Resumo: o presente trabalho visa comentar alguns institutos jurídicos, os quais foram nominados neste texto de técnicas de padronização decisória. Para tanto, o trabalho foi dividido e apresentado com a tese de crise do Poder Judiciário e do afogo de processos, trabalhando com o ativismo judicial e concluindo com a qualidade das decisões quando da utilização de tais técnicas. A tese será rechaçada pela antítese, ocasião em que será apresentado o argumento contrário às técnicas de padronização decisória, de acordo com a filosofia do direito e com conceitos de hermenêutica, trazendo, por fim, uma crítica sobre o sistema jurídico do Brasil.
Palavras-chave: Técnicas de padronização decisória. Hermenêutica Jurídica. Ativismo Judicial. Common Law e Civil Law. Qualidade decisória.
Abstract: the present work aims to comment some legal institutes, which were nominated in this text of decision Standardization techniques. To this end, the work was divided and presented with the thesis of crisis of Judiciary and the afire devoureth processes, working with judicial activism and concluding with the quality of the decisions when the use of such techniques. The thesis will be rejected by the antithesis, which will be presented the argument contrary to decision Standardization techniques, according to the philosophy of law and with concepts of hermeneutics, bringing, finally, a critique on the legal system of Brazil.
Keywords: decision-making Standardization techniques. Legal Hermeneutics. Judicial Activism. Common Law and Civil Law. Decision-making quality.
Sumário: Introdução; 1. Tese favorável: a máquina judicial emperrada; 1.1. Raízes do Ativismo Judicial; 1.2. Qualidade das decisões. As técnicas de padronização decisória; 2. Antítese: a aproximação (equivocada) do sistema brasileiro ao common law; 2.1. A pretensão de completude do Direito: o fechamento do sistema; 2.2. Sistema jurídico brasileiro: nem “civil law” nem “common law”; Conclusão (ou síntese); Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa tecer considerações acerca do tratamento jurídico das chamadas técnicas de padronização das decisões judiciais, vale dizer, das ditas súmulas impeditivas de recurso, súmulas vinculante, recursos repetitivos, etc.
Para tanto a pesquisa realizada se fundamenta, como outro texto qualquer em uma tese, contraditada por uma antítese e concluída por uma síntese de tudo o que será tratado nas próximas linhas.
A tese principal, argumentam os seus defensores, é a morosidade do Judiciário há muito tempo querida por advogados e demais operadores do direito, quiçá, querida pela própria constituição, que elenca como direito fundamental a razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CR/88).
Assim, dividimos a tese, com fins didáticos, trazendo a história como fundamento das crises por que passaram as instituições. Primeiramente do Legislativo que não suportou a técnica e especificidade exigidas pela legislação do Welfare State, posteriormente do Poder Executivo, que não conseguiu/consegue, realizar as políticas públicas de uma Constituição Dirigente. Essa incapacidade de realização dos direitos sociais, por parte do Executivo, judicializa as relações sociais.
Com isso, o Poder Judiciário hipertrofia e já não consegue mais dar solução com rapidez aos conflitos em sociedade, violando o princípio constitucional da razoável duração do processo.
Desta feita, algumas medidas passaram a ser adotadas para conter o ímpeto das ações que chegam a todo o momento no Poder Judiciário, tais como súmulas impeditivas de recursos, súmulas vinculantes, recurso repetitivo, etc.
No entanto, nomeada corrente doutrinária se manifesta desfavorável à adoção destas técnicas de julgamento, seja por que fecha o sistema, pressupondo, assim como o positivismo, a completude do direito, seja por que fere de morte princípios de hermenêutica.
São este dois, os pontos nevrálgicos que trataremos a partir de então.
