Resumo: No presente trabalho será retratado o surgimento da sociedade em rede, seu conceito e a lógica de seu funcionamento pertinente ao sistema de produção capitalista. Outrossim, referendar que a revolução tecnológica em curso, que relativiza a noção de espaço e tempo do homem, espraia sua influência para todos os setores da sociedade, notadamente para a relativização da soberania dos estados; sobre os fatores de produção econômica; sobre a mídia; e sobre ação política dos cidadãos na democracia dos Estados contemporâneos.[1]
Palavra-chave: Sociedade em rede. Soberania. Cidadania. Democracia.
Abstract: This work will be portrayed the rise of the network society, its concept and logic of its operation pertinent to the capitalist production system. Furthermore, endorse the ongoing technological revolution, which relativizes the notion of space and time of man, spreads its influence to all sectors of society, particularly for the relativization of state sovereignty, on the factors of economic production, on the media, and on political action of citizens in democracy of modern states.
Keyword: Network Society. Sovereignty. Citizenship. Democracy.
Sumário: Introdução. 1. O que é a sociedade em rede? 2. Sociedade em rede e governança transnacional. 3. Sociedade em rede e poder econômico. 4. Sociedade em rede e mídia. 5. Sociedade em rede, globalização e exercício da democracia. 6. Conclusão.
Introdução:
A sociedade da informação como a sua sucessora, a sociedade em rede, tiveram sua origem na sociedade capitalista pós-industrial e surgiram no final do século XX no contexto da era da informação e juntamente com elas a expressão “globalização”, que se assenta na visão da economia interligada em escala mundial, possibilitada por inovações tecnológicas como o microprocessador, a comunicação por satélites, a rede mundial de computadores(internet), a fibra ótica etc.
Estes novas conquistas tecnológicas, estabeleceram novos paradigmas comportamentais e uma série de mudanças sociais, culturais e políticas observadas na sociedade contemporânea, notadamente em decorrência da disponibilidade de amplo acesso ao fluxo de transmissão de conhecimentos e informações que trafegam no espaço cibernético de forma praticamente instantânea(em tempo real), para qualquer lugar do mundo.
1. O que é a sociedade em rede?
Diante da vanguarda do tema e não obstante as influências já sentidas pela sociedade, advindas com a incorporação das novas tecnologias da informação e da comunicação em redes, apoiamo-nos no escólio de Manuel Castells[2] para traçar um panorama sobre o assunto:
“Nos primeiros anos do século XXI, a sociedade em rede não é a sociedade emergente da Era da Informação: ela já configura o núcleo das nossas sociedades. De facto, nós temos já um considerável corpo de conhecimentos recolhidos na última década por investigadores académicos, por todo o mundo, sobre as dimensões fundamentais da sociedade em rede, incluindo estudos que demonstram a existência de factores comuns do seu núcleo que atravessam culturas, assim como diferenças culturais e institucionais da sociedade em rede, em vários contextos. É pena que os media, os políticos, os actores sociais, os líderes económicos e os decisores continuem a falar de sociedade de informação ou sociedade em rede, ou seja o que for que queiram chamar-lhe, em termos de futurologia ou jornalismo desinformado, como se essas transformações estivessem ainda no futuro, e como se a tecnologia fosse uma força independente que deva ser ou denunciada ou adorada. Os intelectuais tradicionais, cada vez mais incapazes de compreender o mundo em que vivem, e aqueles que estão minados no seu papel público, são particularmente críticos à chegada de um novo ambiente tecnológico, sem na verdade conhecerem muito sobre os processos acerca dos quais elaboram discursos. No seu ponto de vista, as novas tecnologias destroem empregos, a Internet isola, nós sofremos de excesso de informação, a info-exclusão aumenta a exclusão social, o Big Brother aumenta a sua vigilância graças a tecnologias digitais mais potentes, o desenvolvimento tecnológico é controlado pelos militares, o tempo das nossas vidas é persistentemente acelerado pela tecnologia, a biotecnologia leva à clonagem humana e aos maiores desastres ambientais, os países do Terceiro Mundo não precisam de tecnologia mas da satisfação das suas necessidades humanas, as crianças são cada vez mais ignorantes porque estão sempre a conversar e a trocar mensagens em vez de lerem livros, ninguém sabe quem é quem na Internet, a eficiência no trabalho é sustentada em tecnologia que não depende da experiência humana, o crime e a violência, e até o terrorismo, usam a Internet como um médium privilegiado, e nós estamos rapidamente a perder a magia do toque humano. Estamos alienados pela tecnologia.
