Teoria do labelling aprouch – a teoria interacionista do etiquetamento e os seus efeitos negativos na sociedade

Resumo: O presente estudo tem por escopo tecer considerações acerca da Teoria do Labelling Aprouch ou teoria interacionista do etiquetamento, a qual promove uma revolução copernicana no saber criminológico. Há, ademais, uma reflexão acerca do atual sistema de justiça penal sexista, racista e seletista, o qual introjeta no indivíduo a ideia de que ele é criminoso. Esta triste realidade enraizou-se de tal forma no nosso sistema e as suas consequências são tantas que não podem mais ser ignoradas.

Palavras-chave: Criminologia, Etiquetamento, Labelling Aprouch, Ressocialização, Dignidade.

Abstract: The present study has the objective of making considerations about the Labelling Aprouch Teory or Interactionist teory of the labelling which promotes a Copernican revolution in criminology. There is, in addition, a reflection about the current system of justice criminal sexist, selective, racist and justice system, which puts in the individual the idea that he is criminal. This sad reality has taken root In such a way in our system which its consequences are so many that they can no longer be ignored.

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Keywords: Criminology, Labeling, Labeling Approach, Resocialization, Dignity.

Sumário: Introdução. 1. A teoria e a sua importância. 2. Dos efeitos estigmatizantes de um registro criminal. Considerações conclusivas. Referências Bibliográficas.

INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por objetivo discorrer sobre a teoria do labelling aprouch, suas consequências e possíveis soluções.

Por esta teoria entende-se, em síntese, que o sistema criminal e os controles sociais introjetam no indivíduo a ideia de que ele é criminoso e que o mesmo apresenta fonte de perigo constante para a sociedade, fato que é grandemente difundido e fortalecido pela mídia, devendo, portanto, ser isolado.

Se a princípio o indivíduo entende ser inocente e propaga esse argumento do início ao fim de um processo, com o decurso do tempo, pouco a pouco este conceito que ele tem de si próprio vai desfalecendo-se, esmorecendo-se, até que desapareça por completo.

E é isso o que esta teoria apregoa. Acontece que o acusado será acusado por toda a vida. É que o que acontece é que um condenado é levado ao cárcere, para cumprimento da pena que lhe foi imposta e, ao aproximar-se o fim do período prisional, aguarda com alegria, a liberdade só que, ao sentir-se livre das grades, contudo, sente o drama: não consegue emprego, em virtude de seus maus antecedentes. Nem o Estado e nem o particular lhe facilitam uma colocação. A pena, portanto, não termina para o sentenciado. ¹

A partir do momento em que essa ideia é encrustada em uma pessoa, o processo de criminalização tende a majorar. Esse é o problema da aceitação de um rótulo colocado pela sociedade e pelo Estado no indivíduo, na consciência do indivíduo: a conformidade com a etiqueta de criminoso e a impossibilidade de voltar ao seu estado anterior. Ele se conforma com a ideia de que é criminoso, acredita piamente nisso, porque é assim que é recebido por todos, a todo o momento.

Há diversas consequências decorrentes do etiquetamento de um indivíduo, tanto para com o indivíduo quanto para com a sociedade. Consequências estas que são de cunho irreversível, diferentemente do que se doutrinavam acerca do poder ressocializador da pena de prisão.

O simples fato de uma pessoa reconhecer que está sendo julgado como réu, acusado, delinquente, entre outros nomes que podem aparecer no decurso de um processo (e até fora dele), faz com que o indivíduo acredite nessa situação, passando a se sentir como um verdadeiro delinquente.

Este fato é agravado quando o mesmo vai ao cárcere, e divide o espaço com outros delinquentes. Delinquentes de diversas categorias, uns mais avançados, outros menos. É o momento da troca de experiências, da aprendizagem, onde o crime é aprendido quando um apenado é posto em contato com outros delinquentes, e passa a conviver de forma intensa, duradoura, frequente ou precoce. Indiferente do tempo em que passa a conviver, a Teoria dos Contatos Diferencias apregoa que o indivíduo agregará algum conhecimento a partir desse contato, dessa experiência.

É dentro do cárcere e fora dele que o indivíduo altera totalmente a imagem e o conceito que ele tem de si próprio, fica mais fácil aceitar. E não é por menos, pois o sistema criminal lança nele e o bombardeia com a ideia de que ele é mesmo um criminoso. São muitas as agências estigmatizantes, as quais carimbam a pessoa e a deixa com enormes sequelas.

