Suspensão condicional do processo: pena mínima de um ou de dois anos?

A partir da
entrada em vigor, no dia 14/01/02, da Lei 10.259/01, que criou os juizados
federais, uma grande celeuma surgiu em torno do novo conceito de infração de
menor potencial ofensivo nela contemplado (crimes com a pena máxima cominada
até dois anos): tal conceito seria ou não aplicável também aos juizados
estaduais? Em menor intensidade, indagava-se se esse novo limite valeria também
para a suspensão condicional do processo.

O Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, em acórdão relatado pelo Des. Amilton Bueno de
Carvalho, foi o primeiro a reconhecer a ampliação dos juizados. O Procurador
Geral da República Geraldo Brindeiro rejeitou representação do Procurador Geral
de Justiça do Rio de Janeiro para ingressar com ação direta de
inconstitucionalidade, reconhecendo com isso a ampliação dos juizados. O
Ministério Público de São Paulo defendeu a tese de que o parágrafo único do
artigo 2º da Lei dos Juizados Especiais Federais não se aplicava aos juizados
estaduais, orientando seus membros a não aceitar a aplicação da lei nova.

As polêmicas,
como se nota, estavam instaladas. Aguardava-se, por isso mesmo, com grande
expectativa, o pronunciamento do STJ que, em acórdão da relatoria do Min. Félix
Fischer (STJ, RHC 12.033-MS, j. 13.08.02), decidiu o seguinte:

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“E M E N T A: PENAL E
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO DE HABEAS CORPUS. LEI Nº 9.099/95. LIMITE
DE 01 (UM) ANO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. MAJORANTE (CRIME
CONTINUADO). LEI Nº 10.259/01. LIMITE DE 02 (DOIS) ANOS. SÚMULA 243/STJ.

I
– Para verificação dos requisitos da suspensão condicional do processo (art.
89), a majorante do crime continuado deve ser computada.

II
– “O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às
infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou
continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja
pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano.” Súmula
243/STJ.

III
– A Lei nº 10.259/01, ao definir as infrações penais de menor potencial ofensivo,
estabeleceu o limite de dois (2) anos para a pena mínima cominada. Daí que o
artigo 61 da Lei nº 9.099/95 foi derrogado, sendo o limite de um (01) ano
alterado para dois (dois) anos, o que não escapa do espírito da Súmula 243
desta Corte.

Recurso
provido para afastar o limite de um (01) ano, e estabelecer o de dois (02)
anos, para a concessão do benefício da suspensão condicional do processo”.

Dois foram os
relevantes posicionamentos firmados pela 5ª Turma do STJ: o primeiro foi de que
o artigo 61 da Lei 9.099/95 foi derrogado e, com isso, ficou reconhecido de
modo categórico que foi ampliado, e inclusive estendido aos juizados estaduais,
o conceito de infração de menor potencial ofensivo para dois anos; o segundo
foi no sentido de que o limite da pena mínima não superior a um ano, da
suspensão condicional do processo, prevista no artigo 89 da Lei 9.099/95,
também foi elevado para dois anos.

No que tange
ao primeiro tema, importa sublinhar o acerto indiscutível da decisão do STJ.
Grave ofensa ao princípio constitucional da igualdade ocorreria se o novo
limite de dois anos não fosse estendido aos juizados estaduais. O mesmo crime
não pode ter tratamento duplo no sistema jurídico, salvo quando há motivação
concreta para isso.  É cediço que o
princípio da isonomia, previsto no art. 5º. da CF/88, disciplina que todos são
iguais perante a lei, estabelecendo que a mesma lei e seus sistemas de sanções
devem ser aplicados a todos os que praticarem fato típico, nela definidos como
crime.

A principal
controvérsia que se instalou com relação ao assunto é a seguinte: esse novo
limite (novo conceito) vale também para os juizados estaduais? Em outras
palavras, o sistema jurídico brasileiro, doravante, quanto ao conceito de
infração de menor potencial ofensivo, seria bipartido (dois conceitos autônomos
e independentes) ou unitário (conceito único válido para todos os juizados do
país)?

Para uma
posição minoritária teríamos agora no Brasil um sistema bipartido, ou seja,
dois conceitos de infração de menor potencial ofensivo: um federal (Lei
10.259/01, art. 2º, parágrafo único) e outro estadual (o da Lei 9.099/95, art.
61).

