Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar a atuação do governo brasileiro no Organismo de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio, no caso envolvendo os subsídios do governo americano a seus produtores de algodão herbáceo, do qual foi vencedor. A partir dos estudos de autores que abordaram o tema, bem como de documentos oficiais disponíveis nos sítios eletrônicos da referida organização, do governo brasileiro e de entidades ligadas ao assunto, pôde-se traçar um histórico da disputa entre o Brasil e os Estados Unidos da América, que se iniciou em 2002 e terminou apenas no ano de 2014, com um acordo entre as partes. No entanto, para entender os mecanismos a que foram submetidos a disputa do algodão, fez-se necessário analisar a evolução do próprio sistema do comércio internacional, desde sua origem com o GATT até a criação da OMC, especialmente sobre seu sistema de solução de controvérsia. Além do aspecto historiográfico da disputa, este trabalho também versou sobre os aspectos jurídicos e políticos que levaram as partes a entabularem um acordo que pusesse fim à disputa dos subsídios, segundo o qual se pode concluir pela arrojada atuação brasileira.
Palavras-chave: Brasil; Estados Unidos da América; Algodão; Subsídios; Organização Mundial do Comércio.
Abstract: This paper aims to analyze Brazil’s performance in the Body of Dispute Resolution of the World Trade Organization, in the case involving the US government subsidies to its upland cotton producers, which won. From the studies of authors who addressed the issue as well as official documents available in electronic sites of the organization, the Brazilian government and entities related to the subject, it was possible to trace a history of the dispute between Brazil and the United States America, which began in 2002 and ended only in 2014 with an agreement between the parties. However, to understand the mechanisms that have been subjected to dispute cotton, it was necessary to analyze the development of own international trade system, from its origin with GATT to the creation of the WTO, especially on its dispute settlement system. In addition to the historiographical aspect of the dispute, this paper also expounded on the legal and political aspects that led the parties to enter into an agreement that would end the dispute subsidies, according to which it can be concluded by the dashing Brazilian performance.
Key-words: Brazil; United States of America; Cottom; Subsidies; World Trade Organization.
Sumário: Introdução. 1 Precedentes Históricos. 1.1 Pós-Guerra e os acordos de Bretton Woods. 1.2 As instituições de Bretton Woods. 1.2.1 Fundo Monetário Internacional. 1.2.2 Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento. 1.3 GATT. 2 A Organização Mundial do Comércio. 2.1 Princípios. 2.1.1 Não discriminação. 2.1.2 Previsibilidade. 2.1.3 Concorrência leal. 2.1.4 Proibição de restrições quantitativas. 2.1.5 Tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento. 2.2 Estrutura institucional. 3 Solução de Controvérsias na OMC. 3.1 A evolução do sistema GATT. 3.2 O órgão de solução de controvérsias da OMC. 3.2.1 Características. 3.3 Procedimentos. 3.3.1 Consulta. 3.3.2 Painel. 3.3.3 Órgão de Apelação. 3.4 Aplicação das recomendações e decisões da OSC. 3.4.1 Subsistema de Compensação e Suspensão de Concessões. 4 Disputa do Algodão. 4.1 Precedentes históricos. 4.2 Contencioso no OSC – DS 267. 4.3 Acordo. Conclusão. Referências.
Introdução
O presente trabalho procura analisar a atuação do Brasil no Organismo de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC), na disputa envolvendo os subsídios ao algodão americano.
Para tanto, foi traçada uma evolução histórica da referida organização, que teve origem no pós-guerra com a criação do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), no ano de 1948.
Do precedente histórico, passou-se a descrever a estrutura e os princípios institucionais que dão legitimidade à OMC para ser uma organização internacional de discussão, propagação e proteção do comércio internacional.
Nessa perspectiva, quanto à proteção do justo comércio internacional, tem-se o papel fundamental do Organismo de Solução de Controvérsia (OSC), ao qual foi dedicado um tópico específico, ante sua peculiaridade técnico-jurídica.
No estudo do OSC, procurou-se acompanhar a evolução do sistema de solução de controvérsia desde o GATT, suas características e, principalmente, seus procedimentos, desde a fase de consultas, passando pela criação dos grupos especiais, também chamados de Painéis, bem como pelo Órgão de Apelação.
Sobre o cumprimento das recomendações proferidas pela OSC, foi dado um subtópico específico, uma vez que esse ponto deve preceder o entendimento sobre a disputa dos subsídios ao algodão americano.
Ao caso em si, isto é, sobre a disputa levado a cabo pelo governo brasileiro em face do governo americano, buscou-se traçar um precedente histórico que culminou com a abertura do caso no OSC.
Desde o início da disputa no ano de 2002, procurou-se estabelecer um caminho cronológico com as várias fases do procedimento, abordando os aspectos jurídicos mais importantes e dando destaque à conjuntura política envolvida, por meio da atuação do governo brasileiro e americano.
Ao transcorrer os mais de dez anos de disputa entre o Brasil e os EUA sobre os subsídios americanos ao algodão produzido e exportado em seu país, período em que as vitórias brasileiras no OSC foram incontestes, buscou-se fornecer elementos para a compreensão do resultado da disputa no ano de 2014, por meio de acordo.
O objetivo do presente trabalho não é analisar os termos do acordo realizados entre os governos brasileiro e americanos à luz das escolas de pensamento das Relações Internacionais, mas compreender a atuação do Brasil no OSC.
Isso porque as ações e movimentos tomados pelo país na resolução da disputa foram desempenhadas pragmaticamente, sob a tutela de uma política de Estado e que teve resultados extremamente positivos para a solução da disputa e, principalmente, para instruir futuras demandas na OMC.
1 Precedentes Históricos
1.1 Pós-Guerra e os acordos de Bretton Woods
Os Estados Unidos da América (EUA), antes de entrarem para a II Guerra Mundial, começaram a formular quadros políticos para o que se seguiria a seu término, sendo a questão econômica uma de suas principais preocupações.
Assim, mesmo sem o fim da guerra, os EUA engajaram-se em uma série de negociações diplomáticas com o objetivo de constituir um novo modelo econômico para o pós-guerra, o qual deveria assegurar sua influência naquilo que seria o recomeço da sociedade internacional após a guerra.
Para tanto, já em julho de 1944, delegados de 44 países aliados reuniram-se em Bretton Woods para traçar o destino econômico da sociedade internacional, focando seus trabalhos nas ligações comerciais e financeiras entre tais países.
Nas palavras de Schwartz (2008, p. 241):
“A Conferência de Bretton Woods, definindo o que se convencionou denominar como Sistema Bretton Woods de gerenciamento econômico internacional, estabeleceu em julho de 1944 as regras para as relações comerciais e financeiras entre os países mais industrializados do mundo. Esse sistema foi o primeiro exemplo na história mundial de uma ordem monetária totalmente negociada entre Estados nacionais.”
De fato, tais acordos só foram possíveis porque alinhados com o interesse americano. No entanto, há que se visualizar que tal conferência foi de considerável importância para a formulação das políticas que culminaram com a expansão da economia nos anos seguintes, período que Eric Hobsbawm[1] denominou como “A Era de Ouro”.
Durante a conferência, houve duas grandes visões acerca do que se deveria acordar. A primeira, patrocinada pelos EUA e denominada de Plano White, tratava de um fundo de estabilização que deveria estabelecer faixas cambiais estreitas que só poderiam ser modificadas pelo voto de 80% dos estados integrantes, estimulando, dessa forma, a progressiva redução das barreiras tarifárias e consequente aumento da liberalização do comércio. A outra, defendida pela Grã-Bretanha e denominada de Plano Keynes, previa uma câmara de compensações com direitos a saques em uma nova moeda internacional pelos países membros, de acordo com a participação de cada um no comércio internacional (MAGNOLI, 2004a, p. 227).
Contudo, tais visões basicamente não diferiam acerca deu suas formas, mas em seus defensores, conforme Magnoli (idem, p.228):
“Não se deve exagerar as diferenças de ênfase entre os dois planos. No fundo, o que os distinguia mais claramente era a interpretação que faziam dos interesses nacionais respectivos. O plano americano conferia fortes poderes de ingerência à autoridade internacional em relação aos países devedores – e os Estados Unidos se imaginavam como permanentes credores. O plano britânico conferia amplitude maior de decisões nacionais aos devedores – e a Grã-Bretanha sabia que, durante a fase de reconstrução, seria uma devedora.”
No entanto, o que afinal se concluiu foi um híbrido entres as duas correntes, isto é, uma “tríade de políticas de estabilidade de preço, mercados flexíveis e comércio internacional tendente ao liberalismo que era defendida por Washington”, nas palavras de Magnoli (2004b, p. 185).
Nesse sentido, também Gilpin (2004, p. 84) ao afirmar que as regras acordadas em Bretton Woods seguiam os seguintes princípios:
“(1) compromisso com a liberalização do comércio através de negociações multilaterais contemplando o princípio da não-discriminação; (2) acordo no sentido de que as transações em conta corrente deviam estar isentas de controles, sendo no entanto permitidos controles da liberdade de movimentação de capitais; e (3) acordo no sentido de que as taxas de câmbio deviam ser fixas ou vinculadas e de que, embora um país pudesse alterar sua taxa de câmbio, deveria consultar o FMI antes de adotar mudanças de vulto.”
Contudo, o regime mais importante surgido dos acordos em Bretton Woods foi a vinculação das moedas nacionais a um ativo não-monetário (ouro), com o objetivo de prevenir a inflação e uma desvalorização massiva das moedas, estabilizando-as (GILPIN, 2004, p. 87). Tal regime ficou conhecido como padrão ouro-dólar, semelhante ao vigente no final do século XIX em relação à libra.
1.2 As instituições de Bretton Woods
Superada a fase de divergências sobre qual seria o modelo a seguir, os países reunidos em Bretton Woods constituíram o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), que se tornaram operacionais em 1946, após um número mínimo de ratificações (SCHWARTZ, 2008, p. 243).
Em 1948, os países envolvidos criaram provisoriamente um mecanismo complexo de acordos entre si para redução das tarifas, enquanto se aguardava a criação da Organização Internacional do Comércio, a qual fracassara em 1950 por não ter sido aprovada pelos países membros.
Contudo, referido acordo, denominado GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), tornou-se o principal mecanismo de liberalização e regulação das relações comerciais entre os países e que mais tarde viria a ser substituído pela Organização Mundial do Comércio (OMC).
1.2.1 Fundo Monetário Internacional
O FMI foi criado para combater o desequilíbrio dos pagamentos internacionais de seus países membros. Assim, cada país contribui com determinado montante para a constituição do fundo que socorre países com desajustes financeiros, na quantia proporcional a sua contribuição.
Atualmente é composto por 187 países, sendo que os EUA continuam sendo o maior detentor de cotas do fundo, desde sua criação.
Frequentemente criticado por seu posicionamento liberal, o FMI tem atuado no financiamento e consultoria de seus países membros, buscando direcioná-los ao desenvolvimento[2].
