Resumo: Este estudo tem como tema a retirada do idoso no rol da injúria qualificada, uma vez existir o mesmo delito tipificado no Estatuto do Idoso. Trata-se de análise crítica entre os artigos 140 da Lei 2.848/40 e 96, §1 da Lei 10.741/03 para que haja consenso na aplicação da pena ao crime descrito nos referidos artigos já que descrevem a mesma conduta delituosa, ou ainda, em qual das leis deverá permanecer esta conduta. Diante das referidas análises constatou que o Estatuto do Idoso não instituiu um novo tipo penal através do art. 110 e sim, uma nova pena ao inserir a conduta de humilhação na injúria qualificada. Ou seja, existe simultaneamente a vigência de duas normas tipificando condutas idênticas, mas que aplicam penas diferentes ao sujeito ativo da mesma, devendo, portanto, ser aplicado o princípio da especialidade e retirado o idoso da injúria qualificada.
Palavras-chave: humilhação, idoso, injúria; qualificada; honra; princípio; especialidade; proteção; psicologia; criminal; ultima ratio.
Sumário: 1. Introdução. 2. Da honra. 3. Da definição da injúria. 4. Da história da injúria. 5. Da psicologia criminal na injúria qualificada. 6. Da super proteção e do estatuto do idoso. 7. Do direito penal como ultima ratio. 8. Das penas da injúria e humilhação. 9. Do princípio da especialidade. 10. Da exclusão do idoso no rol da injúria qualificada. 11. Conclusão. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Diante do envelhecimento da população ocorreu o desafio de se proteger o idoso em quase todos os aspectos, especialmente no que tange à saúde, seja física ou mental, a cidadania e a dignidade.
A qualidade de vida de uma pessoa pode ser influenciada de várias formas, sendo no aspecto físico a falta de exercícios, má alimentação e o declínio NATURAL, em razão do tempo de vida, DAS FUNÇÕES FISIOLÓGICAS, comprometendo a saúde; e o aspecto psicológico, caracterizado por perdas na AUTO-ESTIMA, que pode estar intimamente vinculada ao sentimento de inutilidade e desrespeito.
Para ajudar pessoas acima de 60 anos de idade a se manterem saudáveis e ativas, tem-se reconhecido diversos direitos dos mesmos, e assim, fazer com que os idosos alcancem a independência, participação, e autor realização dentro de uma sociedade para que não se sintam excluídos, a margem.
Consequentemente, diversas ações foram adotadas, a fim de proteger e incluir o idoso como indivíduo dentro da sociedade brasileira, dentre elas, a criação do Estatuto do Idoso, Lei 10.741/03 que objetiva a […] “preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”, conforme expõe o artigo 2° da referida lei e, para torna-la ainda mais eficaz, tornou qualificado diversos crimes já existentes no Código Penal quando praticado contra o idoso.
Na injuriar qualificada, o agente ativo imputa ao agente passivo uma condição inferior, tendo em vista suas qualidades físicas ou morais, utiliza os atributos do próprio agente passivo, a fim de ofender e ferir sua honra. Esses atributos, que são geralmente físicos, podem ser relativos à raça, cor, idade ou deficiência.
Quando o agente ativo ataca a honra subjetiva do agente passivo, o seu intuito também será sempre de humilha-lo (segundo dicionário Aurélio é rebaixar, vexar, tratar desdenhosamente a), portanto, a humilhação é um elemento intrínseco da Injuria.
Essa humilhação em razão de suas qualidades, acaba por segregar aquele que lhe parece diferente, mas será que é correto incluir o idoso no rol de injuria qualificada mesmo existindo o crime de humilhação no Estatuto do Idoso? O intuito ao injuriar o idoso será realmente o de segregar, mesmo com a certeza de que no futuro você adquirira sua mesma constituição física? Não seria então o delito de tentar ofender uma pessoa, lhe chamando de “velho”, uma injúria simples ou a humilhação prevista no próprio Estatuto do Idoso? Por essa razão, o objetivo do presente trabalho é discutir a necessidade da figura do idoso em se manter no tipo penal Injúria Qualificada.
2 DA HONRA
Existem vários conceitos para a honra e, em sua maioria, é dividida em objetiva e subjetiva. No presente trabalho, traremos principalmente a subjetiva e não estamos preocupados em defini-la como uma verdade absoluta, mesmo porque ela pode ser relativizada se não levarmos em consideração o dolo de quem tenta atingir a honra de um indivíduo.
