Resumo: Apresenta um estudo acerca do pedido de suspensão da eficácia de decisões liminares ou sentenças, proferidas contra o Poder Público em sede de mandado de segurança, ressaltando a sua utilização na área do direito tributário. Traz, primeiramente, noções acerca do mandado de segurança, de modo a possibilitar ao leitor uma melhor compreensão do requerimento de suspensão das decisões proferidas neste tipo de ação. Enfoca, também, aspectos concernentes à formação do crédito tributário, realçando a utilização do mandado de segurança como meio de suspender a exigibilidade de tributos. Analisa, em seguida, o pedido de suspensão de segurança em si, realizando estudo sobre a efetividade do processo, para, então, passar a conceituar e contextualizar, normativa e historicamente, o requerimento suspensivo de decisão proferida em sede mandamental. Ocupa-se, ao depois, de analisar a natureza jurídica do pedido de suspensão de segurança, passando, a seguir, a verificar aspectos processuais do instituto, como a legitimidade ativa, competência, prazo de ajuizamento, requisitos, procedimento, recursos e eficácia temporal da decisão suspensiva. Traça paralelo acerca da utilização do incidente de suspensão de segurança em matéria tributária. Conclui apresentando as principais considerações advindas do estudo do incidente de suspensão de segurança, notadamente aquelas relativas à sua aplicabilidade ao direito tributário como meio de proteção do interesse público.
Palavras-chave: Mandado de segurança. Suspensão de segurança. Direito Tributário.
Sumário: 1. Introdução; 2. Mandado de segurança: breves noções; 3. Mandado de segurança em matéria tributária; 3.1. Importância; 3.2. Obrigação, crédito e lançamento tributários; 3.3. Suspensão da exigibilidade do crédito tributário; 3.4. Impetração preventiva anterior ao lançamento; 3.5. Sentença em mandado de segurança tributário;4. Suspensão de segurança; 4.1. Suspensão de segurança e efetividade mandamental; 4.2. Conceito, previsão normativa e histórico; 4.3. Natureza jurídica; 4.4. Legitimidade ativa; 4.5. Competência; 4.6. Prazo; 4.7. Requisitos; 4.8. Procedimento; 4.9. Recursos; 4.10. Eficácia temporal; 5. Incidente de suspensão de segurança e direito tributário; 6. Conclusões; Referências.
1. INTRODUÇÃO
O pedido de suspensão da eficácia da liminar ou da sentença em sede de mandado de segurança, corriqueiramente conhecido como suspensão de segurança, é tema que, conquanto apresente notável impacto nas relações jurídicas entre Estado e particular, pouco vem sendo estudado pela doutrina nacional, malgrado seja extensivamente utilizado na lida forense.
De fato, a suspensão de segurança possui importância singular nas lides travadas entre a Fazenda Pública, de um lado, e os particulares, cidadãos ou empresas, de outro, exteriorizando, talvez como nenhum outro instituto processual, o embate entre o interesse privado e o interesse público.
As nuances existentes no seu estudo são muitas, implicando em constantes reversões, embora transitórias, de decisões judiciais concedidas quase sempre em situações em que o direito do particular, assim como o da pessoa jurídica de direito público requerente, encontra-se a ponto de perecer.
Delicada, portanto, a decisão de suspensão de segurança, que requer bom senso, sopesamento cuidadoso dos interesses conflitantes e análise fático-jurídica lúcida e pontual ante cada caso apresentado à autoridade competente para apreciá-la, o que, inobstante, não vem ocorrendo com muita frequência.
Destaca-se, ademais, que o pedido de suspensão vem sendo bastante utilizado para suspender a execução de liminares concedidas em favor dos contribuintes em ações mandamentais ¾ muita vez de forma indiscriminada.
Daí porque a escolha do estudo do instituto processual em comento como objeto do presente trabalho.
2.MANDADO DE SEGURANÇA: BREVES NOÇÕES
Porque o pedido de suspensão da execução de decisões judiciais é intimamente ligado ao mandado de segurança, surgindo mesmo quando da criação do mencionado remédio[1]–[2], é que se torna necessário, primeiramente, tecer algumas considerações acerca deste writ[3].
É assente na doutrina que o mandado de segurança, assim como o habeas corpus, os nossos mais importantes instrumentos de jurisdição constitucional, têm suas raízes mais profundas no direito anglo-saxão, conquanto estudiosos existam que, sem negar tal afirmativa, procurem estabelecer que tais medidas, no Direito Brasileiro, tiveram particular desenvolvimento em vista da forte tradição de processo interdital aqui existente, advinda, ainda, dos tempos de Colônia[4].
Contudo, embora as origens remotas do mandado de segurança, com suas características de executoriedade imediata, remontem mesmo aos interditos do Direito Romano, o writ só surgiu no Direito Brasileiro com a promulgação da Carta Política de 1934, muito embora a discussão acerca da necessidade de sua criação já estivesse bastante amadurecida.
De fato, em virtude da interpretação extensiva que se estava dando ao habeas corpus, desviando-o de sua função clássica de tutela da liberdade física do indivíduo ¾ mesmo após a reforma constitucional de 1926, que inviabilizou o seu uso para fins não estritamente penais ¾, clamava-se pela criação daquilo que viria a ser denominado de mandado de segurança, de modo a proteger os direitos individuais ofendidos pela Administração Pública por ilegalidade ou abuso de poder.
Dessa forma, em 1934, através da Constituição Federal (art. 133, § 33), foi incorporado ao nosso direito positivo a figura do mandado de segurança, não tendo figurado da Lei Fundamental de 1937 ¾ outorgada durante o Estado Novo ¾, conquanto mantivesse-se no plano infraconstitucional pela Lei n.º 191/36, com as restrições do Decreto-lei n.º 6, de 16-11-1937.
As Cartas seguintes, de 1946, 1967, 1969 e 1988, restituíram ao mandado de segurança o seu caráter constitucional, sendo, inclusive, nesta última, erigido ao patamar de garantia constitucional individual e coletiva (art. 5.°, LXIX e LXX), o que reforçou a sua importância.
No nível infraconstitucional, afora a já citada Lei n.º 191/36, que teve vida curta, porque revogada pelo Código de Processo Civil de 1939, cujos arts. 319 e ss. tratavam do processamento do mandado de segurança, tem-se que o remédio constitucional sub examine era disciplinado, basicamente, pela Lei n.° 1.533, de 31-12-1951, com as alterações nela realizadas, sendo de suma importância, também, a Lei n.° 4.348/64. Além destas, as Leis n.°s 2.770/56 e 5.021/66 agasalhavam regras processuais importantes para a aplicação prática da ação mandamental, do mesmo modo que a Lei n.º 8.437/92, que dispõe sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público. Já neste século, a Lei n.º 12.016, de 7-8-2009, veio trazer novo regramento ao mandado de segurança, individual e coletivo, revogando, dentre outras, as Leis n.ºs 1.533/51, 4.348/64 e 5.021/66.
Feitas estas ligeiras anotações acerca do histórico do mandamus[5], mostra-se adequado conceituar o instituto em si mesmo.
Tendo em conta as disposições constitucionais e legislativas delineadoras do instituto, Hely Lopes Meirelles, em obra clássica[6], o define como
“o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça (…)”.
O conceito acima apresentado comporta desdobramentos tais como a legitimidade ativa (estendida após 1988 também para os entes que defendem a tutela de interesses metaindividuais) e passiva na ação mandamental, o objeto do writ (correção de ato ou omissão ilegal e ofensivo de autoridade) e o direito por ele protegido (líquido e certo). Quanto a este último, aliás, recorrendo uma vez mais às lições do saudoso mestre Hely Lopes Meirelles[7], tem-se que
“Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais.
Quando a lei alude a direito líquido e certo, está exigindo que esse direito se apresente com todos os requisitos para seu reconhecimento e exercício no momento da impetração. Em última análise, direito líquido e certo é direito comprovado de plano. Se depender de comprovação posterior, não é líquido nem certo, para fins de segurança. Evidentemente, o conceito de liquidez e certeza adotado pelo legislador do mandado de segurança não é o mesmo do legislador civil (CC, art. 1.533). é um conceito impróprio ¾ e mal-expresso ¾ alusivo a precisão e comprovação dos fatos e situações que ensejam o exercício desse direito.”