1.2.2 Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento
O Bird, também conhecido como Banco Mundial, foi instituído com o objetivo de se tornar um banco fomentador, isto é, concedendo empréstimos lastreados em projetos de reconstrução e desenvolvimento de seus membros, como o próprio nome do banco deixa claro.
O banco teve papel decisivo nas duas décadas seguintes ao término da guerra, tendo direcionado sua atuação posteriormente para o desenvolvimento internacional, após certo período de inércia institucional.
Assemelha-se o Bird ao FMI quanto à sua composição organizacional, contando com os EUA como maiores cotistas do banco[3].
1.3 GATT
O GATT surgiu como mecanismo interino para redução de tarifas, contudo o fracasso da Organização Internacional de Comércio (OIC) fez com ele se tornasse um instituto permanente.
Com o passar dos anos, o GATT tornou-se o principal fórum de discussão e regulamentação acerca do comércio internacional. Conquanto padecesse de consideráveis limitações, as reduções de tarifas acordadas entre os países possibilitaram um crescimento do comércio internacional de estimável importância.
Algumas das dificuldades enfrentadas pelo GATT são assim descritas por Gilpin (2004, p. 91):
“Embora o GATT tenha tido notável êxito na promoção da liberalização do comércio e no estabelecimento de uma estrutura para discussões comerciais, sua autoridade e o alcance de suas responsabilidades eram muito limitados; tratava-se de um fórum de negociação, e não de uma autêntica organização internacional, e ele não tinha qualquer autoridade impositiva. Além disso, carecia de um mecanismo adequado de resolução de disputas, e sua jurisdição estendia-se basicamente sobre bens manufaturados. O GATT não tinha autoridade para tratar de agricultura, serviços, direitos de propriedade intelectual ou investimentos estrangeiros; nem tinha suficiente autoridade para lidar com uniões alfandegárias e outro acertos de comércio preferencial.”
De certo, por se tratar de um fórum multilateral de negociação, o avanço das questões controvertidas dava-se com a devida cautela e vagareza.
A solução para tais entraves seguiam os princípios que norteavam o acordo, como a não discriminação, reciprocidade incondicional e transparência (idem, p. 92)
Somente com a Rodada Kennedy (1963-1967), o GATT experimentou notável avanço nas questões tarifárias, bem como regulamentou o dumping e instituiu um regime preferencial para exportações de países menos desenvolvidos.
Com a Rodada Tóquio (1973-1979), as reduções das tarifas continuaram, incluindo também a liberalização do comércio agrícola e a redução de barreiras não tarifárias. No entanto, referida rodada não foi capaz de resolver conflitos sobre política agrícola, nem satisfazer os interesses dos países não desenvolvidos e tampouco impedir o crescimento das barreiras não tarifárias (idem, p. 94).
Nas décadas seguintes, os problemas econômicos enfrentados pela sociedade internacional, como as duas crises do petróleo (1973 e 1979), o fim do padrão ouro-dólar e a estagflação com aumento do protecionismo da década de 1970, o endividamento dos países não desenvolvidos na década de 1980 entre outros, eram incapazes de serem combatidos apenas pelos mecanismos do GATT, apesar das rodadas que se seguiram no período.
Com as rápidas transformações ocorridas na década de 1980, das quais se destacam o papel das empresas multinacionais, o avanço do bloco econômico europeu, as políticas econômicas dos EUA e Grã-Bretanha, a necessidade de enfretamento do novo protecionismo surgido na década passada, os EUA passaram a pressionar seus aliados para retomarem medidas que efetivassem e garantissem o livre comércio.
Assim, em 1986, teve início a Rodada Uruguai, na cidade de Punta del Este, sendo ela concluída em 1994, passando a vigorar em janeiro de 1995. Tal rodada marca uma nova fase das relações econômicas internacionais, pois foi o acordo resultante dela que constituiu a Organização Mundial do Comércio (OMC), a qual incorporou e aperfeiçoou o sistema de solução de controvérsias do GATT, além de estabelecer e estender as regras do GATT aos setores agrícolas, de serviços, direitos de propriedade intelectual e investimento estrangeiro (idem, p. 139).
Por fim, é possível visualizar na tabela disponibilizada no sítio da OMC[4], o crescente aumento do número de países e a complexidade das negociações do GATT. Por conseguinte, pode-se afirmar que, apesar de todas as adversidades do período, o comércio internacional continua sendo um importante aliado, senão o mais, no desenvolvimento econômico da sociedade internacional.
2 A Organização Mundial do Comércio
A Organização Mundial do Comércio foi criada para gerenciar as atividades comerciais entre seus países membros, após gradual evolução organizacional originada com o GATT.
Com sua formalização institucional, isto é, a transformação de um fórum multilateral para uma organização internacional em 1994, seguindo-se todos os preceitos do direito internacional público, a OMC conta hoje com mais de 150 países, que se interagem e solucionam seus conflitos no seio da organização.
2.1 Princípios
Constituída sobre uma plataforma liberal, a OMC preservou os princípios que deram origem ao GATT, aperfeiçoando-os. Dentre eles, destacam-se[5]:
2.1.1 Não discriminação
Este princípio visa combater a discriminação entre países membros, bem como seus bens ou serviços quando nacionais ou importados. Subdivide-se em: nação mais favorecida, no caso de um membro conceder certa vantagem a outro membro, tal vantagem estende-se a todos, comportando algumas exceções para países pobres e em desenvolvimento; e tratamento nacional, o bem ou serviço importado deve receber o mesmo tratamento dispensado ao nacional.
2.1.2 Previsibilidade
As regras disponíveis sobre a política comercial de um membro devem ser previsíveis a outros países, coibindo atividades abusivas que restrinjam o comércio internacional de modo inesperado.
2.1.3 Concorrência leal
O objetivo da OMC é estabelecer um comércio internacional competitivo e leal. Para tanto, atua na prevenção e repressão à prática de dumping e à concessão indiscriminada de subsídios.
2.1.4 Proibição de restrições quantitativas
A organização reprime a utilização de restrições quantitativas, isto é, proibições e quotas, sendo a tarifa a única restrição permitida, por ser mais identificável, desde que ela esteja prevista em pactos especiais já ajustados.
2.1.5 Tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento
Os países membros da OMC encontram-se em estágios diferentes de desenvolvimento, sendo que dois terços deles se encontram em desenvolvimento. Assim, países já desenvolvidos devem suportar certas medidas que favoreçam os países em desenvolvimento quando com estes comercializarem.
2.2 Estrutura institucional
A OMC é composta por vários órgãos institucionais, sendo o Órgão de Solução de Controvérsias, obviamente, o mais importante para o presente trabalho e que será analisado em capítulo específico.
Nesse escopo, tem-se um corpo principal, denominado de Conferência Ministerial, em que os países se fazem representar geralmente por seus ministros de relações exteriores, o qual exerce a função de órgão máximo da organização.
No subnível abaixo, estão o Conselho Geral, formado pelos embaixadores em Genebra ou delegados indicados para esse fim, o Órgão de Solução de Controvérsia, responsável por encaminhar soluções aos desentendimentos comerciais entre países, bem como o Órgão de Revisão de Política Comercial, cujo objetivo é analisar se as práticas internacionais do comércio estão de acordo com os vários tratados que regem o tema.
Abaixo, estão o Conselho de Comércio de Bens, o Conselho de Comércio de Serviços e o Conselho de Propriedade Intelectual, os quais se reportam ao Conselho Geral e são responsáveis pela observação de tratados internacionais de seus respectivos temas.
A estrutura da OMC ainda conta com um corpo administrativo, chamado de Secretariado, que é formado por profissionais de carreira e tem o objetivo de auxiliar os Órgãos em sua rotina prática, sob a supervisão de um Diretor-Geral, cargo que, atualmente, é ocupado pelo brasileiro Roberto Azevêdo, diplomata de carreira do Itamaraty.
Por conseguinte, cabe citar o ilustre professor de direito internacional Amaral Jr. (2011, p. 410) que bem resume a estrutura da organização:
“A Conferência Ministerial é o órgão supremo da OMC e dela fazem parte todos os membros representados pelo ministro das Relações Exteriores ou pelo ministro do Comércio Externo. Dispõe da competência para decidir sobre qualquer matéria objeto dos acordos em reuniões que devem ocorrer a cada dois anos ou sempre que se fizer necessário para debater questões cuja análise se tornou premente. O Conselho Geral é o órgão diretivo da OMC e é composto pelos embaixadores dos países-membros em Genebra ou por delegados enviados para esse fim. O Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) destina-se a dirimir disputas comerciais entre os membros da OMC. Regras próprias estabelecem o procedimento a ser seguido para a resolução de um conflito. Concebido para promover a eficácia dos acordos que se inserem no âmbito de competência da OMC, o Órgão de Solução de Controvérsias é composto pelos integrantes do Conselho Geral, que atuam em função específica. O Órgão de Revisão de Política Comercial examina periodicamente as decisões governamentais, no pano do comércio, adotadas pelos membros da OMC e verifica se não houve violação aos acordos celebrados. A investigação realizada desenvolve-se em várias etapas, nas quais o membro investigado oferece informações sobre as medidas internas que afetam o comércio internacional. Integram o referido Órgão os representantes dos membros da OMC em Genebra ou delegados incumbidos dessa tarefa. O Conselho sobre o Comércio de Bens, o Conselho sobre o Comércio de Serviços e o Conselho sobre os Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio cuidam da implementação dos acordos específicos para essas áreas. Os Comitês e Grupos de Trabalho são criados pela Conferência Ministerial e atuam sob a supervisão dos Conselhos a que estão vinculados. Merecem destaque, entre outros, o Comitê sobre Comércio e Desenvolvimento, sobre Restrições por Motivo de Balanço de Pagamentos, sobre Comércio e Meio Ambiente e sobre Acordos Regionais de Comércio.”
Por fim, cumpre mencionar que toda essa estrutura é custeada proporcionalmente pelos países membros, os quais somam atualmente cento e sessenta e dois países, entre desenvolvidos e em desenvolvimento.
3 Solução de Controvérsias na OMC
3.1 A evolução do sistema GATT
Ao início da vigência do GATT, a solução de controvérsias era basicamente realizada por vias diplomáticas, através de consultas entre as partes. Esse perfil começa a mudar com a criação de painéis em meados da década de 1950.
Com a entrada em vigor dos painéis, as questões não solucionadas na fase diplomática passaram a ser decididas através de painéis, contando com a participação de especialistas que, então, emitiam seu relatório. Contudo, este deveria ser apreciado pelo Conselho do GATT, sendo que o relatório somente teria força coercitiva se obtido o consenso no referido órgão.
O sistema de solução de controvérsias do GATT foi incapaz de impedir a expansão do protecionismo na década de 1970, justamente pela fragilidade de tal mecanismo, o que elevou o número de lides na década seguinte.
No entanto, o sistema experimentou, durante o período, uma gradual evolução de um quadro diplomático para um semi-jurisdicional, em que os embasamentos legais sobressaíam às negociações entre países (AMARAL JR, 2008, p. 93-98).
