Substituição progressiva e a repetição tributária nos impostos plurifásicos

Resumo: A metodologia da substituição tributária busca antecipar a tributação à ocorrência do fato gerador, a fim de satisfazer o interesse arrecadatório, facilitando a fiscalização e a aplicação das normas tributárias. Apesar de criticada por muitos doutrinadores, tal sistemática foi declarada constitucional pelo STF no julgamento da ADI 1841/AL. Outra celeuma atinente ao tema, consiste na possibilidade da restituição imediata e preferencial dos tributos recolhidos a maior quando da utilização da sistemática da substituição progressiva, tema objeto de discussão no RE nº 593. 849/MG.

Palavras Chaves: Substituição Tributária – Impostos plurifásicos – Repetição

Summary: The tax substitution methodology seeks to anticipate the triggering event of taxation occurrence, aiming to satisfy the money collecting objectives, making the inspection and applicability of fiscal laws easier. Although this methodology is criticized by many scholars, it was declared constitutional by STF at ADI 1841/AL trial. Another kerfuffle pertaining to the theme consists in the possibility of immediate and preferential refund of taxes collected exceeding the due amount, theme under discussion in case number 593.849/MG

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Keywords: Tax substitution. Cascade Tax. Repetition.

Sumário: Introdução. 2 –Hipótese de Incidência e Fato Imponível. 3- Finalidade de Sistemática da Substituição para Frente. 4- Possibilidade de Restituição do Imposto Recolhido a Maior. Conclusão. Bibliografia

1.INTRODUÇÃO

O Direito Tributário é arquitetado com alicerce em princípios e regras previstas na Constituição Federal, haja vista sua natureza interventiva no patrimônio do contribuinte.

É cediço que o ente Fiscal na busca maior índices de arrecadação inova a legislação tributária diariamente, criando novas regras de fiscalização, bem como aperfeiçoando as existentes.

 Neste contexto, surge a figura da substituição tributária progressiva, instituto criado com o escopo de facilitar a atividade fiscalizatória do Estado. Esse método visa antecipar a arrecadação à ocorrência do fato gerador, presumindo sua ocorrência. Tal sistemática foi declarada constitucional pelo STF no julgamento da ADI 1841/AL

O estudo desse método de arrecadação torna-se importante quanto se analisa imposto plurifásicos.

Também merece destaque a atual discussão que permeio o Poder Judiciário sobre a possibilidade de restituição dos valores recolhidos a maior, quando a base de cálculo se concretiza em importância inferior a estimada pelo Fisco.

Este trabalho será desenvolvido em duas etapas, sendo que inicialmente será exposto as peculiaridades do sistema de substituição progressiva, e posteriormente será analisado a possibilidade de repetição de valores recolhidos a maior.

2.HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA E FATO IMPONÍVEL

Antes de adentrar no tema alusivo a substituição tributária, necessário é efetuar uma minuciosa análise sobre a estrutura da norma tributária.

A norma tributária é composta da hipótese de incidência consistente na descrição hipotética, prévia e genérica de fatos da vida real eleitos pelo legislador, que se praticados no mundo fenomênico ensejam o surgimento da obrigação tributária, consequentemente o dever jurídico de levar dinheiro aos cofres públicos.

Como bem ensina, Aliomar Baleeiro:

A lei define as situações ou hipóteses que sujeitam alguém à obrigação de pagar tributo. Geralmente o legislador escolhe certas manifestações positivas e concretas de capacidade econômica da pessoa, como patrimônio, a renda, o emprego desta surpreendido através dum ato, fato material ou negócio jurídico.

Essas situações ou hipóteses constituem o fato tributável ou “fato gerador”, comparado por Jèse ao fato delituoso, que sujeita alguém à ação penal. Não há pena ou crime sem a lei defina a figura delituosa. Não há dívida de imposto sem lei que estabeleça o fato gerador[1]

Assim, a relação jurídica nasce no exato momento em que sobrevém o evento típico hipoteticamente previsto na hipótese, acarretando as seguintes consequências: identificação da ocasião em que nasce a obrigação tributária; determinação do sujeito passivo; determinação do regime jurídico, alíquota, e base de cálculo. É nessa ocasião que surge o poder-dever do Estado de recolher o tributo, e por sua vez, o dever jurídico do contribuinte, ou responsável de adimpli-lo.

