Resumo: Depois de observar na prática as dificuldades encontradas pela Administração Pública para descentralizar seus serviços de apoio, buscou-se analisar as hipóteses legais de terceirização de serviços, indicando as principais falhas desses tipos de ajustes. Apresenta-se uma análise das normas que regulam a matéria, da opinião doutrinária e jurisprudencial, a fim de indicar as diretrizes para uma contratação hígida. Adicionalmente, enfatiza-se a recente relativização da questão pelo Tribunal de Contas da União.
Palavras-chave: Terceirização; serviços; mão-de-obra; responsabilização.
Sumário: Introdução. 1. Responsabilização do Estado. 2. Requisito da inexistência de cargo público que detenha competência para realizar o serviço contratado. 3. Requisito da inexistência de subordinação. 4. Responsabilidade Fiscal. 5. Princípio da Continuidade do Serviço Público X Princípio do Concurso Público. Conclusões
Introdução
A partir da vigência do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, a contratação de serviços terceirizados pela Administração Pública Federal passou a ser regulamentada por norma legal. O art. 10 do citado Decreto estabelece que a execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.
“Art. 10. (…).
§ 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.”
Em seguida, o Decreto nº 2.271, de 07 de julho de 1997, passou a admitir expressamente a execução indireta de atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares, indicando, em seu parágrafo primeiro, as atividades a serem preferencialmente executadas mediante contratação (Art. 1º, caput).
Atualmente a terceirização de serviços encontra-se regulada pelas disposições da Lei n° 8.666/93 e pela Instrução Normativa SLTI n° 02/2008, alterada recentemente pela Instrução Normativa SLTI n° 03/2009, dentre outros instrumentos jurídicos afetos ao tema.
O artigo 6°, §2°, da IN 03/2009 descreve as diretrizes para a contratação de serviços terceirizados pela Administração Pública.
“Art. 6º Os serviços continuados que podem ser contratados de terceiros pela Administração são aqueles que apóiam a realização das atividades essenciais ao cumprimento da missão institucional do órgão ou entidade, conforme dispõe o Decreto nº 2.271/97.
§ 2º O objeto da contratação será definido de forma expressa no edital de licitação e no contrato, exclusivamente como prestação de serviços, sendo vedada a utilização da contratação de serviços para a contratação de mão de obra, conforme dispõe o art. 37, inciso II, da Constituição da República Federativa do Brasil.”
No mesmo sentido dispõe o Decreto 2.271/97.
“Art. 1º No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade.
§ 1º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta.”
A terceirização regular alcança somente serviços, e não mão-de-obra, sob pena de ofensa ao artigo 37, II e §2º da Constituição da República Federativa do Brasil, que prevê a aprovação em concurso público como regra para se estabelecer uma relação jurídica entre o indivíduo e a Administração Pública. Após a Constituição Federal de 1988, é requisito essencial para a investidura em cargo ou emprego público a aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos.
O Acórdão n 3091/2009 do Tribunal de Contas da União enfatiza:
“TERCEIRIZAÇÃO. DOU de 18.09.2009, S. 1, p. 160. Ementa: determinação à ECT para que observe o disposto no art. 10, inc. II da IN/SLTI-MP nº 02/2008, abstendo-se de direcionar a contratação de pessoas para trabalhar nas empresas contratadas para o fornecimento de mão-de-obra terceirizada” (item 1.7.3, TC-019.196/2007-9, Acórdão nº 4.786/2009-2ª Câmara).
Após sintetizar os requisitos essenciais do contrato de terceirização, o presente trabalho tem por escopo demonstrar o cuidado que a Administração Pública deve ter ao terceirizar serviços, enfatizando que as dificuldades do setor público não legitimam o sacrifício dos dispositivos e princípios constitucionais. Por mais que se necessite da mão-de-obra de apoio, não se pode auferi-la ao arrepio de todas as normas (princípios e regras) de Direito Constitucional e Administrativo, vez que os fins não justificam os meios.
1. Responsabilização do Estado
O Estatuto de Contratos e Licitações, Lei nº 8.666/93, cuida da relação entre o Estado-contratante e o particular-contratado, no que se refere a obrigações assumidas por este último para com terceiros. A regra geral é a que consta do art. 71 desse diploma: “O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato”.