2. TESE FAVORÁVEL: A MÁQUINA JUDICIAL EMPERRADA
Determinado setor dos operadores do direito têm visto nas súmulas impeditivas de recursos, súmulas vinculantes, recursos repetitivos entre outras técnicas de julgamento, uma solução para desafogar o judiciário. Vemos projetos de lei e PEC’s, mormente advindas do próprio Poder Judiciário[1], tratar de instrumentos que poderão servir ao Direito, trazendo maior funcionalidade/operacionalidade para o referido Poder, com o fim precípuo de desafogar este órgão, que inegavelmente necessita de maior celeridade em suas decisões.
É cediço que mesmo os procedimentos que surgiram à algumas décadas não suportaram a quantidade de demandas que batiam às portas do Judiciário, a exemplo dos Juizados Especiais, em que sua Lei 9.099/95 prevê um rito desprovido de formalidades e suas causas despojadas de complexidade, com o intuito de entregar ao jurisdicionado um pronta, rápida e eficiente resolução de sua demanda.
Ocorre que muitos motivos levaram ao afogo do Poder Judiciário, mas que pelos limites deste trabalho não convém visitá-los, no entanto a história conta que o ativismo judicial pode ser um dos maiores argumentos para entendermos o que faz com que a sociedade se socorra ao Judiciário.
Antes, contudo, percebemos que as propostas legislativas têm tentado resolver os problemas com técnicas de resolução sumária de conflitos ou no dizer de NUNES[2] mecanismos de padronização decisória, tendo como fundamento para sua adoção, justamente a grande quantidade de processos pendentes de julgamento.
Como argumento obter dictum, em que pese o seu nível constitucional, é o direito fundamental à razoável duração do processo, isto é, “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, assim, tais técnicas asseguram este direito fundamental, previsto no inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição da República.
2.1. Raízes do Ativismo judicial
Entender o processo histórico do ativismo judicial torna-se de suma importância, neste cenário em que a máquina judicial fica emperrada, sendo noticiado que tudo começa, explica VIANNA[3], com a “vocação expansiva do princípio democrático” que “tem implicado uma crescente institucionalização do direito na vida social”. Isto começa a acontecer com o “Welfare State”, tendo raízes na Revolução Industrial.
Após a Revolução Francesa, que rompeu com o Absolutismo Monárquico, positivou-se o princípio da separação dos poderes, já que arbitrário, entenderam os franceses, ter o poder concentrado nas mãos de um único homem.
Assim, cada órgão teria sua função típica: Legislar, Administrar ou Julgar.
No entanto, com a falência do liberalismo econômico e tendo como marco a Revolução Industrial[4] com suas reivindicações de direitos trabalhistas, o privado (contrato de trabalho) passou a se tornar público e, portanto, objeto de tutela, sendo uma parcela da vida em sociedade, judicializada. Isto é, algo que estava, anteriormente sob o pálio da manifestação (soberana) de vontade do particular, passa a sofrer intervenção.
Assim, tem fim o liberalismo econômico, no qual o Estado era um mero expectador da vida em sociedade, dando lugar ao Estado Providência, que trouxe a baila direitos fundamentais de 2ª geração, ou simplesmente, direitos sociais.
Citado por VIANNA, CAPPELLETI chama atenção para o dirigismo constitucional do chamado Estado Social ou “État providence”, como gostam os franceses. A legislação deste modelo estatal “consiste em prescrever programas de desenvolvimento futuro, promovendo-lhes a execução gradual[5]”.
Esta é a constituição dirigente, ou seja, aquela que dirige os objetivos do Administrador em relação às políticas públicas. São as metas que devem ser seguidas para que sejam alcançados os objetivos do Constituinte. Este tipo de constituição, que é como a nossa, está repleta de normas programáticas, cuja função é “instrumentalizar a ação do Estado na busca do desiderato apontado pelo texto constitucional, entendido no seu todo dirigente-principiológico[6]”.
No entanto, a discussão do social deveria ser feita na arena da sociedade civil, tornando-se lei feita pelo Poder Legislativo, todavia, com o Estado do bem-estar social, a regulação da economia passa a ficar com a Administração Pública, para consecução dos fins ditados pelas políticas públicas impostas pelo dirigismo constitucional.