Essa honra subjetiva pode variar de acordo com os valores e estima de cada pessoa, ou seja, chamar uma mulher de “vaca” pode não ter o mesmo efeito desonroso para outra mulher, por conta de seus valores ensinados e crenças, um exemplo seria uma mulher indiana, onde em seu país as vacas são sagradas.
Por outro lado, para outra mulher indiana, vivendo no mesmo pais e cidade, poderia ser sentimentalmente ofensivo. Isso ocorre porque todos os seres humanos nascem com um senso inato de valores pessoais positivos e negativos, conforme explica o professor de Harvard, Abraham Maslow, independentemente de crenças e valores fictícios da sociedade que lhes foram ensinados por décadas.
Quando ocorre agressão à honra de um sujeito, não há como repará-la, por isso, trata-se de crime cuja extensão de suas consequências são intangíveis, mas apesar intangíveis, poderá haver a retratação e/ou compensação material.
Para Nelson Rosenvald e Cristiano Farias[1], “honra é a soma dos conceitos positivos que cada pessoa goza na vida em sociedade”, enquanto para Uadi Lammêgo Bulos, a honra é “(…) um bem imaterial de pessoas físicas e jurídicas protegida pela Carta de 1988”.[2] E mais, de acordo com Victor Cathein e Arthur von Schopenhauer, a honra é o sentimento de dignidade que cada indivíduo possui de si.
Apesar do caráter subjetivo da honra, pessoas jurídicas poderão ter sua honra violada, já que também possuem um “nome” ou reputação a ser zelada. Dessa reputação são retirados os fundamentos da honra objetiva que a doutrina costuma aduzir, sendo esta a visão que a sociedade faz de uma pessoa, seja física ou jurídica.
Existe no ordenamento brasileiro diversos dispositivos, sejam constitucionais, cíveis, penais, tratados recepcionados, cujo objeto é a proteção jurídica da honra, tais como: art. 5º, inciso X, da Constituição Federal de 1988; o Pacto de São José da Costa Rica em seu art. 11; no Código Civil de 2002, art. 20; no Código Penal de 1940, art. 140.
Por fim, vale a pena abordar o aumento substancial de pedidos de reparação por dano moral nos últimos anos, números esses, que têm assustado os Tribunais do País, pois trata-se da consequência fomentada pela falta de respeito no tratamento entre as pessoas.
3 DA DEFINIÇÃO DA INJÚRIA
Atualmente, os crimes contra o patrimônio são aqueles com as mais elevadas penas, ou seja, seu grau de punibilidade é elevado. Por outro lado, existe um paradoxo nas leis se as vislumbramos sob o prisma constitucional de que trata-se a dignidade de um dos princípios basilares do direito, já que os crimes patrimoniais possuem maior rigor em sua punição do que os crimes contra a honra, por exemplo.
Difícil é a tarefa de definir o que é o Princípio da Dignidade, por isso, transcrevo o entendimento de Alexandre de Moraes, que é o autor que melhor elucida o conceito: "a dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas".[3]
Quanto à injúria para Aníbal Júnior, é senão: “palavra ou gesto ultrajante, ofensivo ao sentimento de dignidade alheio”.[4]
Trata-se de crime comum, formal, de forma livre, comissivo e excepcionalmente, comissivo por omissão. Inadmissível é a exceção da verdade, mas caso a provocação seja reprovável do sujeito passivo é causa de extinção da punibilidade.
Por isso, a honra está intimamente ligada à dignidade da pessoa humana e caminham não só paralelamente, mas de mão dadas, já que ao ferir a honra, estará ferindo diretamente a dignidade, apesar de nem sempre acontecer o oposto.
Aos inimputáveis e mortos, é necessária a análise no caso concreto. No que tange aos inimputáveis, para que sejam sujeitos passivos no crime de injúria, deverão ter a consciência e o sentimento de ofensa, por exemplo, um bebê, não possui tal discernimento.
Quanto aos mortos, estes não poderão ser injuriados, pois não estão tipificados estes atos como crime.
“ILEGITIMIDADE «AD CAUSAM». AÇÃO PENAL PRIVADA. INJÚRIA. NASCITURO. EXCLUSÃO DO POLO ATIVO. A configuração do delito de injúria não prescinde da capacidade subjetiva do ofendido sentir os efeitos da ação delituosa. Ainda que a angústia da mãe possa refletir no desenvolvimento natural do feto, tal circunstância, porém, não é suficiente para a caracterização do elemento subjetivo do delito de injúria, que exige tenha a vítima consciência da dignidade ou decoro, sem a qual não haveria a tipicidade. Decisão mantida. Recurso improvido”.[5]
Ademais, não é admitida a forma culposa para este crime, portanto, pune-se apenas a modalidade dolosa, consequentemente, é exigido majoritariamente pela doutrina e pela jurisprudência o elemento subjetivo do tipo específico que é a intenção de ofender, insultar, macular a honra do sujeito passivo, ou seja, o animus injuriandi.