Enquanto não se verificar a ocorrência efetiva dos eventos descritos na norma jurídica, não há que se falar em obrigação tributária, já que a simples previsão legal não tem o condão de fazer nascê-la, sendo necessário que o fato concreto coincida em toda sua extensão com a hipótese de incidência.

Geraldo Ataliba descreve este acontecimento:

Assim, a lei descreve hipoteticamente um estado de fato, um fato ou um conjunto de circunstâncias de fato, e dispõe que a realização concreta, no mundo fenomênico, do que foi descrito, determina o nascimento de uma obrigação de pagar um tributo.

Portanto, temos primeiramente (lógico e cronologicamente) uma descrição legislativa (hipotética) de um fato; ulteriormente, ocorre, acontece, e realiza-se este fato concretamente.

A obrigação só nasce com a realização (ocorrência) deste fato, isto é: só surge quando este fato concreto, localizado no tempo e no espaço se realiza.[2]

São dois momentos lógicos na incidência tributária: primeiramente a lei descreve um fato capaz de deflagrar conseqüências jurídicas, e posteriormente o fato elencado acontece.

No mesmo sentido ensina Paulo de Barros Carvalho:

Diremos que houve subsunção, quando o fato (fato jurídico tributário constituído pela linguagem prescrita pelo direito positivo) guardar absoluta identidade com o desenho normativo da (hipótese tributária). Ao ganhar concretude, instala-se automática e infalivelmente, como diz Alfredo Augusto Becker o laço abstrato pelo qual o sujeito ativo torna-se titular do direito subjetivo público de exigir a prestação, ao passo que o sujeito passivo ficará na contingência de cumpri-la. (…)

Seja qual for a natureza do preceito jurídico, sua atuação dinâmica é a mesma: opera-se a concreção do fato previsto na hipótese, propalando-se os efeitos jurídicos prescritos na conseqüência. Mas esse quadramento do fato à hipótese normativa tem de ser completo, para que se dê, verdadeiramente, a subsunção[3].”

Com o nascimento da obrigação tributária sobrevém o fenômeno da sujeição passiva tributária, que se desenvolve em dois seguimentos distintos: de um lado encontra-se o contribuinte, sujeito cuja capacidade contributiva é exposta pela pratica direta do evento previsto regra matriz de incidência, de outro lado o responsável, sujeito eleito pelo legislador para cumprir a prestação pecuniária em razão de sua vinculação com o fato tributado.

Sobre identificação e a utilização responsável tributário, ensina Leandro Paulsen:

“É de se ver que não é qualquer pessoa que pode ser definida como responsável. Somente se justifica a condição de ‘responsável’, adquirindo uma posição jurídica equivalente à de devedor principal, na hipótese da pessoa ter relação com o próprio devedor ou com o fato gerador da obrigação tributária.[4]

No mesmo sentido ensina Hugo de Brito Machado e Hugo de brito Machado Segundo:

“É responsável a pessoa, natural ou jurídica que, sem revestir a condição de contribuinte, vale dizer, sem ter relação pessoal e direta com o fato gerador do tributo, esta obrigada a fazer o recolhimento respectivo por disposição de lei. Não é devedor do tributo, mas tem responsabilidade por seu pagamento porque a lei assim estabeleceu. O responsável, exatamente porque não é devedor do tributo, tem contra este o direito de exigi-lo. Trata-se, porém, de relações jurídicas distintas, embora interligadas e, de certa forma, dependentes uma das outras. Uma é a relação tributária propriamente dita, na qual existem o sujeito ativo e o sujeito passivo. O fisco e o contribuinte. Este com o dever e também com responsabilidade. Outra é a relação criada pela lei ao atribuir a condição de responsável a quem não é contribuinte. Nesta segunda relação, que é desdobramento da primeira, o responsável não tem o dever jurídico tributário que reside na relação tributária da qual é desdobramento[5].”

Conclui-se, que somente aquele que praticar o fato imponível, ou terceiro vinculado de alguma forma com a sua realização poderão ter o seu patrimônio afetado com a conseqüência da tributação. É com alicerce nessa idéia que há de ser utilizado o mecanismo da substituição, sendo vedado que tal ônus recaía sobre pessoa aleatória a fato gravado pela incidência fiscal.