Tais políticas públicas, assim, dependiam de produção de leis de alcance específico. Estas medidas (políticas públicas) demandam, normalmente, conhecimento específico em matérias de alta especialização, com isto, ocorre uma ultrapassagem do Legislativo pelo Executivo, já que aquele não tem o conhecimento técnico demandado, mas o Executivo através das suas pastas especializadas consegue abranger todos os setores[7].
CAPPELLETI[8] identificou bem a situação acima exposta quando diz que “exatamente em razão do enorme aumento dos encargos da intervenção legislativa, verificou-se o fenômeno da obstrução (overload) da função legislativa […]” Tal intervenção legislativa é encontrada no Welfare State, sendo que “Nestes Estados – continua o eminente jurista – os Parlamentos, amiúde, são excessivamente abundantes e por demais empenhados em questões de política geral e partidária, para estarem em condições de responder, com a rapidez necessária, à demanda desmedidamente aumentada da legislação”.
O Legislativo então abdica de parcela de suas funções, cedendo à Administração Pública a função de criação de políticas públicas.
Nasce a grande máquina burocrática de que fala CAPPELLETI.
Porém, os programas elaborados pelo Executivo, isto é, as políticas públicas, a par de saírem do legislativo, continuam a ter um caráter normativo, já que o Estado social “traduz, continuamente, em normas jurídicas as suas decisões políticas”, o que “mobiliza o Poder Judiciário para o exercício de um novo papel, única instância institucional especializada em interpretar normas e arbitrar sobre sua legalidade e aplicação, especialmente nos casos sujeitos à controvérsia[9]”.
Desta feita, temos que o “Welfare State” passa a exigir certas políticas públicas, para compensar a não intervenção estatal do liberalismo econômico, mas ao mesmo tempo, o Legislativo não consegue acompanhar a diversidade técnica que é necessária e abdica de suas funções para o Executivo, porém este é burocrático e a Administração Pública ganha ares de empresa. À mesma ocasião as normas de tempos presente e futuro (programas sociais ou normas programáticas) assumem indefinição e indeterminação, justamente por que deixam de ser normas regidas pelo tempo passado (certeza jurídica), sendo que essa indeterminação precisa ser complementada pela interpretação do Judiciário, que passa então a assumir o papel de legislador implícito[10]–[11].
A todo este cenário NUNES[12] deu o nome de crise das instituições, pois temos “Uma democracia representativa em crise que conta com um parlamento sem agenda. Um Executivo que não promove as políticas públicas necessárias para a garantia dos direitos fundamentais”.
Com tudo isto, o Poder Judiciário passou a ser um compensador dos déficits de funcionalidade dos demais Poderes, “no entanto – adverte NUNES – nosso Judiciário, nem mediante um esforço incomensurável de seus órgãos, conseguiria ser ‘virtuoso’ em face das exigências de produtividade numérica e de rapidez procedimental máxima”.
Com efeito, ao Legislativo interessando apenas políticas gerais e partidárias, abdica de suas funções para o Executivo, que, por sua vez, se torna burocrático não conseguindo concretizar os direitos fundamentais sociais, assumem um papel na sociedade de verdadeira crise; além do Poder Judiciário, que almejado a cobrir o déficit dos demais poderes, também adentra em uma crise, a saber, o seu inchaço e sobrecarga, passando a trabalhar com uma eficiência meramente quantitativa[13].
É certo, porém, que este não é o único fator, se não o fator histórico. Outros fatores, como o sociológico, p. ex., enxergam que “novos processos sociais têm provocado a emergência de conflitos coletivos, próprios do contexto da globalização, em que a produção, o consumo e a distribuição apresentam proporções de massa, gerando, como sustenta CAPPELLETI, fenômenos de massificação da tutela jurídica[14]”, no entanto, conforme alertado alhures, os limites deste texto não comportam tratar sobre todos os fatores que levaram o Judiciário à crise.