(…) Existe de facto um grande hiato entre conhecimento e consciência pública, mediada pelo sistema de comunicação e pelo processamento de informação dentro das nossas «molduras» mentais.
A sociedade em rede, em termos simples, é uma estrutura social baseada em redes operadas por tecnologias de comunicação e informação fundamentadas na microelectrónica e em redes digitais de computadores que geram, processam e distribuem informação a partir de conhecimento acumulado nos nós dessas redes. A rede é a estrutura formal (vide Monge e Contractor, 2004).
(…) As redes são estruturas abertas que evoluem acrescentando ou removendo nós de acordo com as mudanças necessárias dos programas que conseguem atingir os objectivos de performance para a rede.(…)
O que a sociedade em rede é actualmente não pode ser decidido fora da observação empírica da organização social e das práticas que dão corpo à lógica da rede.”
Assim, pode-se dizer que a sociedade em rede está diretamente relacionada com o processo histórico conhecido por “Globalização”[3], com a formação de uma rede de redes globais que ligam seletivamente, em todo o planeta, encampando todas as dimensões funcionais da sociedade.
E Gustavo Cardoso[4] nos esclarece o contexto sócio-político que possibilitou o surgimento da sociedade em rede:
“Essa sociedade é designada por Castells como sociedade em rede, caracterizada por uma mudança na sua forma de organização social, possibilitada pelo surgimento das tecnologias de informação num período de coincidência temporal com uma necessidade de mudança econômica(a globalização das trocas e movimentos financeiros) e social(a procura de afirmação das liberdades e valores de escolha individual e iniciada com os movimentos estudantis de Maio de 68).”
Portanto, a confluência de fatores sociais, políticos e econômicos que, conjugados com as novas tecnologias da comunicação, permitiu a ascensão da sociedade pós-industrial para a atual sociedade em rede.
2. Sociedade em rede e a governança transnacional
Entre os desdobramentos marcantes verificados em decorrência de a sociedade estar conectada em redes, pode-se destacar que sua influência reforça o conceito de partilha de soberania entre os Estados (então soberanos), para resolver assuntos complexos de dimensão internacional.
Aduz Manuel Castells[5] que estamos em um período de transição: a sociedade conectada em nível global e os Estados organizados em nível nacional, donde vislumbra que o regramento do tema caminhará para a relativização da soberania dos Estados e para uma governança transnacional, como única forma de tratar conjuntamente os assuntos de interesse global:
“Mas existe uma transformação ainda mais profunda nas instituições políticas na sociedade em rede: o aparecimento de uma nova forma de Estado que gradualmente vai substituindo os estados-nação da Era Industrial. Isto está relacionado com a globalização, ou seja, com a formação de uma rede de redes globais que ligam selectivamente, em todo o planeta, todas as dimensões funcionais da sociedade. Como a sociedade em rede é global, o Estado da sociedade em rede não pode funcionar única ou primeiramente no contexto nacional. Está comprometido num processo de governação global mas sem um governo global. As razões para a não existência de um governo global, que muito provavelmente não existirá num futuro previsível, estão enraizadas na inércia histórica das instituições e nos interesses sociais e valores imbuídos nessas mesmas instituições. Colocando a questão de forma simples, nem os actuais actores políticos e nem as pessoas em geral querem um governo mundial, portanto não irá acontecer. Mas uma vez que a governação global de algum tipo é uma necessidade funcional, os estados-nação estão a encontrar formas de fazer uma gestão conjunta do processo global que afecta a maior parte dos assuntos relacionados com a prática governativa. Para o fazer, aumentaram a partilha de soberania enquanto continuam a agitar orgulhosamente as suas bandeiras. Formam redes de estados-nação sendo a mais significativa, e integrada, a União Europeia.”