4 DA HISTÓRIA DA INJÚRIA
Desde sempre a honra esteve na história da humanidade, sejam por relatos de fatos ocorridos, pela literatura, mitologia, religiões, dentre outros ou mesmo pelos livros modernos que abordam o assunto. Na bíblia, por exemplo, aproximadamente 1447 a.C, em Êxodo 28:40, foi escrito “Faça também túnicas, cinturões e gorros para os filhos de Arão, para conferir-lhes HONRA e dignidade. ”
O Código de Manu, o qual trata do direito Indiano, foi criado aproximadamente 1000 a.C e já havia punição para a calúnia, difamação e injúrias. Alias, eram vários artigos acerca dos temas mencionados, sendo que as penalidades para injúria eram de acordo com a casta do agente ativo e passivo, quanto mais inferior a casta do sujeito ativo e superior do passivo, maior a punição.
Em 1901 d.C, ocorreu um dos primeiros esboços da atual injúria simples, o artigo 127 do Código de Hamurabi diz que se alguém ‘apontar o dedo’ a irmã de um Deus ou a esposa de outro alguém e não puder provar o que disse […], então esta pessoa seria julgada.
Em 1764, no livro “Dos Delitos e das Penas”, escrito pelo autor italiano Cesare Beccaria, veio com o termo injúria para o crime cometido contra a honra de um homem, assim como ampliou o sentido moral e subjetivo dessa honra, expondo pela primeira que trata-se de algo interno (no coração do homem) para o externo e não o contrário.
No Brasil, a honra chegou com os Portugueses no ano de 1532, quando a primeira expedição atracou em nossas baías e, durante o período de colonização, a Coroa de Portugal impôs seus costumes e regras, por isso, a economia, a política, a religião e as leis vigentes aqui eram as deles.
Os portugueses que vieram para o Brasil e se tornaram colonos, formavam a chamada elite colonial e eram agraciados pelo rei em todas as áreas, através de riquezas e prestígios. Com isso, essa elite prezava sua tradição, seus consanguíneos, nobreza e consequentemente sua honra.
Sendo assim, a honra era quase um bem a ser preservado pelos indivíduos e mesmo após a proclamação da independência, esses costumes e regras permaneceram. Boa parte deles foram incorporados pelos brasileiros.
A partir de um dado momento, a honra, além de ser tratada como um bem pelos nobres, passa a ser legitimada pela sociedade e tutelada pelo Estado brasileiro, através do art. 317 do primeiro Código Penal, promulgado em 1890, mas ainda possuía lastros fortes do elemento externo, quase como um constrangimento, onde a opinião pública ainda é importante.
Por fim, em 1940, foi promulgado nosso atual Código Penal, o qual, assim como Cesare Beccaria, trouxe também a honra como algo mais amplo, tratando como dignidade ou decoro, trazendo, portanto, o elemento subjetivo da honra e consequentemente penalizando a ação por si só.
5 DA PSICOLOGIA CRIMINAL NA INJÚRIA QUALIFICADA
Possui como objeto de estudo o raciocínio do criminoso e os motivos que o levaram a praticar o comportamento criminoso. A psicologia procura, ainda, reconstruir o trajeto de vida do marginal e, assim, descobrir o que motivou o desvio, pois só desta forma poderá determinar uma pena justa
A conduta criminosa ou socialmente desviada terá, na maioria das vezes, como motivo ensejador, um conflito entre pessoas, expresso e manifesto.
Para o autor Alvino Augusto de Sá, a criminalidade nasceu com o homem, desde a bíblia quando Eva e Adão comeram do fruto proibido e mais, quando Caim matou Abel e sempre sucedia a punição que muitas vezes era mais severa que o próprio crime cometido. Só com Jesus Cristo que pela primeira vez houve a redenção, através do perdão aos que o castigavam.
Como os demais animais, instintivamente tememos pela nossa sobrevivência e conquista de espaço. Com o passar do tempo, as prioridades foram mudando e, hoje, no sentido psicológico e inconsciente, muitas vezes apenas a rivalidade é fundamento para a agressão verbal ou física.
