Teoria da causa madura – clássico mecanismo de celeridade processual mantido pelo novo código de processo civil


Resumo: A preocupação com a celeridade processual tem tido cada vez mais ênfase por parte do legislador, que na tentativa de amenizar a crise do judiciário, vem criando mecanismos processuais que possam contribuir para a aceleração do processo. O novo Código de Processo Civil, cujo projeto de lei se encontra em iminente aprovação, manterá a tendência de conferir celeridade processual às milhares de demandas que abarrotam os tribunais do país, consolidando determinados institutos e mantendo outros vigentes no atual ordenamento processual. Dentre tais institutos, está a teoria da causa madura, que ao permitir o julgamento de mérito de determinadas causas em via recursa, reduz consideravelmente o tempo do processo e configura importante ferramenta a ser utilizada pelo profissional operador do Direito.


Palavras-chaves – Causa – Madura – Novo – Processo- Celeridade


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Abstract: The concern with the procedural celeridade has had each time more emphasis on the part of the legislator, who in the attempt to brighten up the crisis of the judiciary one, has created procedural mechanisms that can contribute for the acceleration of the procedural demands. The new Code of Civil action, whose project of law if finds in imminent approval, will keep the trend to confer celeridade to the process, consolidating determined justinian codes and keeping other effective ones in the current procedural order. Amongst such, justinian codes if find the theory of the mature cause, that when allowing the judgment of merit of determined causes in saw recursal considerably reduces the time of the process and configures important tool to be used by the professional operator of the Right.


Sumário: Celeridade e Efetividade do Processo. Atributos Inseparáveis. Questão Exclusivamente de Direito. Causa em Condições de Imediato Julgamento. Questão Exclusivamente de Direito versus Causa em Condições de Imediato Julgamento. Inovações do Novo CPC. A teoria da Causa Madura em Termos Práticos.


Celeridade e Efetividade do Processo – Atributos inseparáveis


Estamos vivendo um período de importantes e marcantes mudanças sociais, políticas e legislativas que refletem o anseio da sociedade brasileira por condições mais dignas e igualitárias, bem como por uma justiça mais eficaz, efetiva e, sobretudo, célere, já que deste último atributo emanam os demais.


No âmbito processual, importante avanço foi a inclusão do inciso LXXVIII no art. 5º da Carta Magna pela EC 45/2004, que erigiu a celeridade processual a uma garantia constitucional, antes prevista apenas em legislação esparsa e que, não raro, cedia a formalismos que apenas prejudicavam injustificadamente a efetividade da tutela jurisdicional.


 A recente reforma processual evidencia a preocupação com a eliminação, ou ao menos, redução da morosidade processual através da criação de mecanismos que reduzam não apenas a duração das demandas judiciais, mas também o número de casos que são levados a apreciação do Poder Judiciário. Tal tendência será mantida pelo Novo Código de Processo Civil (projeto de lei n. 166/2010) já aprovado pelo Senado e na iminência de aprovação pela Câmara.


Contudo, a despeito da criação de novos mecanismos aceleradores do processo como a irrecorribilidade das decisões interlocutórias, designação obrigatória de audiência de conciliação no início de todos os procedimentos processuais, dentre outros, certos institutos previstos no ordenamento processual civil vigente, serão mantidos pelo novo diploma, dentre os quais, se encontra a teoria da causa madura, atualmente prevista no § 3º do art. 515 do CPC de 1973 e dentro em breve, no § 3° do artigo 925 do novo código que apresentará a seguinte redação:


“Art. 925. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.


§ 3º Nos casos de sentença sem resolução de mérito e de nulidade por não observância dos limites do pedido, o tribunal deve decidir desde logo a lide se a causa versar sobre questão exclusivamente de direito ou estiver em condições de imediato julgamento.”


A teoria da causa madura não integra o rol das recentes inovações processuais, contudo, ainda suscita uma gama de indagações quanto a sua aplicabilidade prática dividindo posições doutrinárias e jurisprudenciais.


Dispõe o art. 515, § 3º do atual CPC. Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.


O referido dispositivo foi trazido ao ordenamento processual vigente pela Lei n. 10.332/01 prevendo a possibilidade de julgamento da causa diretamente pelo Tribunal nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito desde que presentes dois pressupostos: a causa versar questão exclusivamente e direito e estiver em condições de imediato julgamento. Permite que em segunda instância, uma vez afastada a sentença de extinção sem julgamento de mérito, o tribunal passe ao julgamento do mérito da causa.


A perfeita compreensão dos benefícios do instituto em comento, exige a fixação dos seguintes conceitos: O órgão que, em regra, julga procedente ou improcedente os pedidos formulados num processo, é o de primeira instância. Em sede recursal, o órgão concede ou nega provimento ao recurso para reformar ou manter uma decisão de primeira instância. Quando, falamos em julgamento de mérito pelo tribunal com base no princípio da causa madura, estamos falando que em segunda instância, além de o órgão julgar o mérito do recurso, dando-lhe ou negando-lhe provimento, estará também, julgando o pedido do recorrente como procedente ou improcedente, o que, via de regra, é realizado pelo juízo “a quo”.


Entretanto, a possibilidade de o órgão de segunda instância adentrar num mérito não analisado pelo juízo de primeira instância, pode implicar em verdadeira supressão de instâncias, além de ter o condão de limitar a possibilidade de recurso das partes, por isso, o julgamento com base na teoria da causa madura exige a presença de dois pressupostos a serem melhor analisados.


Questão Exclusivamente de Direito


O primeiro requisito para utilização da teoria da causa madura é que a causa verse sobre questão exclusivamente de direito. Estaremos diante de uma questão exclusivamente de direito quanto inexistir controvérsia acerca dos fatos. Em outros termos, são causas nas quais a situação fática se comprova de plano nos autos, restando como matéria de discussão tão somente se determinado direito incide ou não sobre o fato de plano comprovado.


O exemplo mais utilizado é o da aposentadoria, determinado índice que deveria ter sido aplicado no cálculo das aposentadorias concedidas em determinado período deixou de ser utilizado, sendo necessária uma ação judicial para que o órgão pagador do benefício proceda a respectiva correção. Por certo, a situação fática que há de ser comprovada em casos como esses, será tão somente a data da concessão da aposentadoria, bem como o índice que fora utilizado por ocasião do cálculo, informações que constam na Carta de Concessão, normalmente anexada aos autos já por ocasião da distribuição da inicial. A questão objeto de discussão no processo será a legalidade ou não do índice aplicado, configurando, portanto, o que poderíamos chamar de causa exclusivamente de direito.


Causa em Condições de Imediato Julgamento


O segundo pressuposto para utilização da teoria da causa madura é que a causa esteja em condições de imediato julgamento. A causa chegará ao tribunal em condições de imediato julgamento quando todas as provas já houverem sido produzidas em primeira instância e se não fosse a extinção do processo sem julgamento do mérito em razão de uma das causas elencadas no art. 267 do CPC, teria o juízo a quo, plenas condições de proferir decisão de mérito.


Imagine-se a hipótese de uma determinada ação versando sobre acidente de veículos, na qual se exauriu toda a fase de instrução probatória, tendo havido a oitiva de testemunhas, perícia, dentre outras e ao sanear o processo, o juiz o extingue por ilegitimidade das partes. Nesse caso considera-se que a causa chega ao Tribunal madura para julgamento, sendo lícito ao referido órgão, que, afastando a sentença terminativa, decida quanto ao mérito da causa. Em outros termos, é possível que o órgão de segunda instância, além de dar provimento ao recurso, julgue o pedido procedente ou improcedente.


Questão Exclusivamente de Direito versus Causa em Condições de Imediato Julgamento


Superadas as primeiras considerações quanto aos pressupostos para utilização da teoria da causa madura, cumpre considerar que tais pressupostos aparecem no dispositivo do Código de Processo Civil atual ligados pela conjunção aditiva “e”, dando-nos a impressão de que ambos devem estar presentes concomitantemente para que o julgamento imediato seja possível, ou seja, além de ser aplicável nas causas envolvendo questões exclusivamente de direito, ainda seria necessário que essas causas estivessem maduras para julgamento, o que não é correto.


A causa em condições de imediato julgamento, não necessariamente conterá questão exclusivamente de direito, embora as questões exclusivamente de direito, em 90 % dos casos, cheguem ao Tribunal em condições de imediato julgamento. A assertiva parece confusa, mas sua compreensão é bem simples. Como vimos, a questão exclusivamente de direito pode ser compreendida como aquela na qual não há controvérsia acerca dos fatos, que são de plano comprovados no processo. Pois bem, se os fatos estão comprovados de plano é evidente que a causa chegará a órgão de segunda instância madura para julgamento.


Por outro lado, uma causa madura para julgamento não necessariamente será aquela na qual se discute questão exclusivamente de Direito, pois como vimos, o que caracteriza uma causa como madura é a desnecessidade de produção de outras provas além de todas aquelas já produzidas até a prolação da sentença de extinção. Partindo desse raciocínio, é possível observar que a conjunção “e” que liga os referidos pressupostos está, no mínimo, mal colocada.


Inovações do Novo CPC


O novo Código de Processo Civil, cuja aprovação se encontra cada vez mais iminente, não repete o equívoco de redação do atual diploma. O dispositivo acima transcrito é bem claro ao ligar os pressupostos de causa madura e questão exclusivamente de direito pela conjunção alternativa “ou”.


Ademais, o novo diploma inova ao permitir a utilização da teoria da causa madura nas hipóteses de nulidade da sentença por inobservância dos limites do pedido. Tal inovação é deveras importante, pois à luz do sistema processual vigente, somos acostumados a ideia de que o tribunal só pode se valer da teoria da causa madura quando reforma uma decisão de extinção do processo sem julgamento do mérito. O novo diploma permite a utilização dessa teoria mesmo quando tenha havido sentença de mérito, desde que o recurso se baseie na nulidade dessa sentença por não ter observado os limites do pedido.


Para perfeita compreensão dessa inovação, é preciso recorrermos aos nossos conhecimentos prévios acerca do pedido. Como se sabe, o pedido precisa ser certo ou determinado porque fixará os limites da prestação da tutela jurisdicional, sendo defeso ao magistrado proferir sentença em desacordo com os termos do pedido.


A sentença que contempla pedidos diversos dos constantes da inicial é conhecida como extra petita, assim como sentença que vai além dos termos do pedido é considerado ultra petita, restando como citra petita, a sentença que não julga todos os pedidos. As sentenças caracterizadas como extra, ultra ou citra petita padecem do vício de nulidade. Dessa forma, caso o magistrado julgue procedente um determinado pedido não formulado pela parte, tal sentença será passível de anulação mediante recurso de apelação.


De acordo com a redação no novo código, o tribunal, ao se deparar com o recurso de uma sentença nula por inobservância dos limites do pedido, poderá, ao declará-la nula, decidir desde logo a lide. Imagine-se que numa determinada demanda o autor tenha realizado pedido de indenização tendo obtido uma sentença de condenação do réu a uma obrigação de fazer. É evidente que tal sentença é extra petita. Uma vez atacada mediante apelação, é lícito ao tribunal, ao afastar a sentença nula, julgar procedente ou improcedente o pedido indenizatório, sem que haja a necessidade de o processo retornar à primeira instância.


A teoria da Causa Madura em Termos Práticos


Há alguns anos, fui surpreendida com uma sentença de extinção sem julgamento de mérito por ilegitimidade passiva e acabei por perceber, na prática, como funciona a teoria da causa madura, experiência que me fez compreender definitivamente o instituto em comento, e que ora, compartilho com os leitores.


Determinada senhora procurou uma agência de carros e comprou um veículo usado. No momento de assinar os papéis, assinou todos os documentos que lhe foram apresentados, como normalmente faz o consumidor leigo no afã de fechar o negócio. Passados alguns meses, esse carro apresentou uma série de defeitos que levaram a consumidora a buscar os reparos junto a agência por força da garantia legal de 3 meses para veículos usados. A agência ao ser contatada, alegou que não arcaria com conserto nenhum, pois num dos papéis assinados, a cliente declarava expressamente ter conhecimento de que a venda fora realizada diretamente com o antigo proprietário.


De fato, nos documentos assinados pela autora, a agência figurava na negociação como mera intermediária, posto que o veículo somente estava exposto em suas dependências como um favor prestado ao antigo proprietário, antigo cliente da loja. A justificativa da agência foi exatamente essa, no sentido de que a consumidora deveria se entender com o antigo proprietário, pois o carro comprado não pertencia a sua frota, somente estava no local como um favor!!


Ora, é óbvio que a compradora não se conformou com essa alegação e buscou a justiça pleiteando a rescisão do contrato mediante a entrega do veículo ao banco responsável pelo financiamento (ainda tinha esse agravante, o carro era financiado e sendo financiado pelo leasing passa a pertencer ao banco, o que dificulta ainda mais sua devolução), o ressarcimento dos valores despendidos no conserto, bem como a reparação do dano moral. (Ação movida em face da agência e do banco)


Regularmente citado, o banco ofereceu de imediato uma proposta de acordo aceitando a devolução do veículo e a rescisão do contrato de financiamento. Quanto a agência, a quem caberia ressarcir os consertos e arcar com os danos morais, alegou em contestação que não teria o dever de indenizar, pois um dos documentos assinados pela autora evidenciavam que ela sabia perfeitamente estar adquirindo o veículo de um terceiro.


Pois bem, a pior parte: o juízo da 2 vara cível de Santa Cruz no Rio de Janeiro, aceitou a alegação e extinguiu o processo em relação a agência por ilegitimidade passiva, entendendo que a autora deveria processar o antigo proprietário.


A referida decisão surpreendeu a todos, pois a teoria da aparência foi completamente desconsiderada. Em recurso, alegamos má valoração da prova (docs. acostados pelo réu, que o eximiam de responsabilidade) pleiteando não apenas a reforma da sentença, mas também o próprio julgamento de mérito com a condenação da recorrida a arcar com os danos materiais e morais por força da teria da causa madura. Com efeito, se o processo estava pronto para ser julgado, com todas as provas já produzidas, não haveria necessidade que o Tribunal, ao reformar a sentença de extinção sem julgamento de mérito, determinasse o retorno dos autos à 1 instância para que o juízo pudesse enfim julgar o mérito.


A sentença foi reformada e como requerido, o próprio mérito foi julgado pelo Tribunal e conseguimos, não apenas o provimento do recurso, mas também, a procedência de nossos pedidos. E o mais interessante: Em sua fundamentação a relatora considerou “que não seria crível que uma agência fosse intermediar uma venda sem nada receber”. A relatora considerou ainda que a agência tomou tantas providências no sentido de se eximir da responsabilidade que acabou por comprovar ter participado da venda e se participou, assumiu o risco de arcar com os prejuízos.


Por fim, ao observar o resultado da decisão, inevitavelmente pensei: “Ainda bem que existe recurso e que sorte não ter perdido aquela aula de processo civil.”



Informações Sobre o Autor

Juliana Lima Barroso Guerra

Advogada atuante no Rio de Janeiro, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes.


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Equipe Âmbito Jurídico

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