3. FINALIDADE E SISTEMÁTICA DA SUBSTITUIÇÃO PARA FRENTE

A metodologia da substituição para frente foi adotada em resposta as várias reivindicações dos contribuintes que sofriam diretamente com a concorrência desleal advinda da sonegação fiscal. Sua implantação procurou satisfazer o interesse arrecadatório, facilitando a fiscalização e a aplicação das normas tributárias. A centralização no recolhimento do tributo devido nas operações subseqüentes tende a reduzir a possibilidade de sonegação fiscal e, conseqüentemente a pratica da concorrência desleal, vez que ao antecipar a tributação todos são compelidos a recolher aos cofres públicos.

Sobre o emprego da substituição tributária progressiva, Hugo de Brito Machado, juntamente com Hugo Brito Machado Segundo ensinam que:

“A Fazenda Pública é insaciável e sempre está procurando formas de antecipar a arrecadação dos tributos. Por isto, os burocratas a serviço da mesma engendraram uma fórmula de antecipação do ICMS, que denominaram de substituição tributária, e que a doutrina tem chamado de substituição para frente, na qual é atribuída ao fabricante, ou ao distribuidor a condição de contribuinte substituto dos adquirentes de seus produtos. Trata-se de uma forma deturpada de substituição tributária na qual se reúnem a substituição propriamente dita, e a antecipação[6].”

Na substituição tributária progressiva o legislador por meio de lei atribui ao substituto eleito, dever jurídico de recolher tributo que será devido no futuro, ou seja, antes da materialização do fato gerador. A propósito, ressalta Ives Gandra da Silva Martins que esse artifício obriga o contribuinte “a antecipar o pagamento de um tributo que incidirá no futuro, em decorrência de fato gerador a ser praticado por outrem, que ele, contribuinte substituto, nem sabe se será efetivamente devido e em que medida[7]. A substituição tributária é verificada em impostos plurifásicos, haja vista a existência de várias operações dentro da cadeia econômica.

Essa sistemática de tributação foi inclusa na Carta Magna pela Emenda Constitucional nº 3 de 1993..

Pontua, José Eduardo Soares de Melo:

Na substituição progressiva o legislador indica uma pessoa responsável pelo recolhimento de um determinado valor (referido como tributo), relativamente a fato futuro e incerto, com alocação de valor também incerto.

Há definição, por antecipação, do sujeito passivo de uma obrigação não acontecida, como é o caso de exigir-se recolhimento de ICMS concernente a operação que provavelmente deverá ser realiza, no futuro, por outros contribuintes[8].”

Como o fato tributado é presumido, o ente fiscal não possui os elementos necessários para medir a riqueza tributada, inviabilizando a perfeita adequação entre a base de cálculo e a hipótese de incidência. Tendo em vista esta imprecisão na quantificação financeira, o legislador autoriza o Fisco realizar estimativa da importância devida à título de tributação, presumindo, assim, o valor da base de cálculo.

Assim, presume-se a ocorrência do fato gerador futuro, bem como o critério quantitativo da norma. É utilizada uma base de cálculo fictícia, aparente e imaginária, sobre a qual recaí a alíquota.

Leciona Dorival Guimarães Pereira Junior e Marcionilia Coelho Guimarães:

 “Quando da criação da substituição tributária progressiva, uma questão crucial foi a definição de qual seria o fato gerador que forneceria a base de cálculo para a incidência da alíquota de ICMS. Afinal, a obrigação tributária de pagar tributo somente nasce com a ocorrência, no mundo real do fato gerador. Como prever, então o fato imponível ?

A saída encontrada pelo legislador foi a criação do chamado fato gerador presumido. Trata-se de uma ficção, segundo a qual a lei, de acordo com os critérios previstos na norma jurídica, estabelece uma margem de valor a ser acrescida ao preço da saída da mercadoria do substituto tributário, para a formação da base de cálculo do ICMS substituição tributária[9].”

 A sistemática de arbitramento do critério quantitativo da regra matriz de incidência sofrido inúmeras críticas da doutrina, haja vista a inexistência de correlação lógica entre a base de cálculo e a hipótese de incidência.