Segundo José dos Santos Carvalho Filho[1], o sentido da norma é claríssimo: se o contratado constitui uma empresa autônoma, a ela incumbem os ônus decorrentes das relações jurídicas que firme com terceiros. É o que emana da regra.
Assim, se o contratado, por exemplo, tem seus próprios empregados, a ele deve caber o pagamento dos encargos decorrentes do contrato de trabalho, como, por exemplo, o décimo terceiro salário, o acréscimo remuneratório das férias, as horas extraordinárias etc. A ele cabem também os encargos devidos à Previdência Social. O mesmo em relação aos débitos fiscais: se há imposto de renda a ser recolhido, essa obrigação é cominada ao contratado. Afinal, se o contrato de serviço envolve duas pessoas jurídicas autônomas, cada uma delas deve arcar com as obrigações próprias, vale dizer, aquelas que se originam de suas relações com terceiros, sejam pessoas privadas, seja o Poder Público.
Bem a propósito, Marçal Justen Filho[2] estampa a correta interpretação:
“Também fica expressamente ressalvada a inexistência de responsabilidade da Administração Pública por encargos e dívidas pessoais do contratado. A Administração Pública não se transforma em devedora solidária ou subsidiária perante os credores do contratado. Mesmo quando as dívidas se originarem de operação necessária à execução do contrato, o contratado permanecerá como único devedor perante terceiros.”
Somente subsiste a responsabilidade do Poder Público pelas obrigações do contratado relativas aos encargos previdenciários. Dispõe o art. 71, §2º, da Lei nº 8.666/93 (com a redação da Lei nº 9.032, de 28.4.1995): “A Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991”.
Observe-se, entretanto, que estamos aludindo à terceirização legítima e real, ou seja, àquela que se formaliza pela celebração de contrato administrativo de serviços, sendo estes representados por atividades-meio da Administração, e sem simular a contratação ilegítima de locação de mão-de-obra.
A Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho é hoje o meio hábil para se verificar os abusos ocorridos nas terceirizações. Vejamos:
“Súmula 331. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS LEGALIDADE.
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei n. 6.019, de 3.1.1974).
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei n. 7.102, de 20.6.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados a atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial.” (art. 71 da Lei n. 8.666, de 21.6.1993).
Os doutrinadores juslaboristas, tal como Delgado[3], afirmam que a Súmula nem poderia ter feito referência à responsabilidade da Administração Pública em casos de terceirizações, pois tal ofende a regra da responsabilidade objetiva do Estado, presente na Constituição Federal (art. 37, §6º). Lecionam ainda que, mesmo se entendendo pelo não cabimento da responsabilidade objetiva do Estado, será aplicável, pelo menos, a responsabilidade subjetiva. Assim, a má escolha da empresa contratada acarretará à Administração Pública culpa in eligendo e a má fiscalização da mesma caracteriza culpa in vigilando, respondendo a Administração pelos direitos trabalhistas devidos ao trabalhador empregado da prestadora de serviços.
Defende-se na justiça do trabalho que a Lei 8.666/93 tomou uma série de precauções para que a Administração Pública contrate com empresa idônea e responsável e, destarte, se o ente estatal observar e cumprir todas as determinações legais, não haverá risco de contratar com empresa inidônea. Além disso, prevê a Lei nº 8.666/93, em seus artigos 58, III e IV e 67, §§ 1º e 2º, que a entidade estatal pode e deve acompanhar e fiscalizar a execução dos contratos. Desse modo, a responsabilidade do tomador de serviços será subsidiária nos casos de terceirização lícita, enquanto que, nos casos onde houver fraude, a responsabilidade de empresa tomadora de serviços e empresa prestadora de serviços será solidária. Alega-se, pois, que contratada e poder público foram co-participes na fraude.
Em síntese, o entendimento unificado da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho é no sentido de não aplicação do art. 71 da LL., por ser o mesmo inconstitucional, e ainda porque a Súmula nº 331, IV, obsta o vínculo empregatício entre o ente da administração e o trabalhador, mas não veda a responsabilidade do Estado relativamente ao pagamento das verbas trabalhistas nos casos de terceirização.