Conclui-se, portanto, que nem todo direito lesado ou em via de o ser pode ser garantido pelo mandado de segurança, que, por ser ação civil de rito sumário e especial, demanda a presença de pronta comprovação da ofensa perpetrada pela autoridade administrativa coatora, e mais, da ilegalidade do seu ato (prova pré-constituída das situações e fatos que alicerçam o direito do impetrante).
Uma vez que no presente trabalho não se objetiva traçar estudo aprofundado da ação mandamental, mas, tão-somente, tecer breves anotações a respeito da mesma, até como meio de possibilitar uma melhor compreensão do instituto da suspensão se segurança, entende-se por bem deixar de lado a análise de aspectos processuais importantes, tais como: cabimento do mandamus; prazo para impetração; competência para o seu conhecimento; partes; procedimento; recursos etc.
Em verdade, apesar de se optar pela não realização de estudo sistemático dos aspectos acima citados, alguns deles, senão todos, sempre que necessário, serão pontualmente analisados no desenrolar do trabalho.
Outrossim, pela sua importância para o presente estudo e mesmo para o mandado de segurança, cabe destacar que a medida liminar concedida para suspender ato ilegal ou praticado com abuso de poder pela autoridade impetrada (art. 7.º, III, Lei n.° 12.016/09) integra, ao nosso ver, a própria garantia constitucional do mandamus.
Com efeito, face à lesão ou perigo de lesão imediata a direito líquido e certo existente nos writs, a medida liminar é instrumento de suprema importância para evitar o perecimento daqueles e, consequentemente, a total ineficácia da segurança pleiteada.
O professor Antônio Cláudio da Costa Machado[8], com propriedade, leciona que:
“a imediata suspensão do ato atacado, aqui prevista, coloca em evidência o fato de que tal providência tem caráter antecipatório, satisfativo ou inovativo ¾ tudo isso é a mesma coisa ¾, posto que: a suspensão projetada para a sentença ocorre antes mesmo da notificação da autoridade (daí, a antecipatoriedade); a suspensão imediata significa a própria satisfação do direito invocado pelo impetrante, ainda que provisoriamente (daí a satisfatividade); a pronta suspensão do ato representa imediata alteração do quadro fático (daí, a inovatividade). Além disso, afigura-se-nos extremamente interessante observar, sob a ótica do direito processual civil, que a liminar em mandado de segurança, paralelamente ao seu caráter antecipatório, possui evidente natureza cautelar, na medida em que se exige para a sua outorga a presença do requisito do periculum in mora ¾ assim tem entendido franca e majoritariamente os nossos tribunais ¾, requisito este que corresponde ao elemento nuclear, à condição essencial e ao pressuposto ontológico das providências acautelatórias. É que onde há pressuposição de periculum in mora (perigo de que a demora na outorga da providência definitiva acarrete dano irreparável ou de difícil reparação), imposta pela lei para à [sic] concessão de um ato judicial, aí se localiza uma medida cujo escopo é a própria neutralidade do periculum, que corresponde ao bem da vida perseguido pelo requerente da cautelar”. (Grifos nossos).
É fácil concluir que a medida liminar no mandado de segurança é mesmo um apêndice deste remédio constitucional, existente para garantir a pronta efetividade das garantias por ele amparadas, e, embora prevista apenas em lei ordinária, no já citado art. 7.°, III, da Lei n.° 12.016/09, é, segundo Eduardo Arruda Alvim[9], "imperioso entender-se que a liminar em mandado de segurança possui status constitucional, e, sendo assim, não pode ser acutilada por leis infraconstitucionais”.
Dito isso, é momento de voltar-se para o estudo da utilização do mandamus na área tributária, assunto do qual nos ocuparemos adiante.
3.MANDADO DE SEGURANÇA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA
3.1. IMPORTÂNCIA
Como já visto acima, o mandado de segurança é ação constitucional de garantia dos direitos fundamentais das pessoas, físicas ou jurídicas, ante atos ou omissões de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica que exerça funções do Poder Público, praticados com ilegalidade (atos vinculados) ou abuso de poder (atos discricionários) e que lhes violem ou ameacem violar direito líquido e certo.
Ora, uma das áreas em que há mais “contato” entre particulares e a Administração é, sem dúvida, a tributária. O Estado necessita de arrecadar tributos para manter-se e tais tributos são, obviamente, cobrados de particulares, cidadãos e empresas, que são os contribuintes.
A relação entre Fisco e contribuintes, como é de geral sabença, não é das mais pacíficas, posto que o conflito de interesses existente entre quem paga e que arrecada tributos é evidente. Em um sistema tributário complexo ¾ e confuso ¾ como o brasileiro então, repleto de normas de todos os graus hierárquicos ¾ por vezes conflitantes ¾ e diferentes em cada ente federativo, dá para se imaginar que o choque entre Fazenda e contribuintes é ainda maior, senão constante.
Não raro, tal conflito de interesses necessita de intervenção jurisdicional, se transformando em lide, mormente no exemplo brasileiro, onde a voracidade do Fisco é notória. Normalmente é o contribuinte, parte mais fraca da relação, quem recorre ao Judiciário, utilizando-se de uma das chamadas ações tributárias, quais sejam: os embargos à execução fiscal; a ação declaratória de inexistência de obrigação tributária; a ação de nulidade de lançamento; e, o próprio mandado de segurança.
Porém, o mandamus, dado mesmo à sua natureza constitucional, à possibilidade de suspensão liminar do ato abusivo[10], à celeridade de seu procedimento e à característica mandamental da decisão nele proferida, que é auto-executável, tornou-se, na lúcida lição de Erik Frederico Gramstrup[11], “a ação tributária por antonomásia, pelo menos sob a ótica do contribuinte”.
Não se pode olvidar, ainda, que, a contribuir para a larga utilização do mandado de segurança na área tributária, tem-se que o ato de lançamento, conforme Eduardo Arruda Alvim[12], “é vinculado e obrigatório, sob pena de responsabilidade funcional (art. 142, par. ún., do CTN), permitindo um amplo controle pela via do mandado de segurança”.
3.2. OBRIGAÇÃO, CRÉDITO E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIOS
Conquanto o mandado de segurança não se preste na área tributária apenas para suspender a exigibilidade do crédito tributário (v.g. impetração de mandamus para liberação de mercadorias irregularmente apreendidas pelo Fisco), julga-se necessário escrever algumas linhas acerca do lançamento tributário, ato contra o qual o writ é utilizado à larga.
Como se sabe, a obrigação tributária principal (art. 113, § 1.°, CTN), isto é, a obrigação patrimonial do contribuinte de pagar um determinado tributo, surge da ocorrência de um fato ou situação previsto em lei capaz de ensejar tal efeito (fato gerador ou fato imponível).
Existe, também, a obrigação tributária acessória (art. 113, § 2.°), consistente numa obrigação de fazer ou não fazer a que está sujeito o contribuinte e que, se não cumprida, converte-se em principal, podendo ser exigida como se tributo fosse (art. 113, § 3.°).
Porém, a existência da obrigação tributária não dá ao Estado o direito de exigir do contribuinte o pagamento do tributo. É mister, para tanto, que seja constituído o crédito tributário, através do procedimento vinculado denominado lançamento, que, no magistério de Hugo de Brito Machado[13], é ato “constitutivo do crédito tributário, e apenas declaratório da obrigação correspondente”.
3.3. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
Após a constituição do crédito tributário via lançamento, o mesmo, na lição de Hugo de Brito Machado[14], “somente se modifica, ou se extingue, ou tem a sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos em lei”. Interessa-nos particularmente a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, que faz com que o contribuinte fique, temporariamente, protegido contra atos de cobrança por parte do Fisco.