2.2. Qualidade das decisões. As técnicas de padronização decisória.
Tal fenômeno de massificação da tutela jurídica e consequentemente de aumento de espaço da jurisdição em detrimento da legislação, trouxe outro problema, do qual tratou NUNES, a saber, a discussão da eficiência e, para tanto, busca dois tipos de eficiência no sistema processual e judicial.
Cita o autor duas perspectivas de eficiência: a quantitativa e a qualitativa.
Na primeira delas, a qualidade das decisões judiciais seria mero incidente, pois que mais valeria ter um processo judicial veloz e barato.
Isto é visto, atualmente, com as técnicas de julgamentos-padrão como súmulas vinculantes, súmulas impeditivas de recursos, julgamento de recursos repetitivos, entre outros, nos quais basta subsumir o fato ao entendimento jurisprudencial. Tal técnica, como ficará adiante demonstrada, não vislumbra as especificidades do caso concreto, pois isto demandaria tempo. Esta perspectiva da eficiência é trabalhada hoje em nosso sistema processual.
Busca-se um processo célere, mesmo que isso custe a sua qualidade.
Mas tratando da segunda perspectiva da eficiência, NUNES informa que “seria aquela na qual um dos elementos principais de sua implementação passaria a ser a qualidade das decisões e de sua fundamentação e que conduziria à necessidade de técnicas processuais adequadas, corretas, justas, equânimes e, completaria, democráticas para aplicação do direito[15]”.
Ambas as perspectivas são faces da mesma moeda, porém tal situação encarada pelo judiciário, complementa, NUNES, “costuma impor a escolha de uma das faces da eficiência e à exclusão da outra por completo”.
Sobre o tema, STRECK[16] denomina a busca da efetividade quantitativa de busca pelo “desafogo de processos” e orienta que a preocupação da ciência jurídica deve fincar raízes na efetividade qualitativa.
Ainda tendo como referência o nosso sistema processual, NUNES, lembra-se das metas elaboradas pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, metas estas que exigem a produtividade dos magistrados, que até mesmo chegam a arquivar processos parados à determinado tempo, mas em plena marcha processual.
Em que pese o tom de crítica, de tal “movimento”, este é o fundamento da tese favorável à padronização das técnicas de julgamento sumário, adotadas pela maioria dos juristas brasileiros, trazendo este método como solução para a rapidez e concretização do direito fundamental à razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CF).
Em suma de tudo o que foi dito até agora e encerrando o raciocínio da tese favorável à padronização de julgamentos temos que: a) de acordo com a história, um dos fatores determinantes de uma atuação mais impetuosa do Poder Judiciário na resolução de conflitos sociais, foi o advento do Estado do Bem-estar social, que instituiu diretrizes e metas, postas dentro de uma Constituição-dirigente, porém o Executivo não consegue implementar tais políticas públicas, sendo então o Judiciário com o seu juiz Hércules, trazer o justo para a sociedade e; b) diante deste cenário, o Poder Judiciário também adentra em uma crise, por conta de sua hipertrofia, passando assim a elaborar técnicas de padronização de suas decisões de modo a aplicar uma tese para diversos processos que tratam do mesmo tema, externando desta feita uma eficiência quantitativa.
A partir das linhas que se seguem outro pensamento passa a ser demonstrado, desta vez contra a adoção dos métodos de padronização das decisões judiciais.
3. ANTÍTESE: A APROXIMAÇÃO (EQUIVOCADA) DO SISTEMA BRASILEIRO AO COMMON LAW
Depois de expor a tese favorável às técnicas de padronização das decisões judiciais, passamos a estabelecer as suas críticas, juntamente com a antítese, e que em suma levantaremos algumas críticas: a pretensão de completude do direito; aproximação equivocada do sistema brasileiro ao “common law”, etc.
3.1. A pretensão de completude do Direito: o fechamento do sistema
Na visão positivista, a atividade hermenêutica se resume a apreender o sentido na norma posta pelo legislador. A aplicação da lei se resume a subsumir o fato à norma, na verdade, a tratar apenas de aplicar a premissa maior (Lei) à premissa menor (Fato), surgindo daí a conclusão (Sentença), ou seja, utiliza um método axiomático, silogístico de interpretação.