Sob outra ótica, e ainda segundo Alvino, o processo psicológico existente na conduta possui dois tipos de reação: a que vai da “ação irrefletida” para o pensamento, ou seja, reação e reflexão, e aquela que se distância da realidade e tenta agir construtivamente.
Ocorre que ao afetar a honra do sujeito, essa conduta pode representar dano até maior que ofensas físicas, pois atinge a psique, o sentimento interno das pessoas, diferente dos crimes patrimoniais, por exemplo, e, por isso a proteção da honra reflete a proteção do direito à integridade moral.
De acordo com Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, o direito à integridade moral “tutela a higidez psíquica da pessoa, sempre à luz da necessária dignidade humana”.[6]
A honra integra, portanto, os direitos da personalidade no âmbito psíquico. De acordo com Carlos Alberto Bittar: “(…) são vedadas pelo ordenamento jurídico todas as práticas tendentes ao aprisionamento da mente ou a intimidação pelo medo, ou pela dor, enfim, obnubiladoras do discernimento psíquico”.[7]
Quando criada, a injúria qualificada quis, em verdade, proteger aqueles que aos olhos da sociedade já estariam em desvantagem se comparados com os demais cidadãos.
Segundo Rui Barbosa:
“a regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.”[8]
Quando se pratica injúria contra um deficiente físico ou idoso, se está atingindo psicologicamente aquele que em razão de seu aspecto ou constituição física, encontra-se desprotegido, por isso, pune-se com mais gravosidade.
6 DA SUPER PROTEÇÃO E DO ESTATUTO DO IDOSO
O envelhecimento é, na verdade, apenas o avanço da idade, é o processo temporal inevitável e inerente à vida. Por essa razão, todo homem é sujeito a se tornar idoso.
Existem algumas alterações quando o sujeito se torna idoso: geralmente este se torna mais frágil, tendo em vista a piora em suas condições físicas e mentais, levando-o muitas vezes a alguns tipos de constrangimentos.
Diante dessa situação, não é raro ver um idoso ser levado à depressão, pois muitos não conseguem entender seu novo quadro e, assim, também não conseguem superar as dificuldades apresentadas no dia a dia.
Estes são apenas alguns dos motivos que mostram como são necessários alguns cuidados especiais no tratamento e até mesmo medidas protecionistas com o idoso, uma vez estes serem, em sua maioria, mais vulneráveis que os mais jovens.
Existe uma divergência entre o código penal e o estatuo do idoso com relação à idade que deveria ser atingida para que se enquadre como idoso. Em algumas disposições de natureza criminal, que alteraram o CP e a legislação especial, o Estatuto o trata como "maior de 60 (sessenta) anos" (grifo nosso); em outras, como "pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos" (grifo nosso).
Os artigos 96 a 104 do Estatuto, que definem crimes em espécie, utilizando as expressões "idoso" e "pessoa idosa", referindo-se à vítima de "idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos".
O conceito que mais favorece o sujeito passivo do crime é o referente à idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. De modo que, nos casos em que as leis mencionam o idoso como o maior de 60 (sessenta) anos, estendendo o âmbito da norma, cumpre incluir o de idade igual a 60 (sessenta) anos.
Em suma, idoso, na legislação criminal brasileira, é a pessoa de idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.
O Brasil organiza-se para responder às demandas dos idosos, que são mais frágeis que a população mais jovem e a cada dia seu número vem aumentando.
Para tanto, o Governo promove a elaboração ou a readequação de políticas, planos, projetos e leis que visam a proteger o idoso. Essas medidas possuem como foco principal a continuidade do idoso à sua capacidade funcional, isto é, a manutenção das habilidades físicas e mentais necessárias para realização de atividades básicas e instrumentais da vida diária.
7 DO DIREITO PENAL COMO ULTIMA RATIO
Entende-se como ultima ratio, “última razão” ou “último recurso”. É uma expressão com origem no Latim e empregada frequentemente no direito penal. Diz-se que o Direito Penal é a ultima ratio, ou seja, é o último recurso ou última área ou instrumento do direito a ser utilizado pelo Estado, recorrendo-se apenas quando não seja possível a aplicação de outro tipo de direito, por exemplo, civil, administrativo, dentre outros.
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana previsto na Constituição e anteriormente exposto, implica o uso do Direito Penal em última circunstância e nunca em favor do Estado, que, se aplicado, se transformaria em instrumento de repressão.
A expressão também aparece em “ultima ratio regum” cujo significado é “última razão dos reis”. Foi utilizada em circunstâncias de ataques inimigos em que só se utilizaria os canhões em último caso. Ou seja, somente se as conversas na tentativa de convencer o inimigo a travar os ataques não fossem eficazes.