Portanto, para Manuel Castells[6] caminhamos para um Estado em rede, onde a “governação é realizada numa rede, de instituições políticas que partilham a soberania em vários graus, que se reconfigura a si própria numa geometria geopolítica variável”.
Assim, a influência tecnológica global em curso no início de Século XXI está a adentrar a esfera da soberania dos Estados contemporâneos, posto que a complexidade de determinados assuntos de interesse mundial (como “exempli gratia”: combate ao terrorismo; à guerra cibernética; à biopirataria; ao desenvolvimento de armas atômicas; uso de energia nuclear; degradação do meio ambiente; o controle dos mercados financeiros etc) transborda os limites físicos e espaciais de determinado Estado e exigem a relativização da sua soberania, a fim de possibilitar a atuação concertada em assuntos cuja solução depende de todos.
3. Sociedade em rede e o poder econômico
Outra característica a chamar a atenção é que a dinâmica do funcionamento global da sociedade em redes, mas do que influenciar, se adapta ao “status quo” dominante do azo que sua lógica se coaduna com o sistema de produção capitalista de acumulação de riquezas e sua estrutura social excludente, donde sua interação com o poder econômico não tem o condão de operar mudanças de cunho político de per si.
A este respeito, Manuel Castells[7] desvenda os pontos convergentes entre o sistema de produção capitalista e a organização da sociedade em redes:
“Redes são instrumentos apropriados para a economia capitalista baseada na informação, globalização e concentração descentralizada; para o trabalho, trabalhadores e empresas voltadas para a flexibilidade e adaptabilidade; para uma cultura de desconstrução e reconstrução contínua; para uma política destinada ao processamento instantâneo de novos valores e humores públicos; e para uma organização social que vise a suplantação do espaço e invalidação do tempo. Mas a morfologia da rede também é uma fonte de drástica reorganização das relações de poder. As conexões que ligam as redes (por exemplo, fluxos financeiros assumindo o controle de impérios da mídia que influenciam os processos políticos) representam os instrumentos privilegiados do poder. Assim, os conectores são os detentores do poder. Uma vez que as redes são múltiplas, os códigos interoperacionais e as conexões entre redes tornam-se as fontes fundamentais da formação, orientação e desorientação das sociedades.
A convergência da evolução social e das tecnologias da informação criou uma nova base material para o desempenho de atividades em toda a estrutura social. Essa base material construída em redes define os processos sociais predominantes, consequentemente dando forma à própria estrutura social.