Isto se dá pela pretensão de completude do Direito (dentro do positivismo), isto é, o direito é um sistema completo e autossuficiente. A lei não tem lacunas, quando isto ocorrer (eventualmente), o problema é resolvido pelos costumes, analogia e pelos princípios gerais do direito.
A visão positivista vê o ordenamento jurídico como um sistema autopoiético, isto é, visão de um sistema fechado, formal, autossuficiente e autônomo em relação aos demais subsistemas da sociedade; cuja pretensão é de que o legislador pode prever todas as situações conflituosas, mesmo aplicando métodos de suprimento de lacunas eventuais.
Aqui o método é o dedutivo, isto é, parte-se do caso geral para o caso particular, vale dizer, parte-se da lei geral e abstrata para o caso concreto. O caso concreto – que sempre encontrará no ordenamento uma norma – se resolve pela subsunção.
O juiz como intérprete não passa da boca que pronuncia as palavras da lei, não cabendo a ele qualquer papel criativo.
Com o advento do neoconstitucionalismo ou pós-positivismo, entram em cena os princípios, sendo que a lógica subsuntiva deixa espaço para a racionalidade argumentativa, em clara reaproximação entre o Direito e a Ética.
Este evento se dá no pós-guerra, juntamente com a evolução dos direitos fundamentais. O direito processual acompanhou esta evolução, saindo do instrumentalismo para uma quarta fase, o neoprocessualismo. Esta quarta fase de evolução do direito processual visa uma aplicação de princípios constitucionais, mormente direitos fundamentais ao processo, “pauta-se, também, no reforço dos aspectos éticos do processo, com especial destaque para a afirmação do princípio da cooperação, que é decorrência dos princípios do devido processo legal e da boa-fé processual[17]”.
Voltando ao tema e, sendo mais específicos, a adoção das técnicas de padronização decisórias, acabam por retornar a um positivismo de subsunção do fato a norma, vale dizer, basta que haja uma súmula (supostamente) aplicável ao caso, para que se faça a subsunção, tendo a súmula como premissa maior, na pretensão de fechar o sistema. Porém, como bem enfatizou STRECK[18], cria-se um paradoxo, haja vista, que as súmulas também são texto, e igualmente, devem ser interpretadas e sendo a norma produto da interpretação, há a possibilidade de termos várias normas para um mesmo texto legal.
Saliente-se, por oportuno, que a sentença também é uma norma, mas uma norma para um caso concreto individualizado, destarte, ter-se-á uma sentença-norma servindo de lei para outros casos ditos semelhantes.
Mas o que é caso semelhante? Isto não é o legislador quem diz, mas o presidente do Tribunal é que elegerá um paradigma de forma a sobrestar os demais recursos! E como ficará a singularidade do caso concreto? A singularidade ficará velada. Neste sentido, STRECK problematiza a questão: “(…) por que, entre outras razões, tiram [as súmulas impeditivas de recurso e vinculantes] a autonomia dos juízes e impedem, no plano hermenêutico, o aparecer da singularidade dos casos (por isso, as Súmulas são metafísicas)…[19]”.
Esse fechamento do sistema acaba por criar um problema hermenêutico, na medida em que, “no campo da hermenêutica trabalha-se com uma perspectiva produtora de sentido e não reprodutora, e que a cada interpretação faz-se uma nova atribuição de sentido[20]”, enquanto que na aplicação das técnicas de padronização “ocorre a petrificação dos sentidos jurídicos (…) que impedem, inexoravelmente, o aparecer da singularidade dos casos particulares[21]”.
3.2. Sistema jurídico brasileiro: nem “civil law” nem “common law”
É cediço que o ordenamento jurídico brasileiro segue a tradição romano-germânica, isto é, nosso ordenamento é (deveria ser) fiel às leis.
