuração de linguagem e, não por outro motivo, adotaremos na presente construção, pautados nos pressupostos do Neopositivismo Lógico, o método hermenêutico-analítico que, decompondo o discurso técnico, possibilita a adoção de signos mais precisos, capazes de aproximarem-se, com a segurança imposta pelo rigor científico, do objeto estudado.
Assim, construir a definição de Grupo Econômico em termos jurídicos significa dizer que a linguagem técnica do direito positivo deverá ser reduzida e organizada em termos lógico-científicos.
1.1. A LINGUAGEM CIENTÍFICA E OS SEUS PRESSUPOSTOS.
A linguagem para ser considerada científica deve obedecer aquilo que a Professora Aurora Tomazini Carvalho reputou como “as regras do jogo da linguagem científica”[5]. A ilustre Professora baseia-se na Teoria dos Jogos de Linguagem, elaborada por Wittgenstein, que estabelece que cada Corpo de Linguagem (v.g. o direito positivo e a Ciência do Direito) possui regras específicas, pressupostas aos que desejam manejá-lo e necessariamente aceitas intersubjetivamente, sendo isto o que garante o sentido às formações lingüísticas.
O discurso da ciência, ainda segundo relata a professora paranaense, forjadas no afamado Círculo de Viena – evento multidisciplinar, organizado naquela cidade, com o fim de debater e traçar diretrizes à epistemologia – deve obedecer para que assim seja denominado as seguintes regras: 1) as proposições científicas devem ser passíveis de comprovação empírica, ou legitimada pelos termos que a compõem, quando nada afirmam quanto à realidade; 2) devem convergir para um mesmo campo temático, permitindo a demarcação de um objeto, o que lhes garante foros de unidade; 3) a organização sintática da linguagem científica deve ser rígida, submetendo-se aos princípios da lógica clássica (identidade, não contradição e do terceiro excluído) e 4) suas significações devem ser, na medida do possível, unívocas.[6]
A construção do discurso científico deverá necessariamente obedecer aos ditames supracitados, sob pena de estarmos produzindo, sob a rubrica de científico, um discurso do senso comum.
1.2. A CIÊNCIA DO DIREITO E A DESCRIÇÃO DO DIREITO POSITIVO.
No caso da Ciência do Direito, o seu objeto de estudo é o conjunto de normas jurídicas que se despregam dos textos (enunciados) em decorrência da atividade interpretativa e se interligam em vínculos horizontais e verticais, normas postas num corpo de discurso prescritivo, discurso este que, em que pese busque evitá-los por meio de técnicas e comandos específicos, padece de problemas de contradições, ambiguidades e vaguidades.[7] Estes problemas, embora existam também nas normas jurisprudenciais ou emanadas de órgãos técnico-administrativos formadores do Poder Executivo, ficam mais claros nos diplomas (enunciados) elaborados pelo Poder Legislativo, pois na sua própria formação, tal Poder é constituído por profissionais de diversas áreas, inclusive, algumas bem distantes das ciências em geral.
Dentro do universo jurídico, é a Ciência do Direito que constitui um discurso nos moldes da lógica clássica, isentos de contradições, primando pela identidade dos elementos e excluindo a terceira via entre o ser e o não ser. É ela que busca descrever o direito positivo como sistema lógico-jurídico, assim, enquanto as normas têm a função de prescrever condutas, o discurso científico descreve, de modo rígido e sistêmico, o sistema jurídico propriamente dito. Uma conclusão importante, que se extrai desta constatação, está na problemática trazida por diversos enunciados normativos que buscam descrever objetos em formas de conceitos jurídico-positivo, afinal, tal conceituação não é papel da norma jurídica (que prescreve) e nem do legislador, não podendo e nem devendo o cientista do direito sentir-se vinculado a tais “conceitos normativos”.
Desta forma, em que pese o objetivo deste estudo ser a conceituação jurídica dos Grupos Econômicos, o que se deve buscar construir através dos enunciados e das normas jurídicas, não há vinculação a eventual conceito positivo existente, seja ele legislado, seja ele jurisprudencial ou administrativo. Pelo contrário, busca-se aqui instrumentalizar o aplicador e o legislador com um conceito de padrão científico, aplicável ao direito de forma harmônica e criteriosa.
2. GRUPOS ECONÔMICOS: O PROBLEMA DA VAGUIDADE.
Vaguidade significa a falta de precisão no significado de uma palavra, é um vício linguístico que impede a clara determinação semântica de um signo, ou seja, a vaguidade denota a instabilidade na relação do signo com o objeto que representa.