No que tange à eventual inconstitucionalidade do §1º do art. 71 da Lei 866/93, tramita no Supremo Tribunal Federal a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16, pendente de julgamento, na qual se busca a declaração de constitucionalidade do citado dispositivo. Sustenta-se tese jurídica de interesse de toda a Fazenda Pública, motivo pelo qual há inúmeros pedidos de inclusão no feito na condição de Amicus Curiae.
Diante da divergência entre a Justiça do Trabalho e a Fazenda Pública, e até que se prolate decisão definitiva pela Corte Constitucional, resta à Administração procurar não celebrar ajustes que possam vir a ser enquadrados como terceirização ilícita, bem como envidar esforços no sentido da efetiva fiscalização dos contratos que firma, consoante orientação expressa da Instrução Normativa nº 02.
2. Requisito da inexistência de cargo público que detenha competência para realizar o serviço contratado
A legalidade da contratação alcança a alocação de serviços antes desempenhados por agentes ocupantes de cargos extintos ou em extinção.
“Decreto n.º 2.271/1997:
Art. 1º No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade. (…)
§ 2º Não poderão ser objeto de execução indireta as atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal.
IN 03/2009:
Art.7º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta.
§ 1º Na contratação das atividades descritas no caput, não se admite a previsão de funções que lhes sejam incompatíveis ou impertinentes.
§ 2º A Administração poderá contratar, mediante terceirização, as atividades dos cargos extintos ou em extinção, tais como os elencados na Lei nº 9.632/98.
§ 3º As funções elencadas nas contratações de prestação de serviços deverão observar a nomenclatura estabelecida no Código Brasileiro de Ocupações – CBO, do Ministério do Trabalho e Emprego”.(negrito nosso)
A Lei 9.632/98, dispondo sobre a extinção de cargos no âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, assim determinou:
“Art.1º Os cargos vagos integrantes da estrutura dos órgãos e entidades relacionados no Anexo I desta Medida Provisória ficam extintos, e os cargos ocupados, constantes do Anexo II, passam a integrar Quadro em Extinção.
Parágrafo único. Os cargos ocupados serão extintos quando ocorrer a sua vacância, nos termos do art. 33 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, assegurando-se a seus ocupantes todos os direitos e vantagens estabelecidos, inclusive promoção.
Art. 2º As atividades correspondentes aos cargos extintos ou em extinção, constantes dos Anexos desta Lei, poderão ser objeto de execução indireta, conforme vier a ser disposto em regulamento.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto neste artigo às atividades de Motorista e Motorista Oficial.”
A exceção à admissão por concurso público contida no Decreto 2.271/97 e na IN SLTI 03/2009 respeita os princípios da razoabilidade, da não solução de continuidade da prestação dos serviços públicos e da eficiência, uma vez que autoriza a contratação indireta para execução de atividades inerentes às categorias funcionais, tão-somente quando o cargo estiver total ou parcialmente extinto, tendo em vista que em tal situação não haveria a possibilidade de contratação por concurso público.
Lado outro, a IN SLTI 03/2009, em seu artigo 9°, tratou de trazer rol de alocações não salvaguardadas pela legislação, a saber:
“Art. 9º É vedada a contratação de atividades que:
I – sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, assim definidas no seu plano de cargos e salários, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal;
II – constituam a missão institucional do órgão ou entidade; e
III – impliquem limitação do exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público, exercício do poder de polícia, ou manifestação da vontade do Estado pela emanação de atos administrativos, tais como:
aplicação de multas ou outras sanções administrativas;
a concessão de autorizações, licenças, certidões ou declarações;
atos de inscrição, registro ou certificação; e
atos de decisão ou homologação em processos administrativos.”
Nesse sentido, as contratações acima elencadas, por não estarem amparadas pela normatização, ferem os princípios da legalidade, da eficiência (uma vez que é através do concurso público que busca a Administração a contratação de pessoal qualificado, selecionado os melhores e mais preparados participantes do certame) e da isonomia (dado que tais alocações não se prestam a observar a igualdade entre os administrativos em face do Poder Público).