A liminar em mandado de segurança, como já se disse, é uma das causas suspensivas previstas no art. 141, do Código Tributário Nacional (CTN). Neste particular, concorda-se, aliás, com a afirmação de Luciano Amaro[15] de que “[e]m rigor, não seria necessário prever, no Código Tributário Nacional, que a liminar suspende a exigibilidade do crédito tributário, já que isso é decorrência da força mandamental do despacho que a concede.”
Isso porque entendo, como já restou aqui registrado, que a liminar em mandado de segurança possui, também ela, status constitucional, e representa, numa garantia do porte do writ of mandamus, instituto que não demandaria previsão legal expressa para se ver cumprida em caso de possível lesão a direito líquido e certo do contribuinte, devidamente analisado em juízo preliminar pelo magistrado, quanto mais quando apresenta evidente característica de autoexecutoriedade.
3.4. IMPETRAÇÃO PREVENTIVA ANTERIOR AO LANÇAMENTO
O mandado de segurança pode ser impetrado de maneira preventiva com ensejo a evitar lesão a direito líquido e certo. Assim, anteriormente ao próprio lançamento tributário, pode o contribuinte impetrar ação mandamental visando resguardar o seu direito.
Ora, imagine-se a hipótese de criação de obrigação tributária inconstitucional. Por óbvio que diante da flagrante ilegalidade do novo tributo o contribuinte não vai quedar-se inerte até o momento da constituição do crédito. Há, nesse caso, o que a doutrina chama de justo receio de lesão ao seu direito líquido e certo, até mesmo porque a atividade de lançamento é vinculada e obrigatória para a autoridade fiscal.
Assim, fundado no justo receio de lesão ao seu patrimônio, e fulcrado em provas da ameaça existente ¾ em razão da presunção de legalidade dos atos administrativos ¾, poderá o contribuinte impetrar mandamus visando resguardar o seu direito. A respeito do tema, julgo importante transcrever o magistério de Hugo de Brito Machado[16]:
“Especificamente em matéria tributária, para que se torne cabível a impetração de mandado de segurança preventivo, não é necessário esteja consumado o fato imponível. Basta que estejam concretizados fatos dos quais logicamente decorra o fato imponível.
Em síntese e em geral, o mandado de segurança é preventivo quando, já existente ou em vias de surgimento a situação de fato que ensejaria a prática do ato considerado ilegal, tal ato ainda não tenha sido praticado, existindo apenas o justo receio de que venha a ser praticado pela autoridade impetrada. É preventivo porque destinado a evitar lesão ao direito, já existente ou em vias de surgimento, mas pressupõe a existência da situação concreta na qual o impetrante afirma residir ou dela recorrer o seu direito cuja proteção, contra a ameaça de lesão, está a reclamar do Judiciário. (…)
Em tais condições, é viável a impetração de mandado de segurança preventivo. Não terá o contribuinte de esperar que se concretize tal cobrança. Nem é necessária a ocorrência de ameaça dessa cobrança. O justo receio, a ensejar a impetração, decorre do dever legal da autoridade administrativa de lançar o tributo, impor as penalidades e de fazer a cobrança respectiva. A autoridade administrativa não pode deixar de aplicar a lei tributária, ainda que a considere inconstitucional. E não é razoável presumir-se que vai descumprir o seu dever.”
3.5. SENTENÇA EM MANDADO DE SEGURANÇA TRIBUTÁRIO
A sentença concessiva de segurança possui, segundo a doutrina, natureza mandamental, ou seja, “[e]la ordena, manda, não se limitando a condenar”, conforme Kazuo Watanabe[17]–[18]. Quer isso dizer que a sua execução se dá de maneira singular, sem a necessidade de ajuizamento de nova ação, desta feita executiva, para que se a dê cumprimento.
De fato, a simples remessa de ofício à autoridade coatora constitui-se na sua “execução”, sendo certo que o impetrado a terá de cumprir sob pena de configuração de delito penal.
Transitada em julgado a sentença favorável ao contribuinte extingue-se o crédito tributário, a teor do disposto no art. 156, X, do Código Tributário Nacional.
De outro bordo, a sentença denegatória da segurança almejada pelo contribuinte é declaratória negativa de sua pretensão, afirmando, tão-somente, inexistir direito à ordem impetrada. Por tal razão, aliás, retroage a mesma para cassar, ou melhor, extinguir na origem, a liminar eventualmente deferida em favor do impetrante (Súmula 405 do STF)[19].
Dessarte, segundo Meirelles[20], denegada a segurança, “voltam as coisas ao status quo ante. Assim sendo, o direito do Poder Público fica restabelecido in totum para a execução do ato [no caso, cobrança do tributo] e de seus consectários, desde a data da liminar”[21].
4.SUSPENSÃO DE SEGURANÇA
4.1. SUSPENSÃO DE SEGURANÇA E EFETIVIDADE MANDAMENTAL
Já restou aqui delineado que a decisão concessiva de segurança, ainda que em sede de liminar, possui natureza de ordem, de mandamento, que demanda o seu imediato cumprimento por parte da autoridade impetrada.
O mandado de segurança, portanto, é uma ação que, devido mesmo à sua natureza constitucional, empresta grande efetividade às decisões judiciais nele proferidas, e, como se sabe, a sociedade, assim como os operadores do Direito, rogam, nestes tempos de descrença no Judiciário, justamente pela efetividade do processo. Ou seja, não basta apenas ter julgada procedente a sua pretensão, é necessário vê-la cumprida.
A respeito, aliás, o professor Luiz Guilherme Marinoni[22], afirma que:
“os processualistas modernos abandonaram a ideia de que o direito de acesso à justiça, ou do direito de ação, significa apenas direito à sentença de mérito. Esse modo de ver o processo, se um dia foi importante para a concepção de um direito de ação independente do direito material, não se coaduna com as novas preocupações que pairam sobre as cabeças dos processualistas ligados ao tema da ‘efetividade do processo’, que traz em si a superação da ilusão de que o processo poderia ser estudado de maneira neutra e distante da realidade social e do direito material.”
Pois bem. Diante destas constatações alusivas à grandeza constitucional do mandamus e à efetividade das decisões concessivas nele proferidas, é que surge a necessidade de se debater acerca do pedido de suspensão da eficácia de tais decisões, posto que se trata de meio de privação do impetrante em ver garantido, de imediato, o seu direito líquido e certo.
De fato, o requerimento de suspensão de segurança constitui-se, segundo Gleydson Kléber Lopes de Oliveira[23], em “meio processual restritivo à eficácia do writ” inicialmente previsto no art. 4.°, da Lei n.° 4.348, de 26 de junho de 1964, que ¾ editada em meio à convulsão político-institucional advinda do Golpe Militar de 31 de março ¾, “surgiu no cenário brasileiro com o claro objetivo de restringir ou limitar o poder concedido pela Lei de Mandado de Segurança (Lei n. 1.533/51) à magistratura de primeira instância”, nas precisas palavras do professor Antônio Cláudio da Costa Machado[24].
Com efeito, referida lei (4.348/64), além de ressurgir[25] o instituto do pedido de suspensão de segurança, instituiu em favor das pessoas jurídicas de direito público, privilégios processuais outros, como, por exemplo, a vedação da concessão de liminares objetivando a reclassificação ou equiparação de servidores públicos, ou aumento ou extensão de vantagens de caráter pecuniário (art. 5.°), assim como a limitação temporal à eficácia de medida liminar em mandado de segurança (art. 1.°, b)[26].
Posteriormente, através da edição de sucessivas medidas provisórias[27], o pedido de suspensão da execução de decisões judiciais ganhou força redobrada ¾ apesar de não mais estarmos vivendo em um regime de exceção ¾, inclusive com a possibilidade de formulação de novo pedido de suspensão para o presidente do tribunal hierarquicamente superior acaso negado o primeiro pleito no tribunal a quo. Ou seja, criou-se a possibilidade de fazer-se um pedido de suspensão do pedido de suspensão, se assim se pode chamar, ao qual a doutrina denominou de requerimento de suspensão per saltum[28].