Para solver o problema da vaguidade de um termo, o remédio que se apresenta é a definição, sendo esta o resultado de um processo de eleição de critérios conotativos do uso de certo termo para que, restringindo suas possíveis denotações, fique mais preciso naquele contexto. No entanto, há que ressaltar-se que, mesmo servindo-se da definição e assim imprimindo mais rigor ao termo em estudo, o vício da vaguidade permanece, ainda que em menor grau, pois, ante o fenômeno da autorreferibilidade da linguagem, para definir um termo, faz-se necessário a utilização de outros que também sofrem, necessariamente, variando o grau, do vício da vaguidade.[8]
No caso dos Grupos Econômicos a vaguidade da expressão é gritante. Em uma primeira análise, no que alguns adeptos da Doutrina Hermenêutica Tradicional chamariam de “interpretação literal”, poder-se-ia dizer que Grupo Econômico seria um conjunto de pessoas agrupadas em torno de vínculos econômicos, ou seja, entenderíamos por grupo, um conjunto de elementos, no caso, pessoas jurídicas, e por econômico, a características de que os vínculos de ligação existentes entre os elementos formadores do grupo seriam de natureza econômica. Como é visível, a conhecida interpretação literal não é capaz de resolver o nosso problema, afinal, por este entendimento, empresas coligadas e consorciada seriam espécie de grupos econômicos, da mesma forma de empresas com laços de fornecedor/comprador também seriam grupos econômicos e, até mesmo, empresas com laços de concorrência, figura nitidamente econômica, poderiam estar inseridas no citado conceito. Além do que, remeteria às ciências econômica um conceito jurídico, o que iria de encontro a uma de nossas premissas, um signo deve representar um só objeto, ou seja, uma só perspectiva da realidade factual de acordo com o método de aproximação específico da ciência.
Porém, antes de discutir propriamente o que é um Grupo Econômico, vamos identificar o objeto que tal expressão pretende designar no universo jurídico, vamos às normas.
2.1. GRUPOS ECONÔMICOS NA LEGISLAÇÃO.
O Professor Sarlo Costa, no instante em que tece forte critica à ineficácia do ordenamento brasileiro ao tratar dos Grupos Econômicos, traz um levantamento de diversos diplomas legais onde tal expressão ou equivalente foi utilizada[9]. Ao analisarmos tais comandos legais, adicionando alguns outros de nosso conhecimento, é possível traçar linhas gerais do objeto que aqui se estuda. Vejamos.
Em 09 de agosto de 1943, dia em que foi publicada a Consolidação das Leis Trabalhista, temos o mais antigo dos enunciados ainda vigentes a tratar dos Grupos Econômicos, a saber:
“Art. 2º – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
§ 1º – (…)
§ 2º – Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.”
Segundo consta na citada norma trabalhista, Grupo Econômico seria o conjunto de empresas que, mesmo com personalidade jurídica própria, estejam sob a direção, controle ou administração de outra.
Em 1973, a Lei 5.889, regulamentadora das relações de trabalho no universo rural, seguiu no mesmo sentido da Consolidação das Leis Trabalhista, identificando como característica dos Grupos Econômicos, a unicidade de controle, de direção ou de administração, deixando de modo mais transparente ainda que, independentemente de formalização perante órgão de registro comercial da coligação ou do controle, a comprovação do exercício do poder de direção unificado será suficiente, para fins de responsabilidade trabalhista da empresa ruralista, à constituição do Grupo Econômico.
“Art. 3º – Considera-se empregador, rural, para os efeitos desta Lei, a pessoa física ou jurídica, proprietário ou não, que explore atividade agro-econômica, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou através de prepostos e com auxílio de empregados.
§ 1º (…)
§ 2º Sempre que uma ou mais empresas, embora tendo cada uma delas personalidade jurídica própria, estiverem sob direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico ou financeiro rural, serão responsáveis solidariamente nas obrigações decorrentes da relação de emprego.”
Em 1976, a Lei das Sociedades Anônimas, Lei 6.404/76, trouxe consigo em seu capítulo XX, em destaque o artigo 243, a caracterização do que seriam sociedades coligadas e controladas.
“Art. 243. O relatório anual da administração deve relacionar os investimentos da companhia em sociedades coligadas e controladas e mencionar as modificações ocorridas durante o exercício.
§ 1o São coligadas as sociedades nas quais a investidora tenha influência significativa.
§ 2º Considera-se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores.
§ 3º A companhia aberta divulgará as informações adicionais, sobre coligadas e controladas, que forem exigidas pela Comissão de Valores Mobiliários.
§ 4º Considera-se que há influência significativa quando a investidora detém ou exerce o poder de participar nas decisões das políticas financeira ou operacional da investida, sem controlá-la.
§ 5o É presumida influência significativa quando a investidora for titular de 20% (vinte por cento) ou mais do capital votante da investida, sem controlá-la.”
As sociedades coligadas, conforme redação original da lei, ocorreria sempre que uma sociedade participasse com mais de 10% do capital social da outra, após, em nova redação introduzida pela Lei 11.941 de 27 de maio de 2009, as coligadas seriam identificadas tão somente pela influência significativa da principal sociedade empresária nas decisões político-financeiras ou operacionais da demais, sendo esta presumida sempre que a principal detenha 20% ou mais do capital votante.