A honra é um direito personalíssimo que, quando violado, atinge a moral do indivíduo que sofreu a ofensa. A pessoa que comete um crime de injúria, calúnia ou difamação ofende, via de regra, o indivíduo e a sua liberdade não necessita ser retirada em prol da segurança da população, tampouco pela gravidade do delito que cometeu.
Além disso, os delitos em questão não causam qualquer ameaça à sociedade. Muito pelo contrário, atingem o direito, a moral e a honra de um único ou um grupo de indivíduos, restando claro, assim, que a sanção aplicada deve ser a reparação do dano sofrido pela vítima, a título de indenização, e não a privação de liberdade do autor do fato.
A pena privativa de liberdade, nesse sentido, não deve ser regra e sim exceção, e só deveria ser imposta a indivíduos reincidentes ou que cometessem crimes graves, baseado no perigo que eles oferecem à sociedade e no seu maior grau de reprovabilidade social.
O movimento de descriminalização de certos comportamentos visa deixar de configurar ilícitos penais, não obstante possam ser considerados ilícitos de outra natureza.
O presente artigo tem o fito de demonstrar que o Direito Penal somente se legitima enquanto ultima ratio, e a privação de liberdade do ser humano é medida sancionatória demasiadamente exagerada para punir as condutas tipificadas no Código Penal nos seus artigos 138 a 145.
O sistema de proteção aos bens jurídicos a que se propõe o Direito Penal não é ilimitado, eis que sua intervenção somente está legitimada quando os demais ramos ou setores do direito se mostrem incapazes ou ineficientes para a proteção ou controle social.
O caráter fragmentário do Direito Penal, bem como sua natureza subsidiária são, assim, bastante conhecidos e são diversos autores que manifestam ser esse ramo do direito legitimado a intervir somente quando fracassam os outros modos de proteção a bens jurídicos tutelados.
A Constituição Federal Brasileira em seu artigo 1º, inciso III estabelece como fundamento do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana. Além disso, também preleciona serem invioláveis os direitos à liberdade, à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade, assim manifestando seu artigo 5º.
Em face desses postulados, é possível refletir que a limitação a esses direitos ou garantias constitucionais somente se justifica quando houver ofensa ou ameaça de tal ordem que a intervenção do Direito Penal e a aplicação da sua conseqüência jurídica – a pena criminal – sejam estritamente necessárias.
Por isso mesmo o Princípio da Intervenção Mínima – que não está expressamente inscrito na Constituição Federal – é um princípio limitador do poder punitivo estatal, impondo-se como o caminho inevitável para conter possíveis arbítrios do Estado.
Assim, por força deste princípio, num sistema normativo-punitivo – como é o Direito Penal – a criminalização de comportamentos só deve ocorrer quando se constituir meio necessário à proteção de bens jurídicos ou à defesa de interesses juridicamente indispensáveis à coexistência harmônica e pacífica da sociedade.
Não pode o Direito Penal servir de instrumento único de controle social, sob pena de banalizar-se a sua atuação que deve ser subsidiária, último remédio, última alternativa, a ultima ratio.
A observância do Princípio da Intervenção mínima se constitui decorrência imediata do chamado Garantismo Penal, consubstanciado na aplicação constitucional do Direito Pena e, por isso, não se deve tolerar que ele sirva de instrumento único de controle social, sob pena de banalizar-se a sua atuação, que deve ser subsidiária, último remédio, última alternativa, a ultima ratio.
Em tempos de expansão desmedida e descontrolada do Direito Penal, em que se experimenta um processo de administrativização ou de excessiva intervenção deste setor do Direito, faz bem lembrar do Princípio da Intervenção Mínima, e refletir sobre o seu verdadeiro alcance.
8 DAS PENAS DA INJÚRIA E HUMILHAÇÃO
Existem algumas diferenças entre Injúria do código penal e humilhação no estatuto do idoso: no delito de humilhação ao idoso (estatuto do idoso) o agente não utiliza a condição de idoso para humilhar, ao passo que, na infração penal de injúria ao idoso (código penal), essa condição é o parâmetro principal para a concretização da ofensa.
Outro ponto a ser considerado é a espécie de ação penal, em cada um dos crimes. O primeiro é de ação penal pública incondicionada e o segundo, de ação penal privada.