Com a edição da nova Lei do Mandado de Segurança (12.016/09), o pedido de suspensão restou disciplinado no seu art. 15, que manteve, apenas com alguns acréscimos no caput, a redação do revogado art. 4.º da Lei n.º 4.348/64. As alterações no pedido de suspensão levadas a termo pelas medidas provisórias, como a ampliação de suas hipóteses de cabimento, permaneceram na Lei n.º 12.106/09.
A efetividade imediata das decisões mandamentais, assim, resta detida pela suspensão da segurança, que veio, conforme Antonio Cláudio da Costa Machado[29], como mais uma forma de se estabelecer certa “contenção de decisões judiciais que possam paralisar ou, pelo menos, comprometer o desempenho das funções estatais administrativas”, realçando a primazia do interesse público sobre o privado.
4.2. CONCEITO, PREVISÃO NORMATIVA E HISTÓRICO
O pedido de suspensão da execução da decisão liminar e de sentença concedida em sede de mandado de segurança contra o Poder Público encontra-se previsto, como já se disse, no art. 15 da Lei n.º 12.016/09[30], que assim vaticina:
“Art. 15. Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição.
§ 1o Indeferido o pedido de suspensão ou provido o agravo a que se refere o caput deste artigo, caberá novo pedido de suspensão ao presidente do tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário.
§ 2o É cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 1o deste artigo, quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere este artigo.
§ 3o A interposição de agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o poder público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo.
§ 4o O presidente do tribunal poderá conferir ao pedido efeito suspensivo liminar se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida.
§ 5o As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, podendo o presidente do tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original.”
O revogado art. 4.º da Lei n.º 4.348/64 (com as inclusões dos §§ 1.º e 2.º realizada pela MP n.º 2.180-35/2001) tinha redação semelhante:
“Art. 4.° Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, o presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar, e da sentença, dessa decisão caberá agravo sem efeito suspensivo, no prazo de 10 (dez) dias, contados da publicação do ato.
§ 1º Indeferido o pedido de suspensão ou provido o agravo a que se refere o caput, caberá novo pedido de suspensão ao Presidente do Tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário.
§ 2º Aplicam-se à suspensão de segurança de que trata esta Lei, as disposições dos §§ 5.º a 8.º do art. 4.º da Lei n.º 8.437, de 30 de junho de 1992.”
Antes da norma acima transcrita, já dizia o art. 13 da Lei n.° 1.533/51:
“Art. 13. Quando o mandado fôr concedido e o Presidente do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal Federal de Recursos ou do Tribunal de Justiça ordenar ao juiz a suspensão da execução da sentença, desse seu ato caberá agravo de petição para o tribunal a que presida.”[31]
Mais recentemente, o art. 25, caput, da Lei n.° 8.038, de 28-5-1990 (Lei de Recursos), também dispôs acerca da suspensão de segurança:
“Art. 25. Salvo quando a causa tiver por fundamento matéria constitucional, competente ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça, a requerimento do Procurador-Geral da República ou da pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar ou de decisão concessiva de mandado de segurança, proferida, em única ou última instância, pelos tribunais regionais federais ou pelos tribunais dos Estados e do Distrito Federal.”
Dessa feita, se conclui que o requerimento de suspensão de segurança constitui-se, como já mencionado, em instituto processual que visa preservar o interesse público, ou seja, o interesse da coletividade, frente ao interesse particular, de modo mesmo a garantir uma ordem social estável, finalidade precípua do Direito.
Como aqui já se afirmou, a história do pedido de suspensão de segurança no Direito Brasileiro está intimamente ligada ao desenvolvimento do mandado de segurança. Contudo, Marcelo Abelha Rodrigues sugere que o instituto em apreço possui raízes bem mais profundas, ainda no Direito Romano, na figura da intercessio[32], caracterizada pelo veto de um magistrado à decisão de um outro juiz, suspendendo a execução da mesma.
Referido autor, aliás, para sustentar sua tese, faz relevante observação ao comparar o pedido de suspensão de eficácia das decisões proferidas contra o Poder Público do direito pátrio com institutos semelhantes existentes na legislação de outras nações, inclusive ressaltando sua ocorrência em países que adotam tanto a civil law quanto a common law[33].
No Brasil, na evolução da legislação relativa ao mandamus, o instituto da suspensão de segurança sempre esteve presente, pois o art. 13 da Lei n.º 191/36 já o previa de maneira bastante aproximada à da norma ora em vigor, inclusive especificando as hipóteses de seu cabimento (a proteção da economia pública não era uma delas).
O Código de Processo Civil de 1939, revogando a lei supramencionada, tratou, no seu art. 328, do pedido de suspensão de segurança até o advento da Lei n.° 1.533/51, cujo art. 13, já citado acima, se ocupou do instituto processual sub examine.
O art. 13 da Lei n.º 1.533/51, no entanto, não falava da suspensão da liminar concedida no writ ¾ o que, conforme Marcelo Abelha Rodrigues[34], “não criou dificuldades para a doutrina e a jurisprudência estenderem o dispositivo às liminares concedidas no mandado de segurança” ¾, bem como deixava de mencionar as hipóteses que dariam guarida ao requerimento de suspensão da decisão judicial.
Para suprir tais imperfeições do art. 13 da Lei n.° 1.533/51, assim como para restringir a utilização de liminares em sede mandamental ¾ como já restou salientado neste trabalho ¾, é que surgiu a Lei n.° 4.348/64, cujo art. 4.° tratou do instituto da suspensão de segurança, expandindo, inclusive, as hipóteses de sua utilização ao acrescer a proteção à economia pública, ao lado da saúde, segurança e ordem públicas, como um dos bens por ele protegidos.
A Medida Provisória n.º 1984-13 e suas sucessivas reedições (até a MP n.º 2.180-35/01) ampliaram, como já se disse alhures, as hipóteses de cabimento da suspensão de segurança, sendo tais modificações agasalhadas pelo texto da Lei do Mandado de Segurança ora em vigor (12.016/09), que revogou as disposições das Leis n.º 1.533/51 e n.º 4.348/64.
4.3. NATUREZA JURÍDICA
Cumpre observar, de início, que o pedido de suspensão de segurança não impede, ao nosso ver[35], que a Fazenda Pública, que se julga lesada pela decisão judicial que lhe foi desfavorável, interponha o competente recurso para revertê-la (agravo, no caso de liminar; apelação ou recurso ordinário para a sentença ou acórdão).
O § 3.º do art. 15 da Lei n.º 12.016/09 deixa bem claro, aliás, que "[a] interposição de agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o poder público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido a que se refere este artigo."
Diante disso, e tendo em conta o princípio da singularidade (ou unicidade, ou ainda unirrecorribilidade) dos recursos, pelo qual de cada decisão judicial recorrível é cabível apenas um único tipo de recurso, já se constata que o pedido de suspensão de segurança não tem natureza recursal.
Mais: não há, no pedido de suspensão de segurança, pleito visando à reforma da decisão que se pretende suspender, até mesmo porque, a teor do disposto no art. 15, caput, da Lei n.° 12.016/09, o presidente do tribunal a quem cabe analisar o requerimento sob foco não pode adentrar no meritum causae da decisão de inferior instância.
Em suma, segundo a Ministra Ellen Gracie Northfleet[36], “o que ao Presidente é dado aquilatar não é a correção ou equívoco da medida cuja suspensão se requer, mas a sua potencialidade de lesão a outros interesses superiormente protegidos.”
Marcelo Abelha Rodrigues[37] salienta, ainda, que, do pedido de suspensão de segurança “estão ausentes a tempestividade, o preparo, a tipicidade, a devolutividade, a legitimidade, a competência etc.” Logo depois, afirma, corroborando com o que já expusemos acima, que:
“Nunca é demais repetir que o pedido de suspensão requerido ao presidente do tribunal não pretende a reforma ou anulação da decisão, o que significa dizer que, mesmo depois de concedida a medida, o conteúdo da decisão permanecerá incólume. As razões para se obter a sustação da eficácia da decisão não está no conteúdo jurídico ou antijurídico da decisão concedida, mas na sua potencialidade de lesão ao interesse público.”[38]
Tampouco se nos parece constituir-se o pedido de suspensão de segurança numa ação, conquanto existam respeitáveis posições doutrinárias neste sentido[39].