(…)Mas esse tipo de capitalismo é profundamente diferente de seus predecessores históricos. Tem duas características distintas fundamentais: é global e está estruturando, em grande medida, em uma rede de fluxos financeiros. O capital funciona globalmente como uma unidade em tempo real; e é percebido, investido e acumulado principalmente na esfera de circulação, isto é, como capital financeiro. Embora o capital financeiro, em geral, estivesse entre as frações dominantes do capital, estamos testemunhando a emergência de algo diferente: a acumulação de capital prossegue e sua realização de valor é cada vez mais gerada nos mercados financeiros globais estabelecidos pelas redes de informação no espaço intemporal de fluxos financeiros. A partir dessas redes o capital é investido por todo o globo e em todos os setores de atividade: informação, negócios de mídia, serviços avançados, produção agrícola, saúde, educação, tecnologia, indústria antiga e nova, transporte, comércio, turismo, cultura, gerenciamento ambiental, bens imobiliários, práticas de guerra e de paz, religiões, entretenimento e esportes. Algumas atividades são mais lucrativas que outras, conforme vão passando por ciclos, altos e baixos do mercado e concorrência global segmentada. No entanto, qualquer lucro (de produtores, consumidores, tecnologia, natureza e instituições) é revertido para a metarrede de fluxos financeiros, na qual todo o capital é equalizado na democracia da geração de lucros transformada em commodities. Nesse cassino global eletrônico capitais específicos elevam-se ou diminuem drasticamente, definindo o destino de empresas, poupanças familiares, moedas nacionais e economias regionais. O resultado na rede é zero: os perdedores pagam pelos ganhadores. Mas os ganhadores e os perdedores vão mudando a cada ano, a cada mês, a cada dia, a cada segundo e permeiam o mundo das empresas, empregos, salários, impostos e serviços públicos. O mundo daquilo que, às vezes, é chamado de “a economia real”, e eu seria tentado a chamar de “a economia irreal”, já que, na era do capitalismo em rede, a realidade fundamental em que o dinheiro é ganho e perdido, investido ou poupado, está na esfera financeira. Todas as outras atividade (exceto as do setor público em fase de enxugamento) são primariamente a base de geração do superávit necessário para o investimento nos fluxos globais ou o resultado do investimento originado nessas redes financeiras.”
Assim, na era do capitalismo em rede e do imediatismo das operações eletrônicas junto aos mercados globais(Bolsas de valores) em tempo real, assistimos a um aprofundamento da destinação das riquezas produzidas pelas demais atividades econômicas serem revertidas para o setor financeiro(especulativo), que as investe, reinveste, empresta, compra e aplica tais recursos em aplicações financeiras atraentes ao redor do mundo em busca de maior lucro; tendo por certo que onde uns ganham a maioria perde, conforme a sorte ou infortúnio do jogador.
Aliás, com relação à acumulação das riquezas na sociedade em rede, Pekka Himanen[8] aponta como uma das tendências globais o aprofundamento da divisão entre ricos e pobres, ao alertar que:
“Se mantivermos o business as usual, a desigualdade e a marginalização continuarão a agravar-se, nacional e globalmente. Durante a primeira fase da sociedade da informação, i.e, desde os anos 60 até à viragem para o Século XXI, a distância em termos de rendimento entre os 20% mais pobres e os 20% mais ricos da população mundial duplicou e é agora aproximadamente de 75:1. Este desenvolvimento mantém-se, particularmente pelas distorções do comércio mundial e pela divisão do conhecimento entre países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento. A situação só poderá melhorar consideravelmente, mudando as estruturas do comércio mundial e estabelecendo pontes no sentido de colmatar a divisão do conhecimento.”
Portanto, a própria sociedade da informação organizada em redes se encarrega de reproduzir a concentração de renda ínsita ao modelo capitalista, donde a equalização de oportunidades e eventuais mudanças socio-econômicas somente vingarão quando a sociedade formar sua opinião por meio das mídias existentes (eletrônicas e tradicionais) e exigir mudanças através de um processo político.
4. Sociedade em rede e mídia
Como outro vértice da dimensão da indelével influência da sociedade em rede, Manuel Castells[9] destaca sua importância como instrumento de formação da opinião pública a influenciar os processos de decisão política, vez que o fluxo de comunicação tem o condão de transformar o espaço público, ao possibilitar que as pessoas que recebem informação formem suas convicções como receptores coletivos. Em suas palavras:
“Uma característica central da sociedade em rede é a transformação da área da comunicação incluindo os media. A comunicação constitui o espaço público, ou seja, o espaço cognitivo em que as mentes das pessoas recebem informação e formam os seus pontos de vista através do processamento de sinais da sociedade no seu conjunto. Por outras palavras, enquanto a comunicação interpessoal é uma relação privada, formada pelos actores da interacção, os sistemas de comunicação mediáticos criam os relacionamentos entre instituições e organizações da sociedade e as pessoas no seu conjunto, não enquanto indivíduos, mas como receptores colectivos de informação, mesmo quando a informação final é processada por cada indivíduo de acordo com as suas próprias características pessoais. É por isso que a estrutura e a dinâmica da comunicação social é essencial na formação da consciência e da opinião, e a base do processo de decisão política”.