Por sua vez, será controlada, a sociedade na qual exista preponderância permanente de outra empresa individualmente ou por meio de outras controladas. A dita influência significativa, mais fácil de comprovar-se na prática em relação às Sociedades por Cotas de Responsabilidade Limitada, também se apresenta como critério à caracterização de Grupos Econômicos, identificando o que o Legislador Trabalhista denominou de “direção, controle ou administração de outra” conforme os artigos supracitados.
Logo em seguida, em seu capítulo XXI, a Lei das Sociedades Anônimas traz as bases do que denominou Grupos de Sociedades, o que alguns denominam de Grupo Econômico de Direito, ou seja, grupos empresariais formalizados. A constituição formal dos Grupos de Sociedades dar-se-á por meio de convenção específica, entretanto, a existência destes Grupos Societários de Direito no cenário econômico nacional é raríssima, afinal, em que pese o artigo 266 do mencionado diploma determinar que cada sociedade do Grupo permanecerá com personalidade e patrimônio distintos, a convenção formalizada de Grupo Econômico trará seguramente implicações em termos de responsabilidade, já que, como já visto em relação às legislações trabalhistas e se verá mais adiante em relação à consumerista, ambiental, concorrencial, etc., em todos os ramos do direito brasileiro com características protecionistas, há, ao menos, a indicação de responsabilidade solidária ou subsidiária das empresas formadoras do Grupo.
O fato é que, segundo estudo citado por Nabor Batista de Araújo Neto de autoria do Prof. Dr. Fábio Konder Comparato[10], nos registros do Departamento Nacional de Registros do Comércio – DNRC – à época da feitura da pesquisa, não existiam mais de trinta Grupos de Sociedades formalmente constituídos. Não à toa, declarou o Professor Dr., Calixto Sebastião Filho, em trecho transcrito pela Professora Drª Viviane Muller Prado:[11]
“Não é exagerado dizer que o direito grupal brasileiro enfrenta momento de séria crise. Do modelo original praticamente nada resta. As principais regras conformadoras do direito grupal como originalmente idealizado encontram-se hoje sepultadas pela prática ou pelo legislador. Os grupos de direito no Brasil são letra absolutamente morta na realidade empresarial brasileira”
Portanto, em que pese exista uma possibilidade de constituição formal de Grupos de Sociedade, a regra será estarmos em frente a Grupos Econômicos de Fato. De toda sorte, é certo que do comando da Lei 6.404/76, identifica os dois objetos a que se refere o vocábulo Grupo Econômico, um conjunto de sociedades empresariais e a unicidade de controle e direção a que todas elas estão submetidas e, assim, vinculadas, o que denominou como comando.
“Art. 265. A sociedade controladora e suas controladas podem constituir, nos termos deste Capítulo, grupo de sociedades, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns.
§ 1º A sociedade controladora, ou de comando do grupo, deve ser brasileira, e exercer, direta ou indiretamente, e de modo permanente, o controle das sociedades filiadas, como titular de direitos de sócio ou acionista, ou mediante acordo com outros sócios ou acionistas.
§ 2º (…)
Art. 266. As relações entre as sociedades, a estrutura administrativa do grupo e a coordenação ou subordinação dos administradores das sociedades filiadas serão estabelecidas na convenção do grupo, mas cada sociedade conservará personalidade e patrimônios distintos.”
No Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990, os Grupos Econômicos são lembrados em seu artigo 28, também ao referir-se à responsabilidade. Por tratar-se de Diploma Legal mais técnico e moderno que os trabalhistas, a questão já foi abordada com referências aos termos utilizados na Legislação Comercial. Além de imputar responsabilidade a cada espécie de agrupamento empresarial, o legislador consumerista deixou expressa a possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica, sempre que for obstáculo ao ressarcimento dos consumidores.
“Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
§ 1° (Vetado).
§ 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
§ 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
§ 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.”
Na Lei 12.529 de 30 de novembro de 2011, denominada como Nova Lei do CADE, também há algumas menções aos Grupos Econômicos, destacando-se os artigos 33 que imputa responsabilidade solidária às Sociedades formadoras de Grupo Econômico pelas infrações à ordem econômica tanto aos Grupos de Fato como aos de Direito. No artigo 34 há menção expressa à Teoria da Desconsideração da Personalidade jurídica, em comando nos moldes do artigo 50 do Código Civil.
“Art. 33. Serão solidariamente responsáveis as empresas ou entidades integrantes de grupo econômico, de fato ou de direito, quando pelo menos uma delas praticar infração à ordem econômica.
Art. 34. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social.
Parágrafo único. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.”
O Código Tributário Nacional, Lei 5.172 de 25 de outubro de 1966, por sua vez, não traz nenhum comando específico aos Grupos Econômicos, deixando, entretanto, constatada, em seu artigo 124, I, a responsabilidade tributária solidária a todos aqueles que tenham interesse comum no fato gerador. A jurisprudência, por sua vez, trata o interesse como interesse jurídico, ou seja, não basta à empresa ter interesse econômico no fato gerador, faz-se necessária a existência de uma norma que indique interesse jurídico da Sociedade no fato imponível, assim sendo, a responsabilidade será solidária. Assim foi ementado o Agravo Regimental no Recurso Especial 1102894/RS.
