Há algum tempo, no Brasil, viceja a idéia de terceirização dos estabelecimentos prisionais, influenciando-se os adeptos pela moda norte-americana. A execução penal, ali, tem peculiaridades que nós brasileiros conhecemos mal. Há alguns criminólogos nacionais que já fizeram visitas àquele país para tal fim, conhecendo, então, cárceres assépticos em que as camas são fabricadas com aço brilhoso preso às paredes, quando abertas, por correntes indestrutíveis. Naquelas celas, os vasos sanitários costumam ser feitos, também, em metal impecável. O recluso não tem privacidade, mas convive com a limpeza, diferentemente do que acontece, por exemplo, a advogado recolhido à delegacia de Pirapozinho, Comarca de Presidente Prudente, defecando num buraco feito no chão sob a vista complacente daqueles que, por força de obrigação estatutária, precisariam velar pelo mínimo de manutenção da dignidade do colega.
Voltando-se à terceirização, vê-se que o Ministro da Justiça faz pé firme quanto a não conceder nos aspectos atinentes à segurança e administração de estabelecimentos prisionais. Quanto ao resto, admitiria o debate com os diversos setores intervenientes.
Ainda com vista aos Estados Unidos da América do Norte, a memória traz episódio de um dos assessores diretos do ex-presidente Nixon. Aquele alto assistente, além de ser privado da possibilidade de exercer a advocacia (lá não existe OAB, é o BAR Association), foi condenado a uns meses de prisão. Tratava-se do escândalo “Watergate” que, nos primórdios, tinha relação com o arrombamento das gavetas que continham os arquivos de um psiquiatra detentor de alguns segredos importantíssimos. Consta que aquele funcionário pôde, de certa forma, fazer uma opção sobre o local onde deveria cumprir a pena, sabendo-se da existência, naquele país, de prisões sofisticadas.
Dentro de tal contexto, a terceirização brasileira poderia ter a cooperação de hotelaria competente, destacando-se “griffes” muito bem postas no mercado, tudo ligado, evidentemente, às posses do condenado. Além disso, e ainda cuidando do tema “terceirização”, as empresa interessadas poderiam implantar lucrativas atividades, sabendo-se que o presidiário brasileiro pode trabalhar a pão-e-água, ressaltando-se que o preso é obrigado a trabalhar, valendo três dias de trabalho para um dia de desconto de pena. Seria boa a idéia da atribuição de tais encargos a empresas privadas. Quando surgiu, dois ou três anos atrás, o primeiro escorço do debate respeitando a isso, dizia-se haver um ou outro empresário interessado, inclusive, na edificação dos imóveis.
O problema maior não é, convenha-se, aquele existente na rede das penitenciárias (ou dos presídios). Realmente, os detentos provisórios e aqueles outros postos nos horríveis xadrezes das cadeias públicas sofrem horrores, pendurando-se nas grades como autênticos símios, cada qual brigando por um pouquinho de oxigênio para respirar melhor, tudo isso acontecendo num país que pretende igualar-se àqueles que têm os direitos e garantias individuais como autêntica vocação. Veio aqui, há pouco, o Secretário-Geral da ONU. Esteve hospedado num hotel próximo à residência do cronista. Visitou algumas experiências culturais da prefeita Marta e pretendia assistir a um jogo de futebol. Teceu elogios à nação: “Se todos estudassem, chegariam à Prefeitura ou à Secretaria Geral da ONU”.
O Secretário não passou pelas esquinas das nossas delegacias. Deveriam tê-lo conduzido àqueles sacrários demoníacos. Não se impressionaria, porque está acostumado às misérias da humanidade, mas cofiaria o cavanhaque e refletiria sobre a enorme diferença entre o que colocamos no papel e o que praticamos. No fim de tudo, se não temos os presídios de luxo, resta, no sistema, a deglutição das famosas “quentinhas”, não tão quentes e muitas vezes mal-amanhecidas. Evidentemente, não se pretende, para o recluso brasileiro, a distração de jogar uma boa partida de golf nos gramados de uma penitenciária de elite. De qualquer forma, nem comida boa os nacionais podem ter, porque a dentição não agüenta e a digestão se faz muito mal.
Depois dessas considerações, vale a pena pensar na terceirização das cadeias brasileiras. De repente, surge um empresário esperto e resolve negociar a pele dos presos. Há, sobretudo, prisioneiros mosqueados. Constituem a maioria. Dariam boa cobertura no inverno…
Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.
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