O maior instrumento processual acautelatório brasileiro de proteção e segurança da mulher vítima da odiosa violência doméstica e familiar é, sem nenhuma dúvida, o instituto das Medidas Protetivas de Urgência, criado pela Lei nº 11.340/2006, a chamada Lei Maria da Penha.
Nem o abrigamento oficial da mulher, muito menos o deletério e nefasto encarceramento provisório do agressor, possuem a plasticidade e desenvoltura processuais de que gozam as Medidas Protetivas de Urgência, no que diz respeito à manutenção da incolumidade física e psíquica da ofendida, das testemunhas e de seus familiares.
O instrumento internacional que serviu de embrião para o desenvolvimento e criação das Medidas Protetivas de Urgência no Brasil foi a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, da Organização dos Estados Americanos – OEA, de 1994, conhecida como “Convenção de Belém do Pará”, que precisamente no seu Art. 7º, letra “d”, determina aos Países signatários que adotem medidas jurídicas que exijam do agressor abster-se de fustigar, perseguir, intimidar, ameaçar, machucar ou por em perigo a vida da mulher, de qualquer forma que atente contra sua integridade ou prejudique sua propriedade.
Tamanha a importância e relevância das Medidas Protetivas de Urgência que o procedimento previsto na Lei Maria da Penha para a sua concessão é brevíssimo e despido de qualquer formalidade.
Ocorrido o episódio de violência doméstica e familiar goza a mulher, independentemente da assistência de Defensor Público, de legitimidade e capacidade postulatórias para pleitear Medidas Protetivas de Urgência em seu favor, em sede policial.
O Delegado de Polícia, da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), após a formulação do pedido acautelatório da mulher ofendida, deverá, incontinenti, formar um expediente apartado dos autos do Inquérito Policial, remetendo o pedido de Medidas Protetivas de Urgência ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, dentro do exíguo prazo de 48 (quarenta e oito) horas.
O Magistrado do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, também dentro de idêntico prazo de 48 (quarenta e oito) horas, após o recebimento do expediente policial contendo o pedido de Medidas Protetivas de Urgência, deverá concedê-las liminarmente, “imediatamente”, como prefere a Lei Maria da Penha e, ainda, independentemente de Audiência das partes e manifestação do Ministério Público.
E a razão de ser dessa celeridade e praticidade legais repousa em dois sublimes fundamentos, um de direito, e o outro de fato.
O fundamento de direito pode – e deve – ser muito bem sintetizado na fórmula prevista na novel Lei 12.403/2011, que, trazendo oportunas e revolucionárias transformações no CPP, preconiza que “a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar”.
Quanto ao fundamento de fato, sem nenhuma timidez ou rebusque, a razão para a ligeira e apressada concessão de Medidas Protetivas de Urgência é a seguinte: não deve a mulher morrer ou ser novamente espancada ou ameaçada pelo seu companheiro ou parente agressor. Noutras palavras, não deve o imbróglio familiar desaguar no Tribunal do Júri, após o sepultamento da vítima em seu jazigo.
Aqui, abro um parêntese: Juízes de Direito, Promotores de Justiça e Defensores Públicos do dia-a-dia dos Juizados e Núcleos de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher bem sabem que se mata pelo tesouro ou preciosidade de uma meação ou valiosa cobertura à beira-mar, como se mata pelo tanquinho de roupas ou uma chamada perdida constante no aparelho de telefone celular. Tudo, relativo à violência doméstica e familiar recomenda extrema cautela e cuidado. Até que seja resgatada a paz e a concórdia familiar, ao final do processo.
A não concessão, pronta e imediata, das Medidas Protetivas de Urgência, dentro de nossa sistemática processual penal vigente, tanto a instituída pela Lei Maria da Penha, como agora pela Lei nº 12.403/2011, deve se assentar necessária e imperiosamente noutras duas outras profilaxias, preferidas pelo Julgador: ou se prende provisoriamente o agressor, ou se promove o abrigamento da vítima, ou se faz as duas coisas. O que representa solução cautelar muito mais drástica e traumática do que a concessão das Medidas Protetivas de Urgência.
Agora, não se deferir Medidas Protetivas de Urgência, não se promover o abrigamento da mulher ofendida e, ainda, não se decretar a custódia provisória do agressor doméstico, é, em única análise, data máxima vênia, transformar cruelmente a vítima numa cobaia de laboratório.
Outrossim, postergar a análise das Medidas Protetivas de Urgência, em detrimento do prazo de 48 (quarenta e oito) horas, para longeva e tardia Audiência de Justificação a ser aprazada, não livra a mulher ofendida de sua condição de futuro e potencial cadáver ou corpo mutilado, como queira o agressor caseiro.
Certa e indubitavelmente, a designação de Audiência de Justificação deve ser feita estritamente naqueles casos de Medidas Protetivas de Urgência que guardem relação com questão da proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, que demandem a produção de prova ou esclarecimentos de pontos incertos ou duvidosos, ou mesmo para aqueles casos relativos à guarda dos filhos e alimentos provisórios, aonde deverá ser previamente ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar.
Diferentemente, jamais poderá ser postergada a concessão de Medidas Protetivas de Urgência que digam respeito à suspensão da posse ou restrição do porte de armas, afastamento do lar, proibição de aproximação, contato e freqüentação de determinados lugares, a fim de se preservar cautelarmente a integridade física e psicológica da ofendida.
Saliente-se que, na maioria esmagadora dos casos, os pedidos de Medidas Protetivas de Urgência geralmente referem-se à temporária proibição de aproximação, contato e freqüentação de determinados lugares, que sabidamente nenhuma constrição ou violação à esfera individual impõem ao agressor, não lhe causando nenhum prejuízo ou gravame. Mas, que, noutra ponta, efetivamente protegem a vítima de nova investida de seu carrasco, evitando-se dessa forma que o entrevero doméstico culmine numa tragédia já anunciada.
Destarte, nem mesmo a interposição de recurso de agravo de instrumento contra a decisão que rejeita ou posterga a concessão de Medidas Protetivas de Urgência consola a pobre e infeliz ofendida, que, naturalmente, não deseja servir de estatística para o número de mulheres mortas no Brasil, nem ter o rosto dilacerado por nova agressão dentro do amargo lar. O error in procedendo, aí, pode ser fatal.
Defensor Público do Estado do Espírito Santo
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