Dessa forma, a questão legal do sistema de solução de controvérsias passou a ser tema importante nas negociações da Rodada Uruguai, notadamente quanto à aplicação de sanções. Por um lado, os países desenvolvidos viam que um órgão de molde jurisdicional permitiria a eles exigir efetivamente a aplicação dos acordos celebrados; por outro, aos países em desenvolvimento, a “certeza” que poderiam demandar em face dos países mais desenvolvidos em igualdade de condições jurídicas.
Neste sentido, a explanação de Amaral Jr. (2008, p. 99):
“A crença de que o cumprimento das regras é indispensável para manter o respeito a tudo quanto houvera sido convencionado e o desejo de superar as debilidades do mecanismo de resolução de disputas existente converteram a reforma do sistema de solução de controvérsias em um dos principais temas da Rodada Uruguai. O resultado das mudanças que vieram a ocorrer tem origem em complexas relações entre os Estados no plano internacional e entre os governos e o setor privado no nível doméstico. O movimento de reforma contou com a participação dos Estados Unidos, das nações européias e das principais indústrias sediadas nesses países.”
3.2 O órgão de solução de controvérsias da OMC
O Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) é o corpo responsável por fazer observar as regras para a resolução das controvérsias submetidas no âmbito da Organização Mundial do Comércio, nos termos do Anexo II[6] do tratado de sua constituição.
No artigo 2º do referido Anexo, foram estabelecidas as diretrizes de suas funções e princípios, quais sejam: aplicar as normas e as disposições em matéria de consultas e solução de controvérsias; e supervisionar a aplicação das decisões e recomendações e autorizar a suspensão de obrigações.
Nota-se, portanto, que o OSC assume função jurídico-regulatória, assemelhando-se ao de um órgão judiciário, sem obviamente o ser, uma vez que aquele administrará e aplicará, por meio de seus procedimentos, as normas jurídicas internacionais ali cabíveis.
3.2.1 Características
O objetivo principal do OSC é permitir ao sistema internacional de comércio certa segurança/ previsibilidade jurídica, evitando atos políticos abruptos que interrompam ou desrespeitem normas comerciais estabelecidas no sistema ou entre as partes.
Além disso, característica essencial do OSC é resolver eventual desinteligência sobre o comércio internacional pacificamente, isto é, sem o uso da força, seja ela militar, política ou econômica[7].
Para tanto, é preferível, na impossibilidade de composição entre as partes envolvidas, que os entendimentos e disposições oriundas do OSC sejam sempre cumpridas para suspender as práticas nocivas ao comércio internacional, adotando-se a compensação (retaliação) somente em casos que referidas práticas não sejam suspensas ou em hipóteses que tais suspensões sejam ineficazes.
Portanto, o procedimento foi criado para estimular as partes a negociarem e agirem de boa-fé desde o início, sempre que surgirem dúvidas quanto às ações perpetradas por um Estado signatário da organização.
Essas características são extraídas do artigo 3 do Anexo II:
“(…) 4. As recomendações ou decisões formuladas pelo OSC terão por objetivo encontrar solução satisfatória para a matéria em questão, de acordo com os direitos e obrigações emanados pelo presente Entendimento e pelos acordos abrangidos. 5. Todas as soluções das questões formalmente pleiteadas ao amparo das disposições sobre consultas e solução de controvérsias, incluindo os laudos arbitrais, deverão ser compatíveis com aqueles acordos e não deverão anular ou prejudicar os benefícios de qualquer Membro em virtude daqueles acordos, nem impedir a consecução de qualquer objetivo daqueles acordos. 6. As soluções mutuamente acordadas das questões formalmente pleiteadas ao amparo das disposições sobre consultas e solução de controvérsias dos acordos abrangidos serão notificadas ao OSC e aos Conselhos e Comitês correspondentes, onde qualquer Membro poderá levantar tópicos a elas relacionadas. 7. Antes de apresentar uma reclamação, os Membros avaliarão a utilidade de atuar com base nos presentes procedimentos. O objetivo do mecanismo de solução de controvérsias é garantir uma solução positiva para as controvérsias. Deverá ser sempre dada preferência à solução mutuamente aceitável para as partes em controvérsia e que esteja em conformidade com os acordos abrangidos. Na impossibilidade de uma solução mutuamente acordada, o primeiro objetivo do mecanismo de solução de controvérsias será geralmente o de conseguir a supressão das medidas de que se trata, caso se verifique que estas são incompatíveis com as disposições de qualquer dos acordos abrangidos. Não se deverá recorrer à compensação a não ser nos casos em que não seja factível a supressão imediata das medidas incompatíveis com o acordo abrangido e como solução provisória até a supressão dessas medidas. O último recurso previsto no presente Entendimento para o Membro que invoque os procedimentos de solução de controvérsias é a possibilidade de suspender, de maneira discriminatória contra o outro Membro, a aplicação de concessões ou o cumprimento de outras obrigações no âmbito dos acordos abrangidos, caso o OSC autorize a adoção de tais medidas. 8. Nos casos de não-cumprimento de obrigações contraídas em virtude de um acordo abrangido, presume-se que a medida constitua um caso de anulação ou de restrição. Isso significa que normalmente existe a presunção de que toda transgressão das normas produz efeitos desfavoráveis para outros Membros que sejam partes do acordo abrangido, e em tais casos a prova em contrário caberá ao Membro contra o qual foi apresentada a reclamação. (…)”
No entanto, sabendo que determinadas demandas seriam de difícil composição entre os Estados partes, a organização buscou criar um sistema que possuísse equidade e fosse rápido, eficiente e mutuamente aceitável.
3.3 Procedimentos
A fim de regular o procedimento que desse efetividade ao sistema de solução de controvérsias, o tratado que deu origem à Organização Mundial do Comércio previu em seu Anexo II o rito processual para sua aplicação, com especificidades e objetos claros para cada etapa, que serão analisadas a seguir.
3.3.1 Consulta
O procedimento de consulta é aquele que dá início a eventual questionamento sobre se determinada conduta de um Membro fere ou não as regras da OMC, sendo realizado diretamente entre as partes nos prazos estabelecidos ou de comum acordo pactuados.
Em regra, caso não seja elencado prazo maior, o Membro consultado deve responder à consulta dentro prazo de dez dias contados do recebimento formal da solicitação, realizando-a no prazo de trinta dias subsequentes ao recebimento da notificação. Isto é, nos primeiros dez dias, deve a parte informar que procederá as consultas, entregando o resultado delas em 30 dias.
Caso a parte consultada não responda ou não realize a consulta no prazo estipulado, o próprio Anexo estabelece a possibilidade de a parte consultante solicitar a instalação de um grupo especial, comumente chamado de Painel e que será analisado no tópico seguinte.
Da mesma forma, se não chegarem a uma solução da questão no prazo de sessenta dias, poderá a parte consultante solicitar a instalação do Painel. Ou, ainda dentro do prazo de sessenta dias, se as partes entenderem que não haverá solução para o problema apresentado, a parte reclamante também poderá requisitar a instituição de um Painel para o caso, consignando-se que em casos de bens perecíveis o prazo poderá ser reduzido para vinte dias, conforme regra do artigo 4:
“(…) 3. Quando a solicitação de consultas for formulada com base em um acordo abrangido, o Membro ao qual a solicitação for dirigida deverá respondê-la, salvo se mutuamente acordado de outro modo, dentro de um prazo de 10 dias contados a partir da data de recebimento da solicitação, e deverá de boa-fé proceder a consultas dentro de um prazo não superior a 30 dias contados a partir da data de recebimento da solicitação, com o objetivo 2 Este parágrafo será igualmente aplicado às controvérsias cujos relatórios dos grupos especiais não tenham sido adotados ou aplicados plenamente. 3 Quando as disposições de qualquer outro acordo abrangido relativos a medidas adotadas por governos ou autoridades regionais ou locais dentro do território de um Membro forem diferentes dos previstos neste parágrafo, prevalecerão as disposições do acordo abrangido. de chegar a uma solução mutuamente satisfatória. Se o Membro não responder dentro do prazo de 10 dias contados a partir da data de recebimento da solicitação, ou não proceder às consultas dentro de prazo não superior a 30 dias, ou dentro de outro prazo mutuamente acordado contado a partir da data de recebimento da solicitação, o Membro que houver solicitado as consultas poderá proceder diretamente a solicitação de estabelecimento de um grupo especial. 4. Todas as solicitações de consultas deverão ser notificadas ao OSC e aos Conselhos e Comitês pertinentes pelo Membro que as solicite. Todas as solicitações de consultas deverão ser apresentadas por escrito e deverão conter as razões que as fundamentam, incluindo indicação das medidas controversas e do embasamento legal em que se fundamenta a reclamação. 5. Durante as consultas realizadas em conformidade com as disposições de um acordo abrangido, os Membros procurarão obter uma solução satisfatória da questão antes de recorrer a outras medidas previstas no presente Entendimento. 6. As consultas deverão ser confidenciais e sem prejuízo dos direitos de qualquer Membro em quaisquer procedimentos posteriores. 7. Se as consultas não produzirem a solução de uma controvérsia no prazo de 60 dias contados a partir da data de recebimento da solicitação, a parte reclamante poderá requerer o estabelecimento de um grupo especial. A parte reclamante poderá requerer o estabelecimento de um grupo especial dentro do referido prazo de 60 dias se as partes envolvidas na consulta considerarem conjuntamente que as consultas não produziram solução da controvérsia. 8. Nos casos de urgência, incluindo aqueles que envolvem bens perecíveis, os Membros iniciarão as consultas dentro de prazo não superior a 10 dias contados da data de recebimento da solicitação. Se as consultas não produzirem solução da controvérsia dentro de prazo não superior a 20 dias contados da data de recebimento da solicitação, a parte reclamante poderá requerer o estabelecimento de um grupo especial. 9. Em casos de urgência, incluindo aqueles que envolvem bens perecíveis, as partes em controvérsia, os grupos especiais e o órgão de Apelação deverão envidar todos os esforços possíveis para acelerar ao máximo os procedimentos. (…)”
O objetivo da consulta é possibilitar que as partes analisem o problema levantado e cheguem a um termo para solucioná-las por meio de bons ofícios, conciliação e mediação, sem a necessidade de apreciação e julgamento pelo Painel, nos termos do artigo 5:
“1. Bons ofícios, conciliação e mediação são procedimentos adotados voluntariamente se as partes na controvérsia assim acordarem. 2. As diligências relativas aos bons ofícios, à conciliação e à mediação, e em especial as posições adotadas durante as mesmas pelas partes envolvidas nas controvérsias, deverão ser confidenciais e sem prejuízo dos direitos de quaisquer das partes em diligências posteriores baseadas nestes procedimentos. 3. Bons ofícios, conciliação ou mediação poderão ser solicitados a qualquer tempo por qualquer das partes envolvidas na controvérsia. Poderão iniciar-se ou encerrar-se a qualquer tempo. Uma vez terminados os procedimentos de bons ofícios, conciliação ou mediação, a parte reclamante poderá requerer o estabelecimento de um grupo especial. (…)”
Nada impede que as partes cheguem a um consenso nesta fase, mas, dada a natureza política das ações de cada parte no cenário econômico internacional, verifica-se certa resistência de uma ou outra assumir eventual descumprimento da ordem jurídica e compensarem-se entre si por meio de um acordo.