A Ministra Ellen Gracie[40], apesar de julgar que o pedido de suspensão de segurança não se constitui em recurso ou ação, defende que sua natureza é administrativa, pois
“a Presidência [do tribunal] exerce atividade eminentemente política avaliando a potencialidade lesiva da medida concedida e deferindo-a em bases extra-jurídicas. Porque não examina o mérito da ação, nem questiona a juridicidade da medida atacada, é com discricionariedade própria de juízo de conveniência e oportunidade que a Presidência avalia o pedido de suspensão.”
Entretanto, como bem destaca Marcelo Abelha Rodrigues, a natureza administrativa do pedido de suspensão de segurança não pode prevalecer, mormente porque,
“ao conferir gênese administrativa ao ato do presidente estaríamos admitindo que poderia um ato administrativo sobrepor-se a um ato jurisdicional, até mesmo para retirar-lhe a eficácia. Seria, em outras palavras, além de admitir que uma decisão judicial pudesse ser descumprida por uma decisão administrativa, que esta última tivesse força bastante para sustar a eficácia de uma decisão judicial. Em última análise, estaríamos dizendo que o controle da eficácia do ato jurisdicional estaria ao sabor de um ato administrativo!”?
A corrente mais aceita, e à qual nos filiamos, entende, no entanto, que o requerimento de suspensão da eficácia das decisões proferida contra o Poder Público possui natureza de incidente processual[41].
Com efeito, o sempre citado Marcelo Abelha Rodrigues[42], leciona que:
“[…]. O fato de não pretender [o pedido de suspensão da segurança] a revisão da decisão, e não se confundir com o mérito da causa principal, apenas se lhe afasta a natureza de recurso e de ação, respectivamente, todavia, não se lhe retira a natureza típica de incidente processual.
Assim, para concluir, ratificamos que o pedido de suspensão de execução de decisão judicial é figura própria, sendo típico incidente processual voluntário, não suspensivo do processo que se manifesta por intermédio de uma questão que surge sobre o processo em curso. Pelo fato de ser acessório e secundário depende da existência do processo principal, e, como já ressaltado alhures, possui induvidosa finalidade preventiva. “
4.4. LEGITIMIDADE ATIVA
Da leitura do art. 15 da Lei n.° 12.016/09, se observa que legitimada primeiramente para requerer a suspensão de segurança é a pessoa jurídica de direito público interessada, ou seja, aquela a quem a decisão vá afetar, isto é, que suportará os efeitos do decisum. A autoridade coatora impetrada não possui legitimidade para manejar o incidente de suspensão de segurança.
Assim, a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, suas autarquias e fundações são legitimados para promover o incidente de suspensão de segurança. Mais recentemente, no entanto, vem se desenvolvendo o entendimento de que “desde que caiba mandado de segurança, caberá o pedido de suspensão”.[43]
Desta forma, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e até mesmo as empresas privadas prestadoras de serviços públicos podem, também, requerer a suspensão das decisões proferidas em sede mandamental, desde que presentes os requisitos para tanto. Hely Lopes Meirelles[44], aliás, lembra que “não só a entidade pública como, também, o órgão interessado têm legitimidade para pleitear a suspensão”.
De fato, tem-se aceito pedidos de suspensão de segurança formulados por órgãos não personificados, como as Mesas das Assembleias Legislativas e os Tribunais de Conta.[45]
De toda forma, a extensão da legitimidade ativa para a promoção do incidente de suspensão de segurança ainda é matéria não pacificada, devendo ser ressaltado que as pessoas jurídicas de direito privado acima mencionadas, bem como os órgãos não personificados, só podem manejar o instituto processual em exame quando a medida que se visa suspender se relacione intimamente com o interesse público.
Outrossim, apraz ressaltar que também o parquet possui legitimidade para requerer a suspensão de segurança de decisão proferida no writ.
Com efeito, já no regime da Lei n.º 4.348/64, cujo art. 4.º não atribuía legitimidade ao Ministério Público para pedir a suspensão de segurança, admitia-se o manejo do incidente por tal órgão, tendo em conta que referida instituição tem, por força do art. 127, da Constituição Federal, o dever de zelar pela preservação do interesse público[46].
Diante disso, a cabeça do art. 15 da nova Lei do Mandado de Segurança veio expressamente admitir que o pedido de suspensão de segurança seja aviado pelo Ministério Público.
Cabe frisar, ademais, que pode ocorrer de mais de uma pessoa possuir legitimidade ativa para propor o pedido de suspensão de segurança.
De fato, como destaca Marcelo Abelha Rodrigues[47], “nada impede que a execução da decisão legitime mais de uma pessoa jurídica de direito público, desde que elas possuam posição legitimante diante do interesse público atingido pela decisão.”
4.5. COMPETÊNCIA
Autoridade competente para conhecer do pedido de suspensão de segurança é o presidente do tribunal ao qual couber o julgamento do recurso contra a decisão que se visa suspender.
Assim, se a decisão for proveniente da primeira instância, competente será o presidente do Tribunal de Justiça do Estado ou do Distrito Federal ou do Tribunal Regional Federal, conforme o mandamus trate de matéria da competência da Justiça Estadual ou Federal.[48]
Acaso a decisão concessiva se dê em única ou última instância, ou seja, já na corte de justiça, por relator, liminarmente, ou pelo órgão colegiado, o pedido de suspensão de segurança deve ser dirigido à Presidência do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, conforme a matéria tratada abranja ou não aspecto constitucional (art. 25 da Lei de Recursos). Assim, na lição de Gleydson Kleber Lopes de Oliveira[49],
“[…] a decisão proferida pelo relator em tribunal de justiça, por ser interlocutória, pode ser impugnada, e cassada, via recurso de agravo inominado dirigido ao órgão colegiado, sem que fique configurada a usurpação de competência do tribunal superior.
Além da interposição de agravo dirigido ao órgão colegiado do tribunal local, pode ser suscitado perante o STF ou STJ, conforme a natureza do fundamento, o incidente de suspensão. Dessa forma, em face de decisão que defere medida liminar em mandado de segurança de competência originária de tribunal de segunda instância, são cabíveis o recurso de agravo inominado ao órgão colegiado do próprio tribunal e o incidente de suspensão dirigido ao STF ou ao STJ, conforme a natureza do fundamento.”[50]
4.6. PRAZO
A lei não estabelece prazo para a propositura do incidente de suspensão de segurança. Assim, a qualquer tempo pode a pessoa jurídica de direito público interessada ou o Ministério Público postular a suspensão da eficácia da decisão prejudicial ao interesse público.
Contudo, tendo em vista que o instituto processual em apreço, como meio preventivo que é, presta-se para resguardar o interesse público ameaçado de grave lesão, é óbvio que deve ser requerido com a maior urgência possível, até mesmo para robustecer o pleito, posto que, se a medida que se pretende ver suspensa já estiver gerando efeitos de há muito, torna-se bastante difícil acreditar que a mesma cause prejuízo de tal monta à saúde, à segurança, à ordem ou à economia públicas para ser paralisada.
Isso não significa dizer, entretanto, que a suspensão de segurança não possa ser requerida quando a execução da medida judicial já estiver em curso. Pelo contrário, isso é possível, sim, muito embora doutrinadores haja que entendam de maneira diversa[51]. Apenas se quer dizer que a suspensão de segurança, em casos tais, se tornará, por razões óbvias, mais difícil, até porque o ente de direito público interessado terá mais dificuldade para demonstrar o periculum in mora.
4.7. REQUISITOS
Como já alhures ressaltado, o pedido de suspensão de segurança de decisão judicial pode ser formulado desde que se encontre em risco de grave lesão o interesse público, nas hipóteses de ofensa à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. Como se vê, a decisão a respeito da suspensão, ou não, da decisão de instância inferior envolve algum subjetivismo, pois o que, por exemplo, pode ser caracterizado como ordem pública?[52]
De todo modo, à parte as interpretações dadas às hipóteses previstas na lei, o que os tribunais vêm entendendo é que, demonstrada pela pessoa jurídica de direito público a possibilidade de lesão aos valores fundamentais tutelados acaso se dê cumprimento à decisão judicial, deve esta ter sua execução suspensa.