Donde o renomado autor[10] desenvolve o interessante conceito de “comunicação de massa autocomandada” para elucidar o poder da difusão de informação através das redes de novas tecnologias de comunicação e chamando à atenção para a marcante característica de que a comunicação opera à margem dos canais institucionais e governamentais que a sociedade normalmente se utiliza, o que acaba por transbordar sua influência na formação da opinião pública e, por consequência, para o processo político:
“Com a difusão da sociedade em rede, e com a expansão das redes de novas tecnologias de comunicação, dá-se uma explosão de redes horizontais de comunicação, bastante independentes do negócio dos media e dos governos, o que permite a emergência daquilo que chamei de comunicação de massa autocomandada. È comunicação de massa porque é difundida em toda a Internet, podendo potencialmente chegar a todo o planeta. É autocomandada porque geralmente é iniciada por indivíduos ou grupos, por eles próprios, sem a mediação do sistema de media. A explosão de blogues, vlogues(vídeo-blogues), podding, streaming e outras formas de interactividade. A comunicação entre computadores criou um novo sistema de redes de comunicação global e horizontal que, pela primeira vez na história, permite que as pessoas comuniquem umas com as outras sem utilizar os canais criados pelas instituições da sociedade para a comunicação socializante.(…)
Uma vez que a política é largamente dependente do espaço público da comunicação em sociedade, o processo político é transformado em função das condições da cultura da virtualidade real. As opiniões políticas e o comportamento político são formados no espaço da comunicação. Não significa isto que tudo o que se diga neste espaço determine o que as pessoas pensam ou fazem.” (…)
Assim, através dos canais de mídia eletrônica, possibilita-se aos cidadãos interlocução horizontal para debates e troca de opiniões, livre das idiossincrasias e restrições dos demais veículos de massa (TV, Rádio, Jornais) ao viabilizar o amplo acesso de informações, interação entre os participantes da rede e, portanto, o contraditório, para a formação da opinião pública.
Não nos olvidando de acrescentar que a autonomia das escolhas dos cidadãos decorre das diversas interações tecnológicas de mídia combinadas e interligadas(jornais; rádio, televisão; internet; SMS etc) para a formação da sua opinião e seu consequente exercício de cidadania.
Por este enfoque, Gustavo Cardoso[11] confirma a interação entre as diversas mídias para a formação da opinião pública, bem como acrescenta ainda a necessidade de domínio individual do cidadão com relação ao uso das mídias, pois:
“O sucesso do exercício da cidadania, na sociedade em rede, depende da interligação em rede entre as diversas mídias, mas também do domínio individual das habilidades necessárias, para interagir com as ferramentas de mediação, seja das que fornecem acesso à informação, seja das que nos permitem organizar, participar e influenciar os acontecimentos e as escolhas.(…)
As tecnologias de comunicação e informação, na sociedade em rede, não se substituem umas às outras, pelo contrário, criam ligações entre si. A televisão comunica-se com a internet, com os SMS ou com os telefones. Como também a internet oferece conectividade com todos os meios de comunicação de massa, telefones, e milhares de endereços e páginas pessoais e institucionais na web. Essa rede de tecnologia não é o mero produto de uma mera convergência tecnológica, mas sim de uma forma de organização social criada por quem delas faz uso.