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 07/STJ. EMPRESA DE MESMO GRUPO ECONÔMICO. SOLIDARIEDADE PASSIVA.1. No que concerne aos arts. 150, 202 e 203, do CTN e ao art. 2º, §8º, da Lei nº 6.830/80, a Corte de origem valeu-se de detida análise do acervo fático-probatório dos autos para atingir as conclusões de que não houve a demonstração de fraude, que a CDA continha profundos vícios e que o recorrente não logrou proceder a sua emenda, sendo certo que a alteração desse entendimento esbarraria no óbice inscrito na Súmula 07/STJ.2. A jurisprudência desta Corte consolidou-se no sentido de que inexiste solidariedade passiva em execução fiscal apenas por pertencerem as empresas ao mesmo grupo econômico, já que tal fato, por si só, não justifica a presença do "interesse comum" previsto no artigo 124 do Código Tributário Nacional.3. Agravo regimental não provido.”
Por sua vez, a Lei 8.212 de 24 de julho de 1991, que, dentre outras matérias, instituiu o Plano de Custeio da Seguridade Nacional pátria determinou, em seu artigo 30, IX, a responsabilidade solidária de todas as empresas formadoras de Grupo Econômico no que se refere às obrigações ali instituídas.
“Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas:
IX – as empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza respondem entre si, solidariamente, pelas obrigações decorrentes desta Lei;”
Assim, considerando o tratamento legislativo dado ao tema, já é possível determinar que algumas referências entre o enunciado utilizado pelo legislador e o objeto a que busca referir-se, indica a existência de um grupo de empresas e a concentração de controle, direção e comando que varia de intensidade, o que seguramente implica em variação de responsabilidade.
O método analítico impõe a análise detalhada destas características que permeia a definição legislativa do Grupo Econômico, todavia, antes de enfrentar tal pleito, vejamos como a doutrina e a jurisprudência vêm se posicionando.
2.1. GRUPOS ECONÔMICOS NA JURISPRUDÊNCIA.
A convivência prática diária com Grupos Econômicos mostra que a utilização deste vocábulo carece de uniformidade técnica, sendo ele empregado em diversos casos que, para o observador externo, mostram-se nitidamente diferentes e até contraditórios. Em estudo publicado em 2008, citado por Sofia Mutchnik, as Professoras Viviane Muller Prado e Maria Clara Troncoso[12] promoveram pesquisa perante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça para com o escopo de conhecer a posição daquela Corte sobre os Grupos Econômicos.[13]
O resultado do estudo foi o de que, o Egrégio STJ, em 64,2% das decisões abarcadas na pesquisa, não se preocupou em apontar os critérios que identificariam as empresas formadoras do Grupo Econômico, nem mesmo apoiando-se, em analogia, aos comandos da Lei 6.404/76. Ademais, também ficou constatado que em 84,1% dos casos julgados, o Superior Tribunal de Justiça atribui alguma consequência jurídica à coletividade empresarial[14].
Consultando algumas jurisprudências da citada corte, fica claro que o julgamento do Superior Tribunal de Justiça se pauta pela impressão do julgador às razões fáticas trazidas aos autos, sendo esta a regra de análise também nos Tribunais Regionais Federais e Estaduais, não havendo qualquer determinação de critérios fixos para enquadramento na classes dos Grupos Econômicos. Para ilustrarmos o dito, vejamos alguns julgados específicos, iniciando pelo Recurso Especial 824667/PR, do qual copiamos parte da ementa:
“3. Irrefutável a exegese conferida pelo TRF/4ª Região à regra do §2°, art. 2°, da CLT, no sentido de que "o simples controle acionário de várias empresas por uma ou mais pessoas físicas não é suficiente para a caracterização do grupo econômico – que pressupõe a existência de uma empresa principal e outras subordinadas -, para efeito de configurar a solidariedade passiva". A redação do citado dispositivo é clara ao exigir, para a configuração do grupo econômico a existência de uma ou mais empresas que estejam sob a direção, controle ou administração de outra empresa principal. Assim, não tem qualquer relevância jurídica o fato de o responsável pela executada CN EDITORA DE JORNAIS figurar também no quadro societário da recorrida BIMARK GRÁFICA E EDITORA LTDA”.
Neste caso específico, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça considerou como requisito essencial ao reconhecimento de um Grupo Empresarial, a existência de uma empresa principal, não bastando a comprovação da unidade de comando na pessoa de um sócio, exige-se, portanto, a subordinação empresarial.