É muito difícil se livrar de todo esse processo de estigmatização. Muitas vezes a pessoa acaba respondendo em liberdade e, quando já está com a vida encaminhada, trabalhando, estudando, precisa voltar ao presídio para acabar de cumprir a pena. Tudo se desmorona… A pessoa se revolta cada vez mais, distanciando cada vez mais do objetivo para o qual a pena foi criada: a ressocialização.

E quanto a ressocialização, será ela possível? Primeira questão seria saber se um dia aquele apenado esteve realmente inserido na sociedade. Mas estes seriam, sem dúvida, temas de estudo para um novo artigo. Aliás, a ressocialização é um tema que nunca esteve tão em voga como ultimamente.

É uma pergunta que aparentemente nos parece ser ingênua, entretanto, quanto às histórias disseminadas sobre a ínfima quantidade de pessoas que foram consideradas como recuperadas, pode ser que haja um pingo de verdade, mas não passa de um pingo de verdade.

Destarte, necessário se faz ressaltar que a rotulação das pessoas como marginais ainda está presente em nossas sociedades, o que acarreta diversas consequências e que roga por soluções. E, na busca pela mitigação desses problemas, o que se encontra é um apontamento tanto de esperança quanto de desespero. Esperança porque verificamos que esse quadro não é inevitável e inalterável. Desespero por não termos respostas concretas e por haver muitos obstáculos ainda, principalmente porque os processos políticos que são capazes de modificar este quadro são os mais difíceis de alterar.

Destaca-se que, se antes um criminoso era distinguido através de seus aspectos físicos, como foram estudadas pelos positivistas, hoje as características que determinam a estigmatização de um criminoso são, geralmente, o sexo, a cor e a condição social. Homem, negro, pobre. Sua situação é ainda pior quando este indivíduo é um ex detento. Essa é a visão que a sociedade criou, refletindo o atual sistema de justiça penal sexista, racista e seletista.

Esta realidade estagnou-se significativamente em nosso sistema e na sociedade que os seus efeitos são muitos e diversos, os quais demandam por soluções.

1. A TEORIA E A SUA IMPORTÂNCIA

A teoria do Labelling Aprouch, também denominada de teoria interacionista do etiquetamento, teoria da rotulagem ou paradigma da reação social, é uma corrente criminológica crítica que surgiu na década de 60 nos Estados Unidos da América, devido a fortes influências de correntes sociológicas como, por exemplo, o interacionismo simbólico e etnometodológico. Foi determinada uma mudança no paradigma mediante a qual os mecanismos de definição e reação social têm ocupado cada vez mais o centro do objeto da investigação criminológica².

O crime segundo esta teoria, é, na verdade, uma convenção discursiva, um instituto criado pelo Estado em decorrência de atos praticados pelas pessoas, que rotulam certo fato como conduta delitiva. Tanto é verdade que cada população possui seu próprio ordenamento, que se modifica conforme a sociedade evolui, criando novos tipos penais e/ou deixando de criminalizar certas condutas. Dessa forma, o indivíduo que pratica a conduta estabelecida como delitiva, é denominado e etiquetado como criminoso.

A teoria em tela contempla o crime como mero subproduto do controle social. O indivíduo se converte em delinquente não porque realizou uma conduta delitiva, senão porque determinadas instituições sociais lhe hão etiquetado como tal, havendo assumido o mesmo status criminal que as agências do controle social distribuem de forma seletiva e discriminatória.

Por isso, a teoria do labelling aprouch não é uma teoria da criminalidade, senão de uma criminalização, que se separa do paradigma etiológico, convencional e potencia ao máximo o significado dos chamados desvios secundários ou carreiras criminais.

A Labelling Aprouch foi amplamente estudada e desenvolvida por Howard Becker, maior expoente da teoria. Segundo seus legados, de nenhum modo um comportamento tem intrinsecamente a qualidade de desviado, o que é demonstrado interculturalmente como também historicamente. Segundo ele, as definições de comportamento somente influenciam o comportamento quando as normas são aplicadas e, no entanto, há um processo de seletividade, ou seja, os mesmos comportamentos e as mesmas condutas são definidos diferentemente a depender da situação e das pessoas envolvidas. Ademais, ensinou Becker que é possível esperar comportamentos posteriores, após a estigmatização do indivíduo, pois o mesmo carrega o conformismo e com esse comportamento de conformidade se inicia as carreiras desviadas³.