3.3.2 Painel
Não obtida uma solução satisfatória no procedimento de consultas, a parte ou as partes poderá(ão) requisitar a instalação de um grupo especial, também denominado de Painel, que será composto por três ou cinco integrantes, a depender do interesse das partes.
Os painelistas, como são chamados os integrantes do grupo especial, serão preferencialmente indivíduos com larga experiência em comércio internacional, seja em seus aspectos políticos, jurídicos ou econômicos, que serão sugeridos pelo Secretariado.
Na impossibilidade de entendimento sobre os integrantes do painel, o Diretor-Geral determinará a composição do grupo especial, os quais deverão atuar de maneira imparcial.
Interessante destacar que se a questão envolver um país desenvolvido e um em desenvolvimento, a pedido deste, o painel deverá contar com a presença de ao menos um painelista de país em desenvolvimento, a fim de assegurar a simetria de confluências políticas, jurídicas e econômicas.
As regras para composição do Painel estão descritas no artigo 8 do Anexo II:
“1. Os grupos especiais serão compostos por pessoas qualificadas, funcionários governamentais ou não, incluindo aquelas que tenham integrado um grupo especial ou a ele apresentado uma argumentação, que tenham atuado como representantes de um Membro ou de uma parte contratante do GATT 1947 ou como representante no Conselho ou Comitê de qualquer acordo abrangido ou do respectivo acordo precedente, ou que tenha atuado no Secretariado, exercido atividade docente ou publicado trabalhos sobre direito ou política comercial internacional, ou que tenha sido alto funcionário na área de política comercial de um dos Membros. 2. Os Membros dos grupos especiais deverão ser escolhidos de modo a assegurar a independência dos Membros, suficiente diversidade de formações e largo espectro de experiências. 3. Os nacionais de Membros cujos governos 6 sejam parte na controvérsia ou terceiras partes, conforme definido no parágrafo 2 do Artigo 10, não atuarão no grupo especial que trate dessa controvérsia, a menos que as partes acordem diferentemente. 4. Para auxiliar na escolha dos integrantes dos grupos especiais, o Secretariado manterá uma lista indicativa de pessoas, funcionários governamentais ou não, que reúnem as condições indicadas no parágrafo 1, da qual os integrantes dos grupos especiais poderão ser selecionados adequadamente. (…) 5. Os grupos especiais serão compostos por três integrantes a menos que, dentro do prazo de 10 dias a partir de seu estabelecimento, as partes em controvérsia concordem em compor um grupo especial com cinco integrantes. Os Membros deverão ser prontamente informados da composição do grupo especial. 6 Caso uma união aduaneira ou um mercado comum seja parte em uma controvérsia, esta disposição se aplicará aos nacionais de todos os Países-Membros da união aduaneira ou do mercado comum. 6. O Secretariado proporá às partes em controvérsia candidatos a integrantes do grupo especial. As partes não deverão se opor a tais candidaturas a não ser por motivos imperiosos. 7. Se não houver acordo quanto aos integrantes do grupo especial dentro de 20 dias após seu estabelecimento, o Diretor-Geral, a pedido de qualquer das partes, em consulta com o Presidente do OSC e o Presidente do Conselho ou Comitê pertinente, determinará a composição do grupo especial, e nomeará os integrantes mais apropriados segundo as normas e procedimentos especiais ou adicionais do acordo abrangido ou dos acordos abrangidos de que trate a controvérsia, após consulta com as partes em controvérsia. 8. Os Membros deverão comprometer-se, como regra geral, a permitir que seus funcionários integrem os grupos especiais. 9. Os integrantes dos grupos especiais deverão atuar a título pessoal e não como representantes de governos ou de uma organização. Assim sendo, os Membros não lhes fornecerão instruções nem procurarão influenciá-los com relação aos assuntos submetidos ao grupo especial. 10. Quando a controvérsia envolver um país em desenvolvimento Membro e um país desenvolvido Membro, o grupo especial deverá, se o país em desenvolvimento Membro solicitar, incluir ao menos um integrante de um país em desenvolvimento Membro. 11. As despesas dos integrantes dos grupos especiais, incluindo viagens e diárias, serão cobertas pelo orçamento da OMC, de acordo com critérios a serem adotados pelo Conselho Geral, baseados nas recomendações do Comitê de Orçamento, Finanças e Administração.”
Assim, formado o Painel, este deverá sempre perseguir uma avaliação objetiva da causa a ele submetida, analisando os fatos e as fundamentações de cada parte para o fim de formular conclusões que possibilitem ao Organismo de Solução de Controvérsias a emitir suas decisões.
Ainda, em toda oportunidade possível, deverá o Painel estimular a conciliação entre as partes, visto ser essa a medida mais vantajosa para ambas, desde que, obviamente, respeitados as regras do direito internacional, na forma estabelecida no artigo 11:
“A função de um grupo especial é auxiliar o OSC a desempenhar as obrigações que lhe são atribuídas por este Entendimento e pelos acordos abrangidos. Conseqüentemente, um grupo especial deverá fazer uma avaliação objetiva do assunto que lhe seja submetido, incluindo uma avaliação objetiva dos fatos, da aplicabilidade e concordância com os acordos abrangidos pertinentes, e formular conclusões que auxiliem o OSC a fazer recomendações ou emitir decisões previstas nos acordos abrangidos. Os grupos especiais deverão regularmente realizar consultas com as partes envolvidas na controvérsia e propiciar-lhes oportunidade para encontrar solução mutuamente satisfatória.”
Por conseguinte, após a instalação do Painel, este deverá, após consulta às partes, estabelecer um calendário para conclusão dos trabalhados, com prazos razoáveis que segurem o direito às partes do contraditório e ampla defesa.
Assim, com o recebimento das primeiras argumentações de ambas as partes será designada reunião com o grupo especial para que elas exponham suas razões sobre o caso, iniciando-se com a parte reclamante.
Após a primeira reunião será designada uma segunda, oportunidade em que as partes poderão oferecer réplicas uma a outra, articulando suas alegações e, desta vez, iniciando-se com a parte reclamada.
Sempre com o melhor objetivo de elucidar os fatos, o Painel poderá requisitar informações e dirigir perguntas às partes durante as reuniões ou por escrito.
Seguindo-se à fase de réplicas, o artigo 15 do Anexo II dispõe sobre a forma de entrega do relatório final pelo grupo especial, que, primeiro, emitirá um esboço dos fatos e argumentações do relatório e o submeterá às partes para manifestação.
Depois da apresentação do esboço, o Painel remeterá às partes o relatório provisório, com a análise dos fatos e argumentações e, especialmente, com as conclusões do grupo para a controvérsia, dando nova oportunidade para as partes se manifestarem antes da entrega do relatório definitivo. Na hipótese de não haver manifestações, o relatório provisório se converterá em definitivo.
“1. Após consideração das réplicas e apresentações orais, o grupo especial distribuirá os capítulos expositivos (fatos e argumentações) de esboço de seu relatório para as partes em controvérsia. Dentro de um prazo fixado pelo grupo especial, as partes apresentarão seus comentários por escrito. 2. Expirado o prazo estabelecido para recebimento dos comentários das partes, o grupo especial distribuirá às partes um relatório provisório, nele incluindo tanto os capítulos descritivos quanto as determinações e conclusões do grupo especial. Dentro de um prazo fixado pelo grupo especial, qualquer das partes poderá apresentar por escrito solicitação para que o grupo especial reveja aspectos específicos do relatório provisório antes da distribuição do relatório definitivo aos Membros. A pedido de uma parte, o grupo especial poderá reunir-se novamente com as partes para tratar de itens apontados nos comentários escritos. No caso de não serem recebidos comentários de nenhuma das partes dentro do prazo previsto para tal fim, o relatório provisório será considerado relatório final e será prontamente distribuído aos Membros. 3. As conclusões do relatório final do grupo especial incluirão uma análise dos argumentos apresentados na etapa intermediária de exame. Esta etapa deverá ocorrer dentro do prazo estabelecido no parágrafo 8 do Artigo 12.”
A título ilustrativo, o Apêndice 3 do Anexo II[8] traz uma proposta de calendário dos trabalhos Painel, consignando que as partes podem alterá-lo de comum acordo.
“(a) Recebimento das primeiras argumentações escritas das partes: (1) da parte reclamante: 3 a 6 semanas (2) da parte demandada: 2 a 3 semanas; (b) Data, hora e local da primeira reunião substantiva com as partes; sessão destinada a terceiras partes: 1 a 2 semanas; (c) Recebimento das réplicas escritas: 2 a 3 semanas; (d) Data, hora e local da segunda reunião substantiva com as partes: 1 a 2 semanas; (e) Distribuição da parte expositiva do relatório às partes: 2 a 4 semanas; (f) Recebimento de comentários das partes sobre a parte expositiva do relatório: 2 semanas; (g) Distribuição às partes de relatório provisório, inclusive verificações e decisões: 2 a 4 semanas; (h) Prazo final para a parte solicitar exame de parte(s) do relatório: 1 semana; (i) Período de revisão pelo grupo especial, inclusive possível nova reunião com as partes: 2 semanas; (j) Distribuição do relatório definitivo às partes em controvérsia: 2 semanas; (k) Distribuição do relatório definitivo aos Membros: 3 semanas”.
Com o relatório definitivo, encerra-se o trabalho do órgão especial, abrindo-se a possibilidade de apelação para a parte prejudicada ou, caso não haja interesse em recorrer, de cumprimento da medida pela parte vencida ou execução da medida pela parte vencedora.
3.3.3 Órgão de Apelação
O Órgão de Apelação é composto por sete pessoas de reconhecida competência em tema de comércio internacional, dentre as quais três exerceram a função de julgar a apelação, sendo que elas não deverão ter vínculos com nenhum governo, inclusive abstendo-se dos casos que o país de sua nacionalidade estiver apelando ao órgão.
Ao contrário do Painel que analisa as questões de fato e de direito, o Órgão de Apelação se limita à intepretação e análise do direito aplicado ao caso concreto, mediante as alegações das partes nessa fase.
Os trabalhos do Órgão são realizados sem a presença das partes, sendo que seus integrantes deverm emitir seus relatórios anonimamente, a fim de se respeitar a imparcialidade de suas decisões.
Ao final, o Órgão de Apelação poderá confirmar, modificar ou revogar as conclusões de direito que levaram o Painel a decidir sobre determinado caso, cujo relatório deverá ser aceito sem restrições pelas partes, salvo se a OSC resolver por consenso não adotar o relatório dentro do prazo de trinta dias de sua distribuição aos Membros.