Quanto à responsabilidade civil, em todas as atividades que podem acarretar quaisquer tipos de prejuízo, esta intrínseca a responsabilidade civil, uma vez que esta não se resume apenas à obrigação de quem causou o dano de repará-lo, e assim fazer com que o lesado retorne sua situação ao status quo, mas também em garantir uma relação jurídica equilibrada e ética.
Segundo Maria Helena Diniz:
“Responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiro em razão de ato por ela mesmo praticado, por pessoa por quem responda, por algo que a pertença ou de simples imposição legal”.[9]
Segundo Pablo Stolze: "Deriva da transgressão de uma norma jurídica civil preexistente, impondo ao infrator a consequente obrigação de indenizar o dano".[10]
No entendimento de Carlos Roberto Gonçalves, existe a obrigação de reparar o dano patrimonial seja na calúnia, difamação ou injúria. Podendo consistir, a fins de exemplo, a perda de um emprego, ou qualquer outra consequência decorrente da prática desses crimes que traga prejuízo ao sujeito passivo.
Segundo o artigo 953 e parágrafo único, existirá de fato essa reparação ao sujeito passivo e mais, muitas vezes seu dano é de difícil comprovação, por essa razão poderá o juízo de modo discricionário, fixar de maneira equitativa um valor de indenização levando em consideração apenas as circunstâncias do caso, sendo para Agostinho Alvim, uma hipótese de dano presumido.
Quanto ao arbitramento de indenização por danos morais, inicialmente tinha-se como referência o art. 53 da lei de imprensa, a qual levava em consideração “a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido”, assim como, o dolo “ou o grau de culpa do responsável, sua situação econômica…”.
Ocorre que os referidos critérios passaram a ser aplicados por todos os juízes em julgamentos de ações de reparação do dano moral em geral, mesmo aquelas não regidas pela lei da imprensa, já que é muito eficiente.
Caberá a suspensão condicional do processo nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, ou seja, em todas as modalidades da Injúria poderá ser oferecida, desde que cumprido os requisitos necessários para tal.
Em regra, a tentativa não é aceita na injúria, mas poderá ser admitida, desde que exista um inter criminis, a qual poderá ser fracionada, podendo nessa hipótese ser aplicado o art. 14, inciso II do Código Penal. Quanto à consumação, é no momento em que o ofendido toma conhecimento da ofensa.
Destaca-se também, que a pena da injúria qualificada é maior que a contida na humilhação, conforme artigos 140 do Código Penal e 96, §1 do Estatuto do Idoso. Enquanto na injúria aplica-se a pena de reclusão de um a três anos e multa, na humilhação é reclusão de seis meses a um ano e multa, existindo o conflito, no caso concreto, se o magistrado deve aplicar a menor pena por ser mais benéfico ao réu ou se em razão da natureza do crime e da vítima, deve ser este classificado como injúria e aplicada a maior pena.
9 DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
O direito é constituído por um conjunto de princípios e regras emanadas pela sociedade a fim de organizar as relações ou situações entre as pessoas.
Ocorre que os princípios são como base para o direito e deles são emanados os valores fundamentais da sociedade, cumprindo assim um papel fundamental no direito, que é o de mitigar o que é mais importante, atuando de modo decisivo na interpretação da regra jurídica e na realidade dos seres humanos.
Os princípios podem ser comuns ou especiais, sendo mais abrangentes os referentes à moral, política, cultura e religião, por exemplo, pois essas são a base de uma sociedade.
Sendo assim, os princípios também seriam a essência intrínseca ao comportamento dos indivíduos e grupos e mais, geram raciocínios lógicos em consonância a eles, bem como parâmetros e etiquetas.
Suas fases podem ser pré-jurídicas, ou seja, ajudam na elaboração da regra, lhe dando principalmente base e direcionamento. Quanto à sua fase jurídica, acredita-se que seja a mais importante, uma vez tratar-se do regimento nas condutas e relações sociais. Nesta fase, a regra já existe, e o princípio irá servir não de base, mas de fundamento para interpretação das normas jurídicas.
Suas funções podem ser interpretativas, dando coerência à interpretação das normas, podem ser ainda subsidiária ou supletória, que são quando os princípios são aplicados na falta de outras regras jurídicas utilizáveis pelo intérprete e aplicador do Direito em face de um específico caso concreto. A proposição ideal consubstanciada no princípio incide sobre o caso concreto, como se fosse norma jurídica própria. Por fim, podem ter a função normativa concorrente, pois como serviram de base na construção das regras, alguns doutrinadores entendem que os princípios são dotados de natureza normativa, inclusive Norberto Bobbio sustenta “que os princípios gerais são normas como todas as outras”.[11]
Após a análise dos princípios, adentra-se ao que seria especial no direito – essa em verdade, é a regra que apesar de possuir elementos e princípios gerais, possui também outros que são especificantes, por exemplo, homicídio no Código Penal e homicídio no Código Trânsito Brasileiro.
