Sustentabilidade em tempos de globalização

Resumo: O presente artigo discute a questão da sustentabilidade no cenário atual de globalização neoliberal. Apontando também a importância do Direito Ambiental para a consolidação de práticas sustentáveis e para a construção de sociedades sustentáveis.


Sumário: 1. Introdução; 2. Sustentabilidade e globalização; 3. Considerações finais; Bibliografia


1.INTRODUÇÃO


O ilustre sociólogo português, Boaventura de Sousa Santos (2001, p. 56) sintetiza bem o modelo de relação entre os homens e a natureza, que o sistema capitalista vem adotando nos últimos tempos:


“A promessa da dominação da natureza, e do seu uso para benefício comum da humanidade, conduziu a uma exploração excessiva e despreocupada dos recursos naturais, à catástrofe ecológica, à ameaça nuclear, à destruição da camada de ozônio, e à emergência da biotecnologia, da engenharia genética e da conseqüente conversão do corpo humano em mercadoria”.


Nesse mesmo sentido, o pensador francês, Félix Guattari (1990, p. 9), defende que somente haverá uma resposta à crise sócio-ecológica, se for em escala planetária e com o surgimento de uma autêntica revolução política, social e cultural, a qual reoriente os objetivos da produção de bens materiais e imateriais. Logo, o referido autor também defende um rompimento total com o sistema capitalista vigente, reconhecendo os efeitos drásticos do Capital sobre países do Sul:


“Uma finalidade do trabalho social regulada de maneira unívoca por uma economia de lucro e por relações de poder só pode, no momento, levar a dramáticos impasses – o que fica manifesto no absurdo das tutelas econômicas que pesam sobre o Terceiro Mundo e conduzem algumas de suas regiões a uma pauperização absoluta e irreversível.”


Neste artigo, trataremos da questão da sustentabilidade, diferenciando do conceito de desenvolvimento sustentável, o qual já se apresenta esgotado desde Estocolmo, por se inserir em premissas ainda ligada ao ideal de progresso vigente nos sistemas capitalistas e até no próprio socialismo realmente existente que ainda continua a adotá-lo como possível modelo. Para isso, convém citar Diegues (1996, p. 25):


“O conceito de “sociedades sustentáveis” parece ser mais adequado que o de “desenvolvimento sustentável”, na medida em que possibilita a cada uma delas definir seus padrões de padrões de produção e consumo, bem como o de bem-estar a partir de sua cultura, de seu desenvolvimento histórico e de seu ambiente natural. Além disso, deixa-se de lado o padrão das sociedades industrializadas, enfatizando-se a possibilidade de existência de uma diversidade de sociedades sustentáveis, desde que pautadas pelos princípios básicos da sustentabilidade ecológica, econômica, social e política.”


Nesse sentido, trabalharemos com o conceito de uma Sustentabilidade Socioambiental que, segundo Carlos Frederico B. Loureiro (2006), é o pressuposto balizador das ações para a construção de uma sociedade sustentável, na qual não seja considerado o crescimento econômico como fator de satisfação social, obedecendo aos interesses do mercado, e sim o respeito à diversidade  cultural, a busca por justiça social, a promoção de relações produtivas coletivistas, a preservação e a conservação ambiental, o equilíbrio ecossistêmico e o fortalecimento de instituições democráticas.


No que tange aos instrumentos sócio-jurídicos disponíveis para a construção de sociedades sustentáveis, valemo-nos do Prof. Henri Acselrad, o qual afirma a necessidade de trazer a discussão sobre a sustentabilidade para o campo das relações sociais, já que não há sentido falar da natureza sem a sociedade, pois a sociedade só existe em relação com a natureza, nas diferentes acepções que a esta possam ser atribuídas:


“A sustentabilidade remete a relações entre a sociedade e a base material de sua reprodução. Portanto, não se trata de uma sustentabilidade dos recursos e do meio ambiente, mas sim das formas sociais de apropriação e uso desses recursos e deste ambiente. Pensar dessa maneira implica certamente em se debruçar sobre a luta social, posto que se torna visível a vigência de uma disputa entre diferentes modos de apropriação e uso da base material das sociedades.” (ACSELRAD, 2009)