Dessa forma, uma vez que o sujeito tenha transgredido a lei, torna-se criminoso. Entretanto, o curioso é que apenas algumas pessoas que cometem um crime estão sujeitas a carregar este rótulo. O que se pretende dizer é que não consideramos os sujeitos ativos de um crime de colarinho branco, por exemplo, reais criminosos – é como se eles não nos oferecessem riscos. É muito comum um político responder a um processo por corrupção e nem por isso o mesmo é rotulado como delinquente.

Um exemplo que pode descrever bem o que se pretende é o seguinte: se imagine em um edifício, dentro de um elevador. Você está sozinho, e, durante o pequeno percurso de tempo em que é necessário aguardar a chegada ao andar que deseja, um homem mal vestido, negro, tatuado – quiçá um ex-presidiário conhecido – é o suficiente para você sair do elevador imediatamente no próximo andar, terminando o percurso pelas escadas e com o coração na mão. Todavia, se você estiver num elevador e ali entrar um político, sem as características do anterior, que já tenha sido preso devido à diversos desvios de dinheiro, isso não o fará antecipar sua decida. Esse fato é tão claro que não pode ser negado.

Nesse sentido acentua, com severa crítica, Nestor Sampaio4 que:

É evidente que os estudos sobre criminosos incidem, majoritariamente, nas populações carcerárias, e isso facilita uma visão distorcida da realidade criminal, conduzindo o pesquisador aos erros decorrentes do labelling approach (os criminosos são etiquetados ou rotulados como tais pela sociedade).

Na verdade, o crime é um fenômeno generalizado na sociedade; não só os etiquetados, desviados ou bandidos violam as leis. Ainda que a maioria das condenações penais recaia sobre eles, existem grupos sociais que usufruem de uma impunidade virtual.

Muitas investigações, desenvolvidas sobretudo nos Estados Unidos e na Europa escandinava, demonstram que o risco de prisão aumenta sensivelmente em razão inversa à da situação econômica do acusado. Isso é corolário da chamada cifra dourada ou impunidade dos delitos de colarinho branco. Os crimes econômicos, por exemplo, não criam carreiras criminais e não estigmatizam seus autores. O estigma de delinquente é sentido no criminoso pobre, no proletário, que cresce em ambiente hostil e precário, divorciado das condições econômicas e afetivas de inserção social, transformado em um adulto instável e marginalizado na comunidade.

O preconceito é evidente e contínuo.    Infelizmente há um grande caminho a percorrer para que essa realidade seja mudada, uma vez que o preconceito está impregnado na mente das pessoas, de forma consciente e inconsciente.   

Ele se manifesta, a princípio, em relação à imagem: negro e pobre. Depois, se majora quanto às características pessoais do sujeito. Se for ex-presidiário, é evidente que as chances de uma pessoa nessas condições ter uma oportunidade de transformar seu futuro, são mínimas.

Deveria haver políticas públicas que propiciassem oportunidades para essas classes de excluídos, com a óbvia finalidade de evitar que esses grupos voltem a delinquir. Pelo contrário, o próprio Estado exclui esses grupos, quando exige, por exemplo, que não se tenha antecedentes criminais para prestar um concurso público. Dessa forma, o ex presidiário não tem oportunidades para trabalhar para o Estado, tampouco terá chances com o particular, devido ao preconceito que carrega.

O preconceito acarreta e acentua as desigualdades, que por sua vez, fomentam a criminalidade, que, por conseguinte, promove e intensifica o preconceito. É uma reação em cadeia. As pessoas precisam preocupar-se com a crescente desigualdade e com as suas consequências sociais, políticas e econômicas.

Para Stiglitz5, “a desigualdade social é causa e consequência do falhanço do sistema político e contribui para a instabilidade do nosso sistema econômico, que por sua vez contribui para uma maior desigualdade – uma viciosa espiral descendente para a qual descemos, e da qual apenas poderemos emergir através de políticas concertadas(…)”.