O rito da apelação é previsto no artigo 17 do já mencionado Anexo II:
“1. O OSC constituirá um órgão Permanente de Apelação, que receberá as apelações das decisões dos grupos especiais. Será composto por sete pessoas, três das quais atuarão em cada caso. Os integrantes do órgão de Apelação atuarão em alternância. Tal alternância deverá ser determinada pelos procedimentos do órgão de Apelação. 2. O OSC nomeará os integrantes do órgão de Apelação para períodos de quatro anos, e poderá renovar por uma vez o mandato de cada um dos integrantes. Contudo, os mandatos de três das sete pessoas nomeadas imediatamente após a entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC, que serão escolhidas por sorteio, expirará ao final de dois anos. As vagas serão preenchidas à medida que forem sendo abertas. A pessoa nomeada para substituir outra cujo mandato não tenha expirado exercerá o cargo durante o período que reste até a conclusão do referido mandato. 3. O órgão de Apelação será composto de pessoas de reconhecida competência, com experiência comprovada em direito, comércio internacional e nos assuntos tratados pelos 7 Se não houver uma reunião do OSC prevista dentro desse período em data que permita cumprimento das disposições dos parágrafos 1 e 4 do Artigo 16, será realizada uma reunião do OSC para tal fim. acordos abrangidos em geral. Tais pessoas não deverão ter vínculos com nenhum governo. A composição do órgão de Apelação deverá ser largamente representativa da composição da OMC. Todas as pessoas integrantes do órgão de Apelação deverão estar disponíveis permanentemente e em breve espaço de tempo, e deverão manter-se a par das atividades de solução de controvérsias e das demais atividades pertinentes da OMC. Não deverão participar do exame de quaisquer controvérsias que possam gerar conflito de interesse direto ou indireto. 4. Apenas as partes em controvérsia, excluindo-se terceiros interessados, poderão recorrer do relatório do grupo especial. Terceiros interessados que tenham notificado o OSC sobre interesse substancial consoante o parágrafo 2 do Artigo 10 poderão apresentar comunicações escritas ao órgão de Apelação e poderão ser por ele ouvidos. 5. Como regra geral, o procedimento não deverá exceder 60 dias contados a partir da data em que uma parte em controvérsia notifique formalmente sua decisão de apelar até a data em que o órgão de Apelação distribua seu relatório. Ao determinar seu calendário, o órgão de Apelação deverá levar em conta as disposições do parágrafo 9 do Artigo 4, se pertinente. Quando o órgão de Apelação entender que não poderá apresentar seu relatório em 60 dias, deverá informar por escrito ao OSC das razões do atraso, juntamente com uma estimativa do prazo dentro do qual poderá concluir o relatório. Em caso algum o procedimento poderá exceder a 90 dias. 6. A apelação deverá limitar-se às questões de direito tratadas pelo relatório do grupo especial e às interpretações jurídicas por ele formuladas. 7. O órgão de Apelação deverá receber a necessária assistência administrativa e legal. 8. As despesas dos integrantes do órgão de Apelação, incluindo gastos de viagem e diárias, serão cobertas pelo orçamento da OMC de acordo com critérios a serem adotados pelo Conselho Geral, baseado em recomendações do Comitê de Orçamento, Finanças e Administração. 9. O órgão de Apelação, em consulta com o Presidente do OSC e com o Diretor-Geral, fixará seus procedimentos de trabalho e os comunicará aos Membros para informação. 10. Os trabalhos do órgão de Apelação serão confidenciais. Os relatórios do órgão de Apelação serão redigidos sem a presença das partes em controvérsia e à luz das informações recebidas e das declarações apresentadas. 11. As opiniões expressas no relatório do órgão de Apelação por seus integrantes serão anônimas. 12. O órgão de Apelação examinará cada uma das questões pleiteadas em conformidade com o parágrafo 6 durante o procedimento de apelação. 13. O órgão de Apelação poderá confirmar, modificar ou revogar as conclusões e decisões jurídicas do grupo especial. 14. Os relatórios do órgão de Apelação serão adotados pelo OSC e aceitos sem restrições pelas partes em controvérsia a menos que o OSC decida por consenso não adotar o relatório do órgão de Apelação dentro do prazo de 30 dias contados a partir da sua distribuição aos Membros 8 . Este procedimento de adoção não prejudicará o direito dos Membros de expor suas opiniões sobre o relatório do órgão de Apelação”.
Dessa forma, verifica-se que a intenção da OMC ao instituir o Órgão de Apelação no OSC foi possibilitar à parte o direito a um segundo julgamento, ainda que estritamente jurídico, a fim de garantir a efetividade do contraditório e ampla defesa.
3.4 Aplicação das recomendações e decisões da OSC
Após a prolação das recomendações e decisões do Painel ou do Órgão de Apelação, em caso de recurso, as partes deverão dar pronto cumprimento às medidas ali expostas.
Isso porque se trata de um princípio imperioso do próprio sistema da OMC na medida em que se busca a efetividade da prática comercial de acordo com ordem jurídica internacional.
Na impossibilidade de a parte cumprir imediatamente as determinações, deverá ser fixado prazo razoável para cumprimento, seja de comum acordo ou mediante arbitragem compulsória.
Nessa perspectiva, entende-se como prazo razoável o período de 15 meses a partir da data de adoção do relatório pelo grupo especial ou Órgão de Apelação, podendo ser maior ou menor a depender das circunstâncias do caso fático.
Na hipótese de descumprimento das recomendações e decisões, qualquer Membro poderá acionar a OSC para dizer sobre a questão, nos termos do artigo 21 do Anexo II:
“1. O pronto cumprimento das recomendações e decisões do OSC é fundamental para assegurar a efetiva solução das controvérsias, em benefício de todos os Membros. 2. As questões que envolvam interesses de países em desenvolvimento Membros deverão receber atenção especial no que tange às medidas que tenham sido objeto da solução de controvérsias. 3. Em reunião do OSC celebrada dentro de 30 dias 11 após a data de adoção do relatório do grupo especial ou do órgão de Apelação, o Membro interessado deverá informar ao OSC suas intenções com relação à implementação das decisões e recomendações do OSC. Se for impossível a aplicação imediata das recomendações e decisões, o Membro interessado deverá para tanto dispor de prazo razoável. O prazo razoável deverá ser: a) o prazo proposto pelo Membro interessado, desde que tal prazo seja aprovado pelo OSC ou, não havendo tal aprovação; b) um prazo mutuamente acordado pelas partes em controvérsia dentro de 45 dias a partir da data de adoção das recomendações e decisões ou, não havendo tal acordo; c) um prazo determinado mediante arbitragem compulsória dentro de 90 dias após a data de adoção das recomendações e decisões 12. Em tal arbitragem, uma diretriz para o árbitro 13 11 Caso não esteja prevista reunião do OSC durante esse período, será realizada uma reunião do OSC para tal fim. 12 Caso as partes não cheguem a consenso para indicação de um árbitro nos 10 dias seguintes à submissão da questão à arbitragem, o árbitro será designado pelo Diretor-Geral em prazo de 10 dias, após consulta com as partes. será a de que o prazo razoável para implementar as recomendações do grupo especial ou do órgão de Apelação não deverá exceder a 15 meses da data de adoção do relatório do grupo especial ou do órgão de Apelação. Contudo, tal prazo poderá ser maior ou menor, dependendo das circunstâncias particulares. 4. A não ser nos casos em que o grupo especial ou o órgão de Apelação tenham prorrogado o prazo de entrega de seu relatório com base no parágrafo 9 do Artigo 12 ou no parágrafo 5 do Artigo 17, o período compreendido entre a data de estabelecimento do grupo especial pelo OSC e a data de determinação do prazo razoável não deverá exceder a 15 meses, salvo se as partes acordarem diferentemente. Quando um grupo especial ou o órgão de Apelação prorrogarem o prazo de entrega de seu relatório, o prazo adicional deverá ser acrescentado ao período de 15 meses; desde que o prazo total não seja superior a 18 meses, a menos que as partes em controvérsia convenham em considerar as circunstâncias excepcionais. 5. Em caso de desacordo quanto à existência de medidas destinadas a cumprir as recomendações e decisões ou quanto à compatibilidade de tais medidas com um acordo abrangido, tal desacordo se resolverá conforme os presentes procedimentos de solução de controvérsias, com intervenção, sempre que possível, do grupo especial que tenha atuado inicialmente na questão. O grupo especial deverá distribuir seu relatório dentro de 90 dias após a data em que a questão lhe for submetida. Quando o grupo especial considerar que não poderá cumprir tal prazo, deverá informar por escrito ao OSC as razões para o atraso e fornecer uma nova estimativa de prazo para entrega de seu relatório (…)”
O objetivo de vigiar a aplicação e execução das recomendações e decisões do OSC é preservar a segurança jurídica da ordem internacional, especialmente em relação aos países em desenvolvimento, para que façam face ao poder econômico e político de países já desenvolvidos.
No entanto, o cumprimento das recomendações exortadas pelo OSC depende da disposição política da parte envolvida, uma vez que os atores internos destes países, na maioria das vezes, relutam em alterar programas econômicos que, apesar de ferirem as normas internacionais do comércio, trazem dividendos eleitorais para os setores favorecidos
Nesses casos em que as recomendações não são cumpridas, abre-se a possibilidade para que seja autorizado o uso do sistema de compensação e suspensão de concessões.
3.4.1 Subsistema de Compensação e Suspensão de Concessões
Ainda que o cumprimento das decisões e recomendações do OSC seja preferido pela ordem e princípios estabelecidos pela Organização Mundial do Comércio, é fato que elas nem sempre são cumpridas.
Nessa hipótese, o próprio mecanismo da OSC prevê uma série de medidas que a parte prejudicada pode adotar para se proteger do descumprimento das decisões e recomendações de determinada parte, como a compensação e a suspensão de obrigações, também chamada de retaliação.
A compensação é voluntária e objeto de acordo entre as partes, enquanto a retaliação deve ser autorizada pelo OSC e é utilizada somente em casos excepcionais e como última opção para cumprimento das recomendações.
Por essa linha de raciocínio, tanto a suspensão como a concessão de outras obrigações devem ser aplicadas, primeiramente, nos mesmos setores que originaram a disputa, como por exemplo: normas do governo americano no setor do algodão nos EUA infringem as regras internacionais; o setor de algodão no Brasil deve ser favorecido pelas suspensões e compensações.
Por conseguinte, não surtindo efeito, devem aquelas recaírem sobre outros setores abrangidos pelo acordo ou relatório do painel ou Órgão de Apelação.
No entanto, caso tais medidas não surtam os efeitos práticos esperados ou estes sejam pífios ou impraticáveis, poderá ser autorizado, desde que as situações sejam graves e suficientemente comprovadas, a compensação de suspensão de obrigações em outras áreas, como por exemplo: normas do governo americano no setor do algodão nos EUA infringem as regras internacionais; o setor farmacêutico no Brasil deve ser favorecido pelas suspensões e compensações em propriedade intelectual.