Em outra mão, óbvio em caso que possui pressuposto fático diferente e, ao que parece, com maior fartura probatória, a 2ª turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 1144881/SC, assim julgou:
“3. O Tribunal de origem declarou que "é fato incontroverso nos autos que as três embargantes compartilham instalações, funcionários e veículos. Além disso, a fiscalização previdenciária relatou diversos negócios entre as empresas como empréstimos sem o pagamento de juros e cessão gratuita de bens, que denotam que elas fazem parte de um mesmo grupo econômico. O sócio-gerente da Simóveis, Sr. (…) tem um procuração que o autoriza a praticar atos de gerência em relação às outras empresas, sendo irmão do sócio-gerente delas. Ou seja, no plano fático não há separação entre as empresas, o que comprova a existência de um grupo econômico e justifica o reconhecimento da solidariedade entre as executadas/embargantes".4. Incide a regra do art. 124, inc. II, do CTN c/c art. 30, inc. IX, da Lei n. 8.212/91, nos casos em que configurada, no plano fático, a existência de grupo econômico entre empresas formalmente distintas mas que atuam sob comando único e compartilhando funcionários, justificando a responsabilidade solidária das recorrentes pelo pagamento das contribuições previdenciárias incidentes sobre a remuneração dos trabalhadores a serviço de todas elas indistintamente.”
Portanto, neste caso específico, a Corte já impôs como critério à configuração do Grupo Empresarial a confusão patrimonial.
Na jurisprudência obreira, sendo influenciada pela tradição de privilégio ao obreiro, presumindo sua posição de vulnerabilidade, a questão dos Grupos Econômicos já encontra-se em solo mais plano. O Tribunal Superior do Trabalho já decidiu pela responsabilização de empresas pela mera identidade de interesses, não sendo necessária a comprovação nem mesmo de subordinação entre as empresas. Ilustre-se com parte da decisão proferida no Agravo de Instrumento em Recurso de Revista 246240-19.2006.5.02.0472 da lavra da Ministra Kátia Magalhães Arruda, remetendo ao acórdão do Tribunal Regional e do juízo de 1ª Instância de origem.
“Irrepreensível a sentença proferida pela MM. Vara de Origem que, de conformidade com o sistema do livre convencimento motivado, da persuasão racional e da valoração das provas (art. 131, CPC), entendeu configurado grupo econômico entre as reclamadas e imputou-lhes responsabilidade solidária.
Senão, vejamos.
De plano, cumpre registrar que a recorrente parte de premissa equivocada, ao entender ser imprescindível à caracterização de grupo econômico a existência de direção, controle ou administração de uma empresa por outra, sob comando único.
Isso porque, diante do fenômeno da globalização, das mais diversificadas modalidades de concentração econômica, de atuação empresarial e comercial, dos inúmeros segmentos que se multiplicaram, da absoluta variação de interligações grupais, a ordem juslaboral evoluiu, admitindo a configuração de grupo econômico por coordenação, revestido de contornos mais flexíveis e desprovido da tradicional necessidade que uma das empresas exerça posição de dominação sobre as demais.
Trata-se da hipótese em que todas as empresas integrantes têm por finalidade precípua a organização e a concatenação de atos voltados à realização do objeto social, mantendo, no entanto, sua independência e autonomia próprias. Significa dizer, basta que os entes empresariais possuam vínculo de coordenação e comunhão de interesses.
Sob essa ótica, análise percuciente dos autos demonstra que o nome SERIP advém do próprio nome PIRES invertido (S+E+R+I+P), tendo a recorrente reconhecido que a denominação social foi eleita para homenagear os sócios-investidores. Além disso, as únicas sócias da PIRES (Pires Administração, Planejamento e Participações S/A e Pires Administração e Participações S/A) possuem como diretores Manuel Correia Botelho, Antonio dos Santos Cigarro e José Manuel Correia Cigarro (fls. 46/56), ou seja, os mesmos sócios majoritários da SERIP (fls. 97/109).
Também não há negativa no sentido de que tais sócios aportaram capital próprio para incorporação de empreendimentos imobiliários e aguardavam o resultado financeiro deste investimento (fl. 490), havendo verdadeira simbiose entre os fins almejados e o retorno dos investimentos nos mais diversificados segmentos. Aliás, não foi por outro motivo que houve redução do capital social da SERIP, com a realização de desintegração de imóveis de sua titularidade em favor de Antonio dos Santos Cigarro, sócio da Pires (doc. 41 da inicial).
Como se vê, a estreita interligação entre todas as reclamadas e a inequívoca comunhão de interesses, voltada para a pulverização dos diversos ramos de atividade econômica e a nítida intenção de ampliar os negócios, revelam-se suficientes para o convencimento do juízo quanto à configuração de grupo econômico.
Mas não é só.
A prova documental, consubstanciada na contestação apresentada junto à 1ª VT/SCSul (Processo nº 01234200647102007), reconhece a existência de grupo econômico, inclusive com relação a SERIP, cuja impugnação é aleatória e sem valor probante, vem ao encontro das declarações prestadas pela testemunha da própria SERIP, nos autos do Processo nº 905/2006, no sentido de que os sócios da PIRES ainda integram a participação societária da SERIP e são que informados de todas as decisões e deliberações (doc. 42 da inicial).