Essa teoria roga pela solução de conflitos mediante ou através a atuação flexível de agências informais, não institucionalizadas, pois, como é cediço, os efeitos da prisão e do próprio processo penal têm preocupado de forma considerável, desde os anos sessenta, o que fez surgir, desde então, movimentos de opiniões favoráveis à busca de vias alternativas que não o sistema penal, isto é, instâncias não oficiais e mecanismos informais que poderiam resolver os conflitos com eficácia e com o menor custo possível.6

Assim, dessa forma ensina Antônio Pablos de Molina: "Estes recursos não punitivos são propostas chaves, que apresentam soluções ideais para a complexidade e a diversidade dos conflitos existentes na realidade social e cotidiana, que reinvindicam um tratamento civilizado do delito com critérios não repressivos, senão reparatórios".7

É o que se pretende esclarecer: necessitamos de propostas que ofereçam a real oportunidade de cessar com os conflitos existentes em nossa sociedade. O sistema atual fracassou. É possível outras medidas que estejam de acordo com a nossa realidade social, e até mesmo biológica.

Percebe-se, que a ideologia da pena de prisão é um tema que está muito em evidência, seja em razão de um famigerado discurso da impunidade que parece rogar pela pena de prisão, seja em virtude de certa impaciência social, como diria o professor Allamiro Salvador Neto: “o anseio por punir é tamanho que vivemos numa sociedade que não deseja sequer arcar com o custo da presunção de inocência”8

Destarte, o princípio da presunção de inocência sofreu grandes alterações no decorrer do ano de 2.016.

Apesar das transformações no princípio da presunção de inocência, importante destacar que há muito tempo que o mesmo não é observado. Se ninguém seria levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança, porque há tanta gente nessas que condições, encarceradas?

Pois, como é cediço, há atualmente, 1/3 de toda a população carcerária no Brasil, aproximadamente, constituída por presos provisórios, aguardando julgamento. Se estão aguardando um julgamento, quer dizer que ainda não são considerados culpados, então são inocentes, pelo princípio da presunção de inocência.

Se estes presos ainda não foram condenados, eles podem ser absolvidos em julgamento. É o que assegura o artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Portanto, qual a justificava da prisão de um inocente? Quiçá a necessidade do aprisionamento é fundamentada por motivos de interesse público.

Ocorre que, em muitos casos, a pena de prisão poderia ser dispensada, se não é imprescindível, pois seus efeitos sociais são negativos tanto para o indivíduo quanto para a sociedade.

São tão negativos os efeitos da pena de prisão que muito possivelmente os prisioneiros irão sair delinquentes habituais, claro que num nível mais avançado do que entrou.

“El vergonzoso estado de insalubre desnudez y desaseo en que se hallaban los presidiarios, y la torpe y procaz holganza en que se consumían sus condenas proyectando nuevos crímenes o mostrado su camino a los que más ignorantes pudieran necesitar de tan perniciosa enseñanza para salir verdaderos facinerosos, casi me desalentaron al considerar las dificultades que habría de vencer para el buen éxito de mi proyecto”. 9

De forma diferente não poderiam pensar Tourinho e Amilton, os quais consideram “a prisão preventiva como uma garantia ridícula de “ordem pública”, são inconstitucionais: não são cautelares, logo agridem o estado de inocência – antecipação da pena!”10

2. DOS EFEITOS ESTIGMATIZANTES DE UM REGISTRO CRIMINAL

Como exposto anteriormente, o indivíduo no qual se recaiu a rotulação social ou a etiquetagem, dificilmente conseguirá resgatar seu estado anterior.

Existe a possibilidade de uma pessoa conseguir ser reintegrada à sociedade, no entanto carregará essa marca por muito tempo, e, com ela, sofrerá diversas descriminalizações, que podem colocar em risco a sua possível recuperação, fazendo com que volte a delinquir.

Mister se faz tecer breves considerações acerca dessa descriminalização. Ela é ainda mais acentuada quando um indivíduo possui mais de uma característica discriminatória ao mesmo tempo. É justamente este ser que preenche em maior parte a população carcerária.

A descriminalização sobre estas pessoas, como demonstrado, é real, e é como um instrumento contundente existente em nossa sociedade.