Nesta última hipótese, a situação deve obrigatoriamente ser submetida à arbitragem, preferencialmente atribuída ao grupo especial que tratou originalmente do caso.
A arbitragem não abordará a natureza das concessões e suspensões de obrigações, mas se elas se equivalem em termos de anulação de prejuízo, cuja decisão é definitiva, salvo se rejeitada por consenso pelo OSC.
Outro ponto a destacar é que as medidas de concessão e suspensão devem vigorar apenas pelo período que se considera como satisfatório para compensação da prática originária incompatível, sob pena da própria desvirtuação do sistema.
O artigo 22 do Anexo II regula o procedimento para aplicação da retaliação, conforme a seguir descrito:
“1. A compensação e a suspensão de concessões ou de outras obrigações são medidas temporárias disponíveis no caso de as recomendações e decisões não serem implementadas dentro de prazo razoável. No entanto, nem a compensação nem a suspensão de concessões ou de outras obrigações é preferível à total implementação de uma recomendação com o objetivo de adaptar uma medida a um acordo abrangido. A compensação é voluntária e, se concedida, deverá ser compatível com os acordos abrangidos. 2. Se o Membro afetado não adaptar a um acordo abrangido a medida considerada incompatível ou não cumprir de outro modo as recomendações e decisões adotadas dentro do prazo razoável determinado conforme o parágrafo 3 do Artigo 21, tal Membro deverá, se assim for solicitado, e em período não superior à expiração do prazo razoável, entabular negociações com quaisquer das partes que hajam recorrido ao procedimento de solução de controvérsias, tendo em vista a fixação de compensações mutuamente satisfatórias. Se dentro dos 20 dias seguintes à data de expiração do prazo razoável não se houver acordado uma compensação satisfatória, quaisquer das partes que hajam recorrido ao procedimento de solução de controvérsias poderá solicitar autorização do OSC para suspender a aplicação de concessões ou de outras obrigações decorrentes dos acordos abrangidos ao Membro interessado. (…) 4. O grau da suspensão de concessões ou outras obrigações autorizado pelo OSC deverá ser equivalente ao grau de anulação ou prejuízo. 5. O OSC não deverá autorizar a suspensão de concessões ou outras obrigações se o acordo abrangido proíbe tal suspensão. 6. Quando ocorrer a situação descrita no parágrafo 2, o OSC, a pedido, poderá conceder autorização para suspender concessões ou outras obrigações dentro de 30 dias seguintes à expiração do prazo razoável, salvo se o OSC decidir por consenso rejeitar o pedido. No entanto, se o Membro afetado impugnar o grau da suspensão proposto, ou sustentar que não foram observados os princípios e procedimentos estabelecidos no parágrafo 3, no caso de uma parte reclamante haver solicitado autorização para suspender concessões ou outras obrigações com base no disposto nos parágrafos 3.b ou 3.c, a questão 14 Na lista integrante do Documento MTN.GNG/W/120 são identificados onze setores. será submetida a arbitragem. A arbitragem deverá ser efetuada pelo grupo especial que inicialmente tratou do assunto, se os membros estiverem disponíveis, ou por um árbitro 15 designado pelo Diretor-Geral, e deverá ser completada dentro de 60 dias após a data de expiração do prazo razoável. As concessões e outras obrigações não deverão ser suspensas durante o curso da arbitragem. 7. O árbitro 16 que atuar conforme o parágrafo 6 não deverá examinar a natureza das concessões ou das outras obrigações a serem suspensas, mas deverá determinar se o grau de tal suspensão é equivalente ao grau de anulação ou prejuízo. O árbitro poderá ainda determinar se a proposta de suspensão de concessões ou outras obrigações é autorizada pelo acordo abrangido. No entanto, se a questão submetida à arbitragem inclui a reclamação de que não foram observados os princípios e procedimentos definidos pelo parágrafo 3, o árbitro deverá examinar a reclamação. No caso de o árbitro determinar que aqueles princípios e procedimentos não foram observados, a parte reclamante os aplicará conforme o disposto no parágrafo 3. As partes deverão aceitar a decisão do árbitro como definitiva e as partes envolvidas não deverão procurar uma segunda arbitragem. O OSC deverá ser prontamente informado da decisão do árbitro e deverá, se solicitado, outorgar autorização para a suspensão de concessões ou outras obrigações quando a solicitação estiver conforme à decisão do árbitro, salvo se o OSC decidir por consenso rejeitar a solicitação. 8. A suspensão de concessões ou outras obrigações deverá ser temporária e vigorar até que a medida considerada incompatível com um acordo abrangido tenha sido suprimida, ou até que o Membro que deva implementar as recomendações e decisões forneça uma solução para a anulação ou prejuízo dos benefícios, ou até que uma solução mutuamente satisfatória seja encontrada. De acordo com o estabelecido no parágrafo 6 do Artigo 21, o OSC deverá manter sob supervisão a implementação das recomendações e decisões adotadas, incluindo os casos nos quais compensações foram efetuadas ou concessões ou outras obrigações tenham sido suspensas mas não tenham sido aplicadas as recomendações de adaptar uma medida aos acordos abrangidos. (…)”
Nesse contexto, observa-se que os países em desenvolvimento possuem maiores dificuldades para cumprirem as determinações do OSC, o que consolida o seu papel de dependência econômico-política em relação aos países desenvolvidos, conforme Amaral Jr. (2008, p. 115):
Em que pese não ser o objetivo do presente trabalho o estudo propriamente dito do Sistema de Solução de Controvérsias da OMC, mas o do caso do algodão brasileiro dentro desse sistema, é importante destacar a assimetria que ainda persiste na ordem internacional em favor dos países desenvolvidos.
Ora, qual é vantagem política/ econômica para um país com sérios problemas de desenvolvimento em aplicar uma retaliação a países desenvolvidos se estes podem simplesmente fechar o acesso daqueles a mercado interno destes?
Obviamente, esse cálculo/ custo é levado em conta por países menos desenvolvidos mesmo antes de acionarem os países desenvolvidos no OSC, o que dificulta uma maior democratização dos benefícios do comércio internacional.
De qualquer forma, os princípios da OMC buscam exatamente superar esses padrões de comportamento da política internacional, ainda que na prática tal tarefa seja mais árdua.
4 Disputa do Algodão
4.1 Precedentes históricos
Historicamente, os Estados Unidos da América (EUA) sempre se valeram de uma agressiva política de subsídios para seus produtos agrícolas. Tais medidas, também praticadas por outros países desenvolvidos, especialmente integrantes da União Europeia (UE), eram, e ainda são, fortemente criticadas por países em desenvolvimento.
Dentre os malefícios causados pelos subsídios dos países desenvolvidos para seu setor agrícola estão a distorção dos preços das commodities, a redução das exportações destas nos países em desenvolvimento, eliminação de culturas agrícolas e de subsistência entre outros.
Partindo dessa concepção, no ano de 2002, o Ministério da Agricultura (MAPA) elaborou uma nota técnica[9] para analisar a questão dos subsídios na cultura do algodão americano e seu impacto aos produtores brasileiros, sob a perspectiva de terem os EUA cometido infrações às normas estabelecida no âmbito da OMC.
Da análise das medidas praticadas pelo governo dos EUA, constatou-se a existência de ao menos três, que em tese, feririam a ordem comercial internacional: Step 2, GSM e SCGP.
Esses programas, ainda que amparados pela legislação americana, prejudicaram não somente os produtores brasileiros de algodão, mas toda a cadeia produtiva global, principalmente de países africanos.
Conforme Colsera (2002), autor da nota técnica mencionada:
“Para tanto, podem ser citadas as seguintes medidas: o programa especial denominado Step 2, o Export Credit Guarantee – GSM 102/GSM 103 – e o Supplier Credit Guarantee Program – SCGP. O programa especial Step 2 objetiva incentivar a exportação do algodão americano. Consiste em um pagamento feito aos exportadores relativo a diferença entre o preço no mercado americano e a cotação internacional desse produto, quando a quotação interna superar a externa. É condição essencial que o beneficiário comprove a exportação do produto. Os outros dois programas tem por objetivo dar garantias às operações de crédito de exportação. O GSM garante as operações de crédito realizadas por meio de instituições bancárias. O GSM 102 opera com linhas de crédito de até três anos e o GSM 103 com linhas de crédito entre três e 10 anos. O SCGP, por sua vez, oferece garantias para as operações de crédito firmadas diretamente entre o exportador e o comprador, sem a interveniência de um agente financeiro.”
Dessa forma, levando-se em consideração o estudo produzido pelo MAPA, o governo brasileiro estabeleceu diálogos com setores do próprio governo e da iniciativa privada, especialmente a Associação Brasileira de Produtores de Algodão (ABRAPA) para encontrar um entendimento comum para dar continuidade prática ao combate dos subsídios americanos ao algodão, conforme Cunha e Spíndola (2013, p. 316):
“No caso do algodão, o Ministro convocou a Associação Brasileira de Produtores de Algodão (ABRAPA), então recentemente criada, para saber dos produtores o que eles pensavam da estratégia do Governo. Após uma séria de reuniões, a ABRAPA decidiu apoiar a decisão do Governo Federal de questionar os subsídios dados ao algodão americano. A ABRAPA aceitou o desafio de custear o processo, assim como contratar os advogados que fariam a defesa da posição brasileira.”
Assim, formado o entendimento e o compromisso entre o governo e a iniciativa privada, uma vez que esta seria a responsável pelo financiamento dos custos do processo, deu-se início à fase de consulta no OSC, cujo procedimento será estudado no tópico a seguir.
4.2 Contencioso no OSC – DS 267
O procedimento para solução da controvérsia sobre a questão do algodão americano recebeu a identificação junto ao OSC de United States – Subsidies on Upland Cotton (DS267)[10] e teve início com a consulta realizado pelo governo brasileiro ao governo americano, na data de 27 de setembro de 2002.
Em resumo, a consulta se concentrou na prestação de informações pelo governo americano sobre os subsídios prestados aos produtores americanos, usuários e/ou exportadores de algodão herbáceo, bem como a legislação, regulamentos, instrumentos legais e alterações para fornecer tais subsídios, inclusive crédito à exportação[11].
Por conseguinte, ante a impossibilidade de solução da questão por meio do procedimento de consultas, o Brasil solicitou a instalação do Painel, cujo relatório foi emitido, após os trâmites legais, em 08 de setembro de 2004.
O relatório emitido pelo Painel concluiu que o governo dos EUA cometeu atos incompatíveis com o sistema da OMC na concessão de subsídios e créditos à exportação do algodão herbáceo, causando consideráveis prejuízos aos interesses brasileiros por meio dos programas Step 2, GSM e SCGP.