Diante desse quadro que se emoldura, emerge inquestionável a existência de interesse empresarial único, voltado a variados segmentos e à obtenção de lucros; a utilização de recursos financeiros comuns e o livre trânsito de operações entre as empresas do grupo, pressupostos que não se coadunam com a total e irrestrita desvinculação e independência da reclamada SERIP frente ao conglomerado formado pelas demais litisconsortes, independentemente do local onde se encontra instalada.
Tais fatos revelam-se suficientes para o convencimento do Juízo quanto à existência de grupo econômico, ensejando responsabilização solidária, nos moldes preconizados pelo art. 2º, § 2º, consolidado, sendo incensurável o julgado.”
Em conclusão, mesmo ante a ausência de critérios fixos de identificação dos Grupos Econômicos, há duas correntes principais: a que exige unicidade de controle e direção das empresas formadoras do Grupo Econômico e, aquel’outra que contenta-se com a mera identificação de interesses comuns, sendo esta última homenageada pela justiça do Trabalho.
2.2. GRUPOS ECONÔMICOS NA DOUTRINA.
Os diversos enunciados, que permeiam os diplomas legais pátrios sobre a responsabilização de Grupos Econômicos e trazendo menção expressa à aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, bem como os pleitos decorrentes levados ao Poder Judiciário, fazem com que cientistas e profissionais das mais diversas áreas do direito debrucem-se sobre o tema, formulando diversas conclusões. No caso do conceito de Grupos Econômicos propriamente dito, a grande maioria dos estudos estão no universo do Direito Comercial, responsáveis pelo estudo das normas empresariais e instituições correlatas. Existindo grande interesse
A ausência de uma legislação comercial específica sobre o tema, somente foi suprida com a entrada da Lei 6.404/76 no sistema, nesta ocasião, o Professor Dr. Arnoldo Wald, em artigo, sistematizou a matéria, explicando que existem, segundo a citada lei, duas espécies de Grupos de Sociedades: os de fato, abrangendo situações de coligadas e controle, e os de direito, que englobam os consórcios, vinculados por coordenação, e os Grupos Formais de Sociedades, vinculados por subordinação[15].
Tal divisão é seguida por toda a doutrina, entretanto, é necessário anotar que é possível e não rara, a existência de Grupos Econômicos de Fato ligados por vínculo de Subordinação, especialmente, nos casos em empresas funcionam especificamente para servir as principais, sendo, muitas vezes, o único motivo para a sua constituição.
Nesse ponto, anota a Magistrada Trabalhista Suzy Koury em sua Tese de Doutoramento que, ante a ausência de reconhecimento do Grupo Econômico de Fato com vínculos de subordinação pelo legislador, a constatação da sua existência demonstra por si só o seu caráter ilegal e abusivo.[16] Assim, infere-se que, para citada autora, a constatação de controle de direção e controle de diversas empresas em um só corpo diretivo seria critério de identificação da existência de Grupo Econômico de Fato e que tal constatação seria suficiente à aplicação da Disregard Doctrine, afinal, trata-se de ato ilegal e abusivo. A posição da citada autora confunde-se com as linhas gerais da jurisprudência trabalhista, entretanto, teria aplicabilidade em todos os outros ramos do direito, tendo em vista que a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica não está restrita a nenhum ramo em específico, conforme demonstrado na legislação já colacionada.
Ainda no universo do Direito do Trabalho, Ribeiro Vilhena, citado por Suzy Koury, identifica critérios, denominando-os de “supostos indiciários da solidariedade”. “São eles: 1) a unidade de comando nas operações de pessoais; 2) a centralização e o controle dos serviços; 3) a unificação do comando empresário no encontro de ordens de diretores, gerentes, encarregados e altos empregados; 4) um mesmo preposto por ela respondendo; 5) as mesmas instalações usadas; 6) recíprocas transferências de empregados; 7) negociações comuns; etc”[17].
Em sentido parecido, Sofia Mutchnik, em monografia específica sobre o tema já citada ao longo do presente trabalho, trouxe como critério de identificação dos Grupos Econômicos de Fato o controle e a unidade econômica[18]. Sendo este também o critério adotado por Nabor Araújo Neto quando afirmou que para fins de responsabilização tributária seria necessária a identificação de unicidade de controle e confusão patrimonial.[19]
Algumas instituições possuem orientações quanto a identificação dos Grupos Econômicos, sendo este o caso do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, bem como da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e da Procuradoria Geral Federal, todos eles pautados em elementos de controle.
Desta forma, com a análise da doutrina sobre o tema, além de perceber-se a existência de uma crítica quanto à ausência de regulamentação expressa aos Grupos Econômicos de Fato, recaindo tal responsabilidade integralmente sobre o Poder Judiciário, é possível concluir que os critérios utilizados para a identificação do Grupo são essencialmente dois, a saber: primeiro, a constatação de uma série de diferenças empresas e, segundo, a identificação de poder de comando sobre todo o Grupo Econômico ou de coordenação, conforme corrente hegemônica no direito laboral.