Um exemplo impressionante, a partir de Devah Pager, é o do efeito estigmatizante de um registro criminal. No seu estudo de campo, foram selecionados pares de jovens de 23 anos de idade que se candidataram a estágios verdadeiros com o objetivo de testar o grau com que um registro criminal (crime não-violento relacionado com narcóticos) que afeta posteriores oportunidades de emprego. Todos os indivíduos apresentam credenciais quase idênticas, incluindo um diploma de secundário, para que as diferenças experenciadas entre os grupos de testes pudessem ser atribuídas aos efeitos da raça e do estatuto criminal. Depois das primeiras entrevistas com o empregador, o rácio entre o número de branco sem antecedentes criminais e o número de brancos com antecedentes que foram chamados de volta para segunda entrevista foi de 2:1; a mesma situação com candidatos negros teve um rácio de 3:1. É um pouco mais provável que um branco com registro criminal seja tido em conta para um emprego do que um negro sem cadastro. Assim, em média, ser negro reduz substancialmente as oportunidades de emprego, estigma que se agrava quando existem antecedentes criminais. Estes efeitos podem representar um verdadeiro obstáculo para os homens negros que tentam tornar-se autossuficientes em termos econômicos, uma vez que um em cada três homens pretos passará algum tempo na prisão durante a vida. 11

De fato, os efeitos da estigmatização são verdadeiramente significantes. Infelizmente, os acusados, ao ir pra prisão, estão condenados por um bom tempo, tempo que vai além daquela imposta na pena a ser cumprida. Seus dias de liberdade podem estar contados, pois, com tanta dificuldade que irá enfrentar na vida, dificilmente não voltará a delinquir. Carnelutti, em seu livro As Misérias do Processo Penal, ensina que:

“Prisão é de fato uma monstruosa opção. O cativeiro das cadeias perpetua-se ante a insensibilidade da maioria, como uma forma ancestral de castigo. Para recuperar, para ressocializar, como sonham os nossos antepassados? Positivamente, jamais se viu alguém sair de um cárcere melhor do que entrou. E o estigma da prisão? Quem dá trabalho ao indivíduo que cumpriu pena por crime considerado grave? Os egressos do cárcere estão sujeitos a uma outra terrível condenação: o desemprego. Pior que tudo, são atirados a uma obrigatória marginalização. Legalmente, dentro dos padrões convencionais não podem viver ou sobreviver. A sociedade que os enclausurou, sob o pretexto hipócrita de reinseri-los depois em seu seio, repudia-os, repele-os, rejeita-os. Deixa, aí sim, de haver alternativa, só o ex-condenado tem uma solução: incorporar-se ao crime organizado. Não é demais martelar: a cadeia fabrica delinquentes, cuja quantidade cresce na medida e na proporção em que for maior o número de condenados.” 12

Como visto, a descriminação, a desigualdade e o etiquetamento social, caminham de mãos dadas. E quanto mais uma pessoa é rotulada como um agente delinquente, e quanto mais o mesmo sofre com essa estigmatização, mais grave e irreversível se torna a situação.

Realmente, se levarmos em consideração a situação que o país enfrenta no que tange à busca de empregos, devemos advertir quanto ao momento de crise que emerge no país. Se os empregos são escassos, e a concorrência é gritante, e o candidato à vaga de emprego não pode apresentar um passado marcado por uma vida criminosa.

É assim que funciona. É mais uma forma de filtrar os candidatos à vaga de emprego. Dificilmente um empregador, com 20 candidatos a uma vaga de emprego, irá dar uma oportunidade a um ex-detento, por mais que este tenha as melhores intenções e vontade de traçar uma nova vida.

Tanto é verdade que algumas empresas exigem, no ato da contratação, que os candidatos à vaga de emprego entregue determinados documentos, e, dentre eles, a certidão negativa de antecedentes criminais.

Ocorre que, por direito, um candidato à vaga de emprego que foi aprovado no processo seletivo para trabalhar em determinada empresa, que já tem data para iniciar as suas atividades laborativas, muitas vezes é barrado após a entrega da referida documentação. A rejeição do candidato obviamente tem caráter discriminatório, motivo pelo qual as empresas não fornecem o verdadeiro motivo da desistência na contratação.

Dessa forma, realmente fica muito difícil reverter esse quadro, pois, se formos analisar, as condições que o Estado e a sociedade fornecem a alguém que deseja abandonar a vida do crime, quais seriam elas? Quais as reais chances? Isso partindo do pressuposto que um ex-presidiário tenha cumprido a pena e esteja disposto a seguir um novo caminho.

Carnelluti explana que o ex-ladrão é marcado na fronte, importante destacar por completo:

“Certamente, admitir ao serviço um ex-ladrão, na própria casa, é um risco: poderia estar, mas também não poderia estar curado. O risco da caridade! E as pessoas racionais procuram evitar os riscos “in dubis abstine”. Assim, o ex-ladrão fica sem trabalho. Bate nesta porta; bate à outra porta: são todas pessoas racionais aquelas que poderiam dar-lhe a maneira de ganhar o pão. Essas pessoas racionais querem garantir-se; para elas garantia não estabelece a certidão criminal? Fora então o certificado penal! O ex-ladrão, assim, é marcado na fronte: quem lhe dá o trabalho? Ah! As ilusões do cárcere, quando se contavam ansiosamente os dias faltantes para a libertação”. ¹3

Estaria Carnelutti, coberto de razão? Ou será que faríamos diferente? Quiçá existisse uma lei a qual estabelecesse que grandes empresas deveriam contratar pelo menos um funcionário ex-detento – assim como existe a lei que obriga a contratação de deficiente público – quem sabe com o tempo esse fato se tornaria natural e pouco a pouco as pessoas perderiam o preconceito, pois a ideia de que dentro da prisão estão os canalhas e fora dela estão as pessoas honestas, é apenas uma ilusão, aliás, ilusão é acreditar que um homem possa ser todo canalha ou todo honesto¹³.

O fato é que é extremamente mais fácil julgar um ser humano nessas condições que demonstrar ser solidário.

Existem graves consequências provenientes da pobreza generalizada e da falta de investimento na educação, as quais são possíveis de serem verificadas nos indicadores do mau funcionamento da sociedade que nos interessa abordar: o alto nível de criminalidade e a consequente superpopulação dos presídios.

Segundo os estudos de Stliglitz, "alguns estados norte-americanos gastam mais com as prisões do que gastam com as universidades" 14. Para ele, um dinheiro que é gasto em segurança, não acrescenta em nada ao bem-estar, apenas serve para que as coisas não fiquem piores. Aliás, essas despesas não são um sinal que uma economia e uma sociedade está funcionando bem.

Ademais, é preciso compreender que qualquer pessoa está sujeita a cometer um delito e que a carreira criminal se desenvolve a partir do momento em que essa classificação como desviado passa a ter efeito de uma professia autoconfirmatória, a qual, segundo os ensinamentos de Roberto Bergalli, "pone en movimiento unos mecanismos que conspiran para conformar la persona a la imagen que la gente tiene de ella”15 Assim, uma vez que a pessoa acredita que é criminoso, está condenada até por si mesmo, a sê-lo.

A sociedade não está condenada, diferentemente do que é propagado por aí. Existem alternativas, ainda que o processo para modificar todo esse sistema não será dos mais fáceis. Mas é preciso ter esperança e olhar para o passado, e entender que em muito progredimos. Apesar de que regredimos também, em alguns aspectos.

Um exemplo disso é que na época do período positivista, o indivíduo era tido como um “micróbio social”, um ser socialmente perigoso e que a sociedade teria que aplicar medidas de defesa contra esse micróbio pois era uma ameaça a sua saúde16.

O positivismo sacrificava o indivíduo pela sociedade. Tão pessimistas, como deterministas, os positivistas apenas buscavam evitar a contaminação da coletividade pelos indivíduos perigosos. Seus excessos foram evidentes. Ferri, por exemplo, preconizava a deportação em massa dos incorrigíveis. Progressivamente, o positivismo enfraqueceu, com o espaço que o tecnicismo perdeu em favor do humanismo. 17

O que há de diferente com as penas que anteriormente eram aplicadas com as que são aplicadas atualmente? O indivíduo continua ser sacrificado pela sociedade, no entanto de forma diferente, condizente com a modernidade. A mídia continua propagando o discurso do ódio, o discurso do “bandido bom é bandido morto”, “gosta de bandido, leva pra sua casa”. Se antes a deportação era algo aceitável, hoje acontece de uma forma mais camuflada. Um exemplo disso é quando colocam o agente ativo de um crime de estupro junto a outros detentos – é uma pena de morte.

Ainda, além das considerações expostas, extraídas do livro “A História da Pena de Prisão”, de Cláudio do Prado Amaral, necessário concordar que:

Quase não há contra-argumento ao fato de que, apesar do desenvolvimento alcançado ao longo da história, a prática atual revela que boa parte das prisões, especialmente nos países da América Latina, África e Ásia, ainda permanecem como locais em que as pessoas são depositadas de modo desumano e perverso, em condições indignas, e principalmente, sem instrumentos ou mecanismos para a integração social; são locais para os condenados serem castigados. E ademais, sua população é formada – com pouquíssima variação – pelos pobres e estropiados de sempre. 18

Mais um citado condizente de que a população carcerária é marcada pelos mesmos aspectos exaustivamente aqui expostos, no sentido de que a grande massa que preenche os presídios é formada pelos amplamente descriminados – tanto antes de entrarem na vida criminal, quanto após o seu ingresso nela.

Ainda, como demonstrado, apesar de todo o desenvolvimento da sociedade, ainda existe um grande retrocesso. Mas não são os presídios que precisam ser transformados, e sim a mentalidade das pessoas, a começar pelos meios de comunicação de massa que propagam cada vez mais o discurso do ódio e da impunidade.

Assim, “a prisão cumpre uma função reprodutora: a pessoa rotulada como delinquente assume, finalmente, o papel que lhe é consignado, comportando-se de acordo com o mesmo. Todo o aparato do sistema penal está preparado para essa rotulação e para o reforço desses papeis” 19

Certamente que desde a consumação do evento delitivo, até muito tempo depois do cumprimento da pena, todo o sistema está preparado para permanecer com a rotulação em comento. Não só o sistema penal.

Ainda sobre a pena de prisão, Pablos de Molina afirma com tom irrefutável:

Castigar severamente es fácil. Castigar más severamente aún, si a pesar de ello no se frena el incremento de la criminalidad, también: lo hacen los poderes públicos, por sistema. La verdadera prevención reclama un cambio sustancial en las políticas económicas, sociales y educativas del país. 20

Há muitos trabalhos e estudos difundidos nesse sentido – agravar cada vez mais as penas, não resolve, não soluciona. É necessário que haja uma mudança substancial nas políticas públicas, econômicas, sociais e educativas do país.

É preciso investir nesse aspecto, não simplesmente abandonar os transgressores das normas impostas em um cárcere, ignorando tudo o que acontece ali. Ignorando que dentro dos presídios a vida é colocada em risco diariamente.

Podemos apenas imaginar, o quanto isso é difícil e torturante, mas só imaginar, pois creio que ninguém se candidataria gratuitamente a permanecer neste local por um único dia.

CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

A teoria do etiquetamento demonstra que a sociedade elege comportamentos que são inaceitáveis no convívio em sociedade. Há uma série de comportamentos que não são aceitos em sociedade, por isso são elencados um a um pelo legislador formando o ordenamento jurídico, ou seja, as condutas repreensíveis são etiquetadas, e então aquele que transgredir estas normas, será tido como delinquente, e receberá o rótulo social de criminoso ou marginal.

Em termos gerais, pode-se dizer que essa corrente sociológica pode ser definida pela afirmação de que cada um se torna aquilo que os outros vêem. Esse rótulo é disseminado, assim, uma vez rotulado pelo próprio sistema penal e pela sociedade, o delinquente estigmatizado passa a acreditar que realmente é um ser diferenciado, pois mesmo após cumprir sua a pena, passa a sofrer diversas discriminações, como por exemplo na busca de um emprego, o que confirma de forma irrefutável a ideia que anteriormente havia sido projetada.

A rotulação social está presente explicitamente nos dias de hoje, o que traz consequências verdadeiramente negativas. Após o estudo do tema em tela, surgiu a necessidade de (re) denunciar os danos que os controles sociais causam sobre uma pessoa e, por conseguinte, sobre uma sociedade, de forma geral.

Ademais, imprescindível ressaltar o quanto o papel do Estado é importante para reverter essa situação que só tende a piorar. Onde a desigualdade, a criminalidade e a discriminação estão inteiramente ligadas, provocando um efeito cascata.

Imperioso demonstrar que a sociedade caminha à beira do abismo e que vivemos uma cataclísmica mudança social, caracterizado pelo retrocesso das penas, as quais um dia objetivaram proteger a sociedade reeducando o apenado, visando ressocializá-lo, no entanto, hoje os apenados são excluídos totalmente, quando encarcerados, esquecidos em masmorras, e essa situação não muda quando eles deixam o cárcere.

Além de excluídos, são etiquetados como marginais, os quais passam a acreditar que realmente são delinquentes, o que dificulta ainda mais o seu processo de recuperação.

Há falaciosos argumentos que implicam que os detentos devem permanecer no cárcere, pois dessa forma a sociedade é protegida.

No entanto, é necessário abrir os olhos da população, demonstrar que quem perde com o caos provocado pelo aprisionamento, é, de fato a sociedade.

Pode-se citar, para melhor elucidar o exposto, que assistia razão o pesquisador Stiglitz, ao afirmar embasado em dados científicos que os gastos na esfera da prevenção da criminalidade acrescidos daqueles para a manutenção do sistema carcerário são imensamente superiores aos que poderiam ser utilizados como investimento para trazer o real bem-estar das pessoas.

Portanto, é possível concluir que há muitos pontos que precisam ser remendados. É necessário investir em condições adequadas de cumprimento de pena bem como em políticas públicas que tratem a pós prisão.

Assim, demonstrado que não existe um problema que caminha isoladamente, mas que um acarreta o outro e assim sucessivamente. Que é necessário se preocupar com o rumo que estamos levando todo esse sistema que envolve seres humanos, pois são seres humanos. E toda a sociedade sofre.

Se os leitores conseguiram entender o que fora proposto e, quiçá concordar com o que fora aduzido, então o objetivo do presente trabalho foi alcançado.

 

Notas
1 CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Trad. José Antonio Cardinalli. São Paulo: Conan, 1995, p. 8.
2 BARATTA, Alessandro. Criminología y Sistema Penal. Editorial IBdef. Montevideo, Buenos Aires, 2004, p. 91.
3 Derecho a Replica – Espacio Crítico sobre Control Social, Sociedad Y Conflictos Globales. Disponível em <http://www.derechoreplica.com> Acesso em 11 de dezembro de 2.016.
4 FILHO, Nestor Sampaio Penteado. Manual Esquemático de Criminologia. Editora Saraiva. 2. ed., 2012, São Paulo, p. 51.
5 STIGLITZ, Joseph E., O Preço da Desigualdade, Bertrand Editora, 2. ed., Lisboa, 2.014, p. 136/137.
6 MOLINA, Antônio García-Pablos. Criminología, Una introducción a sus fundamentos teóricos. Tirant to Blach, 7.ed., Valência, 2013, p. 701.
7 MOLINA, Antônio García-Pablos. Criminología, Una introducción a sus fundamentos teóricos. Tirant to Blach. 7.ed. Valência, 2.013, p. 704; Apud PÉREZ SANZBERRO, G. Reparación y conciliación, cit.p.21.
8 AMARAL, Cláudio do Prado. A História da Pena de Prisão. Paco Editorial, 1.ed. Jundiaí, 2.016, p. 57; Apud Pradel. Droit penal, p. 10, Apresentação por Alamiro Velludo Salvador Neto.
9 Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales; Disponivel em < http://blog.uclm.es/cienciaspenales/files/2016/10/1956_fasc_III.pdf> Acesso em 12 de dezembro de 2.012.
10 CARVALHO, Amilton Bueno, Lumen Iuris Direito, 2.013, pg. 130, Apud TOURINHO, Código de Processo Penal Comentado”, p. 733 e seguintes)
11 STIGLITZ, Joseph E., O Preço da Desigualdade, Bertrand Editora, 2. ed., Lisboa, 2.014, p. 74/75.
12 SILVA, Evandro Lins e. De Beccaria a Filippo Gramatica. Sistema penal para o terceiro milênio. Rio de Janeiro: Renavan, 1991, p. 40.
13 CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Ed. Russel, p. 78.
14 STIGLITZ, Joseph E., O Preço da Desigualdade, Bertrand Editora, 2. ed., Lisboa, 2.014, p. 74/75.
15 BERGALLI, Roberto. El Pensamiento Criminológico II – Estado Y Control, Editorial Temis, Colombia, 1.983, p. 194.
16 AMARAL, Cláudio do Prado. A História da Pena de Prisão. Paco Editorial, 1.ed. Jundiaí, 2.016, p. 57; Apud Pradel. Droit penal, p. 99.
17 AMARAL, Cláudio do Prado. A História da Pena de Prisão. Paco Editorial, 1.ed. Jundiaí, 2016, p. 57.
18 AMARAL, Cláudio do Prado. A História da Pena de Prisão. Paco Editorial, 1.ed. Jundiaí, 2.016, p. 51.
19  CALHAU, Lélio Braga, Resumo de Criminologia, Impetus, 4.ed., Niterói, RJ, 2.009, p. 81.
20 MOLINA, Antônio García-Pablos. Criminología, Una introducción a sus fundamentos teóricos. Tirant to Blach, 7.ed., Valência, 2013, p. 648.

Informações Sobre o Autor

Juliana Aparecida de Lima

Advogada, Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca, Pós-graduanda em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais


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Equipe Âmbito Jurídico

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