Assim, o mérito da decisão que se pretende suspender não é examinado pelo presidente do tribunal, cujo juízo de cognição se restringe tão-somente à análise política de possível ofensa ao interesse público em se dando cabo ao decisum atacado, mesmo que este tenha sido proferido em consonância com a ordem jurídica. Defende-se, então, que a correção ou não da decisão somente pode ser analisada pela via recursal própria.[53]
Contudo, corrente doutrinária há que rechaça a ideia de impossibilidade absoluta de ampliação da cognição no exame do pedido de suspensão.
Com efeito, Cassio Scarpinella Bueno[54] defende que a suspensão da eficácia da decisão deve ocorrer tão somente se esta for injurídica. Ou seja, além dos requisitos acima elencados, a pessoa jurídica de direito público necessitaria de provar “a injuridicidade (ilegitimidade) do ato judicial praticado em benefício do impetrante.”
No mesmo sentido leciona Gleydson Kleber Lopes de Oliveira[55]:
“[…], é cediço que o interesse, para ser público, tem que estar em consonância com a ordem jurídica, de forma que a cognição do órgão do Poder Judiciário deve recair, também, sobre a plausibilidade jurídica do pedido e dos respectivos fundamentos no incidente de suspensão. Não há interesse público que não esteja arrimado na norma jurídica. Por conseguinte, deve o presidente do tribunal analisar se a decisão a que se visa suspender foi proferida em consonância com a ordem jurídica vigente, de modo que somente é lícito suspendê-la, desde que verifique a sua antijuridicidade e a presença do risco de lesão aos valores fundamentais (segurança, ordem, saúde e economia públicas).”
Eduardo Arruda Alvim[56] destaca, aliás, que
“não se pode suspender os efeitos de decisão liminar ou de sentença, sem apreciar a legalidade da decisão que se pretende ver suspensa.
Assim, a pessoa jurídica de direito público interessada não poderá pedir a suspensão, salvo se estiver em pauta interesse, pelo menos aparentemente, legalmente protegível. É absurdo concluir que a lei proteja aquilo que o Judiciário já deu por ilegal se o tribunal nem ao menos vislumbrou ilegalidade.”
Com razão os insignes processualistas.
De fato, acaso se entenda que os requisitos para a suspensão de segurança são apenas políticos, e não jurídicos, concluir-se-á que o incidente em estudo não foi recepcionado pela Carta Magna de 1988, porquanto o mandamus é uma garantia constitucional, cuja efetividade não pode ser tolhida por uma norma infraconstitucional, a não ser que a decisão proferida em favor do impetrante seja flagrantemente antijurídica.
Deve então, ser realizada uma interpretação do incidente de suspensão de segurança conforme à Constituição Federal, de forma a compatibilizá-lo com o texto Magno[57], que garante ao cidadão o direito de obter do Judiciário uma decisão justa e pautada em elementos jurídicos.
O incidente de suspensão de segurança é, assim, um plus que se franqueia às pessoas jurídicas de direito público no afã de estabelecer a proteção do interesse público. Mas nem por isso tal objetivo pode ser alcançado sem que se prove que a decisão objeto do incidente está incorreta,[58] “[d]o contrário, estar-se-ia reduzindo por demais o espectro de abrangência da garantia constitucional do mandado de segurança, o que não pode ser feito nem por emenda constitucional”, nas palavras de Eduardo Arruda Alvim.[59]
Ouso acrescer, ainda, aos requisitos autorizadores do pedido de suspensão de segurança o fato de que o seu deferimento está condicionado à proteção do interesse público dito primário.
De fato, tem se desenvolvido no Brasil a teoria, lançada pela doutrina italiana, notadamente através de Renato Alessi, de que existem dois tipos de interesse público ¾ por vezes coincidentes, por vezes antagônicos: o primário, que é o interesse público propriamente dito, pertinente à sociedade como um todo; e, o secundário, atinente à pessoa jurídica de direito público enquanto ente personalizado, sendo interesse individual do Estado.
A propósito, o mestre Celso Antônio Bandeira de Mello[60], com o brilhantismo peculiar de sua pena, ensina que:
“[…], a noção de interesse público, tal como a expusemos, impede que se incida no equívoco muito grave de supor que o interesse público é exclusivamente um interesse do Estado, engano, este, que faz resvalar fácil e naturalmente para a concepção simplista e perigosa de identificá-lo com quaisquer interesses da entidade que representa o todo (isto é, o Estado e demais pessoas de Direito Público interno). […]
É que, além de subjetivar estes interesses, o Estado, tal como os demais particulares, é, também ele, uma pessoa jurídica, que, pois, existe e convive no universo jurídico em concorrência com todos os demais sujeitos de direito. Assim, independentemente do fato de ser, por definição, encarregado dos interesses públicos, o Estado pode ter, tanto quanto as demais pessoas, interesses que lhe são particulares, individuais, e que, tal como os interesses delas, concebidas em suas meras individualidades, se encarnam no Estado enquanto pessoa. Estes últimos não são interesses públicos, mas interesses individuais do Estado, similares, pois (sob prisma extra-jurídico), aos interesses de qualquer outro sujeito. […].
Esta distinção a que se acaba de aludir, entre interesses públicos propriamente ditos — isto é, interesses primários do Estado — e interesses secundários (que são os últimos a que se aludiu), é de trânsito corrente e moente na doutrina italiana, e a um ponto tal que, hoje, poucos doutrinadores daquele país se ocupam em explicá-los, limitando-se a fazer-lhes menção, como referência a algo óbvio, de conhecimento geral. […].”
Aliás, a própria leitura do art. 15 da Lei n.° 12.016/09 já demonstra que o objetivo do legislador foi o de proteger os interesses públicos primários, e não os interesses individuais do Estado, porquanto se exige que a decisão que se pretende ver suspensa possa provocar grave lesão à coletividade.
4.8. PROCEDIMENTO
O pedido de suspensão de segurança, como incidente processual autônomo que é, deve ser endereçado ao presidente do tribunal competente para apreciá-lo em petição avulsa, devendo o requerente demonstrar, de plano, a plausibilidade de grave lesão aos bens tutelados, pois o requerimento em análise, como alerta a Ministra Ellen Gracie[61], “não comporta dilação probatória, devendo o postulante trazer com o pedido todos os documentos que sustentem as afirmativas de potencial agressão aos interesses públicos tutelados”.
Questão de fundamental interesse é saber se para a prolação da decisão acerca da suspensão, ou não, da decisão guerreada, o presidente do tribunal necessita de ouvir a parte contrária e mesmo o Ministério Público, posto que o art. 15 da Lei n.° 12.016/09 é omisso a esse respeito.
Creio que sim.
Com efeito, a Lei Fundamental assegura o direito ao contraditório e à ampla defesa, não sendo admissível, então, que no incidente de suspensão de segurança, medida excepcional e drástica que impede o impetrante de ver resguardado de imediato o seu direito líquido e certo, este não seja ouvido e, tampouco o representante do parquet, defensor constitucional do interesse público.
A respeito do assunto, Sérgio Ferraz[62] alerta que
“a suspensão da liminar por autoridade diversa da que a concedeu, ou dos efeitos da decisão concessiva da segurança, é constitucionalmente esdrúxula, à vista dos princípios norteadores da função jurisdicional. Mas se torna totalmente inconstitucional se não observadas, como é a praxe, as garantias do contraditório, da ampla defesa, do juiz natural e do devido processo legal.”
Tal visão se reforça tendo em vista a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, que confere especial tratamento aos princípios do contraditório substancial e da não surpresa (vide, por exemplo, as disposições dos arts. 7.º, 9.º e 10 daquele Códex).