Em conclusão, poderíamos conceituar Grupo Econômico como um conjunto de empresas que, ligadas por vínculo de coordenação ou subordinação, atuam em sincronia com o intuito de lograr maior eficiência em sua atividade.
3. ANÁLISE DA DEFINIÇÃO CORRENTE.
Diante da legislação, jurisprudência e doutrina colhidas, chegamos à seguinte definição preliminar: Grupo Econômico é o conjunto de empresas que, ligadas por vínculo de coordenação ou subordinação, atuam em sincronia com o intuito de lograr maior eficiência em sua atividade. Vejamos, parte por parte, em raciocínio analítico para depurarmos o conceito, estabelecendo definição com pretensão científica.
“CONJUNTO DE EMPRESAS”.
Conjunto, em noção originada em matemática, refere-se a uma reunião de elementos que tem a propriedade de ser considerada como um só. É uma classe capaz de abraçar diversos elementos que, devido a algum critério estabelecido, passam a ser representados por aquele conjunto. O tradicional exemplo é o Conjunto dos números Naturais.
Como no presente caso, estamos diante de duas ou mais empresas reunidos em torno de um vínculo, seja de subordinação ou de coordenação, o signo “conjunto” bem representa o objeto que estamos tratando.
O mesmo não acontece, entretanto, com o vocábulo “empresa”, que demanda certa reflexão.
Até pouco tempo atrás, os conceitos do Direito Comercial tinham difícil delimitação que despendiam dos pressupostos teóricos adotados por aquele que se propunha a estudá-los. Neste cenário de conceitos imprecisos, especificamente em 1942, o professor italiano Alberto Asquini elaborou a afamada Teoria Poliédrica da Empresa que defendia que a empresa poderia ser conceituada dependendo do ângulo sob o qual o jurista a apreciava.
Com base nesta premissa de perspectivas, quatro foram os perfis da empresa apresentados pelo Jurista Italiano: o subjetivo, como sujeito de direito, o objetivo, como um conjunto de bens, o funcional, como atividade econômica, e o corporativo, como um organismo hierarquizado. Este último aspecto é comumente ligado aos traços fascistas instituídos nas leis italianas daquela época que, insistentemente, remetiam a regulação de diversos assuntos às corporações, tal aspecto não encontra espaço, ao menos significativo, no direito brasileiro.
A constatação do Professor Italiano demonstra, como se não tivesse outro objetivo, o problema da vaguidade que aflige ao signo “Empresa” no cenário doutrinário, legislativo e jurisprudencial pátrio. Sem embargos, a análise da legislação comercial traz consigo conclusões que eliminam o problema, afinal, com a entrada em vigor do Código Civil (lei 10.406 de 2002) houve uma revolução no direito comercial pátrio, pois, além de promover a unificação do direito privado (ao menos em sua principal lei), também delimitou o conceito de empresa a um só dos aspectos apontados pelo jurista italiano.
Isso porque, no Brasil, a empresa não mais poderá ser considerada como um conjunto de bens, afinal, o artigo 1.142 foi preciso ao definir o aspecto objetivo da empresa como “estabelecimento”:
“Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”.
Tampouco a palavra empresa poderá ser empregada o sujeito de direito (aspecto subjetivo), pois, o artigo 966 atribui nome específico para tal, a saber: “empresário” ou a “sociedade empresária” se assim preferir o empresário com a constituição de uma Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI ou, se for o caso de existir mais de um sócio, com as sociedades empresárias já tradicionais, sendo a mais afamada, a Sociedade por Cotas de Participação de Responsabilidade Limitada.
“Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.”
Desta forma, o único aspecto restante aceitável dentro do que estabelece o direito pátrio é o aspecto funcional da empresa, ou seja, no Brasil, tem-se por empresa, nos termos decorrentes do próprio art. 966 do Código Civil, “a atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”, sendo o empresário aquele que a exerce.
A Professora Maria Rita Ferragut, que travou raciocínio semelhante, salienta que não é o fato de registrar-se como empresária, nos termos do artigo 967 do Código Civil, que a caracteriza como tal, sendo necessário o exercício da atividade empresarial para tanto.[20]
Assim, tratando-se a empresa como atividade econômica organizada, ela será exercida por uma pessoa ou conjunto de pessoas ao qual a lei atribui responsabilidades pelas obrigações decorrentes da sua própria atividade ou, como preferiu denominar Tarsis Nametala Sarlo Jorge, como “vértice captador da responsabilidade”[21]. Tais entidades, formadas pelos empresários, recebem o nommen juris de “sociedades empresariais” e, por lei, têm a capacidade que lhes permite ser sujeito de direitos e obrigação de “personalidade jurídica”.
Ao considerar a empresa como “atividade economicamente organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviço” tal palavra se mostra inadequada ao conceito de Grupo Econômico, uma vez que, claramente, o que se busca salientar é a perspectiva subjetiva da empresa. Assim, ante a existência de vocábulo delimitado para tal aspecto, parece ser necessário a substituição do termo “conjunto de empresas” para conjunto de empresários ou sociedades empresárias.