A sugestão de que se escreve e se ouve música pela internet, mas escuta-se a vida pelo rádio e vê-se o mundo pela televisão (Castells, 2001) é um dos exemplos dessa nossa relação pessoal em rede com a mídia. E é da seleção e articulação dessas diferentes mídias, em função dos nossos projetos, que a autonomia é gerada e a cidadania exercida na era da informação.”
Como se depreende da relação entre sociedade em rede e mídias, no plano individual ideal, a autonomia gerada pelo acesso a rede para o exercício da cidadania decorre da formação da opinião do cidadão através do amplo acesso e seleção do fluxo de informações que obtém pelas diversas mídias que interagem entre si, sendo processada por cada indivíduo de acordo com as suas próprias características pessoais.
5. Sociedade em rede, globalização e exercício de cidadania
Contudo, para a cidadania ser exercitada e fazer valer a autonomia possibilitada pela era da informação se faz necessário que a sociedade, a mídia, o Governo e o sistema político se utilizem deste aparato tecnológico para fins de integração e participação dos cidadãos, não nos olvidando de mencionar ainda a necessária superação da barreira da exclusão digital e informacional[12], preconizada acima.
Na reflexão de Tércio Sampaio Ferraz Junior[13] com relação à globalização e sua crítica ao desenvolvimento em torno do admirável mundo novo da informação, que influencia os demais subsistemas sociais, opera estruturas de exclusão/inclusão e potencial para produzir a alienação dos cidadãos, que:
“São múltiplos os sentidos da globalização, ora percebidos pelo modo como são afetados os subsistemas sociais(globalização econômica, política, jurídica, religiosa, cultural), ora pelos instrumentos de atuação(globalização tecnológica, organizacional, comunicacional), ora pela alteração das formas de apreensão da realidade, em que espaço e tempo parecem sobrepor-se(globalização territorial, de simultaneidade dos eventos em qualquer espaço).
É difícil encontrar nessa multiplicidade uma espécie de denominador comum. A tentativa mais corrente é a de enxergá-lo na ascensão da informação como centro organizador de suas diferentes manifestações. A informação é vista, assim, como um meio de interconexão de quaisquer atividades humanas, capaz de gerar uma nova concepção antropológica: o homo “informaticus”. Na sua base está a concepção do ser humano como um ser que se comunica, sendo este o sentido de sua existência.
Com isso, a globalização é vista como um fenômeno em que o mundo passa a ser visto como uma comunidade de informação. É nessa comunidade que as estruturas de exclusão/inclusão se organizam, ao mesmo tempo que dão ao desenvolvimento um sentido funcional de participação. E, reciprocamente, nas comunidades regionais, as estruturas funcionais ganham significados, dando ao desenvolvimento um sentido de participação segmentária e desequilibrada”.
Donde cabe alertar que a utilização destes amplos meios de comunicação e informação pelos poderes instituídos e por partidos políticos pode também ser desvirtuada para mera propaganda, como instrumento de publicidade, renegando direitos de cidadania da sociedade a fim de servir como instrumento de cooptação da vontade do eleitor. Pois, consoante nos alerta Gustavo Cardoso[14]:
“O problema no exercício da cidadania não é a mídia, não é a televisão, ou a internet. É o próprio sistema político, pois é a sociedade que modela a mídia. Focando o caso da internet, Castells(2004ª) cita que, onde há mobilidade social, a internet converte-se num instrumento dinâmico de troca social, onde há burocratização política e política estritamente midiática de representação dos cidadãos, a internet é simplesmente um painel de anúncios. A mídia eletrônica (rádio, televisão, internet) em conjunto com a imprensa constituem o espaço privilegiado da política, da participação e do exercício da cidadania. Um espaço simbólico no qual circula a maior parte da comunicação e informação política produzidas nas democracias.
(…) No entanto, quando é mera via unidirecional de informação para captar a opinião, converter simplesmente os cidadãos em votantes potenciais(para que os partidos obtenham informação para saber como ajustar a sua publicidade) perde o seu papel mobilizador e de participação social, de aproximação entre eleitos e eleitores(Castells, 2004a)”.