Não sendo o interesse público algo que a Administração dispõe ao seu talante, mas, pelo contrário, bem de todos e de cada um, já assim consagrados pelos mandamentos legais que o erigiram à categoria de interesse desta classe, impõe-se, como consequencia, o tratamento impessoal, igualitário ou isonômico que deve o Poder Público dispensar a todos os administrados.[4]
Veja-se que, a despeito de ter o artigo 8° da IN SLTI 03/2009 permitido a contratação descentralizada para a função de apoio administrativo, tal possibilidade restringe-se às atividades de caráter ancilar, subsidiário, acessório, não afetas à processualística administrativa. Dito isto, tem-se que com muita razão tratou o artigo 9° daquele ato normativo de vedar a terceirização de serviços quando inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade. Vejamos os textos dos artigos ora comentados:
“Art. 8º Poderá ser admitida a alocação da função de apoio administrativo, desde que todas as tarefas a serem executadas estejam previamente descritas no contrato de prestação de serviços para a função específica, admitindo-se pela administração, em relação à pessoa encarregada da função, a notificação direta para a execução das tarefas previamente definidas.
Art. 9º É vedada a contratação de atividades que:
I – sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, assim definidas no seu plano de cargos e salários, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal;
II – constituam a missão institucional do órgão ou entidade; e (…).”
Cabe aqui colacionar o enunciado da Súmula 97 do TCU acerca da matéria:
Ressalvada a hipótese prevista no parágrafo único do art. 3º da Lei 5.645, de 10/12/70 (Decreto-lei 200, de 25/02/67, art. 10, §§ 7º e 8º), não se admite, a partir da data da publicação do ato de implantação do novo Plano de Classificação e Retribuição de Cargos do Serviço Civil da União e das autarquias, a utilização de serviços de pessoal, mediante convênios, contratos ou outros instrumentos, celebrados com Fundações ou quaisquer entidades públicas ou privadas, para o desempenho de atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo referido Plano.
A vedação é digna de nota porque não faz sentido a terceirização quando a atividade é tida por relevante a ponto de merecer destaque em plano de cargos e salários. Seria ilógico desconsiderar a profissionalização da função pública para admitir que terceiros substituam servidores públicos.
3. Requisito da inexistência de subordinação
Outra observação a ser feita diz respeito à impossibilidade da Administração exercer atos de subordinação em relação aos terceirizados, o que evidenciaria a intermediação irregular de mão-de-obra. As características da execução do contrato poderão demonstrar quem dá as ordens, quem define o perfil, quem determina as férias do terceirizado. É até possível que se descreva no edital de licitação as necessárias características do terceirizado, mas durante a execução do ajuste está vedada a individualização, a escolha e o poder de mando (art. 10 da IN SLTI 02/2008).
Em síntese, os órgãos de controle verificam a legalidade da contratação a partir da constatação de incidência dos principais requisitos caracterizadores da relação de emprego, a saber, pessoalidade, onerosidade e subordinação. Quando há pessoalidade o contrato é intuito persoae em relação ao empregado, ou seja, o terceirizado não pode ser substituído por outro; A onerosidade se daria caso a Administração remunerasse diretamente o terceirizado; A subordinação jurídica advém da relação estabelecida entre Administração e terceirizado, quando este deve acatar as ordens e determinações da tomadora.
Acrescente-se que, se os materiais e os equipamentos necessários à execução das atividades terceirizadas forem custeados pela Administração, ao invés de o ser pela empresa contratada, será um indicativo da vedada locação de mão-de-obra. Como exemplo, o serviço de repografia deveria ser executado por meio dos equipamentos da licitante vencedora, e não da Administração.
4. Responsabilidade Fiscal
Em sendo comprovada a substituição de servidores por terceirizados, o quantum despendido com a contratação será inserido nos limites de despesa com pessoal, conforme determina o art. 18 da LRF.
“Art. 18. Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como despesa total com pessoal: o somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos, os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência.
§ 1o Os valores dos contratos de terceirização de mão-de-obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos serão contabilizados como “Outras Despesas de Pessoal”.
§ 2o A despesa total com pessoal será apurada somando-se a realizada no mês em referência com as dos onze imediatamente anteriores, adotando-se o regime de competência.”
A Lei de Diretrizes Orçamentárias da União, Lei nº 12.017, de 12 de agosto de 2009, vem no mesmo sentido:
“Art. 76. Para fins de apuração da despesa com pessoal, prevista no art. 18 da Lei Complementar no 101, de 2000, deverão ser incluídas as despesas relativas à contratação de pessoal por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos da Lei no 8.745, de 1993, bem como as despesas com serviços de terceiros quando caracterizarem substituição de servidores e empregados públicos, observado o disposto no parágrafo único do art. 87 desta Lei.”