O § 1.º do art. 25 da Lei n.º 8.038/90 diz que o presidente do tribunal pode ouvir, no prazo de 5 dias, o impetrante do writ e o Procurador-Geral quando este não for o requerente. Já o art. 4.º, § 2.º, da Lei n.º 8.437/92 fala em prazo de 72 horas para oitiva do autor da ação mandamental e do Ministério Público. Em verdade, como entende a doutrina, a melhor hermenêutica dos preceitos legais referidos é a de que o impetrante e o parquet devem ser ouvidos pelo presidente do tribunal, salvo se isso comprometer a eficácia da suspensão. E o § 4.º do art. 15 da Lei n.º 12.016/09 permite concluir ser esta a interpretação mais correta, pois ali se diz que "[o] presidente do tribunal poderá conferir ao pedido [de suspensão de segurança] efeito suspensivo liminar se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida"; ou seja, a regra seria a observância do contraditório, deferindo-se o rogo inaudita altera parte apenas em casos excepcionais.
4.9. RECURSOS
Da decisão que concede a suspensão de segurança é cabível a interposição de agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 dias. Saliente-se que o agravo mencionado é o inominado (regimental, interno etc.).Já a decisão que denega o pedido de suspensão seria irrecorrível, dela cabendo apenas novo pedido de suspensão, a teor do disposto no § 1.° ao art. 15 da Lei do Mandado de Segurança.
Há quem defenda, todavia, a possibilidade de interposição de agravo inominado em caso de decisão negativa do presidente do tribunal, com fundamento no princípio da recorribilidade das decisões interlocutórias[63]. Tal é o entendimento hodierno inclusive da jurisprudência, eis que as súmulas 506, do STF, e 217, do STJ, que afirmavam a impossibilidade de interposição de agravo no caso de denegação do pedido de suspensão de segurança foram revogadas.
Apesar de não ser um recurso em si, cabe aqui tecer breve consideração acerca do pedido de suspensão de segurança suscitado em face de decisão proferida no próprio incidente de suspensão, também conhecido como requerimento de suspensão per saltum (art. 15, § 1.º, da Lei n.º 12.016/09).
Em verdade, mesmo não sendo um recurso, funciona o pedido de suspensão de segurança per saltum como um, pois, como adverte Gleydson Kleber Lopes de Oliveira[64],
“é voltado a impugnar um pronunciamento judicial proferido pelo tribunal local, por meio da presidência ou órgão colegiado, em sede de incidente de suspensão. Acolher o pedido de suspensão no STF ou no STJ significa corrigir a decisão proferida pelo tribunal local que, por meio da presidência ou órgão colegiado, indeferiu o pedido de suspensão”.
Esse novo pedido de suspensão, originalmente introduzido no nosso ordenamento pela MP n.º 2.180/01, que acresceu o § 1.º ao art. 4.º da Lei n.º 4.348/64, é tido por inconstitucional por boa parte da nossa doutrina[65], notadamente, dentre outras incongruências, pelo fato de que a legislação ordinária disciplinou matéria inerente à competência do STF e do STJ, quando somente a Constituição Federal poderia fazê-lo.
4.10. EFICÁCIA TEMPORAL
Questão relevante no âmbito do incidente de suspensão de segurança é a relativa à eficácia temporal da decisão positiva proferida pela presidência do tribunal, notadamente nos casos em que a decisão suspensa é de natureza liminar, sendo confirmada pela instância inferior com a concessão da segurança pretendida. Nesta situação, a decisão que suspende os efeitos da liminar perde ou não a sua eficácia?
Eduardo Arruda Alvim, alinhando-se ao entendimento mais aceito a nível pretoriano, afirma que os efeitos da suspensão de segurança devem prevalecer à sentença até ulterior decisão final e definitiva do writ.[66] Esse o teor, aliás, da Súmula n.º 626 do STF, in verbis:
“A suspensão da liminar em mandado de segurança, salvo determinação em contrário da decisão que a deferir, vigorará até o trânsito em julgado da decisão definitiva de concessão da segurança ou, havendo recurso, até a sua manutenção pelo Supremo Tribunal Federal, desde que o objeto da liminar deferida coincida, total ou parcialmente, com o da impetração.”
Em sentido diverso, porém, parte da doutrina vem considerando que a suspensão da liminar não pode vigorar após a decisão concessiva do mandamus. Argumenta-se que não é lógico e razoável
“aceitar a ilação de que a decisão proferida no incidente de suspensão suscitado em face de decisão liminar possa tolher a eficácia de um pronunciamento judicial dotado de eficácia auto-executável que ainda está para ser proferido com base em cognição exauriente.”[67]
Marcelo Abelha Rodrigues[68], corroborando o posicionamento supra, diz que “os requisitos para que esteja presente a eficácia da decisão suspensiva pelo presidente do tribunal, em qualquer caso, são: eficácia e existência da decisão cuja execução se pretende suspender, e existência da decisão suspensiva pelo presidente do tribunal.”
Esse segundo entendimento parece ser o mais razoável. Assim, se o incidente de suspensão for suscitado em face de liminar, terá eficácia até a prolação da sentença no mandado de segurança. Se manejado contra a sentença, vigorará até decisão final proferida no mandamus, inclusive até o julgamento da remessa necessária (art. 14, § 1.º, da Lei n.° 12.016/09) e de eventual recurso voluntário interposto.
5.INCIDENTE DE SUSPENSÃO DE SEGURANÇA E DIREITO TRIBUTÁRIO
Feitas tais considerações acerca do incidente de suspensão de segurança, é momento de voltar-se para a análise de sua aplicabilidade no âmbito do direito tributário.
Como já se afirmou alhures, o mandado de segurança é meio processual bastante utilizado pelo contribuinte para defender-se dos atos praticados pelo Fisco, sendo a liminar nele proferida, inclusive, modo de suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
Dada a larga utilização do writ em matéria tributária, por óbvio que o incidente de suspensão da eficácia das decisões nele proferidas também é bastante utilizado nesta seara. Com efeito, a Fazenda Pública, principalmente sob o fundamento de risco de grave lesão à economia pública, maneja o incidente processual em apreço com certa frequência visando suspender as decisões liminares suspensivas da exigibilidade do crédito tributário.
A exigência do crédito tributário então, que estava suspensa, volta a vigorar com a suspensão da decisão de inferior instância pela presidência do tribunal. No caso de sentenças concessivas de segurança, que extinguem o crédito tributário, a extinção fica diferida até o momento da decisão final acerca da remessa necessária ou recurso voluntário interposto. Como adverte Cássio Scarpinella Bueno[69],
“[…] o emprego da suspensão de segurança quando está sub judice tributo é nulificar a relevância do disposto no art. 151, IV e V, do Código Tributário Nacional, pelos quais, como cediço, a concessão de liminar em mandado de segurança, a de medida liminar ou de tutela antecipada em outras espécies de ação judicial tem, por si só, o condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário.
Uma vez concedida medida com aquele viés, a suspensão da eficácia da decisão contra o Poder Público significa, em termos diretos, que o contribuinte precisará recolher o valor do tributo questionado aos cofres públicos. Ao fazê-lo, contudo, a viabilidade de fruição in natura por ele pretendida — e, em um primeiro momento, assegurada, mercê da decisão jurisdicional proferida em seu favor — cai por terra. A regra do solve et repete passa a ser, assim, a única solução para o caso concreto, em flagrante contradição com os avanços do direito processual civil mais recente e — o que é ainda mais grave — com o próprio sistema diferenciado de tutela material reconhecido pelo Código Tributário nacional, como demonstram suficientemente, os dispositivos acima evidenciados.”
Muitas vezes também, o Estado banaliza o incidente de suspensão de segurança, medida excepcionalíssima, buscando não à proteção do interesse público, mas sim evitar que as suas receitas sejam reduzidas através da contestação quanto à regularidade ou legalidade da cobrança de determinados tributos.