Logo, apenas dispor de acesso ao amplo repertório de mídias (tradicionais e eletrônicas) atualmente existentes e ao amplo fluxo de informações geradas pela organização em redes não basta para o efetivo exercício de cidadania. É necessário garantir um grau de autonomia e liberdade ao setor de mídia em relação ao poder político e econômico a fim de alimentar a sociedade com informações de fontes confiáveis, complementares e independentes para formar a livre opinião dos cidadãos.
Tanto esta dinâmica se faz sentir que Norberto Bobbio[15], ao comentar sobre as transformações das condições econômica e sociais frente à influência da ampliação dos meios de comunicação na organização humana, exemplifica com o surgimento de novas carências que exigirão novas demandas de liberdade e de poderes:
“Para dar apenas alguns exemplos, lembro que a crescente quantidade e intensidade das informações a que o homem de hoje está submetido faz surgir, com força cada vez maior, a necessidade de não ser enganado, excitado ou perturbado por uma propaganda maciça de deformadora; começa a se esboçar, contra o direito de expressar as próprias opiniões, o direito à verdade das informações. No campo do direito à participação no poder, faz-se sentir na medida em que o poder econômico se torna cada vez mais determinante nas decisões políticas e cada vez mais decisivo nas escolhas que condicionam a vida de cada homem – a exigência de participação no poder econômico, ao lado e para além do direito(já por toda parte reconhecido, ainda que nem sempre aplicado) de participação no poder político.”
Assim, para além da importante observação com relação ao desenvolvimento ao direito à verdade das informações; e combater a propaganda maciça e deformadora – elementos deletérios para a livre manifestação dos cidadãos, temos que a liberdade e a autonomia para as mídias em geral, aliada a ampla interação entre os participantes, é a chave para combater a manipulação de opiniões e estimular participação cívica.
6. Conclusão
A sociedade em rede opera com a lógica das economias e dos fatores de produção interligados em escala mundial, possibilitada por inovações tecnológicas como o microprocessador, a comunicação por satélites, a rede mundial de computadores(internet), a fibra ótica etc, que relativizam a noção de espaço e tempo.
A transmissão, o processamento e partilha das informações dentro da rede são aos principais fatores de geração de riquezas na sociedade em rede, que se coaduna com o sistema de produção capitalista.
Na sociedade em rede, como a sociedade está conectada em nível mundial e os Estados organizados em nível nacional, vislumbra-se um processo de relativização da soberania dos Estados para uma governança transnacional, como única forma de tratar conjuntamente assuntos de interesse global que transbordam os limites territoriais dos Estados, como a defesa do meio ambiente, combate ao terrorismo, à segurança nuclear etc..
Os canais de mídia eletrônica, diante do amplo acesso de informações, viabilizam aos cidadãos interlocução horizontal para debates e troca de opiniões, a interação entre os participantes da rede e, portanto, o contraditório, para a formação da opinião pública, não olvidando que a autonomia das escolhas dos cidadãos está ligada as diversas interações tecnológicas de mídia combinadas e interligadas(jornais; rádio, televisão; internet; SMS etc).
O acesso ao amplo repertório de mídias (tradicionais e eletrônicas) atualmente existentes e ao amplo fluxo de informações geradas pela organização em redes não é suficiente para o efetivo exercício de cidadania. Mais do que isso, é necessário garantir um amplo grau de liberdade e independência ao setor de mídia em relação ao poder político e econômico, a fim de fornecer à sociedade informações de fontes confiáveis, complementares e independentes para formar a livre opinião dos cidadãos, mais cônscios de seus direitos e deveres de participação nos desígnios da sociedade.
Doutor em Filosofia do Direito Mestre em Direito Constitucional e Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São PauloPUC/SP Advogado e Professor do UniFMU
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