“LIGADAS POR VÍNCULO DE COORDENAÇÃO OU SUBORDINAÇÃO”.
Ante as diversas espécies Sociedades Empresárias e Empresários, é possível ao observador agrupá-las de diversas formas, por exemplo, o conjunto daquelas caracterizadas pela limitação da responsabilidade dos sócios ou aquelas com feição pessoal, etc. No presente caso, a ligação que buscamos entre as empresas para colocá-las dentro do mesmo Grupo Econômico é exatamente a existência de vínculos entre elas que impliquem na subordinação de uma às outras ou na coordenação.
Desta feita, em uma primeira análise, estaria correto o critério de classificação exposto, entretanto, conforme visto no tratamento legislativo, em especial o previsto no Código de Defesa do Consumidor, a vinculação por coordenação e por subordinação tem efeitos práticos bem diferentes no que tange às delimitações de responsabilidade e, como a questão que se busca aqui é delimitar os grupos de empresários ou sociedades empresárias onde há efetivo controle e direção unitários para fins de responsabilização, faz-se mister uma delimitação.
Em verdade, independente de qual a relação travada entre as sociedades empresárias (coordenação ou subordinação), a questão que se põe em relevo é a unicidade de controle e direção do Grupo, não a forma como ele se dá, ou seja, buscamos na verdade relações de domínio político que, quando existir, ficará caracterizado como Grupo Econômico.
Diante do dito, melhor define a questão identificarmos esse critério, assim postulando: Grupo Econômico é o conjunto de empresários ou de sociedades empresárias que, sob controle unificado, atuam em sincronia para lograr maior eficiência em suas atividades.
Ademais, ante a necessidade de identificar a espécie de vínculo que enlaça as empresas do Grupo Econômico sobre o qual refira-se, a melhor saída a inclusão de palavra específica, delimitando a classe em Grupo Econômico por Coordenação, Grupo Econômico por Subordinação, etc.
“ATUAM EM SINCRONIA PARA LOGRAR MAIOR EFICIÊNCIA EM SUAS ATIVIDADES”.
Neste ponto, não há qualquer crítica cabível, afinal, não vislumbramos às sociedades empresariais outro objetivo se não o lucro, que somente será logrado com o máximo de eficiência nas atividades da sociedade. O vocábulo sincronia cumpre o papel de identificar a necessidade de certa relação entre a atuação das empresas, sob pena de confundir-se Grupo Econômico com a mera existência de duas empresas que tenham um mesmo administrador, o que não pode ser o caso, conforme deixa clara a definição.
3.1. DEFINIÇÃO PROPOSTA.
Desta forma, define-se Grupo Econômico como o conjunto de sociedades empresariais ou empresários que, sob controle político de um indivíduo ou grupo, atuem em sincronia para lograr maior eficiência em suas atividades.
CONCLUSÃO
O conceito de Grupo Econômico carece de definição delimitada dentro do cenário doutrinário brasileiro, sofrendo com o problema da vaguidade, sendo esta entendida como espécie de instabilidade encontrada entre o signo e o objeto que busca representar, gerando insegurança na aplicação do vernáculo.
A remédio para a vaguidade é a definição científica do termo, assim, como a Ciência do Direito é o estudo das normas (direito positivo) e é no direito positivo que estarão as linhas definidoras do objeto que se busca descrever, chegou-se em análise da lei, doutrina e jurisprudência ao seguinte conceito preliminar: Grupo Econômico um conjunto de empresas que, ligadas por vínculo de coordenação ou subordinação, atuam em sincronia com o intuito de lograr maior eficiência em sua atividade.
Iniciada a análise crítico da citada definição, identificou-se também o vício da vaguidade no vocábulo empresa que, após estudo específico, foi alterado para sociedades empresárias e empresários, uma vez que este foram os vernáculos utilizados pelo legislador para identificar o aspecto subjetivo da empresa, aqui considerada como realidade multifacetada.
As relações de subordinação e coordenação utilizadas pela Legislação Civil e Comercial para classificar os Grupos Econômicos foram consideradas inúteis para tanto, pois, por tratar-se de um trabalho visando traçar os limites da responsabilidade de cada sociedade membro do Grupo Econômico, o foco passa a ser o local de onde partem as decisões políticas que afetam ao Grupo. Ademais, eventual necessidade de classificar o grupo em coordenados ou subordinados recomenda o acréscimo de novo vernáculo delimitador, sendo, assim, espécie do gênero.
Desta feita, construiu-se o conceito de que Grupo Econômico é “o conjunto de sociedades empresariais ou empresários que, sob controle político de um indivíduo ou grupo, atuem em sincronia para lograr maior eficiência em suas atividades.”
Procurador da Fazenda Nacional. Especialista e Mestrando em Direito Tributário pela PUC/SP
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