Ensina Sacha Calmon Navarro Coelho:

“Entre a base de cálculo e o fato gerador dos tributos existe uma relação de inerência quase carnal (inhaeret et ossa), uma relação de pertinência de harmonia. Do contrário instalada a confusão e o arbítrio com prevalência do nomen juris, da simples denominação formal sobre a ontologia jurídica e conceitual dos tributos, base científica do Direito Tributário. Uma taxa de fiscalização do arroz para prover, desde a sua comercialização, sanidade do cereal em prol dos consumidores (serviço do poder de polícia) que tiver por base de cálculo o valor de mercado do arroz fiscalizado e não o trabalho fiscalizatório, ainda que estimado, será um imposto sobre circulação de mercadorias[10].”

Aduzem os críticos que coagir o sujeito passivo a recolher imposto com base em presunções, fere o princípio da segurança jurídica em razão da incerteza quanto ao montante a ser tributado, podendo haver ingerências e distorções entre o valor arbitrado e o real, fato inadmissível em um Estado Democrático de Direito.

José Jayme de Macêdo Oliveira, expõe o seguinte entendimento:

“(…) já na constituição, se deduzem critérios idôneos e definidos para eleição das bases de cálculo dos tributos, pela lei ordinária, que, nesse mister não pode escapar da indicação de grandezas ínsitas à natureza essencial do fato tributado.

Nessa ordem de idéias, a desfiguração da base de cálculo do ICMS fazendo com que passe ele a incidir, não sobre o objeto e preciso o valor da operação realizada, mas sobre qualquer cifra, aleatoriamente estabelecida (ainda que pela lei), nega-lhe o caráter de imposto sobre operações mercantis. Inegável violência à nossa Carta Política, portanto, a adoção de critérios arbitrários e aleatórios, estimativos ou a forfait, na legislação do ICMS, no respeitante à base de cálculo do tributo[11].”

 Corrobora com esse entendimento, Marçal Justen Filho:

Ao instituir a substituição tributária para frente, o fisco disciplina a base imponível, estimando valores para as futuras operações.

Isso é inconstitucional e inadmissível, encontrando três ordens de impedimento.

2.4 O Primeiro obstáculo riside na desnaturação da hipótese de incidência tributária. Há vedação à antecipação da exigência do tributo, tendo em vista a ausência de concretização do fato imponível. Mas ainda, há impossibilidade de afirmar que ocorrerá, no futuro, a configuração de um “fato gerador”, porque isso dependerá das circunstancias do caso concreto, em qualquer caso, há absoluta incerteza desse evento;

2.5 O segundo obstáculo está na ausência de valores efetivos a serem considerados como base imponível. Tal como prevê a futura ocorrência de um fato imponível incerto, o fisco também ‘estima’ o preço que pode ou não ser praticado. Inexiste qualquer certeza sobre a efetiva concretização do futuro fato imponível. Mas não há qualquer dado acerca do preço que pode ou não ser praticado … isso, se algum dia, vier a ocorrer o fato imponível.

 (…) Se a garantia da não cumulatividade não pode ser frustrada através das exigências impossíveis de serem praticamente cumpridas, também não poderá sê-lo através de expedientes na fixação da exigibilidade da prestação tributária. Isso se passaria no caso de antecipação da exigência do ICMS devido nas operações subseqüentes[12].”

Apesar de todas as críticas despendidas, no que tange ao instituto da substituição tributária progressiva prevista no §7º do art. 150 da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal ao julgar a ADIn nº 1.851-4/AL, declarou a constitucionalidade desse método. Nessa ADIn entendeu-se que o fato gerador previsto na substituição progressiva não advém de uma ficção jurídica idealizada pelo legislador, e sim de uma presunção relativa, que poderá ser afastada na hipótese de o fato gerador não se concretizar, ocasião em que será promovida restituição do tributo pago..

Preconizam, Sacha Calmon Navarro Coêlho e Misabel Abreu Machado Derzi:

“O dever de pagar o imposto não decorre da ocorrência de um fato gerador previsto por uma ficção jurídica, porque se assim fosse, não estaríamos sequer diante de uma antecipação de pagamento, mas de cumprimento de uma obrigação por fato gerador já ocorrido, por força de uma ficção. Na verdade, o que se da é a exigência de um pagamento antecipado em razão de um fato gerador que, presume-se irá ocorrer no futuro. E, como se disse, trata-se de presunção relativa, bastando a prova de que tal fato gerador futuro frustrou-se para o contribuinte ter direito para o contribuinte ter direito a restituição[13].”