Nessa perspectiva, foi determinado ao governo americano uma série de medidas para se adequar às regras estabelecidas no âmbito do GATT/ OMC, conforme conclusão do relatório sobre o caso[12]:
“8.3 In light of these conclusions: (a) we recommend pursuant to Article 19.1 of the DSU that the United States bring its measures listed in paragraphs 8.1(d)(i) and 8.1(e) above into conformity with the Agreement on Agriculture; (b) as required by Article 4.7 of the SCM Agreement, we recommend that the United States withdraw the prohibited subsidies in paragraphs 8.1(d)(i) and 8.1(e) above without delay. The time-period we specify must be consistent with the requirement that the subsidy be withdrawn “without delay”. In any event, this is at the latest within six months of the date of adoption of the Panel report by the Dispute Settlement Body or 1 July 2005 (whichever is earlier); (c) pursuant to Article 4.7 of the SCM Agreement, we recommend that the United States withdraw the prohibited subsidy in paragraph 8.1(f) above without delay and, in any event, at the latest within six months of the date of adoption of the Panel report by the Dispute Settlement Body or 1 July 2005 (whichever is earlier); and (d) we recall that, in respect of the subsidies subject to our conclusion in paragraph 8.1(g)(i) above, pursuant to Article 7.8 of the SCM Agreement: “7.8 Where a panel report or an Appellate Body report is adopted in which it is determined that any subsidy has resulted in adverse effects to the interests of another Member within the meaning of Article 5, the Member granting or maintaining such subsidy shall take appropriate steps to remove the adverse effects or shall withdraw the subsidy.”
No entanto, como seria previsível, o governo americano, não satisfeito com os termos do relatório, informou sua intenção de apelar
O Órgão de Apelação proferiu seu relatório sobre o caso na data de 03 de março de 2005[13], o qual confirmou a aplicabilidade de cláusula sobre subsídios agrícolas do tratado da constituição da OMC, denominada de Cláusula da Paz; aos graves prejuízos sofridos pelo Brasil e a incompatibilidade dos programas Step 2, GSM e SCGP do governo americano com as regras do comércio internacional.
De forma didática, a OMC assim resume o relatório da apelação[14]:
“A. As regards the applicability of the Peace Clause to this dispute, the Appellate Body: upheld the panel’s finding that two challenged measures (production flexibility contract and direct payments) are related to the type of production undertaken after the base period and thus are not green box measures conforming fully to paragraph 6(b) of Annex 2 to the Agreement on Agriculture; and, therefore, are not exempt, by virtue of Article 13(a)(ii), from actions under Article XVI of GATT 1994 and Part III of the SCM Agreement; modified the panel’s interpretation of the phrase “support to a specific commodity” in Article 13(b)(ii), but upheld the Panel’s conclusion that the challenged domestic support measures granted support to upland cotton; and upheld the panel’s finding that the challenged domestic support measures granted, between 1999 and 2002, support to upland cottonin excess of that decided during the 1992 benchmark period and, therefore, that these measures are not exempt, by virtue of Article 13(b)(ii), from actions under Article XVI:1 of the GATT 1994 and Part III of the SCM Agreement; B. As regards serious prejudice, the Appellate Body: upheld the panel’s finding that the effect of the challenged price-contingent subsidies (marketing loan program payments, user marketing (Step 2) payments, market loss assistance payments, and counter-cyclical payments) are significant price suppression within the meaning of Article 6.3(c) of the SCM Agreement, by in turn upholding the panel’s findings that: (i) the “same market” in Article 6.3(c) may be a “world market”, a “world market” for upland cotton exists, and “the A-Index can be taken to reflect a world price in the world market for upland cotton”; (ii) “a causal link exists” between the price-contingent subsidies and significant price suppression, and that this link is not attenuated by other factors raised by the United States; (iii) it was not required to quantify precisely the benefit conferred on upland cotton by the price-contingent subsidies; and (iv) the effect of the price-contingent subsidies for marketing years 1999 to 2002 is significant price suppression in the same period; found that the panel set out the findings of fact, the applicability of relevant provisions, and the basic rationale behind this finding, as required by Article 12.7 of the DSU; and found it unnecessary to rule on the interpretation of the term “world market share” in Article 6.3(d) of the SCM Agreement and neither upholds nor reverses the panel’s finding that this term means world supply share; C. As regards user marketing (Step 2) payments, the Appellate Body: upheld the panel’s findings that Step 2 payments to domestic usersof United States upland cotton, under Section 1207(a) of the FSRI Act of 2002, are subsidies contingent on the use of domestic over imported goods that are inconsistent with Articles 3.1(b) and 3.2 of the SCM Agreement; and uphelds the Panel’s findings that Step 2 payments to exporters of United States upland cotton, pursuant to Section 1207(a) of the FSRI Act of 2002, are subsidies contingent upon export performance within the meaning of Article 9.1(a) of the Agreement on Agriculture that are inconsistent with Articles 3.3 and 8 of that Agreement and Articles 3.1(a) and 3.2 of the SCM Agreement; D. As regards export credit guarantee programs, the Appellate Body: in a majority opinion, upheld the panel’s finding that Article 10.2 of the Agreement on Agriculture does not exempt export credit guarantees from the export subsidy disciplines in Article 10.1 of that Agreement; one Member of the Division, in a separate opinion, expressed the contrary view that Article 10.2 of the Agreement on Agricultureexempts export credit guarantees from the disciplines of Article 10.1 of that Agreement until international disciplines are agreed upon; found that the panel did not improperly apply the burden of proofin finding that the United States’ export credit guarantee programs are prohibited export subsidies under Article 3.1(a) of the SCM Agreement and are consequently inconsistent with Article 3.2 of that Agreement; upheld the panel’s finding that “the United States export credit guarantee programmes at issue-GSM 102, GSM 103 and SCGP-constitute a per se export subsidy within the meaning of item (j) of the Illustrative List of Export Subsidies in Annex I of the SCM Agreement”, and upheld the panel’s findings that these export credit guarantee programs are export subsidies for purposes of Article 3.1(a) of the SCM Agreement and are inconsistent with Articles 3.1(a) and 3.2 of that Agreement; and found that the panel did not err in exercising judicial economy in respect of Brazil’s allegation that the United States’ export credit guarantee programs are prohibited export subsidies, under Article 3.1(a) of the SCM Agreement, because they confer a “benefit” within the meaning of Article 1.1 of that Agreement;”
Em que pese o prazo de seis meses para o governo dos EUA adequar suas políticas internas aos termos do relatório do Órgão de Apelação, o qual foi aceito pela OSC em reunião realizada em 21 de março de 2005, o fato é que eles se quedaram inertes.
Assim, ante a recusa americana em acatar as diretrizes do OSC para regularização de sua situação perante a comunidade internacional, o Brasil manifestou sua intenção de aplicar as retaliações previstas no artigo 22.2, em 04 de julho de 2005.
Isso porque o governo americano alegou que havia cumprido as determinações do Órgão de apelação, o que impossibilitaria a retaliação imediata por parte do governo brasileiro, uma vez que essa medida extrema exige certeza jurídica para sua implementação.
No dia seguinte, em 05 de julho de 2005, as partes envolvidas acionaram conjuntamente o grupo especial, nos termos do artigo 21.5, para dirimir as questões sobre o cumprimento das recomendações por parte do governo americano.
Da mesma forma, em agosto de 2005, entenderam as partes que o melhor seria suspender a arbitragem estabelecida no artigo 22.6, enquanto se aguardava o resultado do grupo especial de implementação.
Para Andrade (2013, p. 93), fez-se necessário a retomada da discussão do caso pelo referido grupo especial de implementação, previsto no artigo 21.5 do Anexo II, a fim de se comprovar a prática reiterada de descumprimento das recomendações pelo governo americano.
Após os trâmites internos, sobreveio o relatório do grupo especial em 18 de dezembro de 2007, o qual foi ratificado pelo Órgão de Apelação em 02 de junho de 2008, confirmando as pretensões brasileiras em desfavor do governo americano.
Com base em uma perspectiva positiva sobre o resultado dos relatórios, o Brasil que já havia iniciado, antes mesmo do resultado do Órgão de Apelação, a colheita de informações para solicitar a retomada da Arbitragem prevista no Artigo 22.6, começou a discutir internamente a possibilidade de aplicação das retaliações pela inércia dos EUA em implementar as determinações do OSC[15].
Com a retomada da arbitragem, foi proferido, em 31 de agosto de 2009, o julgamento por dois árbitros, cada um analisando e julgando procedente os pedidos de retaliação pelo governo brasileiro sobre subsídios proibidos[16] e acionáveis[17], respectivamente, sendo que em ambos também foram autorizadas as retaliações cruzadas, isto é, a retaliação em outra área de interesse do governo brasileiro além do algodão, como, por exemplo, propriedade intelectual, setor industrial etc.
Em termos pecuniários[18], o montante devido a título de compensação pelos subsídios proibidos foi estabelecido em valor variável, atualizado a cada ano com base em dados de exportação de produtos americanos beneficiado pelo programa GSM-102; enquanto a compensação para retaliação sobre os subsídios acionáveis foi fixada em US$ 147,3 milhões ao ano.
Segundo Oliveira (2010, op. cit), o valor da retaliação para o ano de 2008 seria correspondente a US$ 829 milhões, sendo que US$ 238 milhões se destinariam para a retaliação cruzada.
A saga brasileira em quase uma década de disputa, foi assim resumida por Andrade (2013, p. 110):
“As conclusões do procedimento arbitral coroaram as vitórias alcançadas anteriormente. As decisões representaram, na prática, uma quinta condenação aos subsídios norte-americanos. Desta feita, contudo, o desfecho do processo não se resumia a “declarar o direito”; oferecia ferramentas mais apropriadas ao Brasil para pressionar os EUA a tornarem seus programas compatíveis com as normas multilaterais. Desse modo, abria perspectivas reais de que o Governo norte-americano viesse a sair de sua inércia. Do ponto de vista oficial, não parecia haver dúvida de que as vitórias anteriores tinham resultado em ganhos políticos, diplomáticos e mesmo jurídicos que justificavam amplamente os esforços realizados.”
Após todo esse esforço, os governos brasileiro e americano notificaram o OSC informando a intensão de formularem consultas entre si para a realização de um framework que colocasse fim à disputa comercial.
4.3 Acordo
Antes de começarem as tratativas de um eventual acordo, o governo brasileiro iniciou uma série de medidas que possibilitassem a aplicação da retaliação deferida pelo OSC, inclusive como mecanismo para forçar uma possível solução amistosa para o caso.
Assim, foi instituído em outubro de 2009 pela Resolução nº 63 da CAMEX[19] (Câmara de Comércio Exterior), um grupo de trabalho para “para identificar, avaliar e formular propostas de implementação das contramedidas autorizadas pela OMC, a serem submetidas à apreciação do Conselho de Ministros da CAMEX”, sob coordenação da Coordenação Geral de Contenciosos (CGC) do Itamaraty[20].
Por conseguinte, o governo brasileiro fez editar a Medida Provisória nº 482, de fevereiro de 2010, posteriormente convertida na Lei nº 12.270, de 24 de junho de 2010, com o objetivo de conferir legalidade aos atos provenientes e que se seguiriam à retaliação.