No entanto, este paradigma parece ter sido quebrado. Ao analisar o Direito Brasileiro de maneira interdisciplinar perceberemos que o nosso controle de constitucionalidade é um controle do tipo misto, isto é, adotamos o controle difuso do direito norte-americano, mas também possuímos um controle concentrado austríaco; nossas Emendas Constitucionais, a par do mundo todo adotar Emendas “por inclusão” ou “por anexação”, o Brasil adota as duas.
Dentro do direito processual civil não é diferente, nosso sistema de tutela coletiva é um dos mais avançados e complexos do mundo, mas como se sabe, este modelo é marca da tradição common law[22].
Contudo, conforme passaremos a analisar, amparados em STRECK, o sistema da common law não é praticado – nos países que o adotam – como o Brasil vem fazendo.
O citado autor salienta que “no Direito norte-americano as decisões não são proferidas para que possam servir de precedentes no futuro, mas antes, são emanadas para solver as disputas entre litigantes de um determinado processo[23]”.
Nosso Código de Processo Civil, porém, no §1º do seu art. 518, diz não ser admissível o recurso de apelação quando a decisão estiver amparada em Súmula do STF ou do STJ.
Percebemos ai a primeira divergência, isto é, as súmulas são anteriores à decisão de inadmissibilidade, o que nos leva à afirmação de que o precedente, as decisões que deram azo a determinada súmula, foi proferida pro futuro, engessando posteriores teses.
Outro ponto contrastante entre o sistema da common law e o sistema brasileiro é que aqui basta que o juiz não admita o recurso ao argumento de que esbarra em entendimento sumulado, “isso, porém, não ocorre no direito norte-americano, pela relevante circunstância de que lá o juiz necessita fundamentar e justificar detalhadamente a sua decisão[24]”.
O que ocorre é um ecletismo (STRECK) ou uma mixagem de sistemas jurídicos (NUNES). Segundo STRECK esse ecletismo se dá por que “no sistema da common law, o juiz necessita fundamentar e justificar a decisão. Já no sistema da civil law, basta que a decisão esteja de acordo com a lei (ou com uma súmula)[25]”. Já NUNES com agudeza percebe que “a cada dia assistimos o reforço da importância dos precedentes dos Tribunais, especialmente superiores, na fundamentação das decisões proferidas[26]”.
Mas tal situação não ocorre somente no caso das súmulas impeditivas de recursos do § 1º do art. 518, na verdade, trata-se de técnica anteriormente conhecida do direito do trabalho (art. 896, CLT) que se espalha pelo Código de Processo Civil.
Esta tendência permanece ainda no CPC que se avizinha, bastando verificar o art. 930 e seguintes do PLS 166/2010[27]–[28], sob a rubrica “Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas”.
Ainda no CPC contemporâneo, o espírito da padronização decisória se verifica nos recursos repetitivos, cuja guarida está no art. 543-C, segundo o qual, “quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo”, isto é, pela expressão “multiplicidade de recursos”, percebe-se com clareza solar que a eficiência que se quer no Judiciário é a quantitativa.
No julgamento dos recursos repetitivos, cabe ao presidente do Tribunal admitir um ou mais recursos representativos, os quais serão encaminhados ao STJ, ficando, os demais, sobrestados até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal (CPC, §1º do art. 543), isto é, recursos, que no pano de fundo, tratam da mesma causa, mas que possuem alguma singularidade, não terão chance de se desvelar para o julgador que apenas subsumirá a tese vencedora a todos os recursos sobrestados, indistintamente.