2.SUSTENTABILIDADE E GLOBALIZAÇÃO


Como afirma Edis Milaré (2001, p. 184): “viver de forma sustentável implica aceitação do dever da busca de harmonia com as outras pessoas e com a natureza, no contexto do Direito Natural e do Direito Positivo.” Como bem lembram, Séguin e Carrera (2001, p. 30):


“O tema ambiental extrapola os limites territoriais de um país, pois a Natureza não conhece fronteiras políticas. O processo de globalização insere os aspectos econômicos e ecológicos num novo quadro político e ideológico do qual o Direito não pode ser excluído.”


Então, pretendemos através do estudo do Direito Ambiental, contribuir para a construção de um pensamento crítico sobre a sustentabilidade, pois há a necessidade da inclusão das questões sociais neste debate, conforme afirma o ilustre Prof. Henri Acselrad:


“É difícil não perceber que o debate sobre sustentabilidade tem se pautado predominantemente pelo recurso a categorizações socialmente vazias. Ou seja, as noções evocadas costumam não contemplar a diversidade social e as contradições que perpassam a sociedade quando está em jogo a legitimidade de diferentes modalidades de apropriação dos recursos do território. Os diagnósticos e as definições têm se situado no campo técnico, apresentando-se como descolados da dinâmica da sociedade e, consequentemente, da luta social.” (ACSELRAD, 2009)


O Prof. Carlos Walter Porto Gonçalves (2004, p. 23) nos relata a existência de um desafio ambiental no período atual, de globalização neoliberal, diferentemente dos outros períodos que o antecederam pela especificidade deste desafio, pois até os anos 1960, a dominação da natureza não era uma questão e, sim, uma solução para o desenvolvimento. Então, é a partir dessa globalização que intervém explicitamente a questão ambiental.


O ilustre autor, em seu livro “A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização”, também questiona o sistema-mundo moderno-colonial, defendendo que não há razão para tal:


“Como e porque os recursos naturais devem continuar fluindo do sul para o norte? A globalização neoliberal é uma resposta de superação capitalista a essas questões, para o que, sem dúvida, procura, à sua moda, apropriar-se de reivindicações como o direito a diferença, para com ele justificar a desigualdade e, também, assimilar à sua lógica do mercado a questão ambiental.” (GONÇALVES, 2005)


Nesse sentido, o professor da Universidade de Michigan, Fernando Coronil, relata que a globalização está fazendo aumentar as desigualdades sociais e a destruição da natureza, então, defende a necessidade de elaboração de estudos críticos para o combate ao discurso neoliberal:


“A mágica do imperialismo contemporâneo reside em conjurar seu próprio desaparecimento fazendo com que o mercado apareça como a personificação da racionalidade humana e da felicidade. Os discursos dominantes da globalização oferecem a ilusão de um mundo homogêneo que avança constantemente em direção ao progresso. Mas a globalização está intensificando as divisões da humanidade e acelerando a destruição da natureza. Os estudos pós-coloniais deveriam enfrentar as seduções e promessas da globalização neoliberal”. (CORONIL, 2005)


Nesse mesmo sentido, o Prof. Fernando Coronil defende a importância de se buscar alternativas ao atual sistema capitalista:


“Uma crítica que desmitifique as afirmações universalistas do discurso de globalização, mas que reconheça seu potencial libertador, deveria tornar menos tolerável a destruição da natureza e a degradação das vidas humanas por parte do capitalismo. Esta crítica será desenvolvida em diálogo com idéias surgidas nos espaços nos quais se imaginam futuros alternativos para a humanidade, seja em “focos de resistência” ao capital, em lugares ainda livres de sua hegemonia, ou no seio de suas contradições internas”. (CORONIL: 2005).