A terceirização vinha sendo utilizada como forma de burlar duas normas da Constituição Federal: uma, a referente à exigência de concurso público para investidura de todas as categorias de servidores, já que se começou a utilizar a terceirização como forma de contratar pessoal sem submetê-los a concurso público; outra que impõe limites à despesa com pessoal, já que, com a Emenda Constitucional nº 19, foram previstas sanções para o descumprimento desse limite.
Assim, no que toca ao limite de despesa com pessoal, o legislador pretendeu, ao editar o art. 18 da Lei Complementar nº 101/2000, coibir a terceirização ilícita, isto é, aquela realizada para burlar a regra de concurso público e para evitar os limites constitucionais e infraconstitucionais de gastos com pessoal. Desse modo, caso a Administração venha a consumar a contratação, a dívida gerada a partir daí será contabilizada como “Outras Despesas de Pessoal”.
5. Princípio da Continuidade do Serviço Público X Princípio do Concurso Público
O Tribunal de Contas da União, através de inúmeros acórdão e decisões, vinha reiteradamente condenando as contratações irregulares de serviços por parte da Administração Pública, especialmente quando tais terceirizações contrariavam o disposto no artigo 1°, §2° do Decreto 2.271/97, ou seja, contratava-se serviços desempenhados e inerentes às categorias funcionais abrangidas pelos planos de cargos do órgão ou entidade.
Sucede que, a despeito das disposições contidas no Decreto nº 2.271/97 e na IN 03/2009, bem como das decisões anteriores da própria Corte de Contas, o TCU, através do Acórdão nº 1520/2006, prorrogou os prazos anteriormente concedidos para substituição de terceirizados por servidores concursados. O abrandamento se traduziu na permissão para a postergação dos termos finais dos contratos de terceirização ilícita.
Tal se deu em acolhimento as reiteradas justificativas apresentadas pelos gestores públicos, no sentido de que a decisão de abrir vagas para concurso público escapa à esfera de atribuições dos dirigentes das entidades da Administração, entendendo o TCU que dilatar o limite final anteriormente imposto à Administração para até 31.12.2010, seria medida de justiça e razoabilidade.
“6.5 Os gestores se vêem então em situação na qual a solução do problema reside em esfera alheia ao seu grau de decisão, o que pode levar ao impasse entre o cumprimento de eventuais determinações desta Corte de Contas, ou mesmo da Justiça, e a descontinuidade dos serviços prestados à sociedade”. (trecho do Acórdão TCU n.º 1520/2006).
O citado acórdão pode ser lido como uma espécie de acordo entre o Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão e o TCU, assemelhando-se a um termo de ajustamento de conduta.
O Princípio da Continuidade do Serviço Público é consagrado no direito brasileiro, podendo ser extraída de diversas normas a preocupação com a solução de continuidade dos serviços públicos essenciais. Como exemplo, a greve no serviço público depende de regulamentação por Lei específica (art. 37, VII); aos contratos administrativos se veda a alegação, pelo particular, da exceção do contrato não cumprido.
É certo que a continuidade do serviço público não tem caráter absoluto, mas constitui regra geral, assim como o Princípio do Concurso Público, que também possui dignidade constitucional e deve ser respeitado. Pergunta-se: E se persistirem conflitos entre esses Princípios?
Os princípios constitucionais, segundo Celso Ribeiro Bastos[5], são aqueles valores albergados pelo Texto Maior a fim de dar sistematização ao documento constitucional, de servir como critério de interpretação, e, finalmente, o que é mais importante, espraiar os seus valores e pulverizá-los sobre todo o mundo jurídico.
No plano abstrato, o intérprete estará operando com princípios jurídicos de mesmo valor, que convivem em um sistema normativo complexo. Entretanto, no caso concreto, havendo colisão entre tais valores será necessário realizar um juízo de ponderação, cuja solução poderá consistir no triunfo de um sobre o outro.
Barroso[6] exemplifica os conflitos que são resolvidos pela ponderação de valores: a) a relativização da coisa julgada (colisão entre o princípio da segurança jurídica e valores tais como o da justiça); b) eficácia horizontal dos direitos fundamentais (aplicação das normas constitucionais às relações privadas); c) contraste entre a liberdade de expressão e o direito à informação com o direito à honra, à imagem e à privacidade.