4.POSSIBILIDADE RESTITUIÇÃO DO IMPOSTO RECOLHIDO A MAIOR

Muito se tem discutido sobre a possibilidade de restituição imediata e preferencial dos tributos recolhidos a maior quando da utilização da sistemática da substituição progressiva.

A doutrina majoritária entende que se a base de cálculo sobrevém em montante inferior àquela presumida, o tributo pago de forma antecipada deverá ser contraposto ao montante realmente devido, aperfeiçoando a substituição progressiva. Sendo tal engenho nada mais do que uma antecipação de tributo devido nas operações subseqüentes, ou seja, o fato gerador estimado não é definitivo, vez que não se materializou no mundo fenomênico, consequentemente o valor real devido ao fisco será verificado quando da materialização do fato gerador.

Assinala, Hugo de Brito Machado:

Na denominada substituição tributária para frente tem-se a atribuição de responsabilidade ao industrial, ou distribuidor, pelo pagamento do ICMS cujo fato gerador deve ocorrer posteriormente, porque consiste em uma operação subsequente. Induvidoso, pois, que o ICMS que é recolhido pelo denominado contribuinte substituto somente se tornará devido com a ocorrência da operação subsequente, que a lei define como fato gerador.

É evidente que se o fato gerador não acontece antes do momento em que se dá o seu pagamento, pelo substituto, mas em momento posterior, a quantia que é paga pelo substituto é simples adiantamento. Não é ainda o imposto devido, porque este somente surge com a ocorrência do fato gerador respectivo[14].”

No caso do ICMS, por exemplo, a regra matriz de incidência se materializa no momento em que acontece a operação mercantil ou prestação de serviços de transporte e comunicação, momento este, que se deve apurar o tributo efetivamente devido. Nessa diapasão, embora o pagamento seja realizado antecipadamente, ele passa a ser devido somente com a superveniência do fato gerador.

Nas palavras do autor acima mencionado “todo direito, nasce sempre do binômio norma-fato[15]”, logo o tributo alusivo as operações posteriores tornam-se devidos quando da ocorrência e materialização destas, nos exatos limites ditados por elas, ou seja, é imperioso a correspondência da base de cálculo e das alíquotas a elas concernentes.

Portanto, o tributo recolhido previamente só se incorpora legitimamente ao patrimônio do Estado quando efetivamente ocorrer o fato jurídico tributário.

E, neste mesmo sentido, José Eduardo Soares de Mello afirma que:

“a descoincidência entre o valor real (efetiva operação realizada entre o substituído e o consumidor), e o valor presumido (anterior situação existente entre substituto e substituído) caracteriza uma base de cálculo fictícia, resultando num ICMS fictício, que não pode prevalecer diante dos princípios da segurança e certeza do crédito tributário, indispensáveis no caso de intromissão patrimonial[16].”

Ao cobrar previamente tributos que de outra forma seriam auferidos pelo substituído em regime de tributação normal, o fisco locupleta-se indevidamente de rendimentos financeiros, haja vista a dissonância entre o montante arrecadado e a riqueza demonstrada pelo sujeito passivo.

Desta feita, desarrazoado é a atuação do Estado na atividade arrecadatória quando impossibilita a restituição pelo contribuinte dos valores pagos a maior nas hipóteses em que o fato imponível se concretizar em importância menor que a prevista pelo agente fiscal. É nítido o excesso de cobrança quando tal circunstância ocorrer, desvirtuando o sistema de recolhimento previsto no Código Tributário Nacional que veda a apropriação pelo Estado de quantia paga de modo indevido pelo contribuinte.

Apesar do art. 150, § 7º restringir as hipóteses de restituição da quantia paga aos casos em que o fato gerador presumido não sobrevenha, infere-se através da realização de uma interpretação pautada na finalidade da lei (teológica), ou catalogada com alicerce na unidade ordenamento jurídico (sistemática), a possibilidade de repetição dos valores recolhidos a maior, mostrando-se insuficiente e precária interpretação gramatical para a determinação da extensão, e compreensão da norma.

Preleciona Melo:

“Fato Gerador Presumido – na dicção constitucional (§ 7º, do art. 150), apto a permitir a restituição, não significa somente a inexistência do fato, mas também a configuração “parcial” de seus elementos, especialmente a base de cálculo que compreende parte do fato gerador. Na medida em que se nega a restituição parcial dos valores antecipadamente recolhidos (a maior) estará sendo violado o princípio da capacidade contributiva, uma vez que a presumida riqueza do contribuinte (substituído) não veio a ocorrer concretamente. Negada a restituição, o contribuinte estará arcando com tributo maior do que o efetivamente devido, porque o referido valor não integrara o patrimônio, acarretando efeito confiscatório[17].”