Nota-se, aí, que o Estado não está a proteger o interesse público propriamente dito, mas o seu próprio, patrimonial, o que, como já foi dito, afigura-se inadmissível. Sobre isso, socorro-me, uma vez mais, das valiosas lições do professor Cássio Scarpinella Bueno[70]:
É evidente que a liminar que determina a suspensão da exigibilidade do crédito tributário impede o ingresso de valores para os cofres públicos. “Quando, contudo, a medida é tomada com base na ilegitimidade da cobrança tributária, não é tolerável, juridicamente, que elementos estranhos à juridicidade daquela cobrança — assim, os argumentos ad terrorem estampados no caput do art. 15 da Lei n. 12.1026/2009: “evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas” — possam querer justificar o ingresso obstado pelo juízo de instância inferior, tal qual sói ocorrer em se tratando de suspensão de segurança”.
Também é comum que a pessoa jurídica de direito público interessada utilize-se do incidente de suspensão de segurança em matéria tributária sob o fundamento de que a decisão que se pretende ver suspensa poderá ter um efeito “bola de neve” ou “multiplicador”, pois novas decisões semelhantes poderão ser concedidas prejudicando a arrecadação tributária. Aqui, novamente, devem ser ratificados os argumentos do parágrafo anterior.
Eduardo Arruda Alvim[71], aliás, neste particular, discorre que:
“[…], não poderá a Fazenda Pública, por exemplo, em mandado de segurança por intermédio do qual se discuta determinada exigência tributária, pretender a suspensão dos efeitos da decisão concessiva da ordem, exclusivamente porque a mesma pode conduzir a uma avalanche de decisões contrárias aos interesses arrecadatórios da Fazenda, dado o precedente que será aberto. Fosse isso possível, e estariam reduzidos a zero o alcance e utilidade do mandado de segurança”.
Marcelo Abelha Rodrigues[72] destaca, ademais, que:
“Ainda, é pratica muito comum nos pedidos de suspensão de execução de decisão ao presidente do tribunal a alegação de que a pessoa jurídica de direito público passa por problemas financeiros, que a crise é geral, que a inadimplência dos tributos é constante, e que por isso, se naquela situação não lhe fosse dada a suspensão da segurança, constituiria num agravamento da situação. Essas alegações não são ao nosso ver suficientes para permitir o deferimento da medida, pelo simples fato de que se trata de alegações genéricas, não demonstrando a potencialidade concreta de lesão aos interesses tutelados na norma”.
O Supremo Tribunal Federal, porém, admite o pedido de suspensão de segurança lastreado na tese de grave lesão à ordem e à economia públicas pela ocorrência do denominado “efeito multiplicador”, como se observa no julgado cuja ementa transcrevo abaixo:
“AGRAVOS REGIMENTAIS NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS – ICMS. SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA E DE TELECOMUNICAÇÕES. PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE. ALÍQUOTAS. EFEITO MULTIPLICADOR. AGRAVOS REGIMENTAIS AOS QUAIS SE NEGA PROVIMENTO. I – A natureza excepcional da contracautela permite tão somente juízo mínimo de delibação sobre a matéria de fundo e análise do risco de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. Controvérsia sobre matéria constitucional evidenciada e risco de lesão à economia pública comprovado. Os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade e veracidade, não afastada na hipótese. Efeito multiplicador demonstrado, conforme pontuado no RE 714.139-RG. II – O depósito judicial não transfere a plena titularidade e disponibilidade do montante depositado. III – Agravos regimentais aos quais se nega provimento”.(STF – Pleno – SS 3717 AgR – Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI (Presidente) – j. em 29-10-2014 – DJe-226, de 17-11-2014).
Outro importante exemplo da utilização equivocada do instrumento processual em estudo na área tributária também citado por Marcelo Abelha Rodrigues[73] em sua abrangente obra,
“ocorre quando o Estado requer a suspensão da execução de decisão em mandado de segurança que excluiu determinada empresa, sob alegação da inconstitucionalidade da norma, do regime de substituição tributária para se lhe aplicar o regime antigo de recolhimento do imposto. Neste caso, normalmente, dois caminhos são trilhados pelo Estado: o primeiro, quando alega a constitucionalidade da substituição tributária e por isso deveria ser suspensa a execução da decisão concedida no writ; o segundo, quando alega que, se não fosse deferida a suspensão, poderia haver uma proliferação de mandado de segurança, servindo, pois, a suspensão como um estimulante negativo.”
Referido autor, em seguida, espanca, com maestria, tais argumentos, ressaltando, principalmente, que o Estado intenta com incidentes de suspensão tais quais o exemplificado “pretender que o remédio seja usado para situações onde não há o concreto risco de dano (o que se possui é a mera expectativa de que venham a existir novos mandados de segurança)”[74].
O Supremo Tribunal Federal, no entanto, vem julgando pela possibilidade de suspensão de segurança das decisões proferidas contra o Fisco em tema de substituição tributária tão somente com base na ocorrência do prefalado efeito multiplicador plausível de gerar grave lesão à economia pública, senão veja-se o seguinte aresto:
“CONSTITUCIONAL – PROCESSUAL CIVIL – TRIBUTÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA: SUSPENSÃO – GRAVE LESÃO À ECONOMIA PÚBLICA – EFEITO MULTIPLICADOR – SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA ‘PARA FRENTE’ – I. O Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário, julgando os RREE 213.396-SP e 194.382-SP, deu pela legitimidade constitucional, em tema de ICMS, da denominada substituição tributária ‘para frente’. II – A medida liminar, nos termos em que concedida, impossibilita a Fazenda Pública de receber a antecipação do ICMS por um largo período, o que lhe causa dano, sendo ainda certo que a segurança, se concedida, a final, não resultará inócua, dado que ao contribuinte é assegurada a restituição do pagamento indevido. III – Necessidade de suspensão dos efeitos da liminar, tendo em vista a ocorrência do denominado ‘efeito multiplicador’. IV – Agravo não provido”. (STF – AGRSS 1307/PE – Rel. Min. Carlos Velloso – j. em 1.º-3-2001 – DJU 11-10-2001, p. 007).[75]
6.CONCLUSÕES
De todo o exposto, pode-se concluir o seguinte:
1. O mandado de segurança bem como as liminares nele proferidas, constituem-se em garantias constitucionais asseguradas ao particular para a defesa de seus direitos ameaçados por ato ou omissão ilegal ou abusiva cometida pela Administração, ou por quem as suas vezes fizer, por seus agentes.
2. Sendo writ constitucional cujas decisões possuem forte efetividade, devido a seu caráter mandamental, o mandado de segurança é utilizado à larga pelos contribuintes para se proteger de atos praticados pelo Fisco, mormente porque a liminar no mandamus possui efeito suspensivo da exigibilidade do crédito tributário.
3. O pedido de suspensão de segurança formulado por pessoa jurídica de direito público diretamente ao presidente do tribunal competente para apreciar o recurso cabível da decisão que se busca suspender é medida excepcional, de natureza incidental, utilizado quando o interesse público primário esteja ameaçado nas hipóteses de ameaça de grave lesão à ordem, saúde, à segurança e à economia públicas.
4. Conquanto não se exija a apreciação da legalidade da decisão que se visa suspender, como entende majoritariamente a doutrina e a jurisprudência, deve a decisão acerca da suspensão de segurança ser conduzida com vistas à juridicidade do provimento de inferior instância, somente podendo ser concedida a suspensão se a ordem judicial for flagrantemente contrária ao ordenamento vigente, sob pena de não recepção da norma do art. 15 da Lei n.° 12.016/09 pela Constituição Federal, posto que limitadora da garantia constitucional do mandamus.
5. Dado que o mandado de segurança é bastante utilizado na seara tributária, também o é o incidente de suspensão de segurança, devendo, no entanto, ser observado que o Estado não pode, ao nosso sentir, manejá-lo exclusivamente na defesa de seus interesses individuais arrecadatórios, fulcrado tão somente em expectativas de diminuição de receita com base no efeito multiplicador que a decisão desfavorável pode acarretar, sem a comprovação da concreta ameaça de lesão à economia pública, interesse superiormente protegido.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Especialista em Direito Tributário UFRN. Assessor Judiciário no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte
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