E mais, da decisão que sobrestar determinado recurso, com base no art. 543-C do CPC (i. é, Recursos Repetitivos), não cabe agravo ou qualquer outro recurso. Neste sentido, recente julgado da 4ª Turma do STJ (INF 514 de MAR/2013), que merece transcrição de sua ementa (não pela qualidade, mas pelo tema aqui tratado), verbis:
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO QUE DETERMINE O SOBRESTAMENTO DE RECURSO ESPECIAL COM BASE NO ART. 543-C DO CPC. Não é cabível a interposição de agravo, ou de qualquer outro recurso, dirigido ao STJ, com o objetivo de impugnar decisão, proferida no Tribunal de origem, que tenha determinado o sobrestamento de recurso especial com fundamento no art. 543-C do CPC, referente aos recursos representativos de controvérsias repetitivas. A existência de recursos se subordina à expressa previsão legal (taxatividade). No caso, inexiste previsão de recurso contra a decisão que se pretende impugnar. O art. 544 do CPC, que afirma que, não admitido o recurso especial, caberá agravo para o STJ, não abarca o caso de sobrestamento do recurso especial com fundamento no art. 543-C, pois, nessa hipótese, não se trata de genuíno juízo de admissibilidade, o qual somente ocorrerá em momento posterior, depois de resolvida a questão, em abstrato, no âmbito do STJ (art. 543-C, §§ 7º e 8º). Também não é possível a utilização do art. 542, § 3º, do CPC, que trata de retenção do recurso especial, hipótese em que, embora não haja previsão de recurso, o STJ tem admitido agravo, simples petição ou, ainda, medida cautelar. Ademais, não é cabível reclamação constitucional, pois não há, no caso, desobediência a decisão desta Corte, tampouco usurpação de sua competência. Por fim, a permissão de interposição do agravo em face da decisão ora impugnada acabaria por gerar efeito contrário à finalidade da norma, multiplicando os recursos dirigidos a esta instância, pois haveria, além de um recurso especial pendente de julgamento na origem, um agravo no âmbito do STJ. AREsp 214.152-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 5/2/2013”. (grifamos).
Neste julgado observa-se a pergunta “para quem é feito o Direito no Brasil?”, vale dizer que o STJ neste julgado fundamenta o não cabimento de recurso, no princípio da taxatividade, ou seja, não há previsão legal de recurso, mas na mesma ementa (que destacamos) admite agravo para este Tribunal Superior da decisão que nega seguimento ao recurso especial, embora também não haja previsão legal!
A pergunta acima fica mais evidente diante de uma interpretação da Lei Federal 11.445/07 dada no mesmo Informativo Jurisprudencial acima citado, no qual entendeu que “o art. 3º, I, b, da Lei n. 11.445/2007 deixa claro que o serviço de esgotamento sanitário é constituído por diversas atividades, dentre as quais a coleta, o transporte e o tratamento final dos dejetos, mas não estabeleceu que somente exista o serviço público de esgotamento sanitário na hipótese em que todas as etapas estejam presentes, nem proibiu a cobrança de tarifa pela só prestação de uma ou algumas destas atividades[29]”. Tal argumento é fragilizado pela interpretação literal dada a ele.
Em verdade, a redação do dispositivo supracitado considera esgotamento sanitário aquele “constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente”. Vale dizer, portanto, que o serviço de tratamento de dejetos visa, ao cabo, a disposição final adequadas dos esgotos sanitários no meio ambiente, ou seja, está cumprindo ai uma função social.
Se levarmos em conta a interpretação dada pelo Superior Tribunal, bastará a coleta, que, diga-se, é a fase mais simples do serviço, para autorizar a cobrança. Isto é o consumidor pagará por um serviço que não é completamente prestado e o pior que não cumpre com sua função social. Ditame este insculpido no art. 3º, I, CRFB/1988, isto é, a solidariedade como viés da fraternidade, tendo no Direito Ambiental, sua expressão mais límpida de cuidado fraterno para as gerações presentes e futuras.
Tal argumento, porém, é esvaziado haja vista que não chegará a ser analisado pelo STJ, visto que o sobrestamento é irrecorrível, sendo tal entendimento, agora, petrificado e quem tiver que argumentar o acima exposto correrá o risco de “cometer o crime de porte ilegal da fala (STRECK)”.