Enfim, a opção pelo postulado preponderante se dá em duas etapas: a) concessões recíprocas, procurando preservar o máximo possível de cada um dos interesses em disputa; ou, no limite, b) escolha do direito que irá prevalecer, em concreto, por realizar mais adequadamente a vontade constitucional.
O conflito entre os Princípios do Concurso Público e da Continuidade do Serviço Público foi objeto do o Acórdão TCU Plenário nº 1520/2006, processo n° 020.784/2005-7:
“Acórdão
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de representação a respeito de proposta do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão para a substituição gradual de trabalhadores terceirizados em situação irregular no âmbito da Administração Pública Federal por servidores concursados.
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, diante das razões expostas pelo Relator, em:
9.1. conhecer desta representação, para o fim de:
9.1.1. tomar ciência da proposta oferecida pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão para diminuir gradualmente, entre os anos de 2006 e 2010, a terceirização irregular de postos de trabalho na Administração Pública Federal Direta, autárquica e fundacional, mediante a substituição dos terceirizados por servidores concursados, nos termos do seguinte cronograma:(…)
9.1.2. determinar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que finalize, no prazo de seis meses da publicação desta decisão, o levantamento do quantitativo de trabalhadores terceirizados que não executam atividades previstas no Decreto nº 2.271/97, incluindo aqueles que neste momento ainda não estão identificados, tanto quanto possível, no cronograma referido no subitem anterior;
9.1.3. determinar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que informe ao Tribunal as alterações que porventura se fizerem necessárias no cronograma de substituição proposto, inclusive no que se refere à quantidade de postos de trabalho previstos;
9.1.4. prorrogar, até 31/12/2010, os prazos fixados por deliberações anteriores deste Tribunal que tenham determinado a órgãos e entidades da Administração Direta, autárquica e fundacional a substituição de terceirizados por servidores concursados;
9.1.5. determinar à Secretaria Federal de Controle Interno que faça constar das tomadas de contas anuais do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, relativas aos exercícios de 2006 até 2010, observações sobre o cumprimento do cronograma proposto para substituição de trabalhadores terceirizados por servidores concursados;
9.2. dar conhecimento deste acórdão, acompanhado do voto e do relatório que o fundamentam:
9.2.1. aos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal;
9.2.2. ao Presidente da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados;
9.2.3. à Ministra-Chefe da Casa Civil da Presidência da República;
9.2.4. ao Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão;
9.2.5. ao Procurador-Geral da República;
9.2.6. ao Secretário Federal de Controle Interno;
9.3. determinar à Segecex que cientifique todas as Unidades Técnicas do TCU deste acórdão; e
9.4. arquivar o processo.”
Na tentativa de ponderar os Princípios em conflito, e levando em consideração que o MPOG não vem autorizando a realização de concursos públicos, a Corte de Contas aceitou a contratação de terceirizados como alternativa possível para evitar a solução de continuidade d execução dos serviços públicos, decidindo por prorrogar – até 31/12/2010 – os prazos anteriormente assinalados para a definitiva substituição dos terceirizados por servidores concursados.
Conclusões
Em síntese, a terceirização de serviços na Administração Pública há de observar algumas condições, sob pena de burla à Lei de Responsabilidade Fiscal e ao inciso II do art. 37, da Constituição da República.
O vínculo deverá se formar entre a Administração Pública (tomadora de serviço) e a empresa contratada (fornecedora de mão-de-obra); Não poderá existir subordinação e pessoalidade (relação de emprego) entre o terceirizado e a Administração pública; É imprescindível que não existam cargos que absorvam as atribuições do serviço contratado; Os valores dos contratos de terceirização de mão-de-obra, que se referem à substituição de servidores e empregados públicos, poderão vir a ser contabilizados como outras despesas com pessoal (art. 18, §1º, da LRF).
Enfim, são diversos os pontos negativos da terceirização ilícita, a exemplo da perda de qualidade nos serviços públicos prestados e a maior dificuldade de gerenciamento, mormente porque não há poder de mando sobre os terceirizados. Além disso, há o risco de responsabilização da administração por dívidas inadimplidas, e do administrador, pessoalmente, por improbidade administrativa.
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