Com o devido amparo legal fornecido pela MP n° 482/ 2010[21], a Camex, após a fase de consultas públicas, publicou a Resolução nº 15/ 2010, em 10 de março do mesmo ano, onde se listava definitivamente os bens a que seriam aplicados a retaliação, inclusive a cruzada, a qual entraria em vigor 30 dias após sua publicação.
Para Schmidt (2013, p. 640), com a lista final dos bens foi possível alcançar a dimensão do efeito econômico e político da medida:
“Em 10 de março de 2010, a CAMEX publicava a Resolução nº 15/2010, com a lista final contendo 102 bens sobre os quais incidiria a retaliação. O valor total de importações representado pela lista era de US$ 983 milhões, e o impacto das sobretarifas, suficiente para transpor o “gatilho” de US$ 561 milhões, a partir do qual se faria recurso à retaliação cruzada. A retaliação em bens entraria em vigor 30 dias após a publicação da Resolução – em 7 de abril, portanto. A bomba-relógio fora acionada.”
Durante os meses de fevereiro e março de 2010, houve uma aproximação entre os governos brasileiro e americano para discutir um possível acordo que suspendesse as retaliações e encerra-se a disputa de forma satisfatória para ambas as partes.
No início de abril de 2010, um pouco antes da entrada em vigor da retaliação, houve uma proposta razoável do governo americano, que, segundo Schmidt (2013, p. 645), consistia, do lado americano, em (i) compensação financeira anual de U$$ 147, 3 milhões, destinados a um fundo de capacitação técnica de produtores de algodão, até que houvesse nova legislação americana sobre agricultura; (ii) alterações imediatas no programa de subsídios à exportação, denominado de GSM-102; (iii) reconhecimento como de livre de febre aftosa para os Estados de Santa Catarina (carne suína) e outros catorze para carne bovina. Pelo lado brasileiro, comprometeu-se a prorrogar o início das retaliações em vinte.
Ante do término do prazo de vinte dias que suspendeu a retaliação, as partes assinaram um documento, denominado de Memorando de Entendimento Bilateral[22] que formalizara os pontos assumidos pelo governo americano e prorrogava por mais 60 dias o início das retaliações, período em que as partes deveriam concluir um acordo para controvérsia.
Em junho de 2010, as partes entabularam o denominado “Acordo-quadro para uma solução mutuamente acordada para o contencioso do algodão na organização mundial do comércio (DS267)[23]”, que regulou a compensação financeira destinada ao fundo de capacitação técnica dos cotonicultores brasileiros e às alterações do programa de exportação GSM-102, até que nova legislação americana sobre o setor agrícola viesse a substituir a ainda em vigor, conhecida como Farm Bill.
Paralelo a toda essa movimentação diplomática, a ABRAPA deu iniciou à criação de uma entidade civil sem fins lucrativos que viria a ser o fundo gestor que deveria receber o valor acordado pelo governo americano, enquanto o governo brasileiro providenciou as medidas legais necessárias que possibilitasse o recebimento pela entidade de tais valores, conforme Cunha e Spíndola (2013, p. 330).
Assim, a referida entidade foi criada e denominada de Instituto Brasileiro do Algodão[24], com funções previstas tanto no Memorando assinado entre as partes quanto em seu próprio Estatuto[25] de fundação, artigo 4º:
“Artigo 4º. O IBA tem como objetivos sociais gerir e aplicar os recursos para desenvolver as seguintes atividades de acordo com o Memorando de Entendimento entre o Governo dos Estados Unidos da América e o Governo da República Federativa do Brasil relativo ao Contencioso do Algodão (WT/DS267) na Organização Mundial do Comércio, conforme publicado no Diário Oficial da União de 17 de maio de 2010 (doravante “Memorando”) sobre um Fundo de Assistência Técnica e Fortalecimento da Capacitação relacionado ao setor do algodão, excluindo pesquisa: I. controle, mitigação e erradicação de pragas e doenças; II. aplicação de tecnologia pós-colheita; III. compra e uso de bens de capital; IV. promoção do uso do algodão; V. adoção de cultivares; VI. observância das leis trabalhistas; VII. treinamento e instrução de trabalhadores e empregadores; VIII. serviços de informação de mercado; IX. gestão e conservação de recursos naturais; X. aplicação de tecnologias para a melhoria da qualidade do algodão; XI. aplicação de métodos para a melhoria dos serviços de gradação e classificação; Página 2 de 16 XII. serviços de extensão relacionados aos incisos I a XI acima; XIII. cooperação internacional nas atividades acima relativas ao setor cotonicultor de países da África Subsaariana, de países membros ou associados do MERCOSUL, no Haiti, ou em quaisquer outros países em desenvolvimento acordados nos termos do Memorando; e XIV. outras atividades que venham a ser autorizadas nos termos do Memorando”.
Ainda sobre o Memorando, no ano de 2012 expirou o prazo para que nova legislação americana viesse a substituir a Farm Bill, com a qual se pretendia regularizar a questão dos subsídios. Em que pese o congresso americano não ter editado nova lei, o que possibilitaria a retomada das retaliações, as partes decidiram permanecer com os termos do acordo de 2010, até que um novo viesse a substituí-lo e encerrá-lo.
Assim, em 1º de outubro de 2014, as partes assinaram o acordo definitivo denominado de “Memorando de Entendimento relativo ao Contencioso do Algodão (DS267)[26]”, que previu a transferência de US$ 300 milhões para o Instituto Brasileiro do Algodão (IBA) e alterações no programa de crédito de exportação GSM-102, bem como a possibilidade de o Brasil questionar na OMC a legalidade da lei americana do setor agrícola para outras culturas, entre outras medidas de auditoria e consultas entre as partes.
Depois de mais de dez anos de disputas e negociações, as partes, enfim, informaram ao OSC, em 16 de outubro de 2014, sobre os termos do Memorando, encerrando o caso United States – Subsidies on Upland Cotton (DS267).
Conclusão
Cronologicamente, tem-se que, no final do governo de Fernando Henrique Cardoso, iniciou-se a disputa do algodão no OSC, prosseguindo-se com a maior parte da controvérsia durante o governo de Luís Inácio Lula da Silva, para, finalmente, culminar com acordo estabelecido na gestão de Dilma Rousseff.
Em todos esses governos, a interação entre os atores públicos e privados, foi fundamental para o sucesso da empreitada brasileira, podendo destacar, entre outros: Itamaraty, Camex, Presidência da República, Ministério da Agricultura, Ministério do Desenvolvimento, de um lado; e ABRAPA, produtores de algodão, consultores, advogados, imprensa, por outro.
Essa confluência de boas intenções públicas e privadas possibilitou que a ABRAPA custeasse, com segurança, o procedimento junto à OSC, enquanto o governo brasileiro patrocinava o embate político com o governo americano.
Assim, pela análise da disputa do algodão estabelecida entre o Brasil e os EUA, pode-se concluir que, desde o princípio, o governo brasileiro pautou-se por uma política de Estado, seja pelo enfrentando jurídico contra a potência hegemônica, seja pela busca de proteção aos cotonicultores brasileiros, uma vez que aquela não foi alterada pela sucessão presidencial do período.
Essa política de Estado permitiu que fosse construída uma sólida base jurídica junto ao OSC, para execução e aplicação das normas internacionais do comércio violadas pelo governo americano, especialmente quanto às retaliações.
Importante destacar que a retaliação, como procedimento autorizado pela OSC, é o último recurso legal para imprimir à parte o cumprimento da ordem jurídica internacional, conforme se verifica do próprio artigo 3.7 do Anexo II.
“7. Antes de apresentar uma reclamação, os Membros avaliarão a utilidade de atuar com base nos presentes procedimentos. O objetivo do mecanismo de solução de controvérsias é garantir uma solução positiva para as controvérsias. Deverá ser sempre dada preferência à solução mutuamente aceitável para as partes em controvérsia e que esteja em conformidade com os acordos abrangidos. Na impossibilidade de uma solução mutuamente acordada, o primeiro objetivo do mecanismo de solução de controvérsias será geralmente o de conseguir a supressão das medidas de que se trata, caso se verifique que estas são incompatíveis com as disposições de qualquer dos acordos abrangidos. Não se deverá recorrer à compensação a não ser nos casos em que não seja factível a supressão imediata das medidas incompatíveis com o acordo abrangido e como solução provisória até a supressão dessas medidas. O último recurso previsto no presente Entendimento para o Membro que invoque os procedimentos de solução de controvérsias é a possibilidade de suspender, de maneira discriminatória contra o outro Membro, a aplicação de concessões ou o cumprimento de outras obrigações no âmbito dos acordos abrangidos, caso o OSC autorize a adoção de tais medidas”.
Na disputa sobre os subsídios do algodão, o Brasil logrou êxito em demonstrar não somente o desrespeito às normas internacionais (relatórios do primeiro grupo especial e do órgão de apelação), mas também o descumprimento das recomendações imposta pelo OSC ao governo dos EUA (relatórios de implementação do grupo especial e órgão de apelação – artigo 21.5 e decisões da arbitragem – artigo 22.6).
Esse arcabouço jurídico e fático conferiu segurança ao Brasil para poder aplicar as retaliações autorizadas pelo OSC, que foram precedidas de um tratamento específico e cuidados dado pela Camex, tais como grupos de trabalhos integrados por especialistas, consultas públicas etc.
A percepção do governo americano de que o Brasil levaria a cabo as retaliações autorizadas pela OSC foi, sem dúvida, um facilitador para a conclusão da disputa entre os países, como observa Schmidt (2013, p. 647).
Isso porque ficou também autorizado ao Brasil a utilização da retaliação cruzada, isto é, poderiam ser afetadas pelo aumento de tributos outras áreas além de bens agrícolas, como propriedade intelectual, royalties, serviços etc., justamente por ter o Brasil comprovado o descumprimento das medidas recomendadas pela OSC, o que poderia abrir precedentes para outros países.
Essa importante observação foi assim resumida por Schmidt (2013, p. 647):
“(…) para os EUA, ao que tudo indica, não estava em jogo apenas o impacto que a retaliação cruzada potencialmente viria causar, mas a criação de importante precedente, em que uma grande economia retirava unilateralmente concessões na área de propriedade intelectual de um país desenvolvido. Recorde-se que não foram poucas as críticas ao Brasil, em especial por entidades ligadas à indústria de propriedade intelectual, alegando que o país estaria “roubando” direitos e fazendo apologia à pirataria.”
Portanto, ante o conjunto dos fatos, parece razoável supor que o Brasil atuou de modo irretocável na condução da disputa sobre os subsídios de algodão, forçando diplomaticamente a solução da questão, que, certamente, servirá de exemplo para a atuação em outros casos na OMC, como também inspirará outros países, especialmente aqueles em desenvolvimento, a agir de forma semelhante.
Advogado com especialização em Política e Relações Internacionais FESPSP/ SP e sócio responsável pelo Contencioso Estratégico do escritório Lima Junior Domene e Advogados Associados
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