Os principais
fundamentos dessa tese são que a lei nova não é mais benéfica, já que o sistema
concensuado não é mais favorável ao acusado, que caberá quase sempre a
suspensão condicional do processo, quer porque os bens jurídicos protegidos no
âmbito federal são distintos do estadual, quer porque a CF quis instituir dois
juizados distintos (um federal e outro estadual), que a Lei 10.259/01 (art. 2º.,
parágrafo único) enfatizou “para os efeitos desta Lei”, que o art. 20
veda a aplicação da Lei 10.259/01 aos Estados, que não há nenhuma lacuna
legislativa nem inconstitucionalidade,  e
que o Judiciário não pode substituir o legislador nem alterar conceito legais,
o Judiciário só pode atuar como legislador negativo.

Já a posição
amplamente majoritária não concorda com a bipartição do conceito e vem
defendendo um sistema unitário, entendendo que o novo conceito da Lei 10.259/01
se estende aos juizados estaduais. Cuida-se de conceito (e sistema) único,
portanto. Parece ser a posição mais acertada, em razão, sobretudo, do princípio
constitucional da igualdade, do princípio da proporcionalidade ou razoabilidade
e também porque se trata de lei nova com conteúdo penal favorável (CP art. 2º,
parágrafo único). Neste último aspecto, Júlio Fabbrini Mirabete esclarece que:
“ainda que assim não se entendesse, o art. 2º , parágrafo único, do Código
Penal é taxativo, assegurando a ampliação da lei posterior mais benigna aos
fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em
julgado (…)”. (Jus Navegandi – Op. Cit. 04/02/02)

Observe-se,
desde logo, que sobre essa interpretação ampliativa da competência dos juizados
criminais estaduais está havendo praticamente um consenso nacional.

Conceber um
único conceito de infração de menor potencial ofensivo no nosso país é
conseqüência, em primeiro lugar e primordialmente, da adoção do novo método do
Direito, que é o da ponderação, decorrente da aplicação do princípio da
proporcionalidade, e que se opõe ao método formalista e obtuso, decorrente do
positivismo legalista do século passado.

O jurista do
terceiro milênio está muito mais preocupado com a justiça das soluções que com
o cumprimento cego, irracional e asséptico da, muitas vezes incompreensível e
aberrante, letra da lei. Adentra-se para uma concepção sociológica do direito,
pois é certo que as transformações perpetuam constantemente, submetendo-se à
adequações dos elementos constituintes das regras imperativas. Indubitável a
necessidade de mudança.

As leis,
especialmente as penais, já não podem ser interpretadas segundo o método
puramente formalista. Numa espécie de despedida definitiva do positivismo
formalista (tecnicismo-jurídico) e de muitos dos pressupostos metodológicos do
finalismo, que marcaram a realização prática do Direito penal em todo o século
XX, concebe-se agora a teoria do fato punível, e particularmente, a do injusto
penal e o próprio Direito penal desde uma sólida base constitucional. Acrescenta-se
o nobre ensinamento de H. Lévy-Bruhl: “O Direito é um conjunto de regras
obrigatórias, que determinam as relações sociais, tal como a consciência
coletiva do grupo as representa a cada momento”.[1]

As principais
conseqüências dessa mudança (de paradigma) radicam no novo método do Direito
penal bem como na alteração da posição do juiz: o triunfo do método da
ponderação sobre o da mera subsunção conduz à proeminência do juiz, a quem cabe
em cada caso concreto dizer qual dos princípios (ou interesses) em conflito
deve preponderar. Verifica-se que “o juiz está em contato cotidiano com a vida
judiciária nas suas manifestações mais especiais, mais excepcionais; a sua
preocupação essencial, diretamente oposta à do legislador, é, por assim dizer,
individualizar o direito, procurando combinar as suas linhas gerais com os
traços característicos de cada um dos casos particulares de que sucessivamente
se ocupa”.[2]