Junto às regras especiais, nasce o princípio da especialidade, e uma de suas funções é evitar o bis in idem, pois este tem como base a defesa da aplicação da norma especial sobre a geral, sendo certo que a comparação entre as normas será estabelecida in abstracto.
Ressalta-se ainda, que neste princípio a regra geral, por ser mais genérica, é aplicada quando a norma mais específica sobre determinada matéria não existir no ordenamento jurídico.
Em outras palavras, a lei específica sempre será aplicada se estiver “disputando” com aquela que foi redigida para as condutas de ordem geral. Consequentemente, assim é modificada também a competência da ação que incidir sobre o caso. Por exemplo, uma ação que envolva um idoso, existirá uma regra de ordem geral, presente no código penal ou cível e a específica (Estatuto do Idoso), mas prevalecerá a específica. Ou seja, deverá ser endereçada ao Juízo da Vara Da Infância, da Juventude e do Idoso.
Esse também é o entendimento de nossos Tribunais, senão vejamos:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA-INCOMPETENCIA DO JUÍZO A QUO-PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. Hasteado o princípio da co-responsabilização dos entes públicos, dos três níveis, pelo atendimento e prestação do serviço de saúde (unificado), é de se reconhecer a legitimidade passiva de quaisquer dos entes da federação. No que toca ao direito do cidadão à saúde e à integridade física, a responsabilidade do Município é conjunta e solidária com a dos Estados e a da União. E, tratando-se de responsabilidade solidária, a parte necessitada não é obrigada a dirigir seu pleito a todos os entes da federação, podendo direcioná-lo àquele que lhe convier. Diante da preliminar de incompetência do Juízo a quo, deve prevalecer a competência da vara da infância e juventude, ante o princípio da especialidade. Recurso conhecido e improvido.”[12]
Rogério Greco, discernindo acerca do tema, aduz que:
“Em determinados tipos penais incriminadores há elementos que os tornam especiais em relação a outros, fazendo com que, havendo uma comparação entre eles, a regra contida no tipo especial se amolde adequadamente ao caso concreto, afastando, desta forma, a aplicação da norma geral.”[13]
Vemos ainda que no Código Penal também o Art. 12. “As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso".[14]
As normas especiais podem ser identificadas de inúmeras maneiras. Quanto às qualificadoras ou às causas de privilégio, tendo em vista que são consideradas disposições especiais em relação aos tipos fundamentais, geralmente descritos nos caputs dos dispositivos. Tem-se, ainda, como especiais aquelas normas que apresentam algum elementar a mais do que o tipo geral. Como exemplo, pode-se citar o crime de infanticídio (art. 123, CP) em relação ao de homicídio (art. 121, CP), cujo tipo exige que a conduta de matar o recém-nascido parta da própria mãe, quando se encontrar sob a influência de estado puerperal.
O legislador criou, ainda, a figura das leis penais especiais, cujo teor rege determinadas condutas, seja em razão de sua maior gravidade, seja pela menor intensidade do fato, mas, desde que mereçam um tratamento diferenciado. É o caso, por exemplo, da Lei de Crimes Hediondos (Lei n.º 8.072/90), também, do tráfico de entorpecentes, na modalidade "importar" (art. 12, Lei n.º 6.368/76), em relação ao contrabando (art. 334, CP).
Através do presente trabalho, conclui-se que a injúria qualificada é uma regra especial, pois é uma qualificadora desse tipo penal. Ocorre que ao definir o que é a injúria, é nítida a presença dessa mesma conduta no estatuto do idoso em seu artigo 95, § 1o, portanto, tem-se duas regras especiais para a mesma situação.
Caberia, portanto uma complexa avaliação da injúria, verificando qual regra seria “mais” especial dentre as duas, sendo necessária fundamentar a decisão de qual regra aplicar em conjunto com outros princípios, tais como: direito penal como ultima ratio e favor rei.
10 DA EXCLUSÃO DO IDOSO NO ROL DA INJÚRIA QUALIFICADA
Fora a injúria qualificada contra o idoso inserida através do Inciso IV acrescentado pela Lei 10.741/2003 (DOU 03.10.2003), em vigor decorridos 90 (noventa) dias da sua publicação.