De imediato tem-se que o legitimado para pleitear a restituição dos valores pagos a maior no caso ICMS é o substituído, uma vez que é ele que suporta o encargo financeiro, apesar de não ser o responsável pelo recolhimento do tributo, conforme preconiza o art. 166 do CTN[18].

     Embora, a doutrina majoritária pleiteasse pela repetição dos valores recolhidos a maior quando da utilização da substituição tributária, o Superior Tribunal de Justiça vinha entendendo que a base de cálculo estimada na antecipação da arrecadação é definitiva:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA. VENDA REALIZADA A PREÇO MENOR DO QUE O UTILIZADO COMO BASE DE CÁLCULO. FATO GERADOR PRESUMIDO. CARÁTER DEFINITIVO. INEXISTÊNCIA DE INDÉBITO. IMPOSSIBILIDADE DE REPETIÇÃO OU CREDITAMENTO. MATÉRIA DECIDIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADI 1.851/AL. REPERCUSSÃO GERAL. DESNECESSIDADE DE SOBRESTAMENTO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.”[19]

Importante destacar os argumentos utilizados pelo Ministro Ilmar Galvão no julgamento da ADI 1.851, no que pertine a repetição dos valores recolhidos a maior quando da utilização da substituição tributária, já que a grande maioria das decisões proferidas pelos Tribunais Superiores utilizavam-se desse julgamento como parâmetro para fundamentar suas decisões. Entendeu o Ministro que a base de cálculo e o fato gerador no citado regime são definitivos não se revestindo de caráter provisório, salvo na hipótese de sua não ocorrência, não havendo, portanto, que se falar em repetição dos valores recolhidos a maior, conjectura restrita a não ocorrência do fato gerador presumido.

Em tramitação perante o Supremo Tribunal Federal encontrava-se a ADIn nº 2.777/SP, que objetiva a declaração de inconstitucionalidade do art. 66-B da Lei estadual nº 6.374/1989, a qual autoriza a restituição do imposto pago antecipadamente em virtude da substituição tributária. O julgamento da mencionada ação encontrava-se empatado, cinco a cinco, faltando apenas o voto do Min. Carlos Ayres Britto, quando foi adiado, permanecendo paralisado desde 07/02/2007. Esse assunto é também objeto da ADin nº 2.675/PE, que está sendo analisada em conjunto com a ADin nº 2.777/SP. Foi reconhecido a repercussão geral da matéria no RE 593. 849/MG, sobrestando os julgamentos das ações supracitadas.

Com o julgamento do Re 593.849/MG na data de 19/10/2016, o STF alterou o entendimento sobre o tema, autorizando a restituição da diferença de imposto pago a mais, no regime de substituição tributária para a frente, se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida. O Min. Edson Fachin, relatou que a tributação não pode desprezar as variações decorrentes doo processo econômico, transformando-se em uma ficção jurídica, sendo vedado presunção absoluta na qual o fato gerador presumido assuma um caráter definitivo.

 Não permitir a restituição, nos moldes do art. 165 do CTN, importaria injustiça fiscal inadmissível em um Estado Democrático de Direito, fundado em princípios e regras que visam conservar as expectativas emanadas de uma relação de confiança e justeza entre Fisco e contribuinte.

5. CONCLUSÃO

A administração pública é regida por diversos princípios elencados no art. 37, caput, da Constituição Federal, entre eles destaca-se a eficiência, que preconiza a busca dos melhores resultados, com os menores custos. É com o escopo de se adequar a essa norma jurídica que é erigido o mecanismo da substituição tributária, que visa dificultar manobras de sonegação fiscal.