O velho
provérbio “a lei falou, está falado” está morrendo. Aliás, já morreu,
embora ainda não esteja sepultado. Faz parte de outro momento histórico da
civilização. De modo algum hoje é concebível a assertiva de que a lei, ainda
que irracional, sendo clara, tem de ser aplicada. Sábia é a lição de João
Mendes de Almeida Júnior: “as leis, determinando os efeitos dos fatos jurídicos
em espécie, têm de ser aplicadas a fatos individuados. Vamos, pois, contemplar
o modo e a forma de aplicar a lei aos fenômenos jurídicos da vida, quer nas
relações extrajudiciais, estipuladas entre os indivíduos, quer nas relações
litigiosas, que os indivíduos sujeitam ao Poder Judiciário”.[3]

Se a fonte
normativa dos juizados é a mesma, não se pode concordar com o argumento de que
o legislador quis instituir dois sistemas distintos de juizados: um federal
diferente do estadual. Se o legislador pretendesse isso, não teria mandado
aplicar, por força da Lei 10.259/01, praticamente in totum a Lei 9.099/95 aos juizados federais. Teria criado um novo
sistema jurídico.

Ademais, de
modo algum se extrai da Constituição brasileira que ela tenha pretendido
instituir dois conceitos de infração de menor potencial ofensivo: um para o
âmbito federal e outro para o estadual. Aliás, sendo ambos regidos pela Lei
9.099/95, não há mesmo justificativa para isso.

Remarque-se
que o legislador não se limitou a contemplar os delitos que são da competência
exclusiva (ratione materiae) da
Justiça Federal, como, por exemplo, o crime político, o crime de ingresso ou
permanência irregular de estrangeiro etc. Se assim tivesse procedido, jamais o
art. 2º se estenderia aos juizados estaduais. Adotou, ao contrário, critério
amplo que envolve todos os crimes da sua competência. Ocorre que a grande
maioria deles é também julgada pelas justiças estaduais, sendo a competência
estipulada entre as justiças Estadual e Federal pelos critérios do artigo 109
da Constituição Federal, ou seja, em regra, será competência da Justiça Federal
julgar causas onde o bem jurídico tutelado pertença à União.

É bem verdade
que em vários momentos a Lei 10.259/01 procurou deixar claro que sua aplicação
era restrita ao âmbito federal. Apesar disso, deve ser aplicado nos juizados
estaduais o conceito novo de infração de menor potencial ofensivo. Sobre o
legislador ordinário está a vontade do Constituinte. Nenhum texto legal
ordinário pode, sem justo motivo, discriminar situações. Se o crime da mesma
natureza é julgado pelas Justiças Estadual e Federal, deve receber o mesmo
tratamento jurídico.

Quanto ao
segundo item (a pena mínima ser ampliada até dois anos para a suspensão
condicional do processo), entretanto, não parece correta a decisão do STJ. Em
certo sentido, pode-se dizer que o julgamento foi uma surpresa. Na doutrina
praticamente ninguém sustentava essa possibilidade. Mas não foi esse o
entendimento do acórdão, que salientou:

“…
verificamos que o limite de um (01) ano previsto no artigo 89 da Lei nº
9.099/95 para a concessão do benefício da suspensão do processo, inclusive nos
casos previstos na Súmula 243/STJ (concurso material, concurso formal ou
continuidade delitiva), não pode mais ser adotado, devendo ser alterado para
dois (02) anos, tendo em vista a derrogação do artigo 61 da Lei nº 9.099/95 que
definia as infrações de menor potencial ofensivo e estabelecia o limite de um
(01) ano pelo parágrafo único do artigo 2º da Lei nº 10.259/01, que também
define as infrações de menor potencial ofensivo e estabelece o limite de dois
(02) anos.

Ademais,
sendo a referida lei que aumenta o limite para dois anos mais benéfica para os
réus, pois amplia o conceito de infração de menor potencial ofensivo, então a
aplicação do limite de dois (02) anos é retroativo, conforme dispõe o artigo
5º, inciso XL da Constituição Federal e o parágrafo único do artigo 2º do
Código Penal.

No caso em análise o paciente
foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 16 c/c o artigo 1º, inciso I
da Lei nº 7.492/86 e artigo 71 do Código Penal. O delito previsto no artigo 16
da referida Lei prevê como pena reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa,
sendo que acrescida do aumento previsto pela continuidade delitiva a pena
mínima não ultrapassa o limite de 02 (dois) anos que agora há de ser
verificado. Ademais, a Súmula 243 desta Corte deve continuar sendo observada,
ressalvando-se que ao invés de se verificar o limite de um (01) ano
verifica-se, agora, o limite de dois (02) anos para a concessão do benefício da
suspensão do processo.