Mais uma vez é importante rememorar que no sistema da common law, os precedentes são feitos para discutir aquele caso e não outros semelhantes, vale dizer, as decisões não são decididas para serem usadas pro futuro como é feito em terrae brasilis, onde vários julgados são transformados em súmulas e, por vezes, inadvertidamente aplicados a casos apenas semelhantes, mas não iguais.
Esta, contudo, parece ser a tendência mundial, adverte NUNES, porém ao fazer tal ecletismo devemos observar a cientificidade, para que não se caia na já muito mencionada técnica de padronização decisória.
CONCLUSÃO (ou síntese):
Diante de tudo o que foi dito, percebemos um equívoco da dogmática jurídica dominante ao tentar reverter o quadro histórico que levou o Judiciário à crise, mexendo na funcionalidade do sistema, esquecendo que boas mudanças na estrutura deste Poder poderiam trazer soluções imediatas e mais concretas.
Os problemas de hermenêutica jurídica que são ocasionados pela adoção de técnicas de padronização decisória parecem ser irrisórios para quem adota tais técnicas, porém esquece-se que o Direito, com isto, vai se tornando algo axiomático e pior, ilegítimo, já que o Judiciário ao interpretar (e petrificar um entendimento) torna-se legislador implícito, faltando-lhe, pois legitimidade democrática. Além, é claro, do já tratado retorno ao positivismo jurídico.
Merecem aplausos, pois, a aprovação da PEC 544/2012 que cria (para mais 4 regiões[30]) novos TRF’s, com o claro intuito de desafogo da Justiça Federal. Vemos atualmente, o nível de morosidade que esta Justiça chegou, mas o problema foi atacado mediante a criação de novas unidades em outros estados da Federação e não atacando a funcionalidade do ordenamento.
Temos em trâmite ainda a PEC 03/2013 que propõe o aumento do número de ministros do Supremo Tribunal Federal para 15. Ademais, o número de juízes de 1ª instância deveria ser acrescido e, evitada a defasagem nos Tribunais (guardam notícias de que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro possui defasagem de 150 magistrados). A contratação de novos técnicos e analistas para acelerar o serviço cartorário também seria salutar.
Outra medida, cotidianamente vista nos Juizados Especiais, é a adoção de mutirões de audiências, onde juízes togados se reúnem nos fóruns regionais para realização de audiências de instrução, prolatando, inclusive, sentença em audiência.
Que precisamos de mudanças no ordenamento, todos sabemos, no entanto, mudanças devem respeitar a ratio do Direito. Direito é vida, Direito é argumentação, Direito é fala. Assim, concluímos a nossa tese, já claramente vinculada à antítese (item II), com interessante trecho do, já muito tratado, artigo do Prof. Dr. Lenio Streck, litteris:
“A tese vinculatório-sumular é a simplista ‘opção’ por um discurso monológico (WARAT), em que a fala já vem habitada de antemão. É enfim, a instituição de uma espécie de ‘linguagem autorizada’ de que fala BOURDIEU, em que a Súmula vinculante, como ‘porta-voz’ dessa fala autorizada, transforma-se em um ‘impostor provido do certo’ (skeptron), mesmo que para isso se cometa uma extorsão de sentido a lei e da Constituição. Quem estiver em desacordo será, irremediavelmente, condenado pelo crime de ‘porte ilegal da fala’[31]”.
Advogado Militante no Rio de Janeiro. Pós-graduado em Direito Constitucional (2011) pela Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro. Pós-graduando em Direito Civil e Processo Civil
O Benefício de Prestação Continuada (BPC), mais conhecido como LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social),…
O benefício por incapacidade é uma das principais proteções oferecidas pelo INSS aos trabalhadores que,…
O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário concedido aos dependentes de segurados do INSS que se…
A simulação da aposentadoria é uma etapa fundamental para planejar o futuro financeiro de qualquer…
A paridade é um princípio fundamental na legislação previdenciária brasileira, especialmente para servidores públicos. Ela…
A aposentadoria por idade rural é um benefício previdenciário que reconhece as condições diferenciadas enfrentadas…