É sabido que o Sistema Tributário Brasileiro é edificado com embasamento na idéia de subsunção do fato a norma, ou seja, da prática no mundo fenomênico dos eventos previstos pelo legislador. Dessa forma, somente após a ocorrência desse feito é que surgirá a relação jurídica entre o contribuinte e o Fisco, conseqüente o dever de recolher valores aos cofres públicos. A substituição para frente vai de encontro a essa lógica, vez que antecipa o recolhimento do tributo com base em meras presunções, antes mesmo da superveniência do fato gerador. O Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 1851, entendeu pela constitucionalidade dessa sistemática, raciocinando no sentido de que o fato gerador e a base de cálculo estimadas são definitivas, fato que veda a restituição de valores, caso exista dissonância entre importância arbitrada e o valores efetivamente praticados pelo contribuinte. O equívoco é evidente, pois o fato gerador e os elementos quantificadores do critério quantitativo tornam-se definitivos em sua plenitude somente após a superveniência da subsunção do evento a norma.

Ora, a não devolução do valor pago a maior acarreta o locupletamento ilícito do Estado em face ao contribuinte, e consequentemente o seu enriquecimento sem causa.

Tendo em vista esse quadro que aflige diversos cidadãos, o STF no julgamento do RE nº 593. 849/MG, cuja repercussão geral foi reconhecida, alterou o posicionamento elucidado na ADI 1851, autorizando a repetição dos valores recolhidos a maior quando da antecipação de tributos.

 

Referências
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Notas
[1] BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ªed. São Paulo. Ed. Forense. 2005 P. 703
[2] ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidencia tributária. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. P. 53
[3] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. P. 316
[4] PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p.807
[5] MACHADO, Hugo de Brito; MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. ICMS. Substituição tributária. Limites da solidariedade. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n.191 , p. 118-125, ago. 2011. p.121
[6] MACHADO, Hugo de Brito; MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. ICMS. Substituição tributária. Limites da solidariedade. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n.191 , p. 118-125, ago. 2011. p.123
[7] MARTINS, Ives Gandra da Silva. Substituição tributária por antecipação e o ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n.176 , p. 93-111, maio. 2010 p. 96
[8] MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2004. P. 156
[9] JUNIOR PEREIRA, Dorival Guimarães; GUIMARÃES, Marcionilia Coelho Guimarães. A problemática da restituição do ICMS substituição tributária nos casos em que o fato gerador presumido não se realiza conforme estabelecido. Revista Tributária e de Finanças Públicas. São Paulo, ano 19, v. 97.mar-abr.2011 p.164
[10] CÔELHO, Sacha Calmon Navarro. Manual de direito tributário. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002., p. 801
[11] OLIVEIRA, José Jayme de Macêdo Oliveira. Substituição Tributária no ICMS: Reflexões e Críticas. Revista Tributária e de Finanças Públicas. São Paulo, ano 20, v. 105.jul-ago.2012 p.124
[12] JUSTEN FILHO, MARÇAL. “Princípios Constitucionais”, Caderno de Pesquisas Tributárias nº 18, Resenha Tributária, São Paulo, p. 52 apud MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2004. P 163
[13] Coêlho, Sacha Calmon Navarro; DERZI, Misabel Abreu Machado. O Direito do sujeito passivo do ICMS de compensar o imposto pago a maior, em razão da técnica da substituição tributária progressiva. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo n.101, p. 115-135, fev. 2004 p.130
[14] MACHADO, Hugo de Brito de. Aspectos Fundamentais do ICMS. 2. ed. São Paulo: Dialética, 1999. P 126
[15] Id.
[16] MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2004. P 172
[17] MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2004. P 172
[18] JUNIOR PEREIRA, Dorival Guimarães; GUIMARÃES, Marcionilia Coelho Guimarães. A problemática da restituição do ICMS substituição tributária nos casos em que o fato gerador presumido não se realiza conforme estabelecido. Revista Tributária e de Finanças Públicas. São Paulo, ano 19, v. 97.mar-abr.2011 p.165
[19] BRASIL.Supremo Tribunal Federal. Substituição Tributária Progressiva, e venda realizada a preço menor do que o utilizado como base de cálculo. Agrg no aresp 16.464/DF, Agravante: Morro Azul Comércio de Petróleo Ltda e outros. Agravado: Distrito Federal. Relator: TEORI ALBINO ZAVASCKI, Brasília, 22 de novembro de 2011.acesso 05/03/2012

Informações Sobre o Autor

Guilherme Augusto Cruz Andrade

Graduação na Puc/pr. Pós Graduação lato sensu em direito tributário pela Puc/pr. Assessor de Juiz no tribunal de Justiça


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Equipe Âmbito Jurídico

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