O
v. acórdão recorrido do e. Tribunal a quo
está assim ementado, in verbis:

“HABEAS
CORPUS. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. RECUSA DE PROPOSITURA DO BENEFÍCIO
PELO REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. POSICIONAMENTO ACOLHIDO PELO
JUIZ DO PROCESSO. ALEGAÇÃO DE PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS.

I
– O representante do Ministério Público não tem poder absoluto no incidente de
apreciação do benefício da suspensão do processo sendo admissível o contraste
jurisdicional com aplicação, por analogia, do artigo 28 do Código de Processo
Penal.

II
– Tratando-se de imputação de crime continuado e sendo o acréscimo no
percentual inferior suficiente para determinar a pena mínima em quantidade
superior ao limite legal, descabe o benefício.

III-
Ordem denegada.” (Fls. 356).

Verifica-se que o e. Tribunal
a quo adotou como limite para a concessão do benefício da suspensão condicional
do processo o limite de um (01) ano (pois se a pena mínima do delito imputado
ao paciente é um ano, com o acréscimo inferior da continuidade delitiva
certamente o limite anterior seria ultrapassado). Porém, com o novo limite de
dois (02) anos, a pena mínima de 1 (um) ano acrescida de 1/6 ou até mesmo de
2/3 pela continuidade delitiva não ultrapassa o novo limite de dois (02) anos
para o benefício da suspensão condicional do processo previsto no artigo 89 da
Lei nº 9.099/95.

Daí
que o recurso merece prosperar em parte, não por causa dos argumentos
expendidos pelos recorrentes, mas sim em decorrência da alteração do limite
legal para a concessão do benefício da suspensão condicional do processo, que
passou de 01 (um) para 02 (dois) anos.

Ante
o exposto, dou provimento ao recurso apenas para afastar o limite de 01 ano e
estabelecer o limite de dois anos, devendo o Ministério Público verificar se o
paciente preenche os demais requisitos para a obtenção do benefício da
suspensão condicional do processo.

É
o voto”.

Com a devida
vênia, faz-se imperativo discordar de referida decisão.

A suspensão
condicional do processo é instituto totalmente diverso do instituto do Juizado
Especial Criminal. Neste, o que se busca é a total despenalização, através da
transação penal, a qual estão sujeitas apenas as contravenções penais e os
crimes de menor potencial ofensivo. Já a suspensão condicional do processo é
uma alternativa à jurisdição penal. Não deixa de ser um instituto de
despenalização, mas não há a exclusão do caráter ilícito do fato, o que se
procura é evitar a aplicação da pena. Ademais, esse instituto é autônomo, ou
seja, é aplicado dentro e fora do Juizado Especial Criminal, cabível em
qualquer espécie crime, desde que preenchidas as condições legais do artigo 89
da lei 9.099/95.

As diferenças
não param por aí. Enquanto no caso de crimes de menor potencial ofensivo, a não
ocorrência da transação penal, que tem natureza de acordo, de composição entre
a Justiça Pública e o infrator, dá início a um processo (só nessa fase será
oferecida a denúncia) no procedimento do Juizado Especial Criminal
(“procedimento sumaríssimo”), enquanto que a impossibilidade de proposição da
suspensão condicional do processo (já instaurado, pois deve, necessariamente,
haver denúncia oferecida e recebida), que tem natureza de sursis processual, a sua não aceitação, ou o seu descumprimento,
leva ao prosseguimento regular do feito, no procedimento adotado para o crime
cometido.

Em outras
palavras, se o instituto da suspensão condicional do processo não estivesse
inserido na mesma lei que instituiu os Juizados Especiais, de forma alguma
estaria relacionado com estes.