Um dos mais importantes ambientalistas da atualidade, o Prof. Enrique Leff, o qual está à frente da Rede de Formação Ambiental para a América Latina e o Caribe no Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, afirma que as visões ecologistas e as soluções conservacionistas dos países do Norte são inadequadas e insuficientes para compreender e tentar resolver a problemática ambiental dos países do Sul:


“A diversidade cultural e ecológica das nações ‘subdesenvolvidas’ abrem perspectivas mais complexas de análises das relações sociedade-natureza para pensar a articulação de processos ecológicos, tecnológicos e culturais que determinam a manipulação integrada e sustentável de seus recursos”. (LEFF, 2006)


3.CONSIDERAÇÕES FINAIS


Diante do exposto, podemos afirmar que a sustentabilidade deve ser abordada sob os seus vários aspectos: econômico, social, cultural, político, tecnológico, jurídico e outros, buscando-se um novo paradigma ou modelo, diferentemente do desenvolvimento autofágico adotado desde a Revolução Industrial, o qual é o responsável pela insustentabilidade do mundo de hoje, seja no que se refere ao Planeta Terra quanto às famílias humanas (MILARÉ, 2007).


Então, há a necessidade de se buscar alternativas de produção e consumo sustentáveis, pois, conforme afirma o Prof. Paulo Affonso Leme Machado (2006, p. 232), o dinheiro que financia a produção e o consumo fica atrelado à moralidade e à legalidade dessa produção e desse consumo, logo, a destinação desse dinheiro não é neutra ou destituída de coloração ética, não podendo, portanto, financiar a poluição e a degradação da natureza. Não sendo, então, por acaso que a própria Constituição do País deixou expresso que o sistema financeiro nacional deve “servir aos interesses da coletividade”, em seu art.192.


 


Bibliografia

ACSELRAD, Henri. Sustentabilidade e Articulação Territorial do Desenvolvimento Brasileiro. Disponível em: http://www.unisc.br/cursos/pos_graduacao/mestrado/desreg/seminarios/anais_sidr2004/conferencias/02.pdf   Acesso em: 15 jun. 2009.

CORONIL, Fernando. Natureza do Pós-Colonialismo do Eurocentrismo ao Globocentrismo.  In: A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Edgardo Lander (org.) CLACSO, Buenos Aires. 2005.

DIEGUES, A . C. S. Desenvolvimento sustentável ou sociedades sustentáveis: da crítica dos modelos aos novos paradigmas. In: Diegues, A . C. S. Ecologia humana e planejamento em áreas costeiras. São Paulo: NUUPAUB, 1996.

LEFF, Enrique. Epistemologia ambiental. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2006.

GUATTARI, Félix. As três ecologias.  Campinas: Papirus, 1990.

LOUREIRO, Carlos Frederico. B. Trajetória e Fundamentos da Educação Ambiental. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2006.

MACHADO, Paulo Affonso Leme.  Direito Ambiental Brasileiro. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

MILARÉ, Edis.  Direito Ambiental. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

________. Direito do Ambiente. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

PORTO – GONÇALVES, Carlos Walter. A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2006.

________. O Desafio Ambiental. Rio de Janeiro: Record, 2004.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma Revolução Democrática da Justiça. São Paulo: Cortez, 2007.

________. Pela mão de Alice: o social e o político na pós- modernidade. São Paulo: Cortez, 2000.

SÉGUIN, Elida; CARRERA, Francisco. Planeta Terra Uma Abordagem de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

Informações Sobre o Autor

Rafael de Carvalho Missiunas

Pós-graduando em Direito Ambiental pela Universidade Federal de Pelotas – UFPEL; Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental – PPGEA/FURG; Pesquisador integrante do GTJUS – Grupo Transdisciplinar em Pesquisa Jurídica para a Sustentabilidade (Grupo de Pesquisa do CNPq) – FURG; Pesquisador integrante do NUPEDH – Núcleo de Pesquisa e Extensão em Direitos Humanos – da Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Professor Assistente das Faculdades Atlântico Sul – Anhanguera Educacional, onde ministra as disciplinas de Direito Administrativo e Direito Processual Penal; Tutor de apoio docente do Curso de Especialização em Direitos Humanos, da Universidade Federal do Rio Grande – FURG;


Equipe Âmbito Jurídico

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