Foi excepcionada a injúria por estar incluída num crime especial de desdenhar ou humilhar pessoa idosa constante do artigo 96 § 1º do referido Estatuto do Idoso. Ocorre a humilhação no Estatuto do Idoso possui outra pena, que a mesma do artigo 96, caput, sendo esta bem inferior a do Código Penal.
Conforme vimos em outro capitulo, injuriar é dentre outras ações proferir palavra ou gesto com o dolo de ofender o sentimento de dignidade do outro, ou seja, o desejo de humilhação é inerente ao tipo penal da injúria.
Se do tipo penal injúria extraímos que está intrínseco o desejo de humilhar e existem duas normas especiais com penas diversas, é de extrema importância a aplicação de princípios do direito que servem de base para construção das normas.
Em consonância com os princípios da especialidade e ultima ratio, a pena a ser aplicada ao ato de injuriar seria o do Estatuto do Idoso e não do Código Penal, senão vejamos:
Trata-se o Direito Penal, do mais rígido controle das relações sociais e, é nele, que existe a previsão da punição mais severa existente no direito brasileiro, que é aquela a tolher a liberdade do indivíduo que descumprir os tipos existentes, ou seja, a sua aplicação corresponde à interferência do Estado na vida do cidadão através de uma mitigação a um direito fundamental (liberdade).
Por isso, ante a aplicação do Direito Penal, faz-se necessárias medidas que interfiram o menos possível aos direitos fundamentais e à vida social, e o mais que um cumprimento espontâneo das regras sociais. Há que se encontrar mecanismos para que a regra seja cumprida, sendo que tais meios devem ser os mais benéficos e menos agressivos possíveis.
No presente caso, a pena existente no Estatuto do Idoso é infinitamente menor que a do Código Penal, tornando menos gravoso seu impacto ao indivíduo e a sociedade.
No que tange à norma especial, é aquela que referindo-se ao mesmo fato, contém todos os elementos típicos da norma penal geral e, ao menos, um elemento a mais, de cunho objetivo ou subjetivo, denominado específico ou especializante. Isto significa que a norma penal especial apresenta um plus que a distingue da norma penal geral.
É de se notar, que no presente caso temos a qualificadora do tipo penal injúria e temos uma lei especial para o idoso que descreve a mesma conduta, criando uma mesma figura criminosa, com penas diversas.
Por essa razão, teríamos que analisar qual dentre as duas normas, seria a “mais especial”, já que apesar da qualificadora ter sido inserida no Código Penal pelo Estatuto do Idoso, este também prevê a conduta e aplica uma pena diversa.
Ora, o que seria mais específico, uma qualificadora ou uma lei? E se esta mesma lei estipular, ainda que de forma indireta (através da inserção em outra lei), duas penas para a mesma conduta, qual pena prevalecerá?
Seguindo o princípio da especialidade, a lei mais específica, abarcará a mais genérica, sendo assim, as penas contidas no Estatuto do Idoso abarcarão as penas inseridas no Código Penal, por ser a referida lei especial.
11 CONCLUSÃO
Diante de todo exposto, conclui-se, sobre a premissa in bonam partem que o Estatuto do Idoso não instituiu uma nova qualificação ao tipo penal Injuria através do art. 110 e sim, uma nova pena ao ditar o art. 96, § 1o, tipificando a conduta de humilhação, a qual abrange a injúria qualificada. Consequentemente, o legislador, criou um conflito, estando de um lado uma pena mais branda ao agente ativo, e do outro uma pena mais gravosa.
Ocorre que essa nova pena foi inserida através do próprio Estatuto, estando apenas em um artigo posterior (art. 110) ao da humilhação (art. 96, § 1o), sendo assim, não nos parece aceitável que, ocorreu conflito intertemporal, pois não foi a injúria qualificada pelo idoso criada em lei posterior, fazendo com que a primeira fosse revogada.
No presente trabalho, entende-se que existe simultaneamente a vigência de duas normas tipificando condutas idênticas, mas que aplicam penas diferentes ao sujeito ativo da mesma.
Ao atribuir a contradição existente entre as penas da conduta contidas em leis distintas, pode-se cogitar embora não justificável, que houve um equívoco do legislador, devendo ser aplicada a pena inserida no art. 96, § 1o do Estatuto do Idoso, por ser esta mais branda e cumprindo assim, o princípio do direito penal como ultima ratio, favor rei, bem como o princípio da especialidade.
Advogada Graduada em Direito em 2013 pela UCAM – Universidade Cândido Mendes. Pós-graduada em Direito Publico em 2016 pela UCAM – Universidade Cândido Mendes.
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