Ora, o artigo
61 da Lei 9.099/95 dispõe sobre o conceito de infrações de menor potencial
ofensivo, ou seja, estipula quais são as infrações de competência dos Juizados
Especiais Estaduais. Este artigo nada tem a ver com a suspensão condicional do
processo. Se o mesmo foi tacitamente derrogado pelo parágrafo único do artigo
2º da Lei 10.259/01, que ampliou o conceito de infrações de menor potencial
ofensivo, estendido aos juizados estaduais, isto nada interfere no instituto da
suspensão condicional do processo, cujos critérios, inclusive o limite da pena,
estão dispostos no artigo 89 da Lei 9.099/95.

Não é o fato
de os artigos 61 e 89 mencionarem pena até um ano que os mesmos são
relacionados. Mesmo porque, o artigo 61 fala em pena “máxima” não superior a um
ano e o 89 se refere a pena “mínima” cominada igual ou inferior a um ano.

Ademais, a
Lei 10.259/01 silencia sobre a suspensão condicional do processo, devendo ser
utilizado o comando geral desta lei, ou seja, aplica-se, no que não for
conflitante, o disposto na Lei 9.099/95.

Assim, mesmo
nos Juizados Especiais Federais, a suspensão condicional do processo tem como
limite objetivo a pena mínima igual ou inferior a um ano.

O limite da
suspensão condicional do processo (pena mínima até dois anos) estipulado na
decisão do STJ é bastante amplo. Se normalmente do juiz se exige muita
prudência, com maior razão, caberia-lhe exortar a ser criterioso no momento da
análise da concessão (ou não) do instituto citado.

Em milhares
de processos, particularmente no caso de concurso de crimes (formal, material
ou continuado) com pena mínima de um ano, rejeita-se a suspensão condicional do
processo, até mesmo porque seu fundamento está relacionado à possibilidade de
uma apenação mais severa. Se fôssemos adotar o limite de pena mínima até dois
anos, em tese, todos admitiriam a suspensão, o que efetivamente não
transpareceria a finalidade constante em lei. Cuidaria-se
de entendimento jurisprudencial favorável, logo, retroativo, e alcançaria os
casos em andamento.

Parece-nos,
com o devido respeito, desacertada a referida decisão da 5ª Turma do Egrégio
Superior Tribunal de Justiça, devendo ser tido como ampliado somente o conceito
de infrações de menor potencial ofensivo, para o limite de dois anos, inclusive
em relação aos Juizados Especiais Estaduais, sendo desconsiderada a elevação de
um para dois anos do pressuposto objetivo para a suspensão condicional do
processo.

Tanto é, que
o próprio Superior Tribunal de Justiça, voltando atrás no seu entendimento,
passou a decidir fundamentando que a Lei 10.259/01 não modificou o instituto do
sursis processual, continuando a ser
cabível apenas aos crimes em que a lei não comine pena mínima superior a um
ano. Vejamos decisão proferida em 06 de fevereiro de 2003 pela 5ª Turma do STJ
(RHC 13229-RS, rel. Min. Felix Fischer):

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO
ORDINÁRIO. INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL LESIVO. SURSIS. PROCESSUAL PENAL. LEI Nº 10.259/01E LEI Nº 9.091/95.

I – A Lei nº 10.259/01, em seu
art. 2º, parágrafo único, alterando a concepção de infração de menor potencial ofensivo, alcança o disposto no art. 61 da Lei nº 9.099/95.

II – Entretanto, tal alteração não
afetou o patamar para o sursis processual,
que  continua sendo disciplinado pelos
preceitos inscritos no art. 89 da Lei nº 9.099. Recurso desprovido.” (…)

Pelas alegações postas no apelo,
depreende-se que o recorrente busca mesclar o conceito alterado de infração de
menor potencial ofensivo – decorrente da Lei
nº 10.259/01
, art. 2º, parágrafo único – com o patamar mínimo
para a suspensão condicional do processo (art.
89
da Lei nº 9.099/95). Tal
proposição, contudo, é equivocada.

O novo patamar para concepção de infração de menor potencial ofensivo,
criado pela Lei 10.259/01, afeta o teor do disposto no art. 61 da Lei nº 9.099/95.
Isso porque o mesmo delito não pode, eventualmente, Ter tratamento com efeitos
penais diversos conforme a competência, federal ou estadual. A novatio legis incide, por ser lex mitior, na restrição anterior da
Lei nº 9.099/95. (…)

Todavia, as inovações trazidas
pela Lei 10.259/01 nada dispuseram acerca do instituto da suspensão condicional
do processo disciplinado pelo art. 89 da Lei 9.099/95, não alcançando, por
conseguinte, o patamar previsto para o denominado sursis processual que, de lege
lata
, permanece inalterado. (…)”

No momento, a
questão está no aguardo de pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, que
considera a matéria controversa e deferiu liminar para suspender o processo em habeas corpus impetrado contra decisão
do STJ que negou a aplicação da Lei nº 10.259/01 ao artigo 89 da Lei nº
9.099/95 (HC 83104 MC-RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 17.06.03, p. 87):

“DECISÃO: Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário
impetrado em favor de LAURO PINTO APPEL contra decisão da Quinta Turma do
Superior Tribunal de Justiça que decidiu que “A lei 10.259/01, em seu art.
2º, parágrafo único, alterando a concepção de infração de menor potencial
ofensivo, alcança o disposto no art. 61 da Lei nº 9.099/95. Entretanto, tal
alteração não afetou o patamar para o sursis processual (Aplicação da Súmula nº
243-STJ).” (fl. 8). Alega-se que o paciente foi denunciado como incurso no
art. 168, parágrafo único, III, do Código Penal, não lhe tendo sido aplicada a
suspensão condicional do processo. Sustenta-se que o art. 2º da Lei nº 10.259,
de 2001, tratando-se de norma penal mais benéfica, ampliou o prazo previsto no
art. 89 da Lei nº 9.099, de 1995, para dois anos. Requer liminar para se
sobrestar a ação penal proposta contra o paciente. Em petição de fl. 26-32,
informa o impetrante que o sumário de acusação foi designado para o próximo dia
17 de junho, às 13 horas. O Superior Tribunal de Justiça prestou informações às
fls. 34-36. Passo a analisar o pedido de liminar. Em face da controvérsia da
matéria, ainda não definida por este Supremo Tribunal Federal, entendo estarem
presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora. Defiro a liminar, para que
se suspenda o andamento do processo nº 2002.001.053935-1, até o julgamento
final do presente writ. Comunique-se, com urgência, mediante telex, ao Juiz de
Direito da 33ª Vara Criminal do Estado do Rio de Janeiro. Intime-se.
Publique-se. Após, vista à Procuradoria-Geral da República. Brasília, 11 de
junho de 2003. Ministro GILMAR MENDES Relator “

Esperamos que
o STF demonstre bom senso, da mesma forma que o STJ, ao reformar seu
posicionamento, para declarar a não modificação do instituto da suspensão
condicional do processo, previsto no artigo 89 da Lei nº 9.099/95, com o
advento da Lei nº 10.259/01, pacificando, assim, a questão.

 

Bibliografia

ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes
de. Direito Judiciário brasileiro.
Freitas Bastos, 1940, p. 2 e ss.

CRUET, Jean. A vida do direito e a inutilidade das leis.
Salvador: Ed. Progresso, 1956.

H. Lévy-Bruhl. “Les sources du droit. Les
Méthodes. Les Instruments du travail”, in Introduction
a l´étude du droit
, em colaboração com outros professores da Faculdade de
Direito de Paris, Paris, ed. Rousseau, 1951, 1º. v., p. 253.

JESUS, Damásio Evangelista de. Lei
dos Juizados Especiais Criminais atualizada de acordo com a Lei 10.259, de
12-7-2001
. São Paulo: Saraiva, 2002.

GOMES, Luiz Flávio. Juizados
Criminais Federais, seus reflexos nos Juizados Estaduais e outros estudos
.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

Notas:

[1] H. Lévy-Bruhl. “Les sources du
droit. Les Méthodes. Les Instruments du travail”, in Introduction a l´étude du droit, em
colaboração com outros professores da Faculdade de Direito de Paris, Paris, ed.
Rousseau, 1951, 1º. v., p. 253.

[2]
CRUET, Jean. A vida do direito e a
inutilidade das leis
. Salvador: Ed. Progresso, 1956.

[3]
ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Direito
Judiciário brasileiro
. Freitas Bastos, 1940, p. 2 e ss.

 


 

Informações Sobre os Autores

 

Enio Velani Junior

 

 

Joni Salloum Scandar

 

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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