Teoria da transcendência dos motivos determinantes da decisão

Resumo: O pressuposto justificativo encontra-se no anacronismo judicial, na necessidade de atualizar a metodologia de atuação, porém sem ferir pressuposto de aplicabilidade. A possibilidade de tomada de decisão que implique um conflito interno de competência, a fragilização do texto constitucional. O aparente conflito doutrinário em face a dualidade de teses que circundam a Teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença e os resultados que cada posição antagônica iria provocar dentro do Direito brasileiro. Findando, apontar através da construção argumentativa o melhor caminho a ser adotado, acentuando as variáveis que poderão surgir, justificando o porque de cada concepção ser recomendável e aceitável para o momento jurídico contemporâneo.

Palavras-chave: Constituição. Teoria da Transcendência dos motivos determinantes. Controle de Constitucionalidade.

Abstract: The justification lies in the assumption judicial anachronism, the need to update the methodology of action, but without hurting assumption applicability. The possibility of making decision involving an internal conflict of jurisdiction, the weakening of the constitutional text. The apparent conflict in the face of doctrinal duality thesis surrounding the theory of transcendence motives for the sentence and the results that would cause each antagonistic position within the Brazilian law. Coming to a close, pointing through the argumentative construction the best way to be followed, highlighting the variables that may arise, justifying why each concept is recommended and acceptable to the contemporary legal time.

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Keywords: Constitution. Transcendence theory of determinants reasons. Judicial Review.

INTRODUÇÃO

O organograma jurídico demonstra ser repleto de inovações e fenômenos, o Direito Constitucional não foge a essa regra e por conta disto, torna-se ainda mais encantador. Uma carta que apresenta inúmeras diretrizes, política, sociológica, cultural e jurídica, quando se prolonga pelo tempo, ocasiona uma das maiores satisfações para o jurista arguto, faz da sua perspicácia, somado às possibilidades teóricas construídas ao longo do tempo, um instrumento com capacidades estratosféricas, capaz de remodular o contexto social ao qual ela está vigendo, e, por magnífica ciência, muda-se em seu próprio âmago. O genótipo legal expressa-se através da promulgação do texto magno, querendo o constituinte solucionar aquele problema-realidade, entretanto, a capacidade visionária do legiferante é evidenciada no prolongar do tempo, surgindo o fenótipo temporal que, ora de forma procedimentalizada, pelos mecanismos vigentes em seu próprio texto, ora por institutos abstratos e silenciosos, retiram o que ali se dizia obsoleto, remodulando, adequando, ressurge para sua aplicabilidade máxima. Não se destoando dessa percepção, eclode conjuntamente o controle de constitucionalidade que assegura ao ordenamento jurídico pátrio a logicidade normativa esperada agregando segurança nas relações sociais. Por estas razões, indubitavelmente nobres, a pesquisa elencada irá asseverar os caminhos até então traçados e, quiçá, vislumbrar o desdobramento de novas concepções jurídicas no tocante ao controle de constitucionalidade e suas implicações. Para isso, será utilizado o método dialético, que se consubstancia através do confronto intelectual de posicionamentos, e, como resultado finalístico, obtém-se um novo coeficiente que está angariado por ambos os posicionamentos, mostrando-se eficaz e necessário para os problemas propostos. Nesta toada, a ilustre e recomendada Maria Margarida Andrade (2010, p. 120-121) revela em seu trabalho a seguinte afirmativa:

“O método dialético não envolve apenas questões ideológicas, geradoras de polêmicas. Trata-se de um método de investigação da realidade pelo estudo da sua ação recíproca […] o método dialético é contrário a todo conhecimento rígido: tudo é visto em constante mudança, pois sempre há algo que nasce e se desenvolve e algo que se desagrega e se transforma.”

Asseverando o mesmo posicionamento, Lakatos e Marconi, aduzem que:

“Todo movimento, transformação ou desenvolvimento opera-se por meio das contradições ou mediante a negação de uma coisa – essa negação refere-se à transformação das coisas. Dito de outra forma, a negação de uma coisa é o ponto de transformação das coisas em seu contrário. Ora, a negação, por sua vez, é negada. Por isso diz-se que a mudança dialética é a negação da negação.”

A completude da dialética não é uma simples adição de propriedades de objetos antagônicos, simples mistura de contrários, visto que isto seria uma barreira ao progresso. A composição do desenvolvimento dialético é que ele prossegue por meio de negações, um polo revisando e expondo posições não observadas pelo polo oposto, buscando assim, o resultado pleno em sua integralidade.

Segundo Engels (In: Politzer, 1979:202), “para a dialética não há de definitivo, de absoluto, de sagrado; apresenta a caducidade de todas as coisas e em todas as coisas e, para ela, nada existe além do processo initerrupto do devir e do transitório”. Nesse sentido, soa um reflexão sobre o imutável, se realmente podemos afirmar com veemência tão estapafúrdia afirmação que certas posições jamais se alterarão.

A partir dessa ideia, diante da contradição esposada no subscrito trabalho é possível constatar que a luta de polos aparentemente antagônicos não é uma contradição, mas sim uma luta entre o velho e o novo.

“O dialético sabe que, onde se desenvolve uma contradição, lá está a fecundidade, lá está a presença do novo, a promessa de sua vitória.” (Politzer ET alii, s.d.: 74)

A partir dessa ideia, diante da contradição esposada no subscrito trabalho é possível constatar que a luta de polos aparentemente antagônicos não é uma contradição, mas sim uma luta entre o velho e o novo.

Não fugindo da proposta que o presente trabalho aspira, a escolha do método dialético foi escolhido por não envolver apenas questões ideológicas, foco de polêmicas. Sua preleção acentua-se na investigação da realidade pelo método da ação recíproca. Posto isto, presumi-se que o método dialético é contrário a todo conhecimento rígido, tudo é vislumbrado em constante mudança, pois sempre há algo que nasce e se desenvolve e algo que se transforma por uma maneira independente.

É nesta toada que esta pesquisa irá se desdobrar, buscando o confronto de ideia, buscando a síntese através do confronto da tese e antítese. Não foge do objetivo mostrar o verdadeiro posicionamento a ser adotado, contudo não deixaremos de mostrar outras perspectivas que, conforme o próprio método dedutivo ensina, não se resumi ao paradigma, está sempre pronto para a metamorfose jurídica.

A partir deste momento, vislumbraremos o ideário esposado pelos doutrinadores acerca da teoria supracitada. Para o fim, estaremos apresentando uma possível vertente a ser adotada pela Corte Suprema, intentando assim a solucionar aparentes conflitos jurídicos.

1 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

O sistema rígido, adotado pelo constituinte estabelece uma distinção crucial entre os poder constituinte e os poderes constituídos. Por essa distinção, o ordenamento jurídico consolidou uma superioridade da lei constitucional, produto gerado pelo poder constituinte, sobre leis ordinárias, complementares e demais atos estabelecidos pelo poder constituído.

As constituições rígidas, por assim dizer, a Constituição de 1988, em seu sentido formal, demandam um árduo processo de revisão, motivo pelo qual justifica a sua rigidez e superioridade às leis ordinárias e complementares, procede a sua supremacia hierárquica dentro no ordenamento jurídico.

Por ainda a justificar o posicionamento jurídico, faz-se saudável relembrar a composição elaborada por Hans Kelsen, criando a pirâmide Kelseniana, que formalmente estabelece o posicionamento normativo e hierárquico de cada ato emanado pelo Estado-Federado, dando a posição de superiorioridade, o cume da pirâmide para o ato normatizador e convalidador de todos os atos praticado por determinado Estado, ou seja, a sua carta constitucional.

Por suma, a consequência disso tudo é o reconhecimento da “supralegalidade constitucional”, que faz da Constituição a lei das leis, onde, segundo Paulo Bonavidades, (2010, p. 296), “ a Lex legum, ou seja, a mais alta expressão jurídica da soberania”.

Nesse ínterim, a justificativa do controle de constitucionalidade seria para averiguar a possível existência de uma assimetria legislativa que, sem sombra de dúvidas, ocasionariam a pacificação jurídica quanto a dúvida se era ou não compatível o ato com a Constituição Federal ou se a possível suspeita levantada para julgamento seria diametralmente oposta à Carta Magna, ensejando assim a sua inconstitucionalidade.

Não obstante, a semântica envolvida e as inúmeras transformações ocorridas não atingiram o núcleo essencial da Constituição, aquele núcleo que Hans Kelsen (1981, p. 152), se referiu dizendo, “a ideia de um princípio supremo que determina integralmente o ordenamento estatal e a essência da comunidade constituída por esse ordenamento”.

Ao lado dessa ideia material de Constituição, suscita-se uma Constituição formal, visualizada aqui como um conjunto de regras promulgadas com a observância de um procedimento especial e que está submetido a uma forma especial de revisão.

Mantendo a linha evolutiva, na tentativa de estabelecer um conceito que contemple o conteúdo material e o formal da Constituição, Hesse (p.10 – 12 e 15 – 16), assim definiu: “como ordem jurídica fundamental da coletividade (Die Verfassung ist die rechtliche Grundordnung des Gemeinwesens), considera que, enquanto ordem jurídica fundamental, a Constituição contém as linhas básicas do Estado e estabelecem diretrizes e limites ao conteúdo da legislação vindoura. Todavia, não se há de confundir a Constituição com uma regulamentação precisa e completa. A Constituição não codifica, mas regula apenas – frequentemente as linhas essenciais – aquilo que se afigura relevante e carecedor de uma definição”.

Em último ensinamento, Hesse nos ensina que: “A Constituição escrita não se limita a estabelecer os baldrames da organização estatal e os fundamentos da ordem jurídica da comunidade, mas desempenha relevante papel como instrumento de estabilidade, de racionalização do poder e de garantia da liberdade. Não se trada, à evidência, de um sistema isento de lacunas. E, de certo modo, é essa ausência de regulamentação minudente que assegura a abertura constitucional (offenheit) necessária ao amplo desenvolvimento do processo político”.

A supramencionada revisão ocorre através do afamado Controle de Constitucionalidade que ao longo do tempo veio tomando uma forma instrumental para o ordenamento jurídico, que com o passar do tempo, no escopo processual ocasionou procedimentos formais e repletos de minuciosidades que compõe a atuação do guardião da Constituição na análise da possível incompatibilidade e por que não dizer, a desmistificação de uma inexistente incompatibilidade.

Em águas tranquilas, o controle de inconstitucionalidade das leis, no sentido lato sensu, designa a incompatibilidade entre atos ou fatos jurídicos e a Constituição. Por inquestionável ensinamento, Elival da Silva Ramos (p. 62), expressou, “(…) uma relação de conformidade/desconformidade entre a lei e a Constituição, em que o ato legislativo é o objeto enquanto a Constituição é o parâmetro”.

A complexidade no desenvolvimento histórico, as variantes de perspectivas de concepção atribuíram à Constituição uma plurissignificatividade inigualável. Assim tomamos os dizeres de Konrad Hesse (1995, p. 3), “A resposta sobre o significado da Constituição depende, assim, da tarefa que se pretende resolver com o conceito eventualmente desenvolvido”.

No tocante ao sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, a Constituição Imperial de 1824, não efetivou em seu texto qualquer controle, estabelecendo o dogma da soberania do parlamento, marcando forte influência do sistema francês e do inglês.

Entretanto, segundo as sábias palavras de Clèmerson Merlin Clève (p. 63 – 64):

“Não foi apenas o dogma da soberania do parlamento que impediu a emergência da fiscalização jurisdicional da constitucionalidade no Império. O Imperador, enquanto detentor do Poder Moderador, exercia uma função, de coordenação; por isso, cabia a ele (art. 98) manter a ‘independência, o equilíbrio e a harmonia entre os demais poderes’. Ora, o papel constitucional atribuído ao Poder Moderador, ‘chave de toda a organização política’ nos termos da Constituição, praticamente inviabilizou o exercício da função de fiscalização constitucional pelo Judiciário. Sim, porque, nos termos da Constituição de 1824, ao Imperador cabia solucionar os conflitos envolvendo os Poderes, e não o Judiciário”. (C. M. Clève, A fiscalização abstrata de constituicionalidade no direito brasileiro, p. 63-64).

A partir da Constituição de 1891, influenciado pelo direito norte americano, estabeleceu no ordenamento jurídico pátrio até a presente Constituição, a técnica do controle de constitucionalidade de lei ou ato normativo, por qualquer juiz ou tribunal, observadas as regras de competência e organização judiciária.

A novidade trazida pela Constituição de 1934 foi a Ação direta de inconstitucionalidade interventiva, a denominada cláusula de reserva de plenário e a atribuição ao Senado Federal de competência para suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou ato normativo declarado inconstitucional por decisão definitiva.

Nesse ínterim, por razões já identificadas, válido ressaltar que o objeto nuclear já começou a ser esposado, pois foi a Constituição de 1934 que deu ao Senado Federal a supra competência e, é esta competência o objeto discutido no decorrer. Contudo, por conveniência lógica, semântica jurídica e construção argumentativa, justo e necessário se faz a tomada por uma evolução gradativa do tema.

A Carta magna de 1937, famigerada Polaca, inspirada na Carta ditatorial polonesa de 1935, manteve o sistema difuso de constitucionalidade, estabelecendo a possibilidade de o Presidente da República influenciar nas decisões do Poder judiciário que declarassem inconstitucional determinada lei, prevalecendo uma ditadura do modo discricionário.

Corrigido o trágico episódio da antiga Carta, a Magna de 1946 veio com o intuito de redemocratizar o país, flexibilizando a hipertrofia do Poder Executivo, ressurgindo a tradição do sistema de controle de constitucionalidade. Através da EC n. 16 de 26/11/1965, criou-se no Brasil um novo sistema, uma modalidade até então desconhecida, a Ação Direta de Inconstitucionalidade, de competência originária do Supremo Tribunal Federal.

Posteriormente, a EC. N. 1/69, não apresentou nenhuma grande e expressiva mudança, marcando apenas o início de um inverno longo e violento.

Findamos a nossa reapreciação histórica com a Constituição cidadã, promulgada em 28/11/1988, apresentou aos cidadãos brasileiros quatro inovações que valem ser citadas a nível de controle de constitucionalidade. Em primeira mão, ampliou o rol de legitimados a propositura da representação de inconstitucionalidade, destruindo o monopólio do Procurador Geral da República; em outra perspectiva, estabeleceu também a possibilidade de controle de constitucionalidade por omissões do legislativo; em terceira mão, estabeleceu a possibilidade dos Estados-membros instituírem uma representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais, tendo como paradigma a Constituição Estadual; por fim, instituiu o mecanismo do controle através da arguição de descumprimento de preceito fundamental, no parágrafo único do art. 102.

Não havendo mais a necessidade de minudenciar os eventos históricos, passaremos a analisar o objeto núcleo.

1.1 CONTROLE CONCENTRADO

O controle concentrado é relativamente novo em nosso ordenamento, conforme já esposado, adveio com a Emenda Constitucional de número 16 datada de 1965.

Onze anos após a promulgação da nossa Constituição, a Lei 9.868/1999 estabeleceu os procedimentos das ações diretas de inconstitucionalidade e das ações declaratórias de constitucionalidade. Buscando a sua natureza jurídica em nosso ordenamento não fora possível localizar nenhum balizamento, sendo assim, através da legislação alienígena, sendo evidenciado pelas Constituições da Alemanha, Espanha e de Portugal, onde expressamente a uma previsão de que uma lei orgânica irá estabelecer o procedimento que deverá ser adotada pela corte constitucional.

Por preciosidade da matéria abordada, valioso é a demonstração de que a nossa Carta em momento algum fez menção nesse sentido de que uma lei ordinária iria discipliná-la.

Assim, seguindo a brilhante intelecção do professor Lenio Luiz Streck (2013, p. 689), assim expos:

“[…] tomando a história institucional do direito a sério, é possível afirmar que a Lei 9.868/1999 não é uma simples regra de direito processual, é, sim, é algo novo no direito brasileiro, porque trata da especificação do funcionamento da jurisdição constitucional. Desse modo, somente por emenda constitucional que estabelecesse a possibilidade de elaboração de uma lei poderia tratar-se dessa matéria. E tudo estaria a recomendar que uma lei desse quilate devesse ser votada e aprovada por quorum de maioria qualificada. Aqui caberia, muito bem, a convocação do caso Marbury v. Madison. Se uma lei ordinária pode dizer aquilo que a Constituição não disse, é porque a noção de rigidez constitucional resta enfraquecida.”

Não obstante as celeumas suscitadas, deixamos para uma outra abordagem a discussão desse tema, passando agora a esmiuçar as características do modelo concentrado de constitucionalidade.

Marcado em tese pela sua análise abstrata da lei ou ato normativo, o controle de constitucionalidade concentrado é tomado pela sua generalidade, impessoalidade e abstração.

O que se busca saber, em sentido lato sensu, é se a lei é inconstitucional ou não, manifestando-se o judiciário de forma específica sobre o objeto. Ada Pellegrini Grinover (p. 12) aduz: “tem por objeto a própria questão da inconstitucionalidade, decidida principaliter”.

Com caráter dúplice ou ambivalente, estando em conformidade com o art. 24 da Lei 9868/99, proclamada a constitucionalidade, estará afastada qualquer argumentação de inconstitucionalidade, dando um efeito dúplice.

Em perspectiva ampla, a decisão concentrada gerará efeitos contra todos, erga omnes, tendo também efeito ex tunc. Trata-se de um ato nulo, de vício congênito.

No entanto, seguindo as preleções do direito alemão e o português, entre outros, no art. 27 da mencionada lei fora introduzida a técnica da declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade.

Restando claro que, em razão do princípio da segurança jurídica e do excepcional interesse social, excetuando a regra da nulidade, o Supremo Tribunal Federal, por maioria qualificada, poderá restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou decidir qual será o momento que produzirá efeitos, sendo tomado como exemplo a produção dos efeitos só a partir do trânsito em julgado.

Assim, além dos mencionados efeitos, no parágrafo único do art. 28 da Lei 9868/99, ficou também estabelecido que a decisão, transitada em julgado daria efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e da Administração pública federal, estadual, municipal e distrital.

1.2 PARADIGMA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Nesta assentada, conforme mencionado em rápida dicção, ficou demonstrado a idealização da Constituição em dois sentidos, quais sejam, modus formal e material.

A partir desse plano esquemático o desenho normativo para a realização do controle começa a tomar forma, podendo ser detectado uma possível ofensa através de vias paralelas que se convergem quando corporificam o texto constitucional, sendo possível obter um resultado pela via formal, assim como pela via material.

1.2.1 Inconstitucionalidade formal ou nomodinâmica

Como a própria classificação já exemplifica, os vícios formais ou nomodinâmicos maculam o ato normativo de forma singular, não atingindo o conteúdo em si, porém ferindo os pressupostos de formação.

Os vícios formais são caracterizados pelo defeito de formação do ato normativo, pela ausência de respeito ao procedimento pré-estabelecido no texto constitucional, agredindo também as regras de competência.

Tratando-se de vício formal, Buzaid afirma: “Os requisitos formais concernem, do ponto de vista subjetivo, ao órgão competente, de onde emana a lei; e, do ponto de vista objetivo, à observância da forma, prazo e rito prescritos para a sua elaboração”.

Em outra abordagem que traz grandes esclarecimentos, Nelson de Sousa Sampaio aduz três espécies de inconstitucionalidade formal, senão vejamos: “orgânica (incompetência do órgão), temporal (elaboração em tempo proibido) e formal em sentido estrito (violação das formas prescritas)”.

Consubstanciando os dois entendimentos, Marcelo Neves expõe: “(…) a inconstitucionalidade formal subjetiva (BUZAID) ou extrínseca orgânica (SAMPAIO), enquanto deriva da incompetência de órgão que emitiu o ato legislativo, converte-se na verdade em inconstitucionalidade material, quando a Constituição não prevê outro órgão legislativo competente para a emissão do ato: neste caso, surge a lei de conteúdo incompatível com a Constituição, sendo irrelevante o órgão legiferante. (…)”.

Neste diapasão, passamos a perscrutar pelo modus de declaração de inconstitucionalidade pela ofensa a materialidade da norma.

1.2.2 Inconstitucionalidade material ou nomoestática

Os vícios matérias dizem respeito ao próprio conteúdo ou ao aspecto substancial do ato, instaurando um conflito de regras, normas dentro do ordenamento, colidindo com o dispositivo mor, qual seja, a Constituição Federal.

Não interligando única e exclusivamente a materialidade do ato, é também possível a aferição do desvio de poder ou do excesso de poder legislativos, ideia adotada e já pacificada no meio jurídico, teve como origem na docência de José Joaquim Gomes Canotilho.

O brilhante intelecto do ilustre professor José Joaquim Gomes Canotilho, em seu legado deixou grandes ensinamentos que hodiernamente orientam os juristas contemporâneos, senão vejamos:

“É possível que o vício de inconstitucionalidade substancial decorrente do excesso de poder legislativo constitua um dos mais tormentosos temas do controle de constitucionalidade hodierno. Cuida-se de aferir a compatibilidade da lei com os fins constitucionalmente previstos ou de constatar a observância do princípio da proporcionalidade, isto é, de se proceder à censura sobre a adequação e a necessidade do ato legislativo”. (José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, cit., p. 617-618).

Exsurgindo o entendimento do mais novo empossado da Corte Constitucional, o ilustre professor e agora ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, assentou o seguinte entendimento:

“[…] a inconstitucionalidade matéria expressa um incompatibilidade de conteúdo, substantiva entre a lei ou ato normativo e a Constituição. Pode traduzir-se no confronto com uma regra constitucional – e.g., a fixação da remuneração de uma categoria de servidores públicos acima do limite constitucional (art. 37, XI) – ou com um princípio constitucional, como no caso de lei que restrinja ilegitimamente a participação de candidatos em concurso público, em razão do sexo ou idade (arts. 5º caput e 3º, IV), em desarmonia com o madamento da isonomia. O controle material de constitucionalidade pode ter como parâmetro todas as categorias de normas constitucionais: de organização, definidoras de direitos e programáticas. (Luís Roberto Barroso, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, 2. Ed., p.29).”

Sedimentado o caminho a ser perseguido até a decretação de uma inconstitucionalidade, não se há por que mais procurar minudenciar os acessórios existentes dentro do controle concentrado, não havendo mais o que se falar nas formas de inconstitucionalidade. Passaremos agora a adentrar ao núcleo tangencial ao qual o presente trabalho pretende explorar.

2 CONTROLE DIFUSO, INCIDENTAL OU CONCRETO DE CONSTITUCIONALIDADE

Conforme já expressado, o controle difuso consagrou-se em 1934, como procedimento preliminar do processo de intervenção. Em 1946, consolidou-se o desenvolvimento da representação para efeitos de intervenção, contra lei ou ato normativo estadual. Entretanto, somente em 1965, com a adoção da representação de inconstitucionalidade, passou a integrar a atual sistema de controle.

A Constituição de 1988 deu uma grande ênfase, não mais ao sistema difuso ou incidente, mas ao modelo concentrado que, por sua vez, praticamente, todas as controvérsias relevantes passaram a ser submetidas ao Supremo Tribunal Federal, mediante controle abstrato. O amplo rol dos legitimados, a presteza e a celeridade desse modelo processual, constituem uma justificativa para tal tendência.

Nesta toada, ensinava Ruy Barbosa (1962, p. 82), “inconstitucionalidade não se aduz como alvo de ação, mas apenas como subsídio à justificação do direito, cuja reivindicação se discute”. Lúcio Bittencourt, seguindo a mesma linha de raciocínio, aduz que: “não se cuida mais, ou exclusivamente, de simples defesa contra a aplicação de um ato inconstitucional, tal como inicialmente definido”.

Assim, a característica primordial do controle concreto de normas apresenta no desenvolvimento inicial de um processo, no qual a questão constitucional configura, segundo Alfredo Buzaid, “antecedente lógico necessário à declaração judicial que há de versar sobre a existência ou inexistência de relação jurídica”.

Em consonância com os modelos alienígenas existentes em países como Portugal, o modelo difuso retira da cúpula do Poder Judiciário o monopólio de controle. Neste diapasão, evidencia-se a importância do mecanismo de controle difuso, uma vez que permite que os juízes de primeira instância e os tribunais em suas composições plenárias, mediante incidente suscitado, realizem filtragem constitucional, que vai desde a simples expunção de um texto até a correção de através da interpretação conforme a Constituição e o fenômeno da inconstitucionalidade parcial sem redução de texto.

Sem o caso concreto (a lide) e sem a provocação de uma das partes, não haverá intervenção judicial, onde o julgamento só se estende às partes em juízo. A sentença que liquida a controvérsia constitucional não fulmina a lei, não provoca nenhuma anulação, mas tão somente a sua não aplicação ao caso particular, objeto demandado.

Nos ensinamento de Ruy Barbosa, é possível destacar:

“O ato criminado subsiste no corpo geral das leis ou dos decretos, enquanto o poder competente o não desfizer (…). Essa função, pois, não obra senão caso a caso, a favor dos que reivindicarem a imunidade constitucional, não atuando para a série das espécies afins, senão moralmente, pelo prestígio do julgado, pela concludência de seus fundamentos, pela paridade das suas conclusões”. (Rui, A Constituição e os Atos Inconstitucionais do Congresso e do Executivo ante a Justiça Federal, ob. Cit., p. 121).

Pelos inúmeros ensinamentos e pela exposição do tema, restou demonstrado a breve introdução do tema em comento, evidenciado que o controle difuso somente ocorre caso haja, de forma acessória, a suscitação de inconstitucionalidade arguida por uma das partes, sendo a matéria dedicada aos deslindes processuais dos fenômenos preliminares.

Passaremos agora, a retratar o surgimento do controle incidental para depois, trazermos a baila o que eclodiu como dualidade de entendimentos e diversificação de resultados possíveis a serem adotados.

2.1 HISTORICIDADE DO CONTROLE DIFUSO

Em 1800, os federalistas, descontentes com os problemas conjunturais, perderam as eleições para o Congresso e para a Presidência da República. Foi eleito para o Executivo o republicano Thomas Jefferson.

Não obstante à derrota já consolidada, o Presidente Adams deveria continuar no cargo até março de 1801. Os federalistas, entre as eleições e a posse de Jefferson, criaram numerosos cargos, contudo, a vacância de maior expressão ocorreu quando surgiu uma vaga da Suprema Corte. Adams não viu ninguém mais recomendado e viável aos seus interesses que a nomeação do seu próprio Secretário de Estado, John Marshall.

Por curiosidade histórica, válido é frisar que este não foi a primeira opção do presidente norte americano, vejamos o relato:

Na realidade, Marshall não foi a primeira escolha de Adams. Foi indicado depois que John Jay (um dos federalistas) recusou o posto, desanimado, aos 55 anos, com as viagens pelo país a que eram obrigados os juízes da Suprema Corte. A recusa se deu sem que Jay soubesse que, dias depois, essas viagens seriam suprimidas pela Lei federalista do Judiciário. (cf. Ackerman, The failure, cit. P. 124-125).

A nomeação de tantos juízes fora feita as pressas, visto que o mandato de Adams chegava ao fim. Alguns desses juízes foram nomeados na noite anterior à posse dos republicanos, daí o nome de “juízes da meia-noite”.

Um desses que deveriam ser empossados chamava-se William Marbury. Ele fora indicado para atuar como juiz de paz, sendo confirmado o ato pelo Congresso, porém por circunstâncias até então jocosas, por tumulto no último dia do governo de Adams, não ocorreu a sua nomeação pelo até então presidente.

Com a chegada confusa e repleta de conflitos, irritados com as manobras dos federalistas, os republicanos recusaram peremptoriamente a nomeação de Marbury, que instruído por Jefferson, atual presidente empossado, o Secretário de Estado, James Madison, negou a assinatura.

Marbury, indignado com a perda do cargo, resolveu processar o novo Secretário de Estado, valendo-se de uma lei criada em 1789, que adicionou um writ of mandamus à lista das ações cometidas à competência originária da Suprema Corte.

O famigerado caso Marbury v. Madison eclodiu no meio político da época, agitando o cenário norte-americano.

O Presidente Jefferson compreendeu que a Suprema Corte não poderia obrigar o Executivo à prática do ato por Marbury. O Secretário Madison esnobou o tribunal, não arguindo nenhuma defesa. Diante da afronta a corte marcou data para julgamento do writ, ano de 1802.

O clima de beligerância era estupendo, as instituições democráticas corriam sérios riscos e em pressões crescentes ameaçavam aluir a força e a independência do Judiciário – que a Suprema Corte, em 1803, afirma o seu poder de declarar a inconstitucionalidade de leis do Congresso Nacional e a superioridade da sua interpretação da Constituição, deitando as bases do judicial review.

Ao prolatar a decisão da Suprema Corte para o caso Marbury v. Madison, Marshall afirmou que a retenção do título necessário para a posse de Marbury era imprópria, mas negou a este a ordem impetrada. Isso porque o writ de que Marbury se valera havia sido incluído na lista dos temas da competência originária da Suprema Corte por lei ordinária. Segundo Marshall, a competência da Suprema Corte estava expressada na própria Constituição, não havendo nenhuma possibilidade de ser alargada por uma lei infraconstitucional.

Sendo o caso perfeito para que Marshall sustentasse a sua tese, acrescentando nos livro precedente decisivo para o fortalecimento do Judiciário e para o constitucionalismo futuro.

O caso Marbury v. Madison reclama a superioridade para o judiciário, desenvolvendo uma cadeia argumentativa essencialmente de que a Constituição é uma lei, e que a essência da Constituição é ser um documento fundamental e vinculante. Desenvolve-se a tese de que interpretar a lei insere-se no âmbito das tarefas do próprio judiciário. Em caso de conflito entre diplomas, o juiz deve escolher, de acordo a melhor técnica aplicável, aquele que haverá de reger a situação em julgamento. Assim, por tais razões, ao Judiciário, diante da hipótese de conflito entre uma lei infraconstitucional e a Constituição, aplicar esta última e desprezar a primeira.

É interessante frisar que o tema de controle continuou a ser delicado por muito tempo, por tais razões, outro caso só veio a ganhar espaço no âmbito de controle de constitucionalidade cinco décadas após, em 1857, no caso Dred Scott.

Como resposta ao caso proposto para ilustração, o Executivo republicano não foi compelido a entregar o diploma a Marbury e não teve o por que se rebelar. Para época, afirmou-se que a ausência de retaliação, a autoridade do Poder Judiciário, superior à do Legislativo e do Executivo, em tema de interpretação e aplicação da Constituição.

Em inigualável anotação, Oscar Vilhena (2. Ed., p. 66), aduzindo sobre o caso Marbury v. Madison, expôs: “… é resultado, única e exclusivamente, de uma leitura expandida da Constituição americana e, posteriormente, na tradição da common Law, da ação reiterada dos magistrados. Este poder de controlar a compatibilidade das leis com a Constituição decorre, assim, da jurisprudência americana, e não de uma autorização positivada de forma expressa pelo constituinte”.

Não restando dúvidas sobre esse importantíssimo evento que mesmo após dois séculos, tem sido motivo de estudos e grandes descobertas que influenciam o caminhar das decisões contemporâneas.

2.2 EFEITOS DAS DECISÕES NO CONTROLE DIFUSO

Como regra insculpida no ordenamento, nas leis instrumentais e até nos direitos e garantias fundamentais, os efeitos de qualquer sentença valem somente entre as partes que deduziram a sua lide aos auspícios do Poder Judiciário.

No instante que a sentença declara que a lei é inconstitucional, produz efeitos pretéritos, ou seja, efeito ex tunc, tornando-a nula de pleno direito. Contudo, válido alertar que assim como no controle concentrado há a possibilidade de modulação dos efeitos da decisão, também é possível dar no controle difuso o efeito ex nunc, ou seja, pro futuro. Estando de acordo e atualizado com o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal.

2.3 LEADING CASE AND HARD CASE – EXPANSÃO DOS EFEITOS PARA TERCEIROS – SURGIMENTO DA DUALIDADE DE TESES

O Leading case surgiu a partir do julgamento do RE 197.917, no qual o Supremo Tribunal Federal reduziu o número de vereadores do Município de Mira Estrela e determinou que a aludida decisão só iria atingir a próxima legislatura.

O Ministro Gilmar Mendes, em outra ocasião, com a sua maestria peculiar, fixou entendimento similar na Ação Cautelar n. 189, (STF, 06/04/2004): “segundo o ministro, trata-se de questão idêntica à discutida no Recurso Extraordinário 197.917, da relatoria do Ministro Maurício Corrêa, em que o plenário decidiu pela inconstitucionalidade de Lei Orgânica municipal, que estabelecia o número de vereadores, determinando, porém a eficácia dos efeitos para momento futuro. ‘Como se pode ver, se se entende inconstitucional a lei municipal em apreço, impõe-se que se limitem os efeitos dessa declaração (pro futuro)’, afirmou Mendes. O ministro ressaltou que o sistema difuso ou incidental de controle de constitucionalidade admite a mitigação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade e, em casos determinados, acolheu até mesmo a pura declaração de inconstitucionalidade com efeito exclusivamente pro futuro. Para Gilmar Mendes, no caso em tela, observa-se que eventual declaração de inconstitucionalidade com efeito ex tunc (retroativo) ocasionaria repercussões em todo o sistema atual, atingindo decisões tomadas em momento anterior à eleição, que resultou na atual composição da Câmara Municipal: fixação do número de vereadores, fixação do número de candidatos, definição do quociente eleitoral. Igualmente, as decisões tomadas posteriormente ao pleito eleitoral também seriam atingidas, tal como a validade da deliberação da Câmara municipal nos diversos projetos e leis aprovados. O ministro ressaltou que a doutrina e jurisprudência entendem que a margem de escolha conferida ao Tribunal para a fixação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade não legitima a adoção de decisões arbitrárias, estando condicionada pelo princípio de proporcionalidade”.

Por desenrolar de entendimentos, eclodiu uma nova tendência chamada de transcendência dos motivos determinantes da sentença, sendo marcada pela evidenciação de duas teses, abstrativização do controle difuso e o de objetivação do controle difuso.

Tomados os devidos esclarecimentos, como referência para conhecimento e análise de teses, necessário se faz a colação do acórdão que ocasionou o presente estudo, enaltecendo a inovadora decisão e ao mesmo tempo audaciosa, vejamos a decisão:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MUNICÍPIOS. CÂMARA DE VEREADORES. COMPOSIÇÃO. AUTONOMIA MUNICIPAL. LIMITES CONSTITUCIONAIS. NÚMERO DE VEREADORES PROPORCIONAL À população. Cf, ARTIGO 29, IV. APLICAÇÃO DE CRITÉRIO ARITMÉTICO RÍGIDO. INVOCAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE. INCOMPATIBILIDADE ENTRE A POPULAÇÃO E O NÚMERO DE VEREADORES. INCONSTITUCIONALIDADE, ‘INCIDENTER TANTUM’, DA NORMA MUNICIPAL. EFEITOS PARA O FUTURO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. 1. O artigo 29, inciso IV da Constituição Federal, exige que o número de Vereadores seja proporcional à população dos Municípios, observados os limites mínimos e máximos fixados pela alíneas a, b e c. 2. Deixar a critério do legislador municipal o estabelcimento da composição das Câmaras Municipais, com observância apenas dos limites máximos e mínimos do preceito (CF, artigo 29) é tornar sem sentido a previsão constitucional expressa da proporcionalidade. 3. Situação real e contemporânea em que Municípios menos populosos têm mais Vereadores do que outros com um número de habitantes várias vezes maior. Caso em que a falta de um parâmetro matemático rígido que delimite a ação dos legislativos Municipais implica evidente afronta ao postulado da isonomia. 4. Princípio da razoabilidade. Restrição legislativa. A aprovação de norma municiapl que estabelece a composição da Câmara de Vereadores sem observância da relação cogente de proporção do a ADI 3.345 / DF respectiva população configura excesso do poder de legislar, não encontrando eco no sistema constitucional vigente. 5. Parâmetro aritmético que atende ao comando expresso na Constituição Fedderal, sem que a proporcionalidade reclamada traduza qualquer afronta aos demais princípios constitucionais e nem resulte formas estranhas e distantes da realidade dos Municípios brasileiros. Atendimentos aos postulados da moralidade, impessoalidade e economicidade dos atos administrativos (CF, artigo 37). 6. Fronteiras da autonomia municipal impostas pela própria Carta da República, que admite a proporcionalidade da representação política em face do número de habitantes. Orientação que se confirma e se reitera segundo o modelo de composição da Câmara dos Deputados e das Assembleias Legislativas (CF, artigos 27 e 45, §1º). 7. Inconstitucionalidade, ‘incidenter tantum’, da lei local que fixou em 11 (onze) o número de Vereadores, dado que sua população de pouco mais de 2600 habitantes somente comporta 09 representantes. 8. Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ‘ex tunc’, resultaria grave ameaça a todo sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade.

Nesta toada, evidenciado esta o hard case apresentado pela Suprema Corte Constitucional, onde, o presente trabalho, buscará minudenciar as teses que estão balizadas por este acórdão, efetivando assim os interesses sociais e jurídicos ao qual cada corrente se apoia. Passamos agora a analisar os expoentes das teses.

3 TEORIA DA ABSTRATIVIZAÇÃO

Atualmente percebe-se, a partir do leading case, o surgimento de novos impasses enfrentados pelo Supremo Tribunal Federal, como no caso da “progressão do regime na lei dos crimes hediondos”, que caracterizou uma nova tendência para o Supremo, qual seja, a teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença (ratio decidendi).

Destarte, para o ilustre Didier Jr. (2003, p. 233), esposa o seguinte pensar: “a ratio decidendi são os fundamento jurídicos que sustentam a decisão; a opção hermenêutica adotada na sentença, sem a qual a decisão não teria sido proferida como foi, trata-se da tese jurídica acolhida pelo órgão julgador”.

Compreendido a posição dessa corrente jurídica, entregar-nos-emos aos deslindes da brilhante teoria abraçada pelos aclamados doutrinadores Gilmar Mendes e Eros Grau.

Em importante pesquisa, Gilmar Mendes explana: “(…) possível sem qualquer exagero, falar-se aqui de uma autêntica mutação constitucional em razão da completa reformulação do sistema jurídico e, por conseguinte, da nova compreensão que se conferiu à regra do art. 52, X, da Constituição de 1988. Valendo-nos dos subsídios da doutrina constitucional a propósito da mutação constitucional, poder-se-ia congitar aqui de uma autêntica ‘reforma da Constituição sem expressa modificação do texto’ (Ferraz, 1986, p. 64 et seq., Jellinek, 1991, p. 15-35; Hsü, 1998, p. 68 et seq.)”

Como apontado, no Inf. 454/STF, o Ministro Gilmar Mendes assentou “reputou ser legítimo entender que, atualmente, a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado há de ter simples efeito de publicidade, ou seja, se o STF, em sede de controle incidental, declarar, definitivamente, que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação àquela Casa legislativa para que publique a decisão no Diário do Congresso, Concluiu, assim, que as decisões proferidas pelo juízo reclamado desrespeitaram a eficácia erga omnes que deve ser atribuída à decisão do STF no HC 82.959/SP (‘progressão do regime na lei dos crimes hediondos’, acrescente-se). Após, pediu vista o Min. Eros Grau”.

Mantendo o desenvolvimento, construção da tese supra, necessário agora é desenvolver os institutos da expansão dos efeitos para terceiros, ou seja, delinear o art. 52, X da Constituição e, após a sua compreensão, partir para a compreensão do fenômeno da mutação constitucional, para só então, retornarmos a explanação dessa brilhante tese.

3.1 EXPANSÃO DOS EFEITOS PARA TERCEIROS

Sedimentado toda essa magnífica conjuntura, ficou pacífico nas mentes aguçadas que através do Recurso Extraordinário, poderá ser proposta uma matéria de cunho interpartes na mesa do Supremo Tribunal Federal, e este, por questão incidental, poderá decidir por uma inconstitucionalidade que, sendo decidida pela maioria absoluta, conforme o art. 97 da Constituição Federal em consonância com o art. 178 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, poderá ser dado efeito para além dos litigantes.

O supra mencionado procedimento estabelece que deverá haver uma comunicação, logo após o trânsito em julgado da matéria, ao Senado Federal, para que assim ocorra a materialização do art. 52, X da Constituição Federal de 1988.

Para que ocorra a materialização, por ser competência privativa do Senado Federal, herança deixada desde os idos do século passado, na Carta de 1946, mais precisamente na emenda 16 de 1965, sedimentou que o procedimento deveria ser instrumentado através de uma resolução, para que, só assim, pudesse suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.

O art. 386 do Regimento Interno do Senado Federal, regulamentando o assunto, estabelece que o Senado tomará conhecimento da declaração de inconstitucionalidade, proferida pela Corte Constitucional, em sua totalidade ou parcialidade, de lei mediante:

– Comunicação do Presidente do Tribunal;

– Representação do Procurador-Geral da República;

– Projeto de resolução de iniciativa da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.

A comunicação, a representação e o projeto deverão ser instruídos com o texto da lei objeto da pretensa suspensão, do acórdão do Supremo Tribunal Federal, do parecer do Procurador-Geral da República e da versão do registro taquigráfico do julgamento, isso tudo conforme o art. 387 do Regimento Interno do Senado.

Já no art. 388 do mesmo diploma regimental estabelece que, após a leitura em plenário, a comunicação ou representação será encaminhada à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que só assim poderá formular uma resolução suspendendo a execução do ato legiferante, no todo ou em parte.

Lembrando que a expressão em todo ou em parte está intrinsecamente ligada a decisão do Supremo Tribunal, não podendo o Senado ampliar, interpretar ou restringir a extensão da decisão tomada pela corte. Para vislumbrar completamente o que até aqui está em pauta, vejamos o artigo 52, X da Constituição da Federal na íntegra:

“Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: (…)

X – Suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.”

A competência privativa do Senado Federal foi inserida no ordenamento jurídico constitucional brasileiro pelo constituinte de 1934, por proposta de Emenda Coletiva, da qual o primeiro signatário foi Prado Kelly (MS 16.512/DF).

Em síntese, o autor justificava a introdução como medida de inspiração prática, lembrando que os precedentes jurídicos da suprema corte daquela época negava extensão dos efeitos de sua decisão a outros interessados. Nessa batalha os estudiosos buscavam um meio adequado para que a decisão do Supremo Tribunal tivesse efeitos extensivos a terceiros, solução encontrava na constituinte de 1934, pela atribuição, ao Senado Federal, da suspensão de leis e atos declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, medida que foi consagrada pela Lei Maior de 1934, no art. 91, inciso IV.

Não há disposição normativa idêntica à prevista no art. 52, X, em exame, nos constituintes estrangeiros frequentemente citados pelas doutrinas brasileiras. Convém, não obstante o que foi esposado, citar que a Constituição da República Portuguesa abriga o controle difuso de constitucionalidade. Cabe lembrar que a Constituição Italiana, citada por Prado Kelly, que determina que quando uma norma de lei ou ato com força de lei é declarada ilegítima pela Corte Constitucional o dispositivo é interrompido e perde a eficácia a partir do período sucessivo à publicação da decisão.

Tratando-se de um importante instituto criado pelo constituinte de 1934, mantido pelas constituição posteriores a esta, válido e satisfatório se faz a exposição de um posicionamento jurisprudencial, senão vejamos:

ADI 1.417-0DF/Distrito Federal: efeito retroativo de medida provisória; inviabilidade em razão da existência de Resolução do Senado Federal suspendendo efeitos de decretos-leis que a medida restaurava: afastado o exame de mérito, convém referir o voto do Relator, Ministro Octávio Gallotti, que entendia que “em face da suspensão determinada pelo Senado Federal (Res.45-49) e decorrente da declaração de inconstitucionalidade formal, pelo Supremo Tribunal Federal, dos decretos-leis citados (RE 148.754), prevalece, obviamente, ex tunc, a invalidade da obrigação tributária questionada. Não pode, pois, a ulterior criação de contribuição, já agora pelo emprego do processo legislativo idôneo, pretender tirar partido do passado inconstitucional, de modo a dele extrair a validade do pretendido efeito retro-operante.”

Ao longo da evolução normativa, a doutrina também foi se adequando e sendo forma de compreensão dos procedimentos, que por consequência, abrigaram disposições idênticas.

De qualquer sorte, as mudanças temporais criadas pela introdução do controle senatorial provocou profundas mudanças na prática do controle difuso pátrio, suscitando assim profundas discussões acerca da prática do controle difuso, natureza do instituto, ante a mínima disciplina normativa do texto constitucional.

Com a devida adequação jurisprudencial, manteve-se o instituto estabilizado na Constituição de 1988, que ao lado de instituir um minucioso modelo de controle concentrado, muito próximo do modelo europeu, manteve o controle difuso interligado ao controle senatorial.

Assim, esclarecido e vislumbrado o que está disposto no texto constitucional, resta-nos frisar que, de acordo o art. 1º, § 2º do Decreto n. 2.346/97, que, de forma soberana e expressa, fixa os efeitos ex tunc para a resolução do Senado Federal em relação, exclusivamente, à Administração Pública Federal e indireta, contudo, para os demais, via de regra os efeitos serão ex nunc, não havendo o que se falar em retroatividade, e, para tanto, confeccionando o efeito erga omnes.

Desde o início de sua jornada normativa, a compreensão do art. 52, X da Carta Magna despertou inúmeros posicionamentos interpretativos acerca da sua devida aplicação no mundo prático.

Uma corrente inovadora, neopositivista assevera que a função seria para dar publicidade às decisões do Supremo Tribunal Federal. Segundo esta corrente, a função do Senado Federal de suspender a execução da decisão do Supremo Tribunal tem por finalidade apenas tornar pública tal decisão, levando-a ao conhecimento de todos os cidadãos. Lúcio Bittencourt (O controle de constitucionalidade das leis, p. 145-146) sustenta esta posição por entender que “suspender a execução de lei inconstitucional” constitui uma “impropriedade técnica”, uma vez que sendo o ato inconstitucional um ato “nulo”, “inexistente” ou ineficaz”, não é possível suspender-se sua execução. Assim, a atribuição constitucional ao Senado Federal não teria outra finalidade que a de dar publicidade à decisão do Supremo Tribunal Federal.

Esta posição também é defendida por Pedro Chaves (MS 16.512/DF), dispondo que o Senado Federal é um mero executor constitucional de decisão judiciária do Supremo Tribunal Federal.

Apoiando está corrente, não caberia ao Senado Federal adentrar no mérito da decisão judicial, limitando-a ou restringindo-a em seu desdobramento. De qualquer sorte, não pode o Senando Federal invalidar resolução que suspendeu ato inconstitucional, cujos efeitos já estão sedimentados no ordenamento jurídico brasileiro.

Em lado diametralmente oposto, a corrente contrária à anterior posição supracitada, divide-se em duas vertentes. Uma analisa a questão pelo lado formal, fazendo um juízo prelibatório, um exame das condições de objetividade da decisão do STF, para ver se existe a decisão e se esta foi tomada dentro dos padrões normativos, se foi observado o quórum constitucional. Se a votação no Supremo Tribunal era plena, se a votação estava conforme preceitua o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

O Senado Federal, todavia, não tem capacidade para examinar o mérito da decisão, para interpretá-la, para amplia-la ou restringi-la. Nesse caso, segundo Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda 1/69, Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 88-92), a análise feita pelo Senado Federal não “pressupõe qualquer apreciação de mérito por parte do Senado, que não pode recusá-la por entende-la errônea”.

A outra vertente defensora da nobre e aplaudida função do Poder Legiferante vai ainda mais longe, entendendo que o Senado Federal tem ampla discricionariedade para analisar a decisão de inconstitucionalidade que lhe é remetida. Pode-se analisar não só os aspectos formais, adentra aos aspectos substanciais, suspendendo, se assim for da sua compreensão, apenas parte da lei declarada totalmente inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Acompanha essa dicção o recomendado Paulo Brossard.

Em sua verdade, desde o momento de sua criação, a função senatorial de suspender a execução de ato declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em vias de controle difuso, foi esposado como um mecanismo apto para complementar a decisão judicial, para fim de estender a decisão a todos. É uma função que justifica o art. 2º da nossa Carta Magna, pois estabelece a harmonia entre os poderes, judicial e político, bem como constrói a independência, dando a cada um a devida parcela para analisar ao caso em discussão.

Por esta feita, a função exercida pelo órgão político com a finalidade de complementar uma decisão judicial no tocante aos seus efeitos; portanto, embora participe do controle difuso, o ato de suspensão não se assemelha a função jurisdicional; tem a sua natureza arraigada de ato político-jurídico ou político-normativo, “quase legislativo”, já que produz efeito jurídico inovador no ordenamento jurídico.

Para não restar dúvidas, válido frisar que não pode o Senado Federal adentrar ao mérito da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, fazendo às vezes do Guardião da Constituição. Desta feita, não o órgão legislativo a competência para suspender parte de lei declarada inconstitucional, quando toda ela foi julgada inapta com a Carta Magna, nem pode suspender toda a lei, quando apenas parte dela foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal. Os art. 52, X não atribuiu poderes ampliativos, muito menos jurisdicionais ao Senado Federal.

3.2 MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL

A desvalorização da Constituição escrita, a erosão do seu conteúdo escrito e a caducidade das manifestações pretendidas pelo constituinte originário abalam a durabilidade do texto constitucional. Para a manutenção do texto, assegurar a sua permanência, a mudança na constituição é a melhor alternativa para a revitalização da Carta Magna, surge ai a mutação constitucional.

A mudança na Constituição não se enquadra, obrigatoriamente, com a desmotivação do texto. Via de regra ela propõe introduzir aperfeiçoamentos e correções no texto constitucional. Opera o rumo da evolução. Não obstante, a mudança à Constituição reflete, com a maior inspiração, uma insatisfação com o texto constitucional, cuja a matéria se pretende substituir ou alterar.

Com a evolução mundial, em consequência a evolução do Direito Constitucional por meio da interpretação, aclamado por mutação informal. Essa mudança ocorre sem que seja necessário a formalização de um ato solene, motivo pelo qual acaba sendo denominada de mutação informal ou não-textual.

Não resta dúvida que tal instituto eclodiu após a II Grande Guerra Mundial, que sem sombra de dúvidas proporcionou uma abertura semântica das constituições, passando-as a ter como escopo central os princípios normatizados, que acabou contribuindo ainda mais para esse fenômeno.

A genialidade da mutação constituição pressupõe a fixação de uma interpretação, normalmente realizada pela Justiça Constitucional. Posterior ao tempo de interpretação, por fenotipia social, ocorre a interpretação para o mesmo suporte normativo, para o mesmo dispositivo da Constituição, sendo realizado pela mesma instância jurídica. Tal fenômeno colabora com a manutenção da atualidade textual, fazendo com que o texto constitucional mantenha-se apto a solucionar os conflitos da atualidade, rejuvenescendo a letra que com o tempo iria atingindo a senilidade, porém, em interpretação é revigorada em sua atuação.

Em inigualável preleção de Hsu dau-lin, na lição de García-Pelayo (1984, p. 137) e Pablo Lucas Verdú (1984, p. 179/180), a mutação constitucional é a segregação entre a realidade e os preceitos constitucionais. A realidade é mais extensiva, abrange todas as necessidades existentes no meio contemporâneo, fazendo o texto se autoevoluir através da sua evolução semântica. Dan-lin concebeu quatro espécies de mutação constitucional:

a) Mutação Constitucional mediante prática que não vulnera formalmente a Constituição escrita;

b) Mutação Constitucional por impossibilidade do exercício de determinada atribuição constitucional;

c) Mutação Constitucional em razão da prática que contradiz a Constituição;

d) Mutação Constituição mediante interpretação.

Contextualização clássica da mutação constitucional encontra-se no direito alienígena francês, que por desuso do direito de dissolução da Câmara dos Deputados na III República Francesa. Prerrogativa atribuída ao chefe do executivo, a dissolução da Câmara dos Deputados verificou-se uma única vez, sob a presidência do presidente Mac-Mahon, em 1877. A renovação dos mandatos levou à Câmara, através da grande maioria republicana, opondo-se ao objetivo de Mac-Mahon, o que motivou a sua renúncia. O ato isolado não se repetiu na III República. O Parlamentarismo dualista foi alterado pela mutação constitucional no Parlamentarismo monista, sob o comando do Parlamento.

O fenômeno da Mutação Constitucional nem sempre se ajusta ao sistema da Constituição rígida e aos momentos iniciais do regime político, como se pode observar nos casos de sua aplicação. A mutação sobrepõe-se à norma escrita da Constituição, consagrando o uso constitucional.

Na perspectiva de análise constitucional no direito americano, Loewenstein (1970, p.107) afirma exatamente ao uso constitucional, onde a ação modificadora transforma o texto, transformando para os autores do texto de 1787, irreconhecível para os mesmos.

No contexto é interessantíssimo observar que não há balizar ou restrições formais a esse fenômeno. Seguindo esse raciocínio, a mutação constitucional exterioriza um caráter dinâmico e prospectivo das normas jurídicas.

Por seu turno, Uadi Lammêgo Bulos, balizado pela doutrina alemã, denominou a mutação constitucional da seguinte forma: “(…) o processo informal de mudança da Constituição, por meio do qual são atribuídos novos sentidos, conteúdos até então não ressaltados à letra da Constituição, quer através da interpretação, em suas diversas modalidades e métodos, quer por intermédio da construção (construction), bem como dos usos e dos costumes constitucionais”.

Conforme Mendes, Coelho e Branco, “(…) por vezes, em virtude de uma evolução na situação de fato sobre a qual incide a norma, ou ainda por força de uma nova visão jurídica que passa a predominar na sociedade, a Constituição muda, sem que as suas palavras hajam sofrido modificação alguma. O texto é o mesmo, mas o sentido que lhe é atribuído é outro. Como a norma não se confunde com o texto, repara-se, aí, uma mudança da norma, mantido o texto. Quando isso ocorre no âmbito constitucional, fala-se em mutação constitucional”.

Não havendo mais dúvidas sobre a mutação constitucional, muito menos do seu papel essencial dentro dos textos constitucionais, retornaremos ao objeto anteriormente apresentado, sendo a fundamentação da teoria da abstrativização.

3.3 A CONSOLIDAÇÃO DA ABSTRATIVIZAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO

Na complexidade evolutiva do controle de constitucionalidade, desde o caso Marbury v. Madison, que ficou estabelecido como o interprete mor, guardião e supremo em seu entendimento, as Cortes Constitucionais.

Acenando para esta esplendorosa concepção, em outro julgado o Ministro Gilmar Mendes “sepultou” o art. 52, X da Carta Magna, aproximando o controle difuso do controle concentrado. Embora o tema ainda não tenha chegado aos demais ministros, pode-se afirmar que, sem sombra de dúvidas representa importante perspectiva em termos de abstrativização do controle difuso e a consagração da tese da transcendência da ratio decidendi.

Corroborando esta arrojada tese, o então Ministro do Supremo Tribunal Federal, o ilustre Teori Albino Zavascki, em sede doutrinária, acalenta a transcendência, com caráter vinculante, mesmo em sede de controle difuso.

Lúcio Bittencourt, demonstrando conhecimento da doutrina de Liebman e da distinção entre autoridade da coisa julgada e eficácia natural da sentença, chegou a sedimentar, sob os auspícios da regra do stare decisis, que a declaração de inconstitucionalidade no controle difuso teria eficácia para todos.

Para acrescer ainda mais o arcabouço doutrinário desta tese, possível é ampliar os argumentos a partir da ideia da força normativa da constituição, de autoria de Konrad Hesse, que em seu deslinde seria fundida pelo princípio supremacia da constituição e a sua aplicação uniforme a todos os destinatários.

Por assim dizer, o Supremo Tribunal Federal enquanto guardião máximo e também interprete soberano, irradiado pelo caráter político nas decisões, estaria munido pela força normativa.

Assim Konrad Hesse nos ensinou: “a força normativa da Constituição não reside, tão-somente, na adaptação inteligente a uma dada realidade. A Constituição jurídica logra converter-se, ela mesma, em força ativa, que se assenta na natureza singular do presente (individuelle Beschaffenheit der Gegenwart). Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem. Concluindo, pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência geral – particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional -, não só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung).

Nesse eito, Dirley da Cunha Júnior (2008, p. 298), em ânimos subliminares, questiona o tema proposto: “Enquanto Corte Constitucional, qual a razão de fazer depender da intervenção do Senado os efeitos erga omnes da decisão da decisão do Supremo Tribunal que declara a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em face do caso concreto? Será que o STF deixa de ser Corte Constitucional só porque a inconstitucionalidade da lei foi declarada à luz de uma controvérsia entre partes?”

Para Eros Grau, outro expoente da tese da abstrativização, houve uma alteração do próprio texto constitucional, decerto que no passado havia um texto que atribuía ao Senado Federal suspender a execução, contudo, outro texto, alterado pelas circunstâncias temporais, passou a ser ditado do seguinte modo: “Compete privativamente ao Senado Federal dar publicidade à suspensão da execução, operada pelo STF, de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do Supremo”.

Indo para outro desdobramento dentro do quadro constitucional é interessante vislumbrar a seguinte ideia, o controle concentrado é exercido pelo Supremo Tribunal, em grau de discussão e julgamento de Recurso Extraordinário, que por lado simétrico gera a participação da sociedade civil. A decisão do Supremo estará legitimada não somente por que emanou da corte, fato que resultaria a vontade de poder (Wille zur Macht), que possui em última instância a responsabilidade da guarda da Constituição; principalmente, estará legitimada a decisão proferida por que o resultado obtido através do árduo processo jurisdicional teve participação direta da sociedade, caracterizando a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung).

Com uma pá de cal, após inúmeros posicionamentos que fortalecem a tese da abstrativização, salutar é compreendermos que a Constituição é um elemento volátil no decorrer do tempo. Não apenas a Constituição, como também o Direito estão sujeitos à mutação e, como irremediável circunstância, o instituto jurídico, nesse caso sendo a suspensão da lei realizada pelo Senado Federal, pode vir a estar anacrônico com a realidade que nos toma. Deste modo, a contextualização contemporânea pode acarretar um novo entendimento de suspensão pelo Senado Federal.

Com efeito, a mutação constitucional é tida como um fenômeno empírico, que é compreendido como uma solução para um pretenso hiato entre o texto constitucional e a realidade social, que indubitavelmente exigi-se uma “jurisprudência corretiva”, fazendo as vezes do sistema common Law, tal como aludiu Bülow, no século XIX: “uma jurisprudência corretiva desenvolvida por juízes éticos, criadores do direito (Gesetz und Richteramt, Leipzing, 1885) e atualizadores da Constituição e dos supostos envelhecimentos e imperfeições constitucionais”.

Dirley da Cunha júnior (2008, p. 298), alerta que, na colenda corte persevera novas técnicas de decisão, reconhecidas no âmbito do controle de constitucionalidade, tais como, declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução do texto e sem pronúncia de nulidade, restando ainda mais claro o anacronismo da execução do órgão legiferante.

Como referência alienígena, o relato de Ronald Dworkin (1999, p. 36-38), o caso Brown vs. Board Education. A corte americana, sem a redução de qualquer texto ou sequer uma alteração formal textual, modificou o resultado encontrado no caso paradigma Plessy vs. Ferguson, sem que houvesse uma ofensa a Décima Quarta Emenda, pois ali havia sido afirmado a constitucionalidade da prática de segregação racial desde que os serviços oferecidos fossem igualitários. Desta forma, quase cem anos depois, a mesma Corte, debruçando sobre a mesma emenda, entendeu que a segregação racial praticada pela insituição Board Education ofenderia a mesma emenda contida na Constituição americana.

Nesta preleção, há demonstrado evidente caso de mutação sem alteração do texto, motivo pelo qual deveria ocorrer em referência ao art. 52, X da Constituição de 1988.

Sobre o assunto, com a maestria de Rui Barbosa, mostrou a atuação do direito americano: “(…) se o julgamento foi pronunciado pelos mais altos tribunais de recurso, a todos os cidadãos se estende, imperativo e sem apelo, no tocante aos princípios constitucionais o que versa. Nem a legislação “tentará contrariá-lo, porquanto a regra stare decisis exige que todos os tribunais daí em diante o respeitem como res judicata (…)”.

Gilmar Ferreira Mendes afirmou, “todas essas razões demonstram o novo significado do instituto de suspensão de execução pelo Senado Federal, no contexto normativo da Constituição de 1988”. O modus operandi da Carta de 1988 demonstrou-se amplamente modificado pelo decorrer do tempo, conduzindo a uma nova interpretação dos institutos de controle incidental. Neste diapasão, as considerações elencadas ao longo desta monografia delineiam para uma releitura do art. 52, X, da Constituição Federal de 1988, sendo informalmente alterado pela mutação constitucional, dando competência de conferir apenas a publicidade da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, assim como, sugerido há muito tempo, por Lúcio Bittencourt:

“Se o senado não agir, nem por isso ficará afetada a eficácia da decisão, a qual continuará a produzir todos os seus efeitos regulares que, de fato, independem de qualquer dos poderes. O objetivo do art. 45, IV da Constituição é apenas tornar pública a decisão do tribunal, levando-a ao conhecimento de todos os cidadãos. Dizer que o Senado ‘suspende a execução’ da lei inconstitucional é, positivamente, impropriedade técnica, uma vez que o ato, sendo ‘inexistente’ ou ‘ineficaz’, não pode ter suspensa a sua execução.” (Carlos Alberto Lúcio Bittencourt, O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis, cit., p. 145-146).

Ao Senado não restaria a faculdade de publicar ou não a decisão pronunciada pelo Supremo Tribunal Federal, ainda que em grau de Recurso Extraordinário, analisando incidentalmente a inconstitucionalidade da lei, vez que a sua atividade não é uma ação, decisão substantiva, mas sim um dever de publicação.

Com uma pá de cal sobre as dúvidas que assolavam a tese da transcendência da ratio decidendi, ficou sedimentado que a nossa atual conjuntura admite sem pesares a mutação do art. 52, X da nossa Constituição de 1988, dando uma amplitude do que é a força normativa da constituição e resgatando o ideal pretendido com o início do controle difuso, nos idos do caso Marbury v. Madison.

3.4 A OPOSIÇÃO À TEORIA DA ABSTRATIVIZAÇÃO

Obstante ao que até aqui fora esposado, na contramão da tese da ratio decidendi, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa e Sepúlveda Pertence, trilham um caminho diametralmente oposto ao de Gilmar Mendes e Eros Grau.

A teoria abstrata sede espaço para o seu antônimo, ou seja, a teoria concreta ou concretista, principiada pela segurança jurídica, onde por via protetiva de todo o ordenamento jurídico, prefere a adoção da súmula vinculante, que em uma visão principiológica, seria a melhor posição a ser adotada, face a nossa atual conjectura.

Alfredo Buzaid, erudito jurista, veementemente criticava a posição abstrata, não admitindo a qualidade da imutabilidade para as questões prejudicias decididas incidentalmente no processo (art. 469, III, do CPC).

“[…] teriam razão os ilustres autores (referindo-se a Lúcio Bittencourt e Castro Nunes) se, no litígio constitucional, o objeto do processo fosse a lei em si, não o direito subjetivo da parte; nestas condições, a coisa julgada, transcendendo os limites da demanda, abrangeria a todos. Mas enquanto os juízes resolvem in casu o direito particular, ameaçado ou violado por ato ilegal da legislatura ou do executivo, os efeitos do julgado valem inter partes, não se estendendo erga omnes seria mediante resolução do Senado Federal, que suspenderia a execução da lei, cassando, em definitivo, a sua eficácia”. (A. Buzaid, Da ação direta de declaração de inconstitucionalidade no direito brasileiro, p. 87-88).

Embora bastante sedutora, a tese da transcendência decorrente do controle difuso coaduna com o princípio da economia processual, efetividade do processo e da celeridade processual, contudo, embora tenha sido justificada pela força normativa da constituição, demonstra-se, ao menos em sede difusa, a ausência de regras, sejam processuais, constitucionais, para a sua implantação.

Nessa linha, o Supremo Tribunal Federal, pelo entendimento obtido no HC 82.959, editou, em 16/12/2009, com efeito erga omnes e vinculante, a súmula vinculante de número 26, alternativa sólida e viável em nosso ordenamento positivado, no seguinte teor: “para efeito de progressão de regime de cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenando preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico”.

No intuito de esclarecer a presente tese, passaremos a esboçar a súmula vinculante e seus pormenores, que poderão corroborar a ideia concretista.

3.4.1 Súmulas Vinculantes

A lentidão que, por sua vez, assume a forma de morosidade, assola o Judiciário. As crises jurisprudenciais, atrelado aos inúmeros recursos, agravam ainda mais a mazela pública.

Como uma panaceia jurídica, as súmulas vinculantes, vieram dar aplicabilidade ao comando fixado no art. 5º, LXXVIII, também introduzido pela reforma do Poder Judiciário e, na mesma medida, estabelecer uma segurança jurídica, dando interpretação uniforme.

O stare decisis, teoria norte americana teve forte influência na criação das súmulas vinculantes. Segundo Agra (p. 122-123), “(…) o sistema do Common Law, de tradição anglo-saxônica, onde prepondera o stare decisis (ET quieta non movere), o precedente judiciário é fonte de direito, isto é, detém valor normativo”.

Continua André Ramos Tavares (2006, p. 20): “o chamado precedente (stare decisis) utilizado no modelo judicialista, é o caso já decidido, cuja decisão primeira sobre o tema (leading case) atua como fonte para o estabelecimento (indutivo) de diretrizes para os demais casos a serem julgados. Esse precedente, como o princípio jurídico que lhe servia de pano de fundo, haverá de ser seguido nas posteriores decisões como paradigma (ocorrendo, aqui, portanto, uma aproximação com a ideia de súmula vinculantes brasileira)”.

Prevista no art. 103-A da Constituição Federal, vinda com o advento da Emenda Constitucional de número 45 de 2004, fora regulada pela Lei 11.417/2006, que ficou pacificado a sua força vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário, excetuado o Supremo Tribunal Federal, pois o próprio órgão é o detentor da edição, modificação ou extinção, bem como vinculando o Poder Executivo; seu raio de incidência atua nas esferas municipais, estaduais e federais do poder.

Em seu projeto inicial, a súmula vinculante vinha com o intuito de também vincular o Poder Legislativo, contudo, tal intenção não logrou êxito, ficando excetuado o Poder Legiferante, razão pela qual mostra a importância da sua liberdade plena para o desenvolvimento de sua atividade típica e, assim, não restando dúvidas que a mutação de um inciso ocasionaria uma insegurança institucional, sendo recomendável a postura de editar as súmulas vinculantes, instituto sólido e maciço para segurança jurídica.

O relatório da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal asseverou que, “parece-nos evidente que a súmula vinculante tende a promover os princípios da igualdade e da segurança jurídica, pois padronizará a interpretação das normas, evitando-se as situações propiciadas pelo sistema vigente, em que pessoas em situações fáticas e jurídicas absolutamente idênticas se submetem a decisões judiciais diametralmente opostas, o que prejudica em maior medida aqueles que não têm recursos financeiros para arcar com as despesas processuais de fazer o processo chegar até o Supremo Tribunal Federal, onde a tese que lhe beneficiaria fatalmente seria acolhida”.

Não havendo o que se falar em engessamento do Judiciário, matéria a muito vencida, o enunciado vinculante oferece um quorum qualificado, um procedimento que é necessário haver repetidos julgados e interesse coletivo, social, para a sua edição; assim, o caminho sumular é bem-vindo no momento atual.

3.4.2 A Conjuntura Atual e a Identificação com a Teoria Concretista

Apreciada a questão da validade e a força normativa do art. 52, X da Carta Magna, torna-se uma questão paradigmática, uma vez que, as Constituições que nos precederam, regidas pelo Estado democrático de Direito, deu-se exatamente a exigência de participação democrática da sociedade no processo de decisão acerca da inconstitucionalidade de uma lei produzida pela vontade geral.

Em razão, o artigo supramencionado, é muito mais importante do que a simples publicidade arguida pelos nobres e recomendados juristas. Ele consubstancia um deslocamento na tensão atuante no Supremo Tribunal Federal, instaura os dizeres constantes no art. 2º da mesma Carta, que estabelecem independência e harmonia entre si, levando o solipsismo das decisões do Judiciário em direção a via pública. Nesse diapasão, o constitucionalismo do Estado Democrático de Direito deve ser levado como norte principiológico, não havendo o por que tentar reduzi-lo por técnicas arriscadas e inseguras.

Pelo exposto, o modelo de participação democrática na seara difusa se dá de forma indireta, pela atribuição constitucional elencada na competência exclusiva do Senado Federal. Excluir a competência do Senado seria um ato temerário, atribuir-lhe apenas a função publicitária significaria a redução de atribuições, reduzindo-o a uma secretaria de divulgação intralegislativa das decisões do Supremo Tribunal Federal; de qualquer sorte, o controle difuso não chancela nenhum preceito que aparenta ser sugerido pela Constituição da República de 1988.

3.5 CONTEMPORANEIDADE JURÍDICA E ADOÇÃO DEFINITIVA DE TESE

Seduzidos por ambas preleções, encantados pelos inúmeros modelos que corporificam cada umas das teses, ambas se mostram totalmente interessantes para o nosso ordenamento jurídico.

A primeira com a sua estimativa transcendental, busca equalizar o que é Constituição e poder constitucional, colocando nas mãos do interprete mor, ou seja, a Corte excelsa o poder de abstrativizar as suas decisões, colocar em pé de igualdade o controle concentrado e o difuso, dando efeito erga omnes quando ao seu alvedrio julgar-se viável.

Ainda na perspectiva abstrata, a mutação constitucional pretendida seria o passo final que teve como início o julgamento Marbury v. Madison, retirando dos demais poderes atribuições que não são de sua alçada, redesignando o caminho político, social e jurídico de um Estado Democrático de Direito.

Lado outro, instaurado em uma era ainda positivista, que apesar de alguns expoentes que lutam pela redução textual e ampliação conceitual da hermenêutica constitucional, a teoria concretista demonstra-se mais ciente do atual momento ao qual o Estado brasileiro se encontra.

Prezar pela segurança jurídica, quando as instituições estatais aparentam travar um conflito frio e silencioso é medida salutar e digna de aplausos, mesmo quando aparentamos estarmos atrasados no mundo contemporâneo.

Em tempos que se falam de ativismo judicial, usurpação de competências, desvios de finalidades, o uso das súmulas vinculantes dão aos jurisdicionados uma segurança e quiçá, uma expectativa de que a abstrativização pode ser instaurada, o fenômeno mutação venha a ocorrer, contudo, que seja de forma equacionada às capacidades políticas e jurídicas da atual sociedade.

Em inúmeras decisões, a Corte assentou a ideia de que a resolução do Senado Federal é ato político, discricionário no que diz ao tema do acatamento ou não da suspensão completa ou parcial de lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal em via difusa de inconstitucionalidade, tendo essa função complementar, expandindo efeitos na decisão judicial RMS 16.965 e MS 16.519/DF, onde o Senado Federal pode examinar aspectos formais, entretanto não analisando o mérito jucicius causae da decisão proferida pelo Tribunal Constitucional.

Inclina o Supremo Tribunal Federal para decisão da relevante questão de aplicabilidade e utilidade do inciso X do art. 52. Na Reclamação 4.335-5/AC, discutiu-se o alcance da decisão do Supremo sobre o alcance da decisão proferida em habeas corpus concedido, tendo como objeto a progressividade do regime penal, o Min. Gilmar Mendes, suscitou a tese da equiparação da extensão dos efeitos de decisão em controle difuso à do controle concentrado, ambos abarcados pela Constituição de 1988. O Relator da matéria, abordou a tese da equiparação da extensão dos efeitos de decisão em controle difuso à do controle concentrado, ambos adotados na Constituição de 1988. Interpretando conforme o sistema vigente de controle, sendo ele complexo e minucioso, entende-se que deve dispensar a função senatorial no controle difuso, que está expressamente prevista na Lei Maior. A função senatorial, prevista no inciso X, em vez de constitutiva-negativa se apresentaria apenas como um órgão publicitário das decisões do STF, que produziria efeitos erga omnes desde a publicação do acórdão.

Independentemente dos argumentos consubstanciados, os fatos arguidos pelo Relator não suprimiriam o texto formal da Constituição de 1988, caso contrário, a ordem faria letra morta de disposição constitucional expressa, importando em mutação constitucional inconstitucional, investindo o Supremo Tribunal Federal em Poder Constituinte Originário. Caso a disposição normativa no inciso X perdesse sua utilidade, utilidade esta relevante desde os idos de 1934, e nos dias atuais, assumi novo papel relativo à legitimação da jurisdição constitucional – tema debatido pela doutrina vigente – para suprimi-la impões-se a edição de Emenda Constitucional, instituto previsto no próprio texto, exigindo um procedimento solene e arraigado de precauções, sendo uma obra do constituinte derivado.

Não tem o Poder Judiciário – poder constituído – atribuição de modificar letra expressa da Constituição nem fazer o papel do Constituinte Originário, sendo fadado a ultrapassar as funções previamente estabelecidas pelo constituinte, acentuando em uma mutação inconstitucional.

De fato, por razões da discussão acentuada na Corte, não encaminhamento de decisções do STF ao Senado Federal desde 2006. É certo que, desde que se instituiu no Brasil o instituto da Súmula Vinculante, criou-se uma situação paradoxal na função senatorial contida no art. 52, inciso X.

O Senado Federal não é obrigado a cumprir as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal e editar resoluções suspensivas, tão pouco a Corte, após enviar ofício ao Senado, diante do silêncio enlouquecedor, continua decidindo pela inconstitucionalidade da norma questionada nos inúmeros caso que adentram ao Tribunal. Nesse fundo esquemático, surge a hipótese de o STF expedir súmula vinculante e decidir a matéria com efeito erga omnes para os poderes administrativos nas três esferas da federação e nos órgãos judiciais, exceto o próprio tribunal.

Nesse ínterim, parece impor com urgência uma reforma constitucional que solucione questões como está que está sendo apresentada no trabalho acima. O Supremo Tribunal Federal não pode se transformar em Poder Constituinte, não pode lançar uma mutação inconstitucional para tornar letra morta uma disposição expressa da Constituição.

Por tudo que até aqui restou dito, parece que o Supremo Tribunal Federal, editando as súmulas vinculantes, aparentam uma inclinação a aceitar a tese dos ilustres Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa, mantendo até o atual fechamento deste trabalho uma posição inerte, porém com indícios de inclinação. O caso que deverá desmistificar o dissídio será o julgamento da Rcl 4.335, que ainda não foi julgado, mas certamente será o divisor de águas na questão da mutação ou não do art. 52, X, no controle difuso constitucional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após uma longa jornada, inesperada em alguns momentos, satisfatória em outras, restou evidenciado que o mundo jurídico é uma máquina que deve estar sempre vinculada aos olhos do jurista, não podendo convalescer; não deixando o fato se distanciar da norma, deverá sempre atualizar o texto por meios de interpretação, semântica e decisões que tenham como escopo o fortalecimento do instituto jurídico. Após as teses esposadas com bastante rigor, sendo perceptível uma coletânea de fatos históricos que desenham o presente e deixam indícios para o futuro, posições respeitáveis dos mais variados especialistas, que com um intelecto inigualável, só vêm agregar ainda mais a indecisão quanto a escolha de qual será o melhor caminho a ser trilhado. Por seu turno, a teoria da abstrativização não economizou razões que pudessem corroborar a sua intenção, qual seja, a mutação constitucional do art. 52, X da Carta Magna. Lado outro, guarnecida pela segurança jurídica, a teoria da concretização pormenorizou cada detalhe que pudesse torna-la apta a ser aplicada, engajando o instituto consubstanciado no próprio texto constitucional e já utilizado pela Corte Constitucional inúmeras vezes, que são as súmulas vinculantes, instrumento sólido, que há muito venceu as suspeitas de usurpação de competência, e vem se mostrando como o expoente para sedimentar a teoria do stare decisis dentro do nosso ordenamento jurídico. Não resta dúvidas que ambas teorias são charmosas, vindouras e convidativas para o nosso ciclo constitucional, contudo, carece o nosso sentido político de maior maturidade para receber uma inovação tão robusta como é a teoria da ratio decidendi, abstrativização ou transcendência dos motivos determinantes da sentença. Razão do exposto, resta-nos aguardar a evolução jurisprudencial pátria e vislumbrar qual será o posicionamento adotado pelo pleno do Supremo Tribunal Federal.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Fernando Soares Freitas

Pós-graduado em Direito Público Pós-graduando em Administração Pública e Gerência de Cidades. Advogado


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Equipe